quarta-feira, 24 de março de 2010

TV JUSTIÇA EXIBIRÁ PROGRAMA SOBRE PROJETO DE ITABUNA

TV JUSTIÇA EXIBIRÁ PROGRAMA SOBRE PROJETO DE ITABUNA

A TV JUSTIÇA( CANAL 19 NA TV A CABO) EXIBE PROGRAMA SOBRE O PROJETO “ADOTE A ESPERANÇA” DA VARA DA INFANCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE ITABUNA, NO PRÓXIMO DIA 27.03.2010( SÁBADO) A PARTIR DAS 21H30MIN. O PROGRAMA DEVERÁ SER REAPRESENTADO NO DOMINGO Á MEIA NOITE E NA SEGUNDA-FEIRA ÁS 20H30MIN.

O PROGRAMA, ALÉM DE ABORDAR AS ADOÇÕES BEM SUCEDIDAS NA COMARCA DE ITABUNA, VAI MOSTRAR UM POUCO DA HISTÓRIA E DO TRABALHO DO JUIZ MARCOS BANDEIRA, BEM COMO MOSTRARÁ ALGUNS ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS DA CIDADE DE ITABUNA,QUE COMPLETA EM 28 DE JULHO 100 ANOS DE HISTÓRIA, INCLUSIVE, EXIBINDO ENTREVISTAS COM PERSONALIDADES LOCAIS, COMO O FILÓSOFO CABOCLO ALENCAR, PROPRIETÁRIO DO FAMOSO BAR “ABC DA NOITE “ SITUADO NO BECO DO FUXICO.

terça-feira, 23 de março de 2010

A RELEITURA DO PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO SOCIETATE"

A RELEITURA DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”



Até há pouco tempo nós aplicávamos, no exercício da judicatura criminal, cegamente, o princípio in dubio pro societate, como vem ocorrendo com a maioria dos juízes que moureja na Vara do Júri, atendendo, principalmente, à produção dogmática predominante no Direito Processual Brasileiro, da qual o insigne e saudoso jurista Mirabete desponta como um dos seus maiores expoentes. Diz o saudoso jurista , a respeito do princípio in dubio pro societate o seguinte:



Como juízo de admissibilidade, não é necessário à pronúncia que exista a certeza sobre a autoria que se exige para a condenação. Daí que não vige o princípío in dubio pro reu, mas se resolve em favor da sociedade as eventuais incertezas propiciadas pela prova( in dubio pro societate).



Como se infere, na mesma linha teórica do princípio da presunção da culpabilidade, o legislador deu primazia à tutela da segurança pública em detrimento dos direitos e garantias fundamentais do sujeito acusado de ter praticado um crime doloso contra a vida, valendo-se de presunções e dúvidas para formar um juízo de admissibilidade de acusação em desfavor do acusado. Na verdade, no âmbito de um Estado Democrático de Direito, o juiz, mesmo em se tratando da primeira fase do procedimento relativo ao Tribunal do Júri, bem como de mero juízo de admissibilidade de acusação, não deve nunca decidir com dúvidas, pois esse estado de incerteza é incompatível com uma decisão dessa magnitude, que lança o acusado de uma imputação penal para ser julgado “diante das sete feras” – os jurados -, os quais julgam por convicção íntima, não precisando, como o juízes togados, motivar suas decisões. Evidentemente, que diante das limitações valorativas na apreciação das provas por parte do juiz, não se exige o juízo de certeza que legitima uma decisão penal condenatória, entretanto, o juiz só deve admitir a acusação diante da certeza da existência de indícios de autoria e a prova da existência do crime. Caso contrário, em face da existência de indícios frágeis, vagos, nebulosos, subjetivos, o caminho é o da impronúncia. Trilhando esse caminho, o então juiz da Comarca de Campinas-SP, José Henrique Rodrigues Torres explicita:



Não me parece devido nem jurídico invocar, na pronúncia, o provérbio in dubio pro societate. Não se deve admitir nenhum julgamento com base na dúvida. Nenhum. O uso da mencionada expressão é um equívoco, que, infelizmente, tem ocorrido com frequência. Para prolatar a pronúncia , embora a decisão não seja de mérito, mas sim de exame da viabilidade da acusação, deve o juiz aferir a suficiência das provas e indícios (...) O julgamento com base na dúvida não interessa à sociedade, que exige certeza fundamentada em todas as decisões judiciais (Constituição Federal, artigo 93, inciso IX).



Não compartilho inteiramente com a posição do eminente magistrado de Campinas, porquanto, embora reconhecendo a consistência do seu embasamento teórico de se vedar que o juiz julgue com dúvidas, entendo que, em se tratando de um juízo de mera admissibilidade da acusação, portanto, de uma decisão interlocutória mista, de natureza processual, o juiz não deve ter dúvidas com relação à existência de indícios e da prova da materialidade delitiva ou da existência do crime, todavia, em face das próprias limitações que o magistrado pronunciante tem no exame e valoração das provas, não podendo confrontá-las ou imiscuir-se demasiadamente no meritum causae, entendo que a expressão in dubio pro societate não deve ser abolida, mas submetida a uma nova leitura ou a um novo olhar. Com efeito, o juiz que não pode aprofundar-se no exame valorativo das provas sob pena de influenciar indevidamente o ânimo dos juízes naturais, deve reservar para os jurados as questões de alta indagação, de maior esclarecimento dos fatos, ou seja, o manancial probatório que sustentará a decisão de mérito e que exige a análise crítica do juiz, pois essa dúvidas ou incertezas o juiz pronunciante não pode e nem tem legitimidade para dirimir, pois somente no plenário do júri é que todos os elementos probatórios serão dissecados e o meritum causae discutido à exaustão pelas partes, no sentido de erigir o poder de convencimento dos jurados.

Entende-se que a verdadeira função da pronúncia é enxugar a acusação, expurgando os excessos e, principalmente, segundo o escólio do jurista Vicente Greco Filho “é a de impedir que um inocente seja submetido aos riscos do julgamento social irrestrito e incensurável”. O festejado jurista explicita categoricamente:



A função do juiz togado na fase da pronúncia é a de evitar que alguém que não mereça ser condenado possa sê-lo em virtude do julgamento soberano, em decisão, quiçá, de vingança pessoal ou social. Ou seja, cabe ao juiz na fase de pronúncia excluir do julgamento popular aquele que não deva sofrer a repressão penal (...) pode-se dizer que compete ao juiz evitar que um inocente seja jogado “às feras”.



Desta forma, não se deve utilizar a expressão in dubio pro societate quando se estiver diante de indícios vagos, frágeis, nebulosos e incertezas quanto à existência do próprio crime, pois, agindo assim, se estará ressuscitando o princípio da presunção da culpabilidade e lançando na vala comum do referido princípio prováveis inocentes para serem julgados pelas “sete feras”, contribuindo, assim, para a construção de uma decisão iníqua e injusta, condenando-se um provável inocente, o que certamente não interessa à sociedade, por ferir de morte todos os direitos fundamentais e garantias constitucionais conquistados ao longo do tempo.

Vê-se, portanto, que a leitura dogmática que ainda se faz do princípio in dubio pro societate viola flagrantemente os princípios da presunção da inocência e da motivação das decisões judiciais, insculpidos nos art. 5º, LVII e 93, IX da Constituição Federal de 1.988, pois no que toca a esta última, consoante escólio de Aury Lopes , “sua principal função é a de permitir o controle da racionalidade, pois só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder”.

O juiz pronunciante, a despeito de ser um garantidor dos direitos fundamentais do acusado de um crime contra a vida, deverá adotar uma linguagem sóbria e comedida, apontando com equilíbrio onde se encontram os indícios suficientes de autoria e a prova material do crime, sem se imiscuir ou se aprofundar no exame das provas, confrontando-as ou valorando-as excessivamente, de sorte a evitar alguma influência no ânimo dos jurados e assim expor a decisão de pronúncia à nulidade.



segunda-feira, 22 de março de 2010

PRESCRIÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: incompatibilidade

PRESCRIÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: incompatibilidade

Parte considerável da doutrina nacional e da jurisprudência, inclusive do STJ, insiste em não reconhecer a tutela jurisdicional do ECA aplicada aos adolescentes em conflito com a lei, negando-lhes a sua autonomia científica, enxergando na medida socioeducativa uma pena. Com efeito, essa corrente não consegue dissociar o direito penal do direito infracional abordado pelo ECA, sustentando, por conseguinte, a prescrição com relação às medidas socioeducativas. O embasamento teórico dessa corrente funda-se na violação do princípio de igualdade, no caráter punitivo da medida socioeducativa, pois se trata de uma sanção imposta, possuindo, portanto, as mesmas características da pena. Logo, estaria impondo tratamento mais severo e rigoroso ao negar ao adolescente em conflito com a lei o benefício da prescrição. Castro e Tibyriçá perfilham desse entendimento:

Dessa forma, clara a aplicação do instituto da prescrição ao direito socioeducativo, até porque, caso não se reconheça tal possibilidade, estaríamos tratando o adolescente de forma mais severa que um imputável, a quem se reconhece esse direito, o que é vedado pelo art.227, § 3º, inc. IV e V da Constituição Federal.

O Des. Amaral e Silva , do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, decidindo favoravelmente à aplicação da prescrição nas medidas socioeducativas, assim se pronunciou:

O que não se admite no Estatuto (Direito Penal Juvenil) são respostas mais severas e duradouras do que em idênticas situações seriam impostas aos condenados adultos (...). Ora, se os adolescentes respondem por atos infracionais, submetendo-se às medidas restritivas de direitos até privativas de liberdade impostas através de ação judicial, é claro que tem direito subjetivo à prescrição. Do contrário, seria admitir para os adolescentes sistema mais rígido do que o dos adultos.

