segunda-feira, 26 de abril de 2010

FRASEDO MINISTRO MARCO AURELIO

FRASE DE MARCO AURÉLIO, MINISTRO DO STF.






Como julgador, a primeira coisa que faço,

ao defrontar-me com uma controvérsia,

é idealizar a solução mais justa,

de acordo com a minha formação humanística,

para o caso concreto.

somente após recorro à legislação, à ordem jurídica,

objetivando encontrar o indispensável apoio.

( STF, AOE nº 13-DF)p

quinta-feira, 22 de abril de 2010

JURISPRUDENCIA INFANCIA E JUVENTUDE - OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. LEGITIMIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL DAS OMISSÕES ESTATAIS

Proteção Integral à Infância e à Juventude - Omissão do Poder Público - Política Pública Delineada na Constituição - Legitimidade do Controle Jurisdicional das Omissões Estatais (Transcrições)




RE 482611/SC*



RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO



EMENTA: CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL. DEVER DE PROTEÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA E À JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO. PROGRAMA SENTINELA–PROJETO ACORDE. INEXECUÇÃO, PELO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC, DE REFERIDO PROGRAMA DE AÇÃO SOCIAL CUJO ADIMPLEMENTO TRADUZ EXIGÊNCIA DE ORDEM CONSTITUCIONAL. CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL (RTJ 185/794-796). IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL SEMPRE QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO, COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197). CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES ESTATAIS PELO PODER JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 - RTJ 175/1212-1213 - RTJ 199/1219-1220). RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL CONHECIDO E PROVIDO.



DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra acórdão, que, proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, está assim ementado (fls. 348):



“Apelação cível. Ação civil pública. Programa Sentinela - Projeto Acorde. Atendimento de criança. Determinação judicial. Impossibilidade. Princípio da separação dos Poderes. Política social derivada de norma programática. Recurso provido.

À Administração Pública, calcada no seu poder discricionário, compete estabelecer as políticas sociais derivadas de normas programáticas, vedado ao Poder Judiciário interferir nos critérios de conveniência e oportunidade que norteiam as prioridades traçadas pelo Executivo.” (grifei)



O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, parte recorrente, sustenta que o acórdão ora impugnado teria transgredido o art. 227 da Constituição da República.

O exame desta causa - considerada a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise (AI 583.136/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 503.658/SC, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.) - convence-me da inteira correção dos fundamentos, que, invocados pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, informam e dão consistência ao presente recurso extraordinário.

É preciso assinalar, neste ponto, por relevante, que a proteção aos direitos da criança e do adolescente (CF, art. 227, “caput”) – qualifica-se como um dos direitos sociais mais expressivos, subsumindo-se à noção dos direitos de segunda geração (RTJ 164/158-161), cujo adimplemento impõe, ao Poder Público, a satisfação de um dever de prestação positiva, consistente num “facere”, pois o Estado dele só se desincumbirá criando condições objetivas que viabilizem, em favor dessas mesmas crianças e adolescentes, “(...) com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (CF, art. 227, “caput” - grifei).

Para BERNARDO LEÔNCIO MOURA COELHO (“O Bloco de Constitucionalidade e a Proteção à Criança”, “in” Revista de Informação Legislativa nº 123/259-266, 263/264, 1994, Senado Federal), a proteção integral da criança e do adolescente, tal como objetivada pelo Programa Sentinela–Acorde, exprime, de um lado, no plano do sistema jurídico-normativo, a exigência de solidariedade social, e pressupõe, de outro, a asserção de que a dignidade humana, enquanto valor impregnado de centralidade em nosso ordenamento político, só se afirmará com a expansão das liberdades públicas, quaisquer que sejam as dimensões em que estas se projetem:



“Neste ponto é que entra a função do Estado, que, conceituando a proteção à criança como um direito social e colocando como um de seus princípios a justiça social, deve impedir que estas pessoas, na correta colocação de Dallari, sejam oprimidas por outras. É necessário que seja abolida esta discriminação e que todo ‘menor’ seja tratado como criança – sujeito de direitos que deve gozar da proteção especial estatuída na Constituição Federal e também nas Constituições Estaduais.” (grifei)



O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à proteção da criança e do adolescente – ainda mais se considerado em face do dever que incumbe, ao Poder Público, de torná-lo real, mediante concreta efetivação da garantia de atendimento sócio-educativo às crianças vítimas de exploração ou violência (CF, art. 227, “caput”) – não podem ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, um de seus precípuos destinatários.

O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de proteção ao direito da criança e do adolescente, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público, ainda mais se se tiver presente que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser (necessariamente) implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis.

Ao julgar a ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, proferi decisão assim ementada (Informativo/STF nº 345/2004):



“ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).”



Salientei, então, em tal decisão, que o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam - enquanto direitos de segunda geração - com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO), o Supremo Tribunal Federal:



“DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.

- O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um ‘facere’ (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.

- Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse ‘non facere’ ou ‘non praestare’, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.

.......................................................

- A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.”

(RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)



É certo - tal como observei no exame da ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004) - que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.

Impende assinalar, no entanto, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame.

Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.

Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele - a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004).

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à criança e ao adolescente – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 227) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público, especialmente o Município, disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial, tal como já advertiu o Supremo Tribunal Federal:



“RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO.

- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).

- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das ‘crianças de zero a seis anos de idade’ (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.

- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.

- Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.

- Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do possível’. Doutrina.”

(RTJ 199/1219-1220, Rel. Min. CELSO DE MELLO)



Cabe referir, ainda, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, ilustre Procuradora Regional da República (“Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, 2000, Max Limonad), cujo magistério, a propósito da limitada discricionariedade governamental em tema de concretização das políticas públicas constitucionais, corretamente assinala:



“Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.

......................................................

Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social.

......................................................

Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.

.......................................................

As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.” (grifei)



Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que os Municípios (à semelhança das demais entidades políticas) não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 227, “caput”, da Constituição, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à criança e ao adolescente, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.

Entendo, por isso mesmo, que se revela acolhível a pretensão recursal deduzida pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, notadamente em face da jurisprudência que se formou, no Supremo Tribunal Federal, sobre a questão ora em exame.

Nem se atribua, indevidamente, ao Judiciário, no contexto ora em exame, uma (inexistente) intrusão em esfera reservada aos demais Poderes da República.

É que, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário (de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito), inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos.

Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivem restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão institucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República.

A colmatação de omissões inconstitucionais, realizada em sede jurisdicional, notadamente quando emanada desta Corte Suprema, torna-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade.

As situações configuradoras de omissão inconstitucional - ainda que se cuide de omissão parcial derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política - refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se como uma das causas geradoras dos processos informais de mudança da Constituição, tal como o revela autorizado magistério doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max Limonad; JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Fundamentos da Constituição”, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora).

O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.

Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.

A percepção da gravidade e das conseqüências lesivas derivadas do gesto infiel do Poder Público que transgride, por omissão ou por insatisfatória concretização, os encargos de que se tornou depositário, por efeito de expressa determinação constitucional, foi revelada, entre nós, já no período monárquico, em lúcido magistério, por PIMENTA BUENO (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p. 45, reedição do Ministério da Justiça, 1958) e reafirmada por eminentes autores contemporâneos em lições que acentuam o desvalor jurídico do comportamento estatal omissivo (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998, Malheiros; ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 217/218, 1986, Max Limonad; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo I/15-16, 2ª ed., 1970, RT, v.g.).

O desprestígio da Constituição - por inércia de órgãos meramente constituídos - representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado.

Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (“Teoria de la Constitución”, p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita, como já ressaltado, pelo Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos, como resulta da seguinte decisão, consubstanciada em acórdão assim ementado:



“(...) DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA.

- O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório - infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI 1.484-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).



- A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.



DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO E DEVER CONSTITUCIONAL DE LEGISLAR: A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO PERTINENTE NEXO DE CAUSALIDADE.

- O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir - simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público. (...).”

(RTJ 183/818-819, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)



Em tema de implementação de políticas governamentais, previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente nas áreas de educação infantil (RTJ 199/1219-1220) e de saúde pública (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213), a Corte Suprema brasileira tem proferido decisões que neutralizam os efeitos nocivos, lesivos e perversos resultantes da inatividade governamental, em situações nas quais a omissão do Poder Público representava um inaceitável insulto a direitos básicos assegurados pela própria Constituição da República, mas cujo exercício estava sendo inviabilizado por contumaz (e irresponsável) inércia do aparelho estatal.

O Supremo Tribunal Federal, em referidos julgamentos, colmatou a omissão governamental e conferiu real efetividade a direitos essenciais, dando-lhes concreção e, desse modo, viabilizando o acesso das pessoas à plena fruição de direitos fundamentais, cuja realização prática lhes estava sendo negada, injustamente, por arbitrária abstenção do Poder Público.

O fato que tenho por relevante consiste no reconhecimento de que a interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente.

O caráter programático da regra inscrita no art. 227 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – impõe o reconhecimento de que as normas constitucionais veiculadoras de um programa de ação revestem-se de eficácia jurídica e dispõem de caráter cogente.

Ao contrário do que se afirmou no v. acórdão recorrido, as normas programáticas vinculam e obrigam os seus destinatários, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

Impende destacar, neste ponto, por oportuno, ante a inquestionável procedência de suas observações, a decisão proferida pela eminente Ministra CÁRMEN LÚCIA (AI 583.136/SC), em tudo aplicável, por identidade de situação, ao caso em análise:



“Ao contrário do que decidido pelo Tribunal ‘a quo’, no sentido de que a manutenção da sentença provocaria ingerência de um em outro poder, a norma do art. 227 da Constituição da República impõe aos órgãos estatais competentes - no caso integrantes da estrutura do Poder Executivo - a implementação de medidas que lhes foram legalmente atribuídas. Na espécie em pauta, compete ao Estado, por meio daqueles órgãos, o atendimento social às crianças e aos adolescentes vítimas de violência ou exploração sexual. Tanto configura dever legal do Estado e direito das vítimas de receber tal atendimento.

.......................................................

É competência do Poder Judiciário, vale dizer, dever que lhe cumpre honrar, julgar as causas que lhe sejam submetidas, determinando as providências necessárias à efetividade dos direitos inscritos na Constituição e em normas legais.

.......................................................

9. Exatamente na esteira daquela jurisprudência consolidada é que cumpre reconhecer o dever do Estado de implementar as medidas necessárias para que as crianças e os adolescentes fiquem protegidos de situações que os coloquem em risco, seja sob a forma de negligência, de discriminação, de exploração, de violência, de crueldade ou a de opressão, situações que confiscam o mínimo existencial sem o qual a dignidade da pessoa humana é mera utopia. E não se há de admitir ser esse princípio despojado de efetividade constitucional, sobre o que não mais pende discussão, sendo o seu cumprimento incontornável.

10. Reitere-se que a proteção contra aquelas situações compõe o mínimo existencial, de atendimento obrigatório pelo Poder Público, dele não podendo se eximir qualquer das entidades que exercem as funções estatais, posto que tais condutas ilícitas afrontam o direito universal à vida com dignidade, à liberdade e à segurança.” (grifei)



Isso significa, portanto, que a ineficiência administrativa, o descaso governamental com direitos básicos da pessoa, a incapacidade de gerir os recursos públicos, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a proteção à criança e ao adolescente, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, da norma inscrita no art. 227, “caput”, da Constituição da República, que traduz e impõe, ao Estado, um dever inafastável, sob pena de a ilegitimidade dessa inaceitável omissão governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental e que é, no contexto ora examinado, a proteção integral da criança e do adolescente.

Sendo assim, em face das razões expostas e considerando, ainda, anterior decisão que proferi sobre o mesmo tema (AI 583.264/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO), conheço do presente recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, para dar-lhe provimento (CPC, art. 557, § 1º-A), em ordem a restabelecer a sentença proferida pelo magistrado local de primeira instância.



Publique-se.



Brasília, 23 de março de 2010.



Ministro CELSO DE MELLO

Relator



*decisão publicada no DJE de 7.4.2010

JURISPRUDENCIA CÍVEL - TERMO INICIAL PARA PAGAMENTO DA CONDENAÇÃO

Termo inicial para pagamento da condenação – art. 475-J do CPC – novo entendimento do STJ


- início a partir da intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, para pagar o débito, o que somente ocorre após a baixa dos autos e mediante requerimento do credor.

A Corte Especial do STJ finalmente debruçou-se sobre uma divergência que vinha se instalando ali e – espera-se – colocou uma pá de cal sobre a questão.

A matéria em discussão é o termo inicial do prazo de quinze dias para pagamento da condenação em casos de cumprimento de sentença (art. 475-J do CPC). Inicialmente a Terceira Turma passou a entender que o prazo se iniciava com o trânsito em julgado, independentemente de qualquer intimação. Surgiu dissidência na Quarta Turma, entendendo que, para ter início o prazo de pagamento, eram necessários três requisitos: i) baixa dos autos; ii) requerimento do credor; iii) intimação na pessoa do advogado do devedor.

Diante da divergência, a matéria foi levada à Corte Especial que – como se vê do Informativo nº 429, abaixo transcrito – consagrou como vencedora a tese da quarta turma. Eis o que noticiado:

CUMPRIMENTO. SENTENÇA. INTIMAÇÃO.