Os Tribunais brasileiros também vêm pontificando esse entendimento:

“ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – REMISSÃO – PRESCRIÇÃO – MEDIDA SOCIOEDUCATIVA.

As medidas socioeducativas perdem a razão de ser com o decurso do tempo. Conseqüentemente, a fortiori, tratando-se de menores, é de ser aplicado o instituto da prescrição. ( STJ – Resp. 226.379 – SC – 5ª T. – Rel. Min. Félix Fischer – Dju,08.10.2001).

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, encampando a corrente do direito penal juvenil, consolidou esse entendimento ao erigir a súmula 338, “ in verbis”:

Súmula 338 - A prescrição penal é aplicável nas Medidas Socioeducativa”



A prescrição das medidas socioeducativas, na visão de seus defensores, será calculada na forma do Art. 109 do Código Penal, reduzindo-se os prazos à metade em razão da menoridade, nos termos do Art.115 do mesmo diploma legal, considerando-se o prazo máximo da medida socioeducativa. Ocorre, entretanto, que os argumentos sustentados por essa corrente, embora impressionem num primeiro momento, não resistem à confrontação com os princípios constitucionais de proteção integral da criança e do adolescente e com a tutela diferenciada do ECA relativa aos atos infracionais, imputados aos adolescentes em conflito com a lei. Ad primam não se deve confundir medidas socioeducativas com pena. Esta é determinada, tem caráter retributivo e de prevenção geral e especial. Aquela, é indeterminada e, embora tenha caráter retributivo ( não se pode negar o seu caráter restritivo e privativo da liberdade), tem uma natureza jurídica preponderantemente pedagógica, ou seja, além daqueles objetivos de prevenção geral e especial, tem uma função eminentemente ressocializadora, pois visa reestruturar a vida do adolescente, que está na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, no sentido de reverter os fatores criminógenos que carrega consigo e transformá-lo em um cidadão.

A idéia-força é mais de prevenção do que de repressão. A pena criminal é estabelecida em seus parâmetros quantitativos mínimos e máximos, correlacionando a conduta típica com determinada sanção, enquanto no sistema socioeducativo a normatividade é fluida e aberta, não havendo parâmetros determinados, já que a medida socioeducativa aplicada é por prazo indeterminado. Vê-se, todavia, que acima dessas regras existem princípios eleitos pelo legislador estatutário que são próprios das medidas socioeducativas e que não guardam qualquer compatibilidade com a pena, como, por exemplo, o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, a prioridade absoluta dos direitos das crianças e adolescentes, e a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, o que faz erigir, no particular, em face da especificidade desses valores, uma tutela jurisdicional diferenciada, especial.

Nesse diapasão, o Estado tem o dever de assegurar, como prioridade absoluta, a preservação dos direitos dos adolescentes, evitando-se que haja dano ou lesão, ou seja, a partir do momento em que se nega ao adolescente em conflito com a lei o direito de receber orientação pedagógica adequada, o Estado está se descurando dos seus deveres ao omitir-se, em face do transcurso do tempo, de atuar positivamente para evitar prioritariamente o resultado danoso para os direitos fundamentais dos adolescentes. A jurista e Promotora de Justiça Martha de Toledo Machado preleciona:

[...] é a estruturação especial do direito material de crianças e adolescentes (nos seus aspectos quantitativos e qualitativos), conformada no plano constitucional, que demanda e justifica a tutela jurisdicional diferenciada dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes [...] de outro lado, como as especificidades dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, no plano do direito material, estão fundadas na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento [..], e na medida em que tais especificidades distinguem completamente os direitos fundamentais de crianças e adolescentes dos direitos fundamentais dos adultos, com maior razão me parecer que são elas que determinam as particularidades da tutela jurisdicional desses direitos.

Como se depreende, a prescrição, em sendo matéria de natureza material – penal – é incompatível com a natureza das medidas socioeducativas. Na prescrição da pena, o Estado, em face do decurso do tempo, perde o direito – poder-dever - de punir os imputáveis. No que se refere às medidas socioeducativas, o Estado não deve, em função de sua própria inércia, renunciar ao dever primário de reeducar o adolescente em conflito com a lei, na condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, buscando à sua readaptação social.

Nem se argumente que o ECA prevê a sua aplicação subsidiária, pois na verdade o Art. 152 do ECA estabeleceu, restritivamente, a aplicação das normas de natureza processual penal, e não penal. Por outro lado, o Art. 226 do ECA admite a aplicação subsidiária das normas gerais do Código Penal, somente com relação aos crimes cometidos contra crianças e adolescentes e as infrações administrativas, não se aplicando aos atos infracionais praticados por adolescentes.

A ex-aluna da UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz – Jéssica Benjoíno Matos , na sua monografia intitulada “Prescrição de Medidas Sócio-Educativas: inadmissibilidade e aspectos inconstitucionais”, sustenta com argumentos sólidos e bastante desenvoltura a inaplicabilidade da prescrição nas medidas socioeducativas, como se pode observar pela leitura dos seguintes trechos extraídos de sua obra:

Sem qualquer esforço, pode-se extrair do excerto acima [...], que o Estatuto permitiu apenas a aplicação subsidiária das normas processuais penais e não das normas penais como querem.

A prescrição penal, no entanto, constitui matéria de direito material [...] de igual forma, o Art. 226 do ECA, situado no título VII, referente aos crimes e infrações administrativas, tem sido utilizado para fundamentar a prescrição de medidas sócio-educativas. Diz o referido artigo: “Art. 226. Aplicam-se aos crimes definidos nesta Lei as normas da parte geral do Código Penal e, quanto ao processo, as pertinentes ao Código de Processo Penal. Ora, o artigo citado faz clara referência aos crimes previstos no Capítulo I do título VII do Estatuto, e não aos atos infracionais praticados por adolescentes.



A monografista diferencia a natureza jurídica da pena em relação à natureza jurídica das medidas socioeducativas, salientando, com apoio em farto repertório doutrinário, que estas “são primordialmente pedagógicas e reeducativas”. Vale-se para melhor ilustrar à sua assertiva da transcrição do posicionamento do jurista Murilo José Digiácomo , o qual distingue, sutilmente, a natureza das medidas socioeducativas das penas, como se pode observar pela leitura do trecho extraído do seu artigo “Breves considerações sobre a proposta de lei de diretrizes socioeducativas”:

Com efeito, deve-se partir do princípio que a medida sócio-educativa, embora pertença ao gênero “sanção estatal”, posto que destinada unicamente a adolescentes que tenham comprovadamente praticado um ato infracional (conforme disposição expressa contida no Art. 114 da Lei nº 8.069/90), não possui natureza de pena, não estando sujeita aos parâmetros fixados pelo Código Penal para a aplicação de pena privativa de liberdade a imputáveis, tendo sua execução uma metodologia e um propósito também diferenciado (...) partindo do pressuposto elementar de que as medidas sócio-educativas, embora tenham uma certa carga retributiva (pois como dito se constituem numa resposta estatal reservada unicamente a adolescentes em conflito com a lei), não são nem se confundem com as penas prescritas aos imputáveis, não havendo qualquer prévia cominação de medida ao ato infracional praticado, seja ele de que natureza for, é óbvio que a medida sócio-educativa deve ser aplicada não em relação ao que o adolescente fez, numa perspectiva meramente retributivo-punitiva, mas sim em razão do que ele necessita para sua recuperação, de modo a evitar a reincidência.

A monografista conclui a sua obra, asseverando o seguinte:

Indiscutível, assim, que estender a aplicação da prescrição penal às medidas sócio-educativas é transgredir o necessário respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, abandonar a proteção integral que o Estado se comprometeu a proporcionar aos menores, bem como transpor para um segundo plano a questão infanto-juvenil, descartando a prioridade absoluta com que deveriam ser tratados os direitos da criança e do adolescente. É ofender, desse modo, princípios constitucionais de proteção à infância e juventude.

Alguns tribunais pátrios já vêm acolhendo esse entendimento ao não aceitar a prescrição nas medidas socioeducativas, como se observa:

MENOR – PRESCRIÇÃO – MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA.

Não se aplicam aos processos regidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente as normas do Código Penal que dizem respeito à prescrição.

Possuindo o menor bons antecedentes, tendo ele confessado o ato infracional praticado e inexistindo prejuízo para a vítima, que teve os objetos restituídos, outra não pode ser a medida aplicada senão a mais branda prevista no estatuto.

A maioridade atingida no correr do processo não afasta a possibilidade de aplicação das medidas previstas no ECA, desde que respeitado o limite de 21 anos ( TJMG – Acr. 288.211-6/00 – 3ª C. Crim – rel. Des. Mercêdo Moreira – DJMG 06.06.2003).



ECA. ATO INFRACIONAL. PRESCRIÇÃO. INADMISSIBILIDADE. Descabe a aplicação do instituto da prescrição da pretensão punitiva como forma de extinção da punibilidade da infração cometida por menor, conquanto o Artigo 152 do ECA preveja a aplicação subsidiária das normas gerais previstas na legislação processual. É que diferem os princípios em que se embasam o Direito Penal e o Direito da Criança e do Adolescente, sendo aquele instituto da prescrição afeito apenas ao primeiro. A prescrição da pretensão punitiva não se aplica aos procedimentos para a apuração de ato infracional, uma vez que o Estatuto Menorista, através de procedimento próprio, tem o objetivo de ressocializar o menor infrator para que ele possa remodelar o seu comportamento inadequado e, com isso, viver de acordo com as normas impostas pela sociedade.(TJRS, 2004).

Já que a prescrição, por ser matéria de natureza penal, é incompatível com a natureza peculiar das medidas socioeducativas e com os princípios constitucionais que informam a tutela diferenciada do ECA, como disciplinar a questão do decurso do tempo com relação às medidas socioeducativas? O ECA, na verdade, já previu o prazo máximo de cumprimento da medida de internação em três anos, a teor do que dispõe o § 3º do Art. 121 do ECA, o que pode ser estendido às demais medidas socioeducativas previstas no ECA, sendo certo que ninguém poderá cumpri-las após completar 21 anos de idade, nos termos estabelecidos no § 5º do mesmo dispositivo legal.

Ora, se não bastasse essa previsão legal, admitindo-se que o lapso de tempo ainda não ultrapassa três anos, ou o adolescente não completou 21 anos, o ECA permite, em face do caráter, predominantemente pedagógico das medidas soioeducativas, que o juiz deixe de aplicar a medida, por ser inócua e desnecessária, pedagogicamente. Nesse sentido, o Juiz fluminense e jurista Guaracy Vianna explicita:

Destarte, somente quando não se mostrar necessário proteger ou socio-educar pode o Estado-Juiz deixar de aplicar medidas protetivas ou sócio-educativas. Constatada essa circunstância, deixa-se de impor a medida ou de executá-la. Para isso inexiste um lapso pré-definido. É uma constatação concreta, caso a caso. Como as medidas são aplicadas levando-se em conta as necessidades pedagógicas (Art. 100 da Lei 8.069/90), já citado), pode-se afirmar, como o fez o ilustrado jurista público Caio Bessa Cyrino, Promotor de Justiça no Amazonas, numa conversa informal, que somente a ineficácia pedagógica pode impedir a aplicação de uma medida específica de proteção ou sócio-educativa. Na verdade, opera-se uma absoluta falta de interesse processual em continuar com o processo ou procedimento.

Como se infere pela argumentação trazida à colação, a prescrição é incompatível com os princípios – valores nucleares – que informam a natureza peculiar das medidas socioeducativas, pois violam, frontalmente, os princípios da proteção integral da criança e do adolescente, da prioridade absoluta dos direitos do adolescente, bem como a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, cuja sanção se diferencia por sua função, predominantemente pedagógica.

É dizer, não obstante a manifesta carga retributiva que é inerente à medida socioeducativa, como um sacrifício, restrição de direitos ou privação de liberdade em face do ato infracional que lhe é imputado, sua aplicabilidade está voltada menos para o ato infracional que praticou e mais para aquilo que o adolescente necessita para reestruturar sua conduta, buscando a real adaptação à sadia convivência familiar e comunitária, na esteira do que preconiza o Art. 100 do ECA.

Não há, como visto, qualquer dispositivo no ECA que autorize a aplicação subsidiária das normas gerais de direito penal, como v.g., a prescrição, com relação aos atos infracionais atribuídos aos adolescentes, de sorte que se entende, com a devida vênia do entendimento em contrário esposado por respeitáveis juristas e operadores do direito, que é inaplicável o instituto da prescrição nas medidas socioeducativas previstas no ECA.





terça-feira, 16 de março de 2010

ATO INFRACIONAL E ATO INDISCIPLINAR PRATICADO POR CRIANÇAS E ADOLESCENTE

O ATO INFRACIONAL E O ATO INDISCIPLINAR PRATICADO POR CRIANÇAS E ADOLESCENTES.



As palavras têm os seus significados próprios e não devem ser utilizadas de forma sinônimas, quando os seus significados são diferentes. Como se sabe, á luz do que estabelece o ECA – Lei nº 8.069/90 -, somente os adolescentes – aquela pessoa em processo de desenvolvimento entre 12 anos completos e 18 anos incompletos – podem cumprir medida socioeducativa em decorrência da prática de ato infracional. Com efeito, o adolescente, além dos direitos assegurados na Constituição e no ECA tem também um conjunto de deveres, principalmente, o de se pautar dentro dos padrões comportamentais estabelecidos pelo Estado, sob pena de ser responsabilizado pela prática de atos infracionais.

O ato infracional é toda conduta humana, comissiva ou omissiva, praticada por criança ou adolescente que se amolde a alguma figura típica de um crime previsto no Código Penal ou leis extravagantes, ou a uma contravenção penal. A criança quando comete o ato infracional, segundo o que dispõe o ECA, é encaminhado para o Conselho Tutelar, que como órgão autônomo e não-jurisdicional, deverá aplicar alguma medida protetiva prevista no art. 101 do ECA. Já o adolescente quando comete o ato infracional, dependendo da gravidade do ato, pode ser apreendido em flagrante e ser internado provisoriamente pelo prazo máximo de 45 dias até o término do procedimento judicial. Na maioria dos casos, principalmente, nos atos infracionais considerados de pequeno e médio potencial ofensivo, a regra é que o adolescente, após ser interrogado na Delegacia, seja imediatamente liberado e entregue aos pais ou responsável, ou encaminhado para o Ministério Público, respondendo, de qualquer forma, o processo em liberdade. No procedimento judicial serão observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, e o adolescente, caso seja condenado, poderá sofrer a imposição de uma medida socioeducativa que varia de uma mera Advertência, passando por Reparação de Danos, Liberdade assistida, Prestação de Serviços à Comunidade, semiliberdade até o Internamento, que é uma medida excepcional, aplicável nos atos infracionais praticados mediante violência e grave ameaça à pessoa, e que pode privar o adolescente por até três anos do convívio social. As medidas socioeducativas, embora importem em restrição de direitos e até privação de liberdade do adolescente, tem um conteúdo preponderantemente educativo, voltado para a conscientização e mudança de comportamento do jovem ainda em processo de desenvolvimento, no sentido de que o faça refletir sobre o ato que praticou, propiciando as condições para a introjeção de valores, principalmente, de respeito ao próximo, solidariedade, afeto, trabalho, alteridade e tolerância, que sejam capazes de reorientar os caminhos do jovem. A medida socioeducativa não pode ter caráter exclusivamente punitivo. Ela deve ser capaz de transformar a vida do adolescente, fazendo-o refletir e caminhar seguro em direção á cidadania.

O ato indisciplinar está relacionado às transgressões perpetradas por alunos no âmbito das dependências do educandário, principalmente dentro da sala de aula, e devem estar previstas no regulamento escolar. Podemos mencionar alguns atos indisciplinares comuns, como perturbação na sala de aula, ou quando o aluno que não deseja assistir a aula sai da sala, resposta agressiva ao professor, dentre outros atos. Esses atos não correspondem a nenhum crime ou contravenção e devem, portanto, ser resolvido administrativamente pela própria escola. Ocorre, entretanto, que alguns atos indisciplinares podem também caracterizar ato infracional, como a ofensa moral do aluno ao professor, ou lesões corporais praticada por um aluno contra o colega ou professor, por exemplo, quando então o fato deve ser encaminhado para a Delegacia de Polícia, se o autor do fato for adolescente, ou para o Conselho Tutelar, caso se trate de criança. Evidentemente , que toda unidade escolar pressupõe uma escala de hierarquia e de disciplina, como premissas de sua estrutura organizacional, sob pena de ser fadada ao insucesso. No caso de práticas de atos indisciplinares os regulamentos escolares devem prevê em seus dispositivos de uma simples advertência até a exclusão da escola, como sanção legítima imposta pela direção do educandário.

Impõe-se, todavia, asseverar que convivemos num Estado Democrático de Direito ,e como tal, não podemos tolerar práticas autoritárias e discriminatórias praticadas por dirigentes de escolas. Destarte, a sanção aplicada ao ato indisciplinar praticado pelo adolescente deve obedecer aos princípios da legalidade e da proporcionalidade. O princípio da legalidade exige que o ilícito disciplinar imputado ao aluno esteja previsto objetivamente no regulamento da escola, além de lhe assegurar o sagrado direito de defesa e do contraditório, enquanto o princípio da proporcionalidade exige que haja uma sanção proporcional á gravidade do ato indisciplinar praticado pelo aluno. Se o adolescente foi flagrado falando ao celular dentro do colégio não pode ser excluído nem suspenso da escola, sob pena de ferir de morte o princípio da proporcionalidade. Caso esses princípios não sejam respeitados pelo educandário, como deve proceder o aluno prejudicado? Recorrer ao Poder Judiciário, que é o verdadeiro guardião dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, e a última trincheira para fazer valer a verdadeira justiça humana.

Marcos Bandeira – Juiz da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna







quinta-feira, 11 de março de 2010

MOMENTO ESPORTIVO

Na foto, o ex-jogador Claudio Gentile da seleção italiana, o cantor italiano Eros Ramanzot, o ex-diretor da TV Santa Cruz, Cesar Mazzoni, e o juiz e atleta, Marcos Bandeira, quando da passagem das estrelas italianas pela cidade de Itabuna. Gentille e Eros Ramazzot jogaram futebol com os associados do Futset, em 2007, no condomínio  que fica situado às margens da Rodovia Jorge Amado - Itabuna-Ilhéus.

segunda-feira, 8 de março de 2010

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL



 
É comum se ouvir o discurso da redução da maioridade penal toda vez que a mídia noticia fatos graves praticados por adolescentes, principalmente, quando se trata de extorsão mediante seqüestro, roubos ou homicídios, como foi o caso do menor Chapinha que confessou ter matado o casal de estudantes Liana e Felipe. O clamor provocado pela mídia estimula as pessoas a se unirem e saírem às ruas, para empunharem a bandeira da redução da maioridade penal para 14 anos, 15 ou 16 anos, acreditando na falsa sensação de que essa redução cessará a questão da impunidade e resolverá todos os males econômico-sociais do imenso Brasil.

Essa corrente já conta com o apoio majoritário de entidades expressivas do país, como a OAB, na qual 89% dos pesquisados manifestaram a opinião de reduzir a maioridade para 16 anos, 75% dos Juízes brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal(nota). Entende-se, todavia, que o tema merece uma análise mais aprofundada e contextualizada, porém, menos emocionada e mais ponderada.