Tratou-se de REsp remetido pela Terceira Turma à Corte Especial, com a finalidade de obter interpretação definitiva a respeito do art. 475-J do CPC, na redação que lhe deu a Lei n. 11.232/2005, quanto à necessidade de intimação pessoal do devedor para o cumprimento de sentença referente à condenação certa ou já fixada em liquidação. Diante disso, a Corte Especial entendeu, por maioria, entre outras questões, que a referida intimação deve ser feita na pessoa do advogado, após o trânsito em julgado, eventual baixa dos autos ao juízo de origem, e a aposição do "cumpra-se"; pois só após se iniciaria o prazo de quinze dias para a imposição da multa em caso de não pagamento espontâneo, tal como previsto no referido dispositivo de lei. Como destacou o Min. João Otávio de Noronha em seu voto vista, a intimação do devedor mediante seu advogado é a solução que melhor atende ao objetivo da reforma processual, visto que não comporta falar em intimação pessoal do devedor, o que implicaria reeditar a citação do processo executivo anterior, justamente o que se tenta evitar com a modificação preconizada pela reforma. Aduziu que a dificuldade de localizar o devedor para aquela segunda citação após o término do processo de conhecimento era um dos grandes entraves do sistema anterior, por isso ela foi eliminada, conforme consta, inclusive, da exposição de motivos da reforma. Por sua vez, o Min. Fernando Gonçalves, ao acompanhar esse entendimento, anotou que, apesar de impor-se ônus ao advogado, ele pode resguardar-se de eventuais acusações de responsabilidade pela incidência da multa ao utilizar o expediente da notificação do cliente acerca da necessidade de efetivar o pagamento, tal qual já se faz em casos de recolhimento de preparo. A hipótese era de execução de sentença proferida em ação civil pública na qual a ré foi condenada ao cumprimento de obrigação de fazer, ao final convertida em perdas e danos (art. 461, § 1º, do CPC), ingressando a ora recorrida com execução individual ao requerer o pagamento de quantia certa, razão pela qual o juízo determinou a intimação do advogado da executada para o pagamento do valor apresentado em planilha, sob pena de incidência da multa do art. 475-J do CPC. Precedentes citados: REsp 954.859-RS, DJ 27/8/2007; REsp 1.039.232-RS, DJe 22/4/2008; Ag 965.762-RJ, DJe 1º/4/2008; Ag 993.387-DF, DJe 18/3/2008, e Ag 953.570-RJ, DJ 27/11/2007.REsp 940.274-MS, Rel. originário Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 7/4/2010.

Portanto, é correto concluir que, doravante, o entendimento vigente no STJ acerca do prazo do art. 475-J do CPC é no sentido de que tem ele início a partir da intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, para pagar o débito, o que somente ocorre após a baixa dos autos e mediante requerimento do credor.

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segunda-feira, 19 de abril de 2010

CNJ DEFENDE MAIOR ARTICULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INFANCIA E JUVENTUDE

Ministro Gilmar Mendes defende maior articulação de políticas públicas para a infância e juventude


O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilmar Mendes, enfatizou nesta sexta-feira (16/04) a necessidade de o Judiciário brasileiro avançar na articulação de políticas públicas voltadas à garantia dos direitos das crianças e adolescentes. Mendes encerrou nesta sexta-feira o Encontro Nacional de Coordenadorias de Infância e Juventude realizado no plenário do CNJ.
O ministro ressaltou que "o CNJ tem uma rara oportunidade de contribuir para a verticalização, integração e articulação das diversas políticas públicas". Ainda na avaliação de Gilmar Mendes, "o que podemos fazer é zelar pelo cumprimento da Constituição, assegurar o direito à escola e à saúde do menor, fiscalizar os ambientes de internação e implantar o cadastro de adoção, em articulação com as demais autoridades". Mendes destacou também que o Judiciário precisa pensar formas de viabilizar parcerias para garantir esse quadro.
Questionado se terminava o mandato com alguma frustração, Gilmar Mendes afirmou sentir muito não ter conseguido implantar uma maior articulação no âmbito da infância e juventude, em razão da complexidade e pulverização do tema. "Temos que sair dos casulos e gabinetes para conhecer a realidade que é extremamente dura de abuso sexual de crianças, de pedofilia e uso do crack", completou Mendes.
Projetos - Durante o encontro, realizado ao longo desta sexta-feira, foram definidos dois grandes projetos para o incremento do trabalho do Judiciário junto à infância e juventude. Foi definida a realização da "Semana Nacional das Audiências Concentradas" a ser realizada em 27 de julho de 2010, com a participação de todos os tribunais do país com o principal objetivo de revisar a situação pessoal e processual das crianças acolhidas. Será um esforço concentrado do Judiciário para chamar a atenção da sociedade para a importância da questão que envolve os problemas da infância e juventude.
Também foi instituída uma comissão multidisciplinar composta por magistrados, desembargadores, médicos, psicólogos e pedagogos, especializados em dependência química. Esse grupo terá um prazo de 60 dias para o levantamento de informações que vão subsidiar o lançamento da "Campanha Nacional de Prevenção ao Uso de Drogas", em especial do crack.
Outro resultado do encontro foi a criação do Comitê Nacional Gestor das Coordenadorias da Infância e Juventude e de uma rede virtual chamada "G-Infância" para integrar os trabalhos de cada região e formar um banco de dados de boas práticas de acordo com as peculiaridades de cada estado. Segundo o conselheiro Paulo Tamburini, "essa integração viabiliza o aprimoramento das políticas públicas e a criação de parâmetros que conferem uma identidade nacional à questão da infância e juventude".
LA/IS
Agência CNJ de Notícias

sexta-feira, 16 de abril de 2010

SEMILIBERDADE PROVISÓRIA

Verifica-se à evidência que são fortes os indícios de autoria e a prova da materialidade do ato infracional, máxime a própria confissão do representado feita em Juízo corroborada pelas demais provas constantes dos autos. A prova material do ato infracional é induvidosa .
Desta forma, depreende-se que o adolescente praticou o fato com grave ameaça, revelando uma personalidade agressiva e sem limites. A rigor, caberia a medida excepcional do internamento provisório, todavia, não acredito que essa seja a melhor medida. Como é cediço e já pacificado no STJ, nem sempre a gravidade do ato infracional justifica a aplicação da medida extrema do internamento, devendo o juiz aferir a condição social e familiar do adolescente, o contexto social e as circunstâncias do caso concreto, para encontrar a medida pedagogicamente mais adequada. Essa medida certamente deverá fazer o adolescente refletir sobre as conseqüências do ato grave de que está sendo acusado, receber orientação adequada para redirecionar seus valores, e, sobretudo, que o mesmo tenha a capacidade de cumprir a medida próxima a sua família e o seu núcleo social.

Na verdade, o ECA não estabelece expressamente a possibilidade do juiz conceder semiliberdade provisória, mas também não veda à sua concessão. Com efeito, se a lógica do ECA é aplicar o internamento como a “ ultima ratio”, em face do seu caráter excepcional e de brevidade, nada impede que o juiz aplique, mesmo em caráter provisório, a semiliberdade, desde que ela seja a medida mais adequada pedagogicamente. Ora, se o juiz pode o mais, evidentemente que pode o menos – “qui potest plus , potest minus” . Nesse sentido de se encontrar uma pluralidade de resposta para a questão do adolescente em conflito com a lei, a jurista Karyna Batista Sposato( in Princípios e Garantias para um Direito Penal Juvenil Mínimo. Disponível em http:// www.uvb.com.br) explicita categoricamente:

“ Outra idéia fundamental é o traço de flexibilidade que deve conter a Justiça da Infância e Juventude de modo a adequar-se às necessidades de cada adolescente em cada caso em particular. As reações devem ser diversificadas; deve haver uma pluralidade de respostas, favorecendo a escolha das que menos afetem direitos e liberdade dos jovens”.

Desta forma, levando em consideração a idade do adolescente, o seu contexto familiar bem integrado, sem que haja notícia de envolvimento com a droga ou com a prática de outros atos infracionais, entendo que a medida mais branda da semiliberdade provisória atende ás suas necessidade pedagógicas de um ser na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, principalmente porque se percebe o envolvimento da família na problemática do adolescente procurando alternativas para sua readaptação social.

Posto isso, decreto ao adolescente xxx................A SEMILIBERDADE PROVISÓRIA, com fulcro nos princípios do melhor interesse do adolescente e no princípio da proteção integral, por prazo não superior a 45 dias, a ser cumprida na Fundação Reconto em Canavieiras. Oficie-se, encaminhando o adolescente e remetendo-se as peças pertinentes.

Proceda-se as intimações necessárias e cumpra-se.

Itabuna-BA, 26 de fevereiro de 2008.



BEL. MARCOS ANTONIO S BANDEIRA

JUIZ DE DIREITO

JURISPRUDENCIA. GUARDA. PENSÃO POR MORTE. LEI ESPECÍFICA.NÃO APLICAÇÃO DO ECA.

Direito previdenciário. Benéfícios em espécie. Pensão por morte

Tribunal Julgador: STJ





Superior Tribunal de Justiça

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 727.716 - CE (2005/0098940-3)

RELATOR : MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP)

EMBARGANTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

PROCURADOR : PATRICIA LIMA BATISTA RODRIGUES E OUTRO(S)

EMBARGADO : F. F. S.

ADVOGADO : DÉCIO MOREIRA ROCHA

EMENTA

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA.1. Questão de Ordem arguida pelo Ministério Público Federal, em preliminar, quanto à inconstitucionalidade do art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91, na redação da Lei 9.528/97, acolhida pela Turma. 2. Julgamento suspenso para, após as providências de praxe, encaminhento dos autos à Corte Especial a fim de processar e julgar o incidente. ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, acolher a preliminar de inconstitucionalidade do art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91, na redação da Lei 9.528/97 em Questão de Ordem suscitada pelo

Ministério Público Federal, suspender o julgamento com remessa à Corte Especial após a publicação do acórdão, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Nilson Naves, Felix Fischer, Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Og Fernandes.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília, 10 de fevereiro de 2010(Data do Julgamento)

MINISTRO CELSO LIMONGI

(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP)

Relator

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 727.716 - CE (2005/0098940-3)

RELATOR : MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR

CONVOCADO DO TJ/SP)

EMBARGANTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

PROCURADOR : PATRICIA LIMA BATISTA RODRIGUES E OUTRO(S)

EMBARGADO : F. F. S.

ADVOGADO : DÉCIO MOREIRA ROCHA

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) (Relatora): Trata-se de embargos de divergência interpostos pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, contra

acórdão da Quinta Turma, assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. RELATOR. POSSIBILIDADE. ART. 557 DO CPC. REDAÇÃO DA LEI 9.756/98. INTUITO. DESOBSTRUÇÃO DE PAUTAS DOS TRIBUNAIS. MENOR SOB GUARDA. PARÁGRAFO 2º, ART. 16 DA LEI 8.231/91. EQUIPARAÇÃO À FILHO. FINS PREVIDENCIÁRIOS. LEI 9.528/97. ROL DE DEPENDÊNCIA. EXCLUSÃO. PROTEÇÃO AO MENOR. ART. 33, PARÁGRAFO 3º DA LEI 8.069/90. ECA. GUARDA E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVAÇÃO. BENEFÍCIO. CONCESSÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

I - A discussão acerca da possibilidade de o relator decidir o recurso interposto isoladamente, com fulcro no art. 557 do Código de Processo Civil, encontra-se superada no âmbito desta Colenda Turma. A jurisprudência firmou-se no sentido de que, tratando-se de recurso manifestamente improcedente, prejudicado, deserto, intempestivo ou contrário a jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, inocorre nulidade da decisão quando o relator não submete o feito à apreciação do órgão colegiado, indeferindo monocraticamente o processamento do recurso.

II - Na verdade, a reforma manejada pela Lei 9.756/98, que deu nova redação ao artigo 557 da Lei Processual Civil, teve o intuito de desobstruir as pautas dos tribunais, dando preferência a julgamentos de recursos que realmente reclamam apreciação pelo órgão colegiado.

III - A redação anterior do § 2º do artigo 16 da Lei 8.213/91 equiparava o menor sob guarda judicial ao filho para efeito de dependência perante o Regime Geral de Previdência Social. No entanto, a Lei 9.528/97 modificou o referido dispositivo legal, excluindo do rol do artigo 16 e parágrafos esse tipo de dependente.

IV - Todavia, a questão merece ser analisada à luz da legislação de proteção ao menor.

V - Neste contexto, a Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente - prevê, em seu artigo 33, § 3º, que: "a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciário."

VI - Desta forma, restando comprovada a guarda deve ser garantido o benefício para quem dependa economicamente do instituidor, como ocorre na hipótese dos autos. Precedentes do STJ.

VII - Agravo interno desprovido.

Funda o dissenso em julgado proferido pela Sexta Turma, em Recurso Especial, sustentando o embargante que, conforme corrobora o paradigma, a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) não tem o condão de excluir a incidência da Lei 9.528/97, pois a lei previdenciária, por ser norma especial, deve prevalecer.

Admitidos os embargos, não houve impugnação (fls. 150).

O Ministério Público Federal, a fls. 152/161, opina pelo conhecimento e acolhimento dos embargos.

É o relatório, em síntese.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 727.716 - CE (2005/0098940-3)

RELATOR : MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP)

EMBARGANTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS PROCURADOR : PATRICIA LIMA BATISTA RODRIGUES E OUTRO(S)

EMBARGADO : F. F. S.

ADVOGADO : DÉCIO MOREIRA ROCHA

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) (Relatora): A matéria debatida nos autos, relativa à possibilidade de concessão, ao menor sob guarda, de pensão por morte, encontra-se uniformizada nesta Corte no sentido de que a Lei 9.528/97, norma previdência específica, prevalece em relação ao art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo aplicável às hipóteses em que o óbito ocorreu a partir de sua vigência.