É sabido que o jovem adolescente de hoje não é o mesmo de algumas décadas atrás, pela dinâmica da vida moderna e o arsenal de informações que recebe, diariamente, seja pela internet, televisão, jornais, escolas, etc, encontrando-se, portanto, com a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O adolescente com 16 anos de idade pode votar, bem como praticar alguns atos da vida civil sem assistência, pois é relativamente incapaz, podendo, inclusive, emancipar-se, pelo casamento, exercício de emprego público efetivo, relação de emprego, pela efetivação de estabelecimento civil ou comercial, ou conclusão de curso superior, quando então poderá praticar todos os atos da vida civil, detendo, assim, o discernimento para entender o que é bom e o que é ruim, o justo e injusto.

Não há dúvidas que o adolescente de hoje está muito bem informado e melhor preparado do que o adolescente dos anos 70, entretanto, a questão não é só de informação, mas de formação; não é só de razão, mas de equilíbrio emocional; de compreensão, mas de entendimento. Indaga-se: será que o adolescente de 15 ou 16 anos age refletidamente? Será que pensa, refletidamente, antes de agir? Ou é por excelência inconseqüente, por força mesmo da sua incompletude, de sua imaturidade? Somente o tempo é capaz de edificar mecanismos que habilitem o homem a refletir, a ponderar, a mensurar suas ações.

O jovem precisa de tempo para amadurecer, como, ontologicamente, acontece com a fruta que ainda não amadureceu, e só dá no tempo certo. A natureza não dá saltos, isto é, natura non facit saltus, e a criança precisa de tempo para ser adolescente, e o adolescente precisa de tempo para ser adulto maduro.

Quanto jovens, inclusive, no esporte, demonstram extraordinário talento, mas ainda se mostram imaturos, verde, e precisam de experiência, de vivências, que só o tempo via lhe dar para adquirir a excelência naquilo que faz. O adolescente é irreverente, inconseqüente e acredita que é imortal. Nada o desencoraja na realização de seus sonhos de aventuras. Age primeiro, para depois refletir e pensar no que aconteceu. Age primeiro para depois refletir e pensar no que aconteceu. Erik Erikson, citado por José Outeiral, preleciona que:

“a fronteira entre o normal e o patológico na adolescência é uma questão crucial e difícil. Ele considera que a adolescência constitui uma crise normativa, ou seja, um momento evolutivo que se caracteriza por um processo normativo de estruturação de identidade do indivíduo...sugere que o mundo adulto dê uma moratória ao adolescente em conflito”.

Donald Winnicott, no mesmo sentido, considera que o melhor tratamento para a adolescência é o tempo. Como se observa, a adolescência é uma fase especial, na qual o ser humano experimenta transformações extraordinárias em seu corpo, através do metabolismo interno de seus órgãos, glândulas e hormônios, que desencadeiam uma mudança do corpo infantil com repercussões direta na mente do adolescente, despertando-se para a sexualidade, estabelecimento de vínculos afetivos e outras situações características de sua idade. O psicanalista José Outeiral em sua excelente obra percebe essa particularidade ao explicitar(pg. 8):

“Vive o adolescente, neste momento evolutivo, a perda de seu corpo infantil, com uma mente ainda infantil e com um corpo que vai se fazendo inexoravelmente adulto, que ele teme, desconhece e deseja e, provavelmente, que ele percebe aos poucos diferente do que idealizava ter quando adulto. Assim, querendo ou não, o adolescente é levado a habitar um novo corpo e a experimentar uma nova mente”.

A expressão “adolescência” origina-se do latim ad (a, para) e olescer (crescer), significando o ser humano que está em fase de crescimento, de evolução. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a adolescência é constituída de duas fases: a primeira fase compreende o período dos 10 aos 16 anos, e a segunda fase, dos 16 aos 20 anos. O psicanilista José Outeiral considera: “que sendo a adolescência um processo psicossocial, ela estará na dependência dos aspectos sociais, econômicos e culturais da sociedade onde o adolescente se desenvolve”, seguindo a diretriz de Piaget (nota), segundo o qual, no processo de interação com o ambiente a criança, gradualmente, desenvolve estruturas psicológicas. Consoante o escólio do psicanalista José Outeiral, a adolescência é composta de três etapas, cujo início e fim não são muito precisas, quais sejam:

. “A adolescência inicial (de 10 a 14 anos) é caracterizada, basicamente, pelas transformações corporais e alterações psíquicas derivadas desses acontecimentos;

. a adolescência média (de 14 a 17 anos) tem como seu elemento central as questões relacionadas à sexualidade, em especial, a passagem da bissexualidade para a heterossexualidade.

. a adolescência final (de 17 a 20 anos) tem vários elementos importantes, entre os quais o estabelecimento de novos vínculos com os pais, a questão profissional, a aceitação do novo corpo e dos processos psíquicos do mundo adulto”.

O psicanalista gaúcho, Luiz Carlos Osório, em seu livro Adolescência hoje, reconhece a dificuldade em precisar o término da adolescência, mas arrisca algumas condições, como se infere:

“A puberdade estaria concluída, e com ela o crescimento físico e o amadurecimento gonadal (que permite a plena execução das funções reprodutivas), em torno de 18 anos, coincidindo com a soldadura das cartilagens de conjugação das epífises dos ossos longos, o que determina o fim do crescimento esquelético.

O término da adolescência, a exemplo do seu início, é bem mais difícil de determinar e novamente obedece a uma série de fatores de natureza sociocultural. Tentando discriminar quais os elementos mais universais na atualidade que nos possibilitaram assinalar o término da adolescência, relaciono o preenchimento das seguintes condições: 1) estabelecimento de uma identidade sexual e possibilidade de estabelecer relações afetivas estáveis; 2) capacidade de assumir compromissos profissionais e manter-se (independência econômica); 3) aquisição de um sistema de valores pessoais (moral própria); 4) relação de reciprocidade com a geração precedente (sobretudo com os pais). Em termos etários, isto ocorreria por volta dos 25 anos na classe média brasileira, com variações para mais ou para menos consoante as condições socioeconômicas da família de origem do adolescente”.

No ordenamento jurídico penal brasileiro, é imputável aquele que tem capacidade de entender – capacidade intelectiva – e de determinar-se de acordo com esse entendimento – capacidade volitiva - , tendo o nosso Código Penal de 1940 adotado o critério biopsicológico ou misto, pelo qual são inimputáveis os portadores de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, aí incluídos os menores de 18 anos, porquanto ao tempo da ação o agente era incapaz de entendimento ético-jurídico do injusto e de autodeterminação. Segundo o pranteado penalista José Pierangeli:

“... imputabilidade é a capacidade pessoal de se tornar objeto de censura, isto é, de reunir capacidade de culpabilidade. Essa capacidade é a liberdade que fundamenta a reprovabilidade e está só se pode pressupor num indivíduo cujas características pessoais o habilitem adequar seu comportamento aos ditames do direito”.

O eminente jurista, embora reconhecendo que o Código Penal brasileiro adotou o critério biopsicológico, para aceitar que “a pessoa humana, por sua imaturidade”, não possui poder intelectivo e volitivo durante parte de sua vida biológica (...) e que a imputabilidade penal aos 18 anos prepondera, nas legislações atuais da maioria dos países”, assevera que o legislador brasileiro adotou um critério “apriorístico e sem uma efetiva base científica”. Ousa-se, com todas as vênias discordar do entendimento do eminente jurista, pois como já teve oportunidade de discorrer, a adolescência representa uma fase de crescimento, de incompletude, de construção do ser, cujo término , sem qualquer controvérsias entre os estudiosos da matéria, ultrapassa a faixa etária dos 18 anos.

Essa sua condição de pessoa em desenvolvimento, que ainda está construindo a sua estrutura psicológica, a sua inteligência emocional, é a base científica que levou o legislador constituinte a erigir em presunção absoluta de inimputável ao menor de 18 anos de idade, elevando-a a condição de garantia individual, nos termos do Art. 228 da CF, considerando que o rol de garantias individuais não se exaure no elenco do Art. 5º da carta magna, ampliando-se para outros direitos inerentes à pessoa humana, nos termos preconizados pelo § 2º do Art. 5º, pelo que a garantia da inimputabilidade penal para crianças e adolescentes – Art. 228 da CF -, embora inserida no capítulo “Dos Direitos Sociais” é uma verdadeira garantia individual para crianças e adolescentes, constituindo-se em cláusula pétrea, a qual não pode ser abolida nem por emenda constitucional, a teor do que dispõe o art. 60, § 4º, IV da Constituição Federal de 1988. Não bastasse essa garantia individual inserida na lei suprema, a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, subscrita por mais de 180 países, incluindo o Brasil, estabeleceu como consenso mundial a imputabilidade penal aos 18 anos. Esse critério vem sendo adotado pela maioria das legislações mundiais, como México, República Dominicana, Porto Rico, Uruguai, Porto Rico, Equador, Venezuela, Espanha, dentre outros. É bem verdade que outros países vêm adotando a imputabilidade penal aos menores de 18 anos, como Itália (14 anos), França (13 anos), Finlândia (15 anos), Suécia (15 anos), Japão (14 anos), normalmente, exige para os menores de 18 anos a comprovação em Juízo de que praticaram o crime sem a capacidade de discernimento e acabam cumprindo a pena em estabelecimentos especiais diversos daqueles destinados aos adultos.