Nesse sentido, entre muitos outros, destaco os seguintes precedentes:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ECA. ROL DE DEPENDENTES. EXCLUSÃO. PREVALÊNCIA DA NORMA PREVIDENCIÁRIA. 1. Em consonância com julgados prolatados pela Terceira Seção deste Tribunal, a alteração trazida pela Lei 9.528/97, norma previdenciária de natureza específica, deve prevalecer sobre o disposto no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e Adolescente.

2. Embargos de divergência acolhidos. (EREsp 869635/RN, Rela. Mina. JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), S3 - TERCEIRA SEÇÃO, DJe 06/04/2009);

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ÓBITO DO SEGURADO OCORRIDO APÓS A LEI 9.528/97. NÃO-CABIMENTO. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 340/STJ. ENTENDIMENTO PACÍFICO NO ÂMBITO DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ.

1. Com o advento da Medida Provisória nº 1.523/96, reeditada até sua conversão na Lei nº 9.528, em 10 de dezembro de 1997, retirou-se o menor sob guarda do rol de dependentes previsto no art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91.

2. Assentou-se na jurisprudência desta Corte que a concessão da pensão por morte reger-se-á pela norma vigente ao tempo da implementação da condição fática necessária à concessão do benefício, qual seja, a data do óbito do segurado (Súmula 340/STJ).

3. Tendo o óbito ocorrido na vigência da Medida Provisória nº 1.523/96, inviável a concessão da pensão por morte ao menor sob guarda. Precedentes da Terceira Seção.

4. Inexiste direito adquirido do menor sob guarda designado antes da Medida Provisória nº 1.523/96, pois as condições para a percepção do benefício são aferidas ao tempo do óbito do segurado instituidor, fato gerador da pensão.

5. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EREsp 961230/SC, Rela. Mina. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, DJe 20/02/2009);

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. ÓBITO DO SEGURADO OCORRIDO APÓS A LEI 9.528/97. NÃO-CABIMENTO. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 340/STJ. ENTENDIMENTO PACÍFICO NO ÂMBITO DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ.

1. Com o advento da Medida Provisória nº 1.523/96, reeditada até sua conversão na Lei nº 9.528, em 10 de dezembro de 1997, retirou-se o menor sob guarda do rol de dependentes previsto no art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91.

2. Assentou-se na jurisprudência desta Corte o entendimento de que a concessão da pensão por morte reger-se-á pela norma vigente ao tempo da implementação da condição fática necessária à concessão do benefício, qual seja, a data do óbito do segurado (Súmula 340/STJ).

3. Tendo o óbito ocorrido na vigência da Medida Provisória nº 1.523/96, inviável a concessão da pensão por morte ao menor sob guarda. Precedentes da Terceira Seção.

4. Inexiste direito adquirido do menor sob guarda designado antes da Medida Provisória nº 1.523/96, pois as condições para a percepção do benefício são aferidas ao tempo do óbito do segurado instituidor, fato gerador da pensão. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 778012/MG, Rela. Mina. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, T6 - SEXTA TURMA, DJe 09/11/2009);

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR COM ARRIMO NO ARTIGO 557 DO CPC. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. IMPOSSIBILIDADE. GUARDIÃO. ÓBITO OCORRIDO APÓS A LEI N.º 9.528/97. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 340/STJ.

1. É permitido ao relator do recurso especial valer-se do art. 557 do Código de Processo Civil, quando o entendimento adotado na decisão monocrática encontra-se em consonância com a jurisprudência dominante desta Corte Superior de Justiça.

2. Não é possível a concessão da pensão por morte quando o óbito do guardião ocorreu sob o império da Lei n.º 9.528/97, uma vez que o menor sob guarda não mais detinha a condição de dependente, conforme a lei previdenciária vigente. Precedentes da 3.ª Seção.

3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 938203/RS, Rela. Mina. Ministra LAURITA VAZ, T5 - QUINTA TURMA, DJe 17/08/2009);

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENSÃO POR MORTE. MENOR DESIGNADO. LEI 8.069/90 (ECA). NÃO-APLICAÇÃO. ENTENDIMENTO DA TERCEIRA SEÇÃO. LEI 9.528/97. INCIDÊNCIA. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. RESSALVA PESSOAL DO RELATOR. AGRAVO IMPROVIDO.

1. A Terceira Seção deste Tribunal pacificou o entendimento no sentido de que, em se tratando de menor sob guarda designado como dependente de segurado abrangido pelo Regime Geral da Previdência Social, a ele não se aplicam as disposições previdenciárias do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ressalva de ponto de vista pessoal do relator.

2. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 1020832/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, T5 - QUINTA TURMA, DJe 15/06/2009).

No caso concreto, a segurada faleceu em 07/10/1998 (fls. 04), após, portanto, a edição da Lei 9.528/97, a qual excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes da Previdência Social, como acima destacado, o que afastaria o direito do menor.

O Ministério Público Federal, porém, em preliminar, argúi questão de ordem quanto à inconstitucionalidade do art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91, na redação da Lei 9.528/97. Nesse contexto, em que pese a jurisprudência desta Casa, mas tendo em conta os argumentos do Parquet , considero possível, em princípio, o acolhimento da tese de inconstitucionalidade.

Diante disso, acolho a preliminar de inconstitucionalidade do art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91, na redação da Lei 9.528/97; suspendo, como corolário, o presente julgamento até o exame do incidente suscitado pelo Ministério Público Federal.

Tomadas as providências de praxe, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal, para parecer; após, voltem-me conclusos para julgamento do incidente perante a Corte Especial.

É como voto.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 727.716 - CE (2005/0098940-3)

VOTO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:

Sra. Presidente, também estou de acordo e saúdo o Subprocurador-Geral da República Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS pela sensibilidade de S. Exa. Realmente, a questão é muito sensível, porque envolve menores que têm uma especial proteção. Por alegação do fundo de fraude de alguns, vai excluir o direito de uma maioria.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2005/0098940-3 EREsp 727716 / CE

Números Origem: 200081000083211 200500289523 41899

PAUTA: 10/02/2010 JULGADO: 10/02/2010

Relator

Exmo. Sr. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP)

Presidenta da Sessão

Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

Secretária

Bela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

AUTUAÇÃO

EMBARGANTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

PROCURADOR : PATRICIA LIMA BATISTA RODRIGUES E OUTRO(S)

EMBARGADO : F. F. S.

ADVOGADO : DÉCIO MOREIRA ROCHA

ASSUNTO: DIREITO PREVIDENCIÁRIO - Benefícios em Espécie - Pensão por Morte (Art. 74/9)

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Seção, por unanimidade, acolheu a preliminar de inconstitucionalidade do art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91, na redação da Lei 9.528/97 em Questão de Ordem suscitada pelo Ministério Público Federal, suspendeu o julgamento com remessa à Corte Especial após a publicação do acórdão, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Votaram com o Relator os Srs. Ministros Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Nilson Naves, Felix Fischer, Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura,

Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Og Fernandes. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília, 10 de fevereiro de 2010

VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

quinta-feira, 15 de abril de 2010

MUTIRÃO DA VARA DA INFANCIA E JUVENTUDE DE ITABUNA

MUTIRÃO DA VARA DA INFANCIA E JUVENTUDE DE ITABUNA




Hoje, durante todo o dia, serão analisados cerca de 50 processos relativos à adolescentes que estão cumprindo medida socioeducativa de Prestação de Serviço à comunidade e Liberdade Assistida em Itabuna. O juiz da VIJ de Itabuna, Marcos Bandeira, O Promotor da Infância, Alan Góis, o Defensor Público Estadual, Dr. Washington Luis, advogados, as equipes interdisciplinares do Centro Grapiúna Cidadão e da Vara da Infância vão analisar o desempenho no cumprimento das medidas socioeducativas em meio aberto dos adolescentes que estão sendo processados pela prática de ato infracional e que foram encaminhados pelo Poder Judiciário para cumprirem medidas socioeducativas de liberdade assistida ou prestação de serviço no Centro Grapiuna Cidadão de Execução de Medidas Socioeducativas em Meio aberto.

Os relatórios circunstanciados fornecidos pela equipe interdisciplinar do Centro Grapiúna Cidadão serão lidos pelos serventuários da VIJ e analisados pelo juiz e promotor da VIJ de Itabuna, quando então serão pontuados os aspectos positivos ou negativos no cumprimento da medida socioeducativa. O adolescente que não tiver cumprindo satisfatoriamente a medida poderá sofrer advertência, substituição da medida e até uma regressão para o regime fechado, ou seja, poderá cumprir a medida de semi-liberdade ou internamento. O adolescente que já tenha algum tempo e que vem cumprindo a medida de forma exemplar poderá ser desligado da medida, antes do prazo final. Atualmente, existem cerca de 105 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em meio aberto no Grapiúna Cidadão. No próximo dia 29 de abril serão analisados cerca de 55 processos. No intervalo entre as audiências será feita uma apresentação cultural por um grupo no auditório da VIJ, no sentido de ocupar o tempo dos adolescentes que ficam aguardando para as audiências.

O juiz Marcos Bandeira afirma que as medidas socieoducativas em meio aberto, principalmente a liberdade assistida tem se mostrado muito mais eficaz na ressocialização do adolescente infrator do que a medida extrema do internamento, que priva o jovem ainda na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento da convivência familiar e comunitária, o que afeta, sem dúvida, a sua formação. Essas audiências constituem um mecanismo extraordinário para monitorar o adolescente e fiscalizar o efetivo cumprimento da medida socioeducativa. Os relatórios são bem elaborados e nós sabemos de tudo que ocorre na vida do adolescente, principalmente com relação aos deveres no cumprimento da medida. Os adolescentes, por sua vez, ficam ansiosos e preocupados com a leitura do relatório, pois sabem que se não estiver cumprindo satisfatoriamente a medida poderão sofrer um gravame.





sexta-feira, 9 de abril de 2010

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE .MÍNIMO EXISTENCIAL

Proc. nº 0000



AÇÃO CIVIL PÚBLICA


DEMANDANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO


DEMANDADA: MUNICÍPIO DE ITABUNA.







O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por intermédio de seu ilustre representante, ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA contra o MUNICÍPIO DE ITABUNA, com fundamento no art. 129, III da Constituição Federal c/c o art. 201 e seus incisos V e VIII da Lei nº 8.069/90, aduzindo, em síntese, o seguinte:

A criança Maria X, nascida no dia 25 de outubro de 2008, domiciliada na Rua das Pedras,, nº 580, Bairro Horizonte, nesta Cidade, sofre de desnutrição crônica, provocada por alergia e má absorção alimentar, conforme relatório médico acostado aos autos.Com efeito, alega o autor da ação que para o tratamento da referida enfermidade foi indicado o uso periódico de proteína de soro de leite, 100% hidrolisada, como terapia nutricional indispensável à promoção da saúde da criança, sendo então indicado o leite Alfaré ou similar, como forma de medicamento adequado para combater a enfermidade da pequena Maria X, conforme relatório acostados aos autos.

Ocorre, entretanto, que tal medicamento tem alto custo de mercado – cerca de R$ 200,00 cada lata – e deve ser utilizado diariamente para que seja atingido o valor calórico total da dieta, de sorte que a criança precisa utilizar cerca de 06 ( seis) latas mensais do medicamento, o que extrapola as condições financeiras de sua família.

Alega que o genitor da criança se dirigiu aos órgãos do município solicitando o fornecimento gratuito da medicação e em meados de junho do corrente ano recebeu a visita de prepostos da Secretaria Municipal de Assistência Social, os quais questionaram a quantidade necessária de latas de leite especial que a criança necessita para consumo mensal, quando então informou que seria em média 06 latas, todavia, os próprios agentes ao preencherem a planilha cadastraram 07 latas, prevendo um possível atraso no fornecimento do produto.

O autor da ação alega que após diversos contactos mantidos pelo genitor da criança com os agentes do Município de Itabuna até a presente data – julho de 2009 – a criança Maria X continuava sem receber do município de Itabuna o medicamento necessário para tratar de seu problema de saúde.

Argumenta o autor da ação que a negação desse direito fundamental – direito à saúde – por parte do Município fere frontalmente o princípio da dignidade humana, salientando que a assistência farmacêutica está compreendida no denominado “mínimo existencial”, citando as lições da Juíza Federal Ana Cristina Krãmer, salientando ainda que o art. 6º, Inc. I, alínea “D” da Lei nº 8.080/90, que regulamentou os arts. 196 e seguintes da CF, assegura a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, pelos Sistema Único de Saúde.

Enfatiza ainda que a preocupação ainda é maior quando se trata da dignidade de crianças e adolescentes, pois o art. 227 da CF, assegura, com absoluta prioridade, a essas pessoas o direito à vida é à saúde, arrematando que incumbe ao Poder Público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem, os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação, nos termos do que estabelecem os §§ 1º e 2º do art. 11 do ECA.

Finalmente, com base nos argumentos trazido à colação, argumenta que a criança Maria X , detentora de desnutrição crônica necessita fazer uso de um tipo específico de leite, e como se trata de um insumo essencial para o tratamento da patologia, há de conferir a natureza de medicamento ao leite especial , sustentando assim a viabilidade da pretensão de assegurar à criança o referido medicamento. Reforçando a sua assertiva transcreve Acórdão do Tribunal de Justiça da Bahia e ratifica o princípio da prioridade absoluta insculpido no Parágrafo único do art. 4º do ECA, no sentido de que Maria X receba um provimento de urgência.

Requereu, por conseguinte, a tutela antecipada, independentemente da oitiva dos representante legais do Município de Itabuna e a citação do Município de Itabuna, para querendo, oferecer resposta processual, nos termos do art. 19 da Lei nº 7.347/85.Requereu ainda a cominação de multa diária, em caso de descumprimento da medida e a procedência, ao final, do pedido deduzido em Juízo.