Analisando-se sob esse prisma, pode-se afirmar, então, que no Brasil, a imputabilidade começa aos 12 anos, já que a partir dessa faixa etária, o adolescente poderá sofrer uma sanção restritiva, como prestação de serviços à comunidade, reparação de danos, liberdade assistida ou privativa de liberdade, como as medidas sócio-educativas de semiliberdade e internação, as quais são cumpridas em estabelecimentos diversos daqueles destinados aos imputáveis e têm caráter retributivo. Nesse sentido, o jurista e juiz fluminense, Guaraci Vianna, como profundo conhecedor da matéria, sustenta que a responsabilidade penal no Brasil já começa aos doze anos de idade, como se infere do texto abaixo extraído de seu artigo científico:

Dessa forma, a responsabilização penal no direito brasileiro começa aos 12 anos de idade. O adolescente pode ser privado de sua liberdade, responder a um processo infracional (ou criminal) e estar sujeito a uma medida sócio-educativa (que não deixa de ter algumas similitudes com as penas impostas aos adultos (...) surge, então, para o adolescente (maior de 12 anos), o conceito de responsabilização ou a capacidade para sofrer sanção...”

Na verdade, é necessário acabar no Brasil com essa idéia de que os menores de 18 anos, no Brasil, não sofrem sanção por seus atos. Essas sanções, embora de conteúdo, preponderantemente, pedagógico – em face da condição especial do adolescente de ser em desenvolvimento – possui inegável carga retributiva, pois expiam, experimentam restrições e privações em face do ato infracional praticado, sendo, portanto, falacioso o argumento de que os menores de 18 anos não são punidos pela prática de seus atos. O jurista Luiz Flávio Gomes compartilha desse ntendimento, como se observa:

“No imaginário popular brasileiro difundiu-se equivocadamente a idéia de que o menor não se sujeita a praticamente nenhuma medida repressiva. Isso não é correto. O ECA prevê incontáveis providências sócio-educativas frente ao infrator (advertência, liberdade assistida, semiliberdade etc). Até mesmo a internação é possível, embora regida (corretamente) pelos princípios da brevidade e da ultima ratio (última medida a ser pensada e adotada). A lei concebe a privação da liberdade do menor , quando se apresenta absolutamente necessária”.

Aferida a adolescência como uma fase de desenvolvimento do ser humano, com transformações extraordinárias experimentadas no corpo e na mente do jovem que caminha em busca de sua identidade, construindo, gradualmente, a sua personalidade e experimentando, ao longo desse percurso, turbulências, ansiedades e desafios, é curial que se contextualize o adolescente em conflito com a lei, mostrando a sua cara, sua história e o sistema repressivo pátrio, para se entender se é conveniente a redução da maioridade penal em nosso país.

Na verdade, a descomunal desigualdade social, aprofundada pela má distribuição de rendas e a cruel política econômica imposta ao país pelo capital estrangeiro, fez nascer o submundo dos adolescentes infratores, meninos e meninas que perambulam pelas ruas, à margem da sociedade, vítimas de rejeição, do abandono e que, pelo fato de não pertencerem à sociedade de consumo criam suas próprias leis e reagem com agressividade, devolvendo à sociedade a violência de que foi vítima. Em recente estudo divulgado pela ONU foi revelado que o Brasil possui cerca de 50 milhões de indigentes, ou seja, proporcionalmente, para quase cada três brasileiros, um sobrevive em estado de pobreza extrema com renda inferior a R$ 100,00.
A desigualdade social é tão gritante que a diferença entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres é de trinta e três vezes, colocando o Brasil no grupo de Guiné-Bissau, Guatemala e Lesoto, enquanto na Alemanha a diferença é de seis vezes, e no Japão a diferença é de quatro vezes. Com efeito, e dentro dessa realidade nua e crua é que o eminente jurista e juiz da Vara da Infância e Juventude de Belo Horizonte, Tarcísio Martins, percebeu a seletividade do sistema criminal pátrio, ao prelecionar :

“Se a principal característica dos sistemas de controle social, em qualquer país do mundo, é a seletividade, esta se faz tanto mais expressiva quanto maior o contingente populacional dos chamados excluídos, isto é, daqueles que historicamente, jamais tiveram acesso a condições mínimas de bem-estar e de dignidade e, que, portanto, nunca se reconheceram ou foram reconhecidos como cidadãos plenos pela sociedade e o Estado”.

O contingente atingido pela exclusão já alcança 32 milhões de pessoas no Brasil e 260 milhões na América Latina. São os diminuídos econômicos, sociais, políticos e culturais, chamados cidadãos de segunda classe, incapazes de exercer a cidadania enquanto direito de ter direitos. Daí, que certos setores da sociedade e do próprio Estado, passam a considerá-los como cidadãos descartáveis, encarando como natural a sua degradação pessoal e social e até mesmo o seu extermínio”.
Como se depreende, é nesse contexto que é necessário vislumbrar o adolescente em conflito com a lei, o jovem ainda em processo de desenvolvimento de sua personalidade, que se depara com essa realidade injusta e cruel, na qual lhe é negado o elementar direito de ser criado num ambiente digno e adequado para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades físicas, intelectual, morais e espirituais. Destarte, oriundo de família desestruturada, muitas vezes, fruto de uma paternidade irresponsável, o jovem cresce e introjeta valores diferentes daqueles passados por uma família normal. Algumas vezes, é filho de uma prostituta ou de pai ignorado, ou mesmo presidiário, sendo criado por avós ou algum parente mais próximo, que movido pelo estado de indigência, empurra a criança ainda para pedir esmola nas ruas para que todos possam comer.

Se for menina, a falta de uma orientação, de um referencial, de algum valor, aliado à vida dura e cruel é um passo para a prostituição e para as drogas, enquanto os meninos conhecem outros moleques inclinados para a delinqüência e são cooptados, muitas vezes, por traficantes, enveredando para a práticas de pequenos furtos, uso de drogas até chegar à prática de atos infracionais violentos. Essa é a dura realidade enfrentada por todos aqueles que mourejam nas Varas de Infância e Juventude de nosso país. O grande desafio: transformar a vida desses adolescentes, evitando que se tornem um marginal irrecuperável. É bem verdade que essa situação não é exclusiva do Brasil, mas grassa em toda a América Latina, conforme se infere pelo ensinamento de Maria de Los Angeles Pérez Ferreiro:

“los processos económicos y políticos pautan modelos de desarollo a aaeguir que provocan desajustes sociales y desorganización, generando grupos subculturales, marginales, donde los individuos se agrupan dando respuestá a sus necessidades. Las normas culturales y jurídicas refuerzan los valores y pautas dominantes provocando también el etiquetamiento y favoreciendo la marginalidad y el estigma.
Hablar de marginal em America latina es decir pobreza, miseria y assistir al espetáculo de numerosos habitantes que viven em condiciones dificientes, totalmente reñidas com la dignidad humana. De Ellos se nutre el sistema repressivo, ellos se constituyen em desvidados cuando violan las normas”.

Não há dúvidas de que reduzir a maioridade penal para 16 anos, é agravar ainda mais a situação do adolescente em conflito com a lei, pois como se não bastasse a sua condição de pessoa em desenvolvimento, ainda sobrevive à margem de uma sociedade desigual e cruel, que lhe nega o direito de ser cidadão. O jovem que cresce à margem da sociedade tem outras referências e, muitas vezes, em sua consciência pequenos furtos, como pegar um cordão de ouro ou uma bolsa, não chega a ser um ato anti-social, mas uma forma de sobreviver, pois foi assim que aprendeu nas ruas.

Como sustenta o jurista Tarcísio Martins, não é a capacidade de compreender o caráter ilícito do fato que dará ao adolescente a condição de responder penalmente pelo fato delituoso que praticar, mas à sua capacidade de entendimento, ou melhor, de agir refletidamente. Diz o ilustre jurista mineiro, na sua obra já referida:
Finalmente, é importante ressaltar que ninguém discute que o jovem de nossos dias, bombardeado diariamente por uma grande massa de informações. Inconcebível há alguns anos atrás, é capaz de compreender a natureza ilícita de determinados atos. É evidente, que não só os jovens de 16 anos, mas também os de 14, 12 ou 10 anos, e até mais cedo, sabem o que fazem. Não desconhecem que matar, roubar , estuprar e tantas outras condutas reprováveis e criminosas. Por outro lado, também não se pode desconhecer que a principal característica do adolescente, em virtude de todo um complexo de condições físicas e psicológicas peculiares, é a notória incapacidade de agir refletida e pensadamente, sem medir as conseqüências de seus atos, razão pela qual não pode ser equiparado ao adulto como pessoa capaz de responder penalmente pelos atos praticados em violação à lei, capacidade esta que o homem só adquire, progressivamente, depois de atingir o desenvolvimento completo”.

Acolhe-se, integralmente, esse posicionamento, pois em se tratando de um ser humano em processo de desenvolvimento biopsicossocial, não é, evidentemente, o volume de informações que lhe dará a capacidade de entender o caráter lícito do fato e de se comportar de acordo com esse entendimento, pois esse entendimento só o tempo, gradualmente, lhe propiciará em dado momento a maturidade necessária para agir refletidamente.

Ademais, nesse contexto de um sistema seletivo que funciona na visão de Juarez Cirino dos Santos: “Como um processo de marginalização social, para atingir uma determinada clientela, que está precisamente entre os mais desfavorecidos da sociedade”, com certeza, estar-se-ia, agravando ainda mais a situação social país e a vida desses adolescentes em conflito com a lei, enchendo as penitenciárias com jovens que poderiam, ainda, se tornar cidadãos. O sistema penitenciário está falido, pois não vem cumprindo as finalidades de prevenção geral e especial, nem tampouco de ressocializar, o que transformariam as cadeias públicas em depósitos de adolescentes, os quais sairiam especializados na prática de crimes, em face do contacto nefasto com meliantes da mais alta periculosidade, como traficantes, latrocidas e estupradores.

Não se vê que essa seja a melhor solução para a nossa realidade, pois, sem dúvidas, só iria aumentar a violência em nosso meio com a reincidência maciça desses jovens na prática delituosa. Entende-se que o ECA é uma das mais avançadas legislações do mundo e a melhor solução será, sem dúvidas, o seu aperfeiçoamento, identificando-se as suas falhas e ajustando o seu normativo para a atual realidade social - em constante mutação. Impõe-se, por exemplo, a ampliação do prazo máximo de internamento, que poderia ser majorado para cinco anos e até ultrapassar os 21 anos, quando, em face das circunstâncias e alta periculosidade do jovem, a medida se mostrar absolutamente necessária. O período mínimo de avaliação poderia ser majorado para um ano e o juiz poderia decretar o internamento em casos graves, mesmo que praticados sem violência ou grave ameaça.

O Estado deveria investir mais na estruturação dos Centros de Internamento destinados a adolescentes infratores, dotando de melhor estrutura física e humana, com equipe interdisciplinar que pudesse fazer acompanhamento psicossocial junto ao adolescente e sua família, como forma de reorientar o seu caminho e afastá-lo do mundo da criminalidade e das drogas, fomentando o exercício de atividades pedagógicas, esportivas, de lazer e profissionalizantes. O juiz e jurista Tarcísio Martins apresenta uma proposta de mudança da seção VII, da Internação do ECA, que parece adequada e consentânea com o momento atual, merecendo apenas algumas alterações, principalmente, no que toca ao limite da maioridade, cujo esboço é o seguinte:

“Seção VII

Internação

“121 – A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que visa conciliar os objetivos educativos e de reintegração sócio-familiar do adolescente infrator com a preservação da paz social e a garantia da ordem pública.

§ 1º - Omissis

§ 2º - A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, a cada doze meses, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da sua execução.

§ 3º - Em caso de reavaliação favorável, o adolescente deverá ser colocado em regime de semiliberdade ou liberdade assistida.

§4º - O adolescente que atingir três anos de privação da liberdade, sem que tenha sido revogada a medida, terá a internação prorrogada por mais um ano, mediante decisão fundamentada, podendo o juiz a qualquer tempo determinar a colocação em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.

§ 5º Findo o período de prorrogação, o adolescente deverá ser colocado nos regimes previstos no parágrafo anterior.

§ 6º Se for imputado ato infracional considerado de maior gravidade pelas circunstâncias do fato e condições pessoais, a um adolescente com mais de dezesseis e menos de dezoito anos de idade ao tempo da perpetração e, atingindo o limite de três anos estabelecido no § 4º, sem que tenha sido revogada a medida em razão de grave deformação da personalidade, o juiz, em decisão fundamentada, poderá prorrogá-la por mais um ano ou até a maioridade.

§ 7º Completada a maioridade, sem que tenha ocorrido a revogação, o sentenciado será transferido para colônia ou para instituição de trabalho, de reeducação ou ensino profissional destinada ao jovem adulto, onde permanecerá à disposição do juiz das Execuções penais, que determinará a reavaliação, no máximo, a cada seis meses, não podendo o prazo de permanência na entidade exceder a dois anos, assegurados todos os direitos previstos na Lei das Execuções Penais, desde que atendidos os requisitos legais para a sua concessão.

§ 8º - Em qualquer fase do cumprimento da medida, evidenciado o estado mental patológico do adolescente, que possa colocar em risco a sua própria incolumidade física ou a de outros, poderá o juiz decretar o seu recolhimento em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou na sua falta em outro estabelecimento dotado de características hospitalares, se essa providência for indispensável para fins de tratamento curativo.

§ 9º - A internação referida no parágrafo anterior poderá ser substituída por tratamento ambulatorial pelo prazo mínimo de um ano e máximo de três anos.

§ 10º - Em qualquer hipótese, as decisões judiciais previstas nos parágrafos anteriores serão sempre fundamentadas, ouvido o Ministério Público.

Art. 122 – A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I – Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa;

II - tratar-se de outras infrações de natureza grave;

III – por reiteração de atos infracionais graves;

IV - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

Parágrafo único – Considera-se ato infracional grave aquele cometido com ameaça ou violência contra a pessoa, ou o que lei penal comine pena mínima de reclusão igual ou superior a dois anos e, pelas circunstâncias do fato e condições pessoais, revele séria deformação de personalidade do adolescente.

Art. 123 – Omissis

Parágrafo único – Durante o período de internação, inclusive, provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas e esportivas.

Art. 125 – A política de atendimento ao adolescente infrator, privado de liberdade, far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, cabendo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios zelar pela integridade física e mental dos internos e adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”.



O jurista Luiz Flávio Gomes é contrário à redução da maioridade penal, sustenta a preservação do ECA e as modificações necessárias que lhe emprestem uma interpretação razoável. Dessa forma, assevera que o menor absolutamente desajustado e que revele grave defeito de personalidade deve sofrer medida de segurança para tratamento e recuperação. Vejam a sua posição:

“... não parece aceitável, de outro lado, remeter o menor para o Código Penal; muito menos para os cárceres destinados aos adultos. Ao menor com grave desvio de personalidade não parece haver outro caminho senão o do tratamento adequado, nos termos do art. 112, § 3º do ECA, que deve durar até cessar a periculosidade. Com isso se conclui que, quando necessário, devem ser extrapolados os limites de três anos de internação ou dos 21 anos de idade”.

Como se depreende, não parece que a redução da maioridade penal seja a solução ideal, pois simplesmente vai encher os presídios, já superlotados e sem qualquer programa eficaz de readaptação do detento, de jovens em formação que poderiam se tornar cidadãos e conviver, pacificamente, na sociedade. Abrir-se-á mão da prevenção para valorizar a repressão.

Entende-se que a melhor solução está na modificação do ECA, ajustando-o às novas exigências sociais, todavia, não basta a mera alteração legislativa, é preciso que o governo, principalmente, invista em políticas públicas de atendimento eficaz ao adolescente em conflito com a lei, extirpando as famigeradas Febens e criando um verdadeiro sistema sócio-educativo de atendimento, redimensionando a situação do adolescente em conflito com a lei para vislumbrá-lo como algo que transcende ao aspecto, meramente jurídico, revelando assim, o seu caráter transindividual a exigir a concorrência de outras áreas do conhecimento humanos, como a psicologia, psiquiatria, pedagogia, sociologia, antropologia, dentre outras, no sentido de que conhecendo a história do adolescente e fazendo acompanhamentos regulares, se possa perfurar a couraça do adolescente em conflito com a lei, tocando na sua auto-estima e fazê-lo descobrir com o auxílio indispensável dos trabalhadores sociais, que a vida é , de fato, uma grande possibilidade e que ele pode reescrever à sua própria história nesse mundo tão desigual.





domingo, 7 de março de 2010

O CICLO MARGINAL DA DROGA

CICLO MARGINAL DA DROGA



 


A ausência do Estado e a negação do direito de cidadania implicam o nascimento dos bolsões de miséria e da criminalidade. O traficante acaba assumindo, dissimuladamente, o papel do Estado, dando segurança, dinheiro, gás, alimento, e outros utensílios ao carente, fazendo-o ingressar no mundo das drogas e do crime. A maioria dos adolescentes que cumpre medida sócio-educativa, na Comarca de Itabuna, cerca de 70% já sofreram algum tipo de violência doméstica, seja sexual, maus-tratos, abandono, seja negligência nos deveres elementares do poder familiar.

O menor de 18 anos de idade, normalmente filho de pais com problemas, sobrevive num ambiente hostil, no âmbito de uma família desestruturada, sendo atraído, facilmente, pela droga, como forma de fuga inicial da vida difícil. O garoto começa, furtando os objetos de casa, depois parte para pequenos furtos na vizinhança, e passa a roubar e a matar para manter o vício da droga. Revela, gradualmente, um comportamento contrário aos padrões exigidos pela sociedade, rebelando-se contra a família e os diversos grupos sociais organizados, partindo firme em direção ao crime, alcoolismo e drogas. Inicia-se normalmente, com a cola de sapateiro, a qual é uma mistura de vários solventes que danifica o sistema respiratório, estômago, fígado, intestino, cérebro, afetando a própria capacidade física e causando dependência química. A cola de sapateiro causa irritação nos olhos, dificultando a visão, provocando dores de cabeça, perda da memória e do autocontrole. O jovem começa a conhecer melhor as ruas, é reconhecido pelos outros com um apelido, apreende uma linguagem própria e agora tem a sua própria identidade. Os seus valores e suas referências estão limitados ao mundo da criminalidade e das drogas. Deseja ser bandido quando crescer e dominar a boca de fumo. Agora já serve de avião e tem que saber vender a mercadoria, pó de 10, pó de 50, etc. O juiz mineiro, Tarcísio Martins sintetiza o mundo dessas pobres criaturas:

“... Em duplas ou em bandos ( dando rolé, como dizem) perambulam pelas ruas centrais ou pela orla das grandes e médias cidades. Agitam, cometem pequenos furtos, fogem em correria, negociam, pedem dinheiro, cigarros e comidas aos transeuntes e comerciantes, que os observam quase sempre com uma mescla de temor e repúdio. Cheiram thyner e cola de sapateiro, que trazem em saquinhos plásticos, e fumam crack e maconha. Analfabetos ou semi-analfabetos, excepcionalmente chegam até a 3ª ou 4ª série do primeiro grau. Como os laços de família forma rompidos ou estão bastante esgarçados pode-se dizer que mundo da comunidade e da escola para eles se diluiu. Em razão disso estruturam seu próprio habitat nos lotes vagos, construções em ruínas, viadutos, estações rodoviárias ou de metrô...convertem as esquinas, praças e graminhas em seus sítios íntimos de reunião. Quase sempre renegam o próprio nome. Em cada instituição por onde passam, especialmente, nos Juizados da Infância e da Juventude, forjam um nome diferente”.