Atribuiu-se à causa o valor de R$ 16.000,00 e fez acostar aos autos os documentos de fls.11 a 26 dos autos.

Este Juízo, com fulcro no art. 273 do CPC c/c o art.213 do ECA, concedeu a tutela antecipada, determinando que a parte demandada procedesse o fornecimento do insumo – leite Alfaré ou similar - , na quantidade de 07 latas mensais, sob pena da cominação de multa diária de R$ 200,00 ( duzentos reais).

O Município de Itabuna, por intermédio de seu procurador, contestou a ação, salientando apenas que a criança já é cadastrada como usuária do Sistema único de Assistência Social, com prioridade no fornecimento deste insumo. Argumenta o ilustre Procurador que a administração pública tem que seguir normas burocráticas para compras e serviços de acordo com a legislação, o que dificulta o Poder Público de oferecer respostas rápidas aos seus cidadãos.

Assim, sugere que o representante legal da criança se apresente ao Departamento de Apoio e Gestão do SUAS, na Secretaria de Assistência Social do Município de Itabuna, para recebimento dos insumos de que necessita para o controle da patalogia, vez que já foi providenciado pela administração municipal. Foi juntado aos autos o Decreto nº 8.200, que nomeou o Dr. Marcos Antonio Conrado Moreira como Procurador Cível do Município de Itabuna. O Ministério Público se manifestou sobre a certidão de f. 42, no sentido do prosseguimento do feito. Vieram-me os autos conclusos.

É O RELATÓRIO

DA FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO.



Compulsando os autos, infere-se que a questão deduzida em Juízo, cinge-se a questão unicamente de direito e de fato que prescinde de dilação probatória para o seu deslinde, ensejando assim, o julgamento antecipado da lide, nos termos preconizados pelo art. 331, I do CPC, aplicável subsidiariamente a espécie.



Trata-se, na verdade, de um direito subjetivo, de caráter indisponível, assegurado a todas as pessoas indistintamente. A sua proteção está assegurada na Constituição Federal de 1988 – art. 5º - e apoiada no principio da dignidade da pessoa humana, erigido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Com efeito, a saúde, como verdadeiro direito fundamental, é direito de todos e obrigação do Estado. Nesse sentido, o STJ já se pronunciou:

 O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição Federal( art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir aos cidadãos, inclusive àqueles portadores de HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar”( rel. Ministro José Delgado. ROMS nº 11.183/PR, publicado no DJU em 04.09.2000)

A pretensão de direito material deduzida em Juízo – fornecimento de insumo de caráter medicamentoso à criança Maria X, que sofre de alergia e má absorção alimentar, caracteriza, sem sombra de dúvida, direito individual homogêneo, porquanto o direito individual da referida adolescente , por ser fundamental está positivado na Constituição Federal e é semelhante ao de várias outras pessoas que estão na mesma situação – necessitando de um medicamento para sobreviver -, o que torna esse direito individual homogêneo, já que extensivo a uma coletividade indeterminada de pessoas que se encontram na mesma situação fática, e ao mesmo tempo em que a tutela do bem jurídico poderá ser invocada por uma coletividade ou por uma só pessoa. Nesse sentido é lapidar a lição do professor Humberto Dalla Bernardina de Pinho dinsponível no www.mundojurídico.adv.br em 10.02.2010:

A partir dessa origem comum surge a extensão social do direito, pois se diversas pessoas se encontram na mesma situação jurídica, automaticamente aquela situação passa a produzir efeitos numa coletividade, obrigando o ordenamento jurídico a tutelar o direito como coletivo lato sensu.

Sendo um direito coletivamente tutelado, passa a ser indisponível em razão dessa mesma extensão social.

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Nessa linha de raciocínio, chega-se à conclusão de que em sede de direitos individuais homogêneos existe uma questão coletiva comum a todos os membros da classe e que se sobrepõe a eventuais questões individuais.

Eis aí a pedra de toque, ou seja, a dita homogeneidade advém desta questão comum prevalente, que se torna então uma questão social, e por conseguinte, indisponível.

Caso não faça presente tal questão comum ( coletiva), não estaremos diante de um direito individual homogêneo, mas sim heterogêneo, como bem assevera Ada Pellegrini Grinover



O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente - , lei nº 8.069/90, abraçou no seu art. 4º, o que a Constituição já houvera consagrado no seu art. 227 - princípio da proteção integral à criança e adolescente , pelo qual a criança e o adolescente deve ter precedência e primazia de atendimento nos serviços públicos de relevância prestados pelo Estado, principalmente quando se trata de direito fundamental à saúde, como é o caso dos autos, a teor do que dispõe o art. 11 e seus §§ 1º e 2º do ECA. Todavia, é o Capítulo VII do ECA – Da Proteção Judicial dos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos – que pontifica a legitimidade do Ministério Público e a adequação da ação civil pública, como meio idôneo para fazer valer o direito individual homogêneo da criança Maria X, dissipando qualquer dúvida a respeito, senão vejamos:



Art. 208 . Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:

I – omissis

II – omissis

III –omissis

IV – omissis

V - omissis

VI – omissis

VII – de acesso às ações e serviços de saúde;

VIII - omissis



§ 1º As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei.



Tecidas essas considerações e, como se infere, a ação cabível é a ação civil pública, pois se trata de direito individual homogêneo – Direito Fundamental de acesso á saúde ( art. 208, VII do ECA) e a legitimidade, sem qualquer sombra de dúvida, é do Ministério Público, por força do disposto no art. 127 da Constituição Federal.



Depreende-se também que a Competência para conhecer do presente pedido é absoluta , porquanto exclusiva da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna, porquanto foi neste foro que ocorreu a apontada omissão do poder público estribado nos arts. 148, IV, e 209 do ECA, que rezam o seguinte, “ in verbis”:



Art. 148 . A Justiça da Infância e Juventude é competente para:

.......................



IV – conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209;



Art. 209 . As ações previstas neste capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo Juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvados a competência da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.



Como se infere a omissão se deu nesta Comarca e o pedido está circunscrito ao direito fundamental da criança em receber da administração pública o insumo de caráter medicamentoso, necessário para a promoção de sua saúde, diante da enfermidade de que é portadora, o que torna absoluta a competência da Vara da Infância e Juventude de Itabuna.



NO MÉRITO



A pretensão deduzida em Juízo cinge-se ao pedido formulado pelo autor da ação para que a criança Maria X, nascida no dia 25.09.2008( certidão de nascimento de fls.18) e domiciliada nesta Comarca, possa receber do administração pública municipal 07 ( sete) latas do leite Alfaré ou similar, como insumo de caráter medicamentoso, no sentido de proceder terapia nutricional para combater a desnutrição crônica provocada pela alergia e má absorção alimentar, de que é portadora. O relatório nutricional de fls. 14 firmado pela nutricionista Maria Amélia Santos é conclusivo:



A paciente Maria X encontra-se em acompanhamento nutricional, devido a alergia alimentar e má absorção, tendo como diagnóstico nutricional desnutrição crônica.