O juiz Tarcísio Martins cita um estudo da Associação Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte, coordenado por Heloisa Helena Santos e Tânia Ferreira, para demonstrar que os adolescentes perdem a sua identidade inicial e passam a ser conhecidos por outro nome – apelido -, Narra o estudo da AMAS:

“No bando ganham o nome de coisa, quase sempre – manchinha, bonecão, toquinho – ou de proveniência – carioca paulista. Nenhum sinal, nenhuma marca de nome patronímico, o que não deixa de denunciar uma insuficiência paterna, que deixa o sujeito aberto ao excesso que a rua e o banditismo ofertam”.

A cola de sapateiro já ficou para trás, pois já não lhe satisfaz mais. Necessita agora de algo mais forte, como fumar maconha, droga que é extraída da planta canabis sativa lineu, cujo princípio ativo – tetrahidrocanabinol – é, rapidamente absorvido pela corrente sanguínea. Os efeitos aparecem em cinco minutos, podendo durar duas horas. A maconha aumenta o apetite, seguido de sensação de euforia, pensamentos confusos e dificuldade de distinguir a realidade das falsas impressões. O usuário não tem disposição de praticar qualquer atividade e perde a noção do tempo. A memória é seriamente afetada. O usuário tem sede constante e perde o desejo sexual.

O crack é produzido a partir da pasta base, adicionada a outros produtos químicos, como bicarbonato de sódio, amônia, etc, resultando em pedras de formatos irregulares, fumadas em cachimbos. A droga recebeu este nome, porque faz um pequeno estalo, quando queimada. O crack é seis vezes mais potente do que a cocaína e leva cerca de quinze segundos para chegar ao cérebro e fazer um efeito devastador. Dura apenas quinze minutos, o que obriga o usuário a aumentar o consumo, rapidamente. É uma droga de alto poder destrutivo, provoca irritação, depressão e paranóia, levando o usuário à morte.

O crack é, possivelmente, a droga mais consumida entre os adolescentes em conflito com a lei em Itabuna. Os relatórios técnicos de atendimento do adolescente que cumpre medida sócio-educativa em meio aberto – liberdade assistida e prestação de serviços em comunidade – no Centro Grapiúna Cidadão de Execução de Medidas Socioeducativas de Itabuna revela que a droga é a grande vala por onde passa a maioria dos adolescentes em conflito com a lei, cujo percurso é penoso e, muitas vezes, sem volta. É curial que se trabalhe a auto-estima desse jovem, fazendo-o enxergar novos horizontes e a grande possibilidade que a vida oferece, todavia, tem-se observado que muitos jovens, que estão cumprindo medidas, no início têm receio e até rejeitam o atendimento, mas quando começam a entender o projeto e a ser tratados como seres humanos, passando a ser tocados, respeitados, notados, amados, considerados, o seu semblante muda, o seu comportamento se transforma, principalmente, quando recebem a visita de educadores em sua residência e vê a participação de seus familiares no projeto de mudança de sua vida.

Ocorre, entretanto, que muitos têm vínculos fortes com traficantes e outros parceiros ligados ainda a drogas. Essa mudança começa a incomodar esses traficantes e usuários que passam a persegui-los, ameaçando com arma de fogo, invadindo domicílios e molestando parentes. Essa perseguição constitui, sem dúvidas, o grande obstáculo para a readaptação do adolescente em conflito com a lei na Comarca de Itabuna. Algumas histórias merecem registro: o adolescente J. quando nasceu e foi rejeitado por todos os seus familiares, e o pai, alcoólatra inveterado, o abusou sexualmente, quando contava apenas com doze anos de idade numa mata de cacau, espancando-o e dominando-o completamente, até conseguir quebrar uma das pernas do próprio filho. Depois desse fato, a mãe do jovem embora, ciente do que houvera acontecido com seu filho preferiu o silêncio, em face de ter sido ameaçada pelo algoz. A mãe intimidada foge e vai morar em outro lugar em companhia de J. e outro filho menor. Após cinco anos de separação, o pai de J resolve procurar a família, para tentar se reconciliar com os filhos e propõe que J. fosse passar uns tempos com ele, todavia, mais uma vez o genitor tenta abusar, sexualmente de J., agora com 17 anos de idade, o qual resiste e tenta atear fogo no pai com álcool, atingindo-o, parcialmente. O jovem, que já apresenta visíveis distúrbios emocionais, em decorrências dos traumas experimentados, sai para as ruas e se entrega completamente ao álcool, comete pequenos atos infracionais e toma conta de carros nas portas de restaurantes, onde, normalmente, trabalha até 5 da manhã.

Ele também é garoto de programa de homossexuais, o que não deixa de constituir um reflexo da violência sexual de que foi vítima, conforme pode explicar melhor os psicólogos. J. foi apreendido pela polícia por ter sido encontrado com objetos furtados – toca-fitas de um veículo – praticando ato similar ao disposto no Art. 180 do Código Penal.

Após regular Representação oferecida pelo Ministério Público, o Juiz da Vara da Infância e Juventude consultou o Ministério Público sobre a possibilidade de se conceder remissão clausulada ao adolescente, oportunidade em que foi proposta Remissão cumulada com liberdade assistida, que foi aceita pelo adolescente J. e seu defensor. O J., entretanto, não vem cumprindo, satisfatoriamente, ao atendimento, em face da vida que leva, perdendo noites, guardando carros e fazendo programas com homossexuais, o que, fatalmente, levará o juiz a fazer a conversão da medida para a semiliberdade, talvez a mais indicada para retirar o jovem das ruas e oferecer outros horizontes para a sua vida tão sofrida.

O adolescente W.S.S., apenas com 17 anos de idade, revelou que mataria todos aqueles que lhe fizeram mal na infância. O Jovem W., ainda jovem, vivenciou a separação dos pais e acabou ficando com a mãe. Era obrigado a vender pirulitos, geladinhos e salgados nas ruas e estádio de futebol. Várias vezes, apanhou de garotos mais fortes e voltou para a casa de mãos vazias, já que fora saqueado várias vezes. A sua agressividade se revelou, quando num período de seis meses, cometeu três homicídios, todos sem qualquer motivo aparente e sem qualquer discussão. Surgira de repente do nada e disparava contra as inditosas vítimas, as quais não tinham tempo nem de reagir. Foi apreendido e cumpriu um ano internado no CAM, todavia, quando retornou para Itabuna matou mais um jovem no bairro e ao tentar fugir morreu no meio do Rio Cachoeira ao ser atingido por um disparo de rifle efetuado por um policial militar. W. morreu aos dezessete anos em troca de tiros com a polícia. Essa foi a manchete dos jornais. C.R.S., com apenas 16 anos presenciou a morte de seu pai, conhecido traficante, em sua própria casa.

Após a morte de seu pai foi para as ruas e começou a usar maconha, passando depois para pedra de craque. O vício e a vida difícil o levaram a praticar assaltos a ônibus. Foi apreendido e encaminhado para cumprir medida de liberdade assistida. No seu primeiro contato, disse para a psicóloga que só pensava em drogas e que desejaria ser terrorista no futuro. Rejeitou o contato inicial com a psicóloga e os educadores, todavia, aos poucos foi conhecendo o projeto e percebeu que os técnicos lhe dispensavam uma atenção especial. Após dois meses de atendimento sócio-educativo, o jovem já estava com um semblante diferente, disse que só pensava na família e que gostaria de ser advogado no futuro para defender os pobres. W. já está inserido na oficina de garçom, estuda informática e fez progressos extraordinários, inclusive, participa, ativamente, de um processo de desintoxicação. O jovem, entretanto, vem sendo ameaçado por traficantes do bairro, os quais já invadiram a sua residência e disseram para sua genitora que iria ainda trazer a cabeça do jovem numa bandeja.

Esse ciclo marginal da droga constitui, sem dúvida, o grande obstáculo para a efetiva ressocialização do adolescente em conflito com a lei. O traficante acaba ocupando, principalmente, nos bairros periféricos o espaço, o papel que era do Estado, cooptando assim jovens para o mundo do tráfico. É necessário e urgente que o Estado ocupe o seu espaço e crie políticas públicas, para evitar que esse jovem caia nas mãos dos traficantes. É preciso, também, combater o tráfico de drogas com inteligência e mediante instrumentos e estratégias eficazes. Finalmente, é preciso investir na prevenção mediante a implementação de políticas públicas, que sejam capazes de encaminhar nossas crianças e adolescente para o caminho da verdadeira cidadania.



sábado, 6 de março de 2010

VARA DA INFANCIA DE ITABUNA CAPACITA PRETENDENTES Á ADOÇÃO

VARA DA INFANCIA E JUVENTUDE DE ITABUNA FAZ CURSO DE CAPACITAÇÃO PSICOSSIAL E JURÍDICA PARA PRETENDENTES Á ADOÇÃO.




A equipe técnica da Vara da Infância e Juventude de Itabuna, sob a coordenação da assistente social Cibele Fonte e da piscóloga Iracema Cruz, realizaram no último dia 05 de março, no auditório da Vara da Infância e Juventude de Itabuna, mais um curso de capacitação psicossocial e jurídica para os pretendentes à adoção – casais e pessoas individualmente - , como exige a nova lei de adoção – Lei nº 12.010/2009 - , que entrou em vigor em novembro do ano passado.

Toda pessoa que deseja adotar uma criança deve se cadastrar previamente na Vara da Infância e Juventude de sua Comarca, e para tanto é obrigatória a preparação psicossocial e jurídica, de que fala o § 3º do art. 50 do ECA. A capacitação é importante para que a adoção seja bem sucedida, como um verdadeiro ato de reflexão e maturidade, e não apenas um ato movido pelo impulso ou pelo sentimento. A equipe técnica da Vara da Infância e Juventude de Itabuna, através de dinâmicas, mostra o casal ou ao pretendente individual todas as dificuldades que deverão encontrar ao receber a criança em sua família, abordando aspectos de natureza familiar, social e psicológica, demonstrando a relevância de possuir um ambiente harmonioso e saudável, que seja capaz de propiciar todas condições para o pleno desenvolvimento físico, intelectual, mental e espiritual da criança a ser adotada.

O juiz Marcos Bandeira, titular da Vara da Infância e Juventude de Itabuna, passa todas as informações jurídicas, mostrando o caráter irrevogável da adoção e que o filho decorrente da adoção possui todos os direitos do filho biológico, como os direitos sucessórios, alimentos, previdenciários, dentre outros, salientando a necessidade de se criar uma paternidade e maternidade responsáveis. Ontem, no auditório da Vara da Infância e juventude, cinco casais e um pretendente individual participaram da preparação psicossocial e jurídica e receberam o respectivo certificado. Nos próximos dias o processo de habilitação estará concluído e eles serão inseridos no Cadastro Nacional de Adoção e estarão aptos a adotar uma criança em qualquer parte do Brasil.

TEXTO DE BERTOLD BRECHT

TEXTO DE BERTOLD BRECHT

" Quem, nos dias de hoje, quiser lutar contra a mentira e a ignorância e escrever a verdade tem de superar ao menos cinco dificuldades. Deve ter coragem de escrever a verdade embora ela se encontre escamoteada em toda parte; deve ter a inteligência de reconhecê-la embora ela se mostre permanentemente disfarçada; deve entender da arte de manejá-la como arma; deve ter a capacidade de escolher em que mãos será eficiente; deve ter a astúcia de divulgá-la entre os escolhidos. Essas dificuldades são grandes para os escritores que vivem sob o fascismo, mas existem também para aqueles que escrevem em países de liberdade burguesa".




quinta-feira, 4 de março de 2010

TV JUSTIÇA EM ITABUNA

TV JUSTIÇA EM ITABUNA




Uma equipe de repórteres da TV Justiça, sediada em Brasília, estará amanhã em Itabuna – entre os dias 04 e 06/03/2010- para fazer uma reportagem a nível nacional sobre o projeto ADOTE A ESPERANÇA” executado pelo Juiz, Marcos Bandeira, titular da Vara da Infância e Juventude de Itabuna. O projeto já é executado em Itabuna há quase 10 anos e tem apresentado resultados excelentes, já que aumentou consideravelmente o número de adoções de crianças abrigadas no SOS Canto da Crianças.

Pelo projeto, durante alguns períodos especiais, como natal, semana santa, dia das crianças, dias dos pais ou dias das mães, pretendente ou casais previamente cadastrados na Vara da Infância levam uma crianças para casa, no sentido de passar um período com a família, sem qualquer compromisso de adoção. Todo esse trabalho é monitorado pela equipe interdisciplinar da Vara da Infância e Juventude de Itabuna. O resultado é que a maioria daqueles que participa do programa acaba criando vínculos de afetividade e parte para a adoção. O juiz Marcos Bandeira tem realizados alguns mutirões de adoção, no sentido de agilizar e priorizar os processos de adoção.

Nos anos de 1998 e 1999 o número de adoção não passava de 20 por ano. Com a adoção do programa a partir do ano 2000, anualmente não faz menos do que 50 adoções por ano, inclusive em 2006 a Vara da infância de Itabuna chegou a realizar 63 adoções nacionais.

O “ Adote a Esperança” é mais um dos inúmeros projetos executados pelo juiz Marcos Bandeira na Comarca de Itabuna.

terça-feira, 2 de março de 2010

A BESTIALIDADE DO TROTE ACADÊMICO

A BESTIALIDADE DO TROTE ACADÊMICO






O homem ao longo do tempo caminha inexoravelmente em busca de sua evolução física, moral, intelectual e espiritual. Nesse contexto, conhece-se o passado através da história e se projeta para o futuro, sem se afastar do presente, buscando, sobretudo, não repetir os erros do passado.

O jovem na trilha desse caminho experimenta transformações, sonhos e também desilusões, chegando a questionar todos os valores recebidos e a pensar em algum momento que pode mudar e revolucionar o mundo. Normalmente essa agitação ocorre na adolescência, principalmente na faixa etária dos 16 anos, quando o jovem experimenta transformações extraordinárias em seu corpo e mente e se manifestam os conhecidos excessos da juventude.

Causa-nos espécie, entretanto, que homens que ultrapassaram a fase da adolescência e que adentraram, com todas as dificuldades conhecidas, na vida universitária, onde presumivelmente se formam profissionais qualificados para servirem na sociedade, ainda praticam atos draconianos, animalescos, como os “trotes” a que são submetidos os calouros , numa demonstração inequívoca da involução que aproxima o homem do animal irracional, denotando assim, toda a degenerescência humana. A bem da verdade, é curial que se esclareça: esses atos ilícitos a que são submetidos os novos acadêmicos – “ calouros” – podem, dependendo da forma como são praticados, constituir tipos penais, como o crime de constrangimento ilegal, Injúria real, lesão corporal, dentre outros, sem prejuízo de a vítima ajuizar ação cível por danos morais contra os autores dos fatos, pois tais atos atingem frontalmente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Esses fatos típicos normalmente são praticados por alguns “veteranos”, já prestes a concluir a graduação, e sob o olhar complacente e até participativo de alguns integrantes do corpo docente. A história recente registra casos de trotes acadêmicos que redundaram na morte por afogamento de um estudante de medicina em São Paulo, bem como de outro que quase levou à morte um estudante de odontologia, o qual teve traumatismo craniano. Esses fatos aliados a outros que já aconteceram seriam suficientes para banir, definitivamente, esses abomináveis procedimentos da vida universitária, entretanto, o que se observa é a sua disseminação como se nada tivesse acontecido absolutamente. Na semana passada, por exemplo, alunos de medicina de uma faculdade do interior de São Paulo locaram uma fazenda e submeteram os “calouros” a uma sessão bestial de torturas físicas e mentais, com direito a desferir tapas na cara de calouros, a passar na cabeça dos mesmos fígado de boi estragado e outros atos animalescos. A que serve essa bestialidade? Onde estão os valores éticos e de formação familiar desses veteranos? Será que a sociedade pode confiar nesses profissionais? Os veteranos, se assim podem ser chamados, retornando ao obscuro mundo das trevas e demonstrando atitudes absolutamente infantis e bestiais, interrompem aulas imotivadamente ao som de gritos estridentes , constrangem pessoas(mulheres , homens) a se pintar, a dançar na garrafa, a se jogar na piscina, entre outras patifarias que revelam, induvidosamente, os valores granjeados por parte desses “veteranos” energúmenos. Esse retrocesso denota a absorção por parte desses veteranos do “lixo” e dejetos expelidos pela baixa mídia que incentiva a licenciosidade e a briga de vizinhos ingeridos passivamente pelo jovem autômato.

O jovem acadêmico, principalmente, deve ser pensador, crítico e não mero receptor passivo de informações. O amanhã, mais do que nunca, precisa da juventude sadia de hoje, que possa, de fato, transformar o meio social e promover as qualidades morais e intelectuais do homem, no sentido de que possamos ter uma vida digna, onde preponderem os valores do respeito, da lealdade, fraternidade, solidariedade, justiça, igualdade, amor, enfim, um mundo melhor, no qual seja diminuída as desigualdades sociais e implantada a verdadeira justiça social. Nesse contexto, acredito que “os veteranos” poderiam começar a pensar nesse futuro e assim se libertar desse “id bestial, para se focar no profissionalismo ético e nas ações de cidadania . Por mais paradoxal que possa parecer à primeira vista, não será preciso, necessariamente, acabar com os “trotes acadêmicos”, mas transformá-los em atos elevados e altruísticos, como por exemplo, treinando a virtude sublime da caridade e ensaiando os sentimentos de solidariedade humana, a fim de que possa o acadêmico sentir de perto o sofrimento humano e enxugar as lágrimas de nossos irmãos sofredores. Porque não aproveitam o momento do trote para doar sangue, visitar e fazer uma ação solidária nos abrigos de idosos e de crianças e adolescentes? com certeza, o trote acadêmico seria bem aceito pela comunidade, pois estaria em consonância com o estágio educacional dos “veteranos” e dentro da expectativa que todos criamos em torno da massa privilegiada que cursa uma universidade, no sentido de que estaria devolvendo à sociedade um pouco daquilo que aprenderam nos bancos acadêmicos.

Assim agindo, com certeza, nossos “veteranos” estarão mergulhando no seu mais profundo íntimo e evoluindo como jovem pensador na escala natural do aprimoramento moral , intelectual e espiritual do ser humano, e passariam a merecer, portanto, não apenas o respeito, mas a admiração de todos.



MARCOS BANDEIRA

FRAGMENTOS DO DECÁLOGO DE EDUARDO COUTURE

FRAGMENTOS DO DECÁLOGO DE EDUARDO COUTURE

“ TEU DEVER E LUTAR PELO DIREITO; MAS NO DIA EM QUE ENCONTRARES O DIREITO EM CONFLITO  COM A JUSTIÇA,  LUTE PELA JUSTIÇA”



“ TEM FÉ NO DIREITO COMO O MELHOR INSTRUMENTO PARA A CONVIVÊNCIA HUMANA; NA JUSTIÇA, COMO DESTINO NORMAL DO DIREITO; NA PAZ, COMO SUBSTITUTO BONDOSO DA JUSTIÇA; E SOBRETUDO TEM FÉ NA LIBERDADE, SEM A QUAL NÃO HÁ DIREITO, NEM JUSTIÇA, NEM PAZ”.