É necessário uma terapia nutricional especializada e com acompanhamento periódico.

A fórmula prescrita é a base de proteína do soro do leite 100% hidrolisada, recomendada para criança à partir de 01 ano( Pepata men junior).

Essa fórmula deve ser utilizada diariamente para que seja atingido o valor calórico total da dieta, já que devido a alergia alimentar grande parte dos alimentos são excluídos da alimentação da paciente.

O Relatório firmado pela Dra. Mariana da Luz ( fls.17) descreve que a paciente necessita de dieta exclusiva à base de Alfaré por um período, necessitando de reavaliação periódica.

A pretensão da autora está embasada precipuamente nos arts. 196 e 227 da CF de 1988 . que rezam o seguinte, “ in verbis”:



Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.



Art. 227. É dever da família , da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.



Os referidos comandos normativos estão regulamentados nos §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente -, que estabelecem o seguinte:

Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

§ 1º . A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado.

§ 2º . Incumbe ao Poder Público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.

Como se observa, o fundamento fático está apoiado na necessidade da criança Maria X em fazer uso diariamente do leite “Alfaré ou similar”, como recurso medicamentoso para combater, através de uma terapia nutricional, a desnutrição crônica de que é portadora, provocada pela alergia alimentar e má absorção alimentar, conforme relatórios anexados aos autos. Ora, como se infere, o insumo é indispensável para suprir as necessidades nutricionais da criança e assim preservar á sua própria vida. Com efeito, em face da desnutrição crônica provocada pela alergia alimentar e a má absorção alimentar a criança está sofrendo risco de vida, pois a sua família não dispõe de recursos suficientes para adquirir o referido insumo.O substrato fático narrado na exordial se subsumem aos comandos normativos constitucionais e do ECA, transcritos acima, evidenciando assim, o amparo legal da pretensão de direito material deduzida em Juízo. Logo, é dever do Poder Público Municipal suprir essa necessidade e garantir assim, o direito á saúde e a vida da pequena Maria X, ou seja, o denominado mínimo existencial, indispensável para a manutenção de sua vida. Nesse sentido, a juíza Federal Ana Cristina Krãmer em seu excelente artigo intitulado “ O papel do Judiciário na área da saúde, assim se pronunciou:

Filósofos e juristas têm defendido a tese de que o Estado deve garantir o “mínimo existencial”, ou seja, os direitos básicos das pessoas, sem intervenção para além desse piso. Dizem , ainda, que esse mínimo depende da avaliação do binômio necessidade/capacidade, não apenas do provedor, mas, também, daqueles a quem se prometeu a implementação da satisfação daquelas necessidades. Além disso, como vem sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência de diversos países, por força do princípio da dignidade humana, todo ser humano possui um direito ao mínimo existencial, o que significa um direito aos meios que possibilitem a satisfação das necessidades básicas, entre as quais a necessidade de ter saúde.

Inegavelmente, a saúde insere-se no mínimo existencial, para uma vida digna. Então, nesse contexto, a Justiça , quando é acionada para concessão de medicamentos e tratamentos médicos, mesmo que demandem altos custos, ou até realização no exterior, teria, inegavelmente, que conceder a tutela pretendida, porque para aquela pessoa que está pedindo, este é o único meio de garantir o seu direito ao mínimo existencial.

Acolho a premissa preconizada pelo ilustre Promotor de Justiça, Clodoaldo Anunciação, quando sustenta que “ o princípio da dignidade da pessoa humana preconiza a salvaguarda de uma gama mínima de direitos inerentes e que exsurgem da própria personalidade humana”, pois o valor da pessoa humana , na visão kantiana, não tem preço, não pode ser objeto de troca, pois representa, em última análise um fim em si mesmo, defendendo assim , que as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmas, e não como um meio (objetos), ao perpetuar a dignidade humana na seguinte frase:

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.

O princípio da dignidade da pessoa humana cristalizado no preâmbulo da CF de 1988 e insculpida no art. 227 do ECA, realça ainda mais, quando se trata de crianças e adolescente, em face de se tratarem de sujeitos de direitos na peculiar condição de pessoa em processo de desenvolvimento, quando por isso mesmo, o atendimento dos seus direitos fundamentais deve ser priorizado de forma absoluta, como exige o art. 227 da CF e o art. 4º do ECA. O tempo é algo a ser considerado, no sentido de concretizar os comandos normativos citados e assim garantir a agilização e a eficacidade dos direitos de crianças e adolescentes, o que, evidentemente, conforme se dessume dos autos, não foi observado pela administração pública municipal, pois apesar de ter sido cientificada da situação da criança Maria X em 05.06.2009( fls.12) e instada a solucionar o problema, deixou-se envolver nos entraves burocráticos e quedou-se inerte até setembro de 2009, quando a família da criança Maria X recebeu sete latas do l.eite especial, por força da tutela antecipada concedida por este Juízo, no dia 31 de julho de 2009( fls.27/33).

A demandada em sua peça contestatória justifica a delonga no fornecimento do insumo solicitado pelo genitor da criança Maria X, na necessidade de seguir as normas da administração pública para a aquisição do referido produto, todavia, a justificativa não nos convence, pois decorreu cerca de 3 meses para que a criança recebesse o produto, o que denota a falta da administração pública em assegurar o atendimento prioritário á luz do que determina o art. 4º do ECA, mormente quando já se encontra instaurado o procedimento do inquérito civil por parte do Ministério Público. Nem se argumente que a responsabilidade é do Estado ou da União, pois in casu a responsabilidade, conforme já consolidado no STF, é solidária. Nesse sentido merece a transcrição de texto extraído do voto do Ministro Gilmar Mendes no Embargo Regimental proposto pela União contra decisão dele, em 21 de março de 2010:





O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado(União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no artigo 196.

A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição.

União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa,pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal),de prestações na área de saúde.

Desta forma, entendo que o pedido encontra-se plenamente justificado e instruído, devendo, pois, merecer a acolhida deste Juízo. Impõe-se ressaltar que a tutela antecipada foi concedida e o demandado, por força da liminar, está cumprindo a obrigação imposta na decisão, conforme se comprova pelo documento de fls.43.

Posto isso, julgo procedente o pedido, para condenar o Município de Itabuna a fornecer mensalmente e de forma continuada à criança Maria X 07 ( sete) latas de leite especial denominado “ Alfaré “ ou similar, sob pena de multa diária de R$ 200,00 a ser aplicada em desfavor do prefeito municipal de Itabuna.

Transitado em julgado, arquivem-se os autos.

P.R.I.

Itabuna-BA, 25 de março de 2010.



BEL. MARCOS ANTONIO S BANDEIRA

JUIZ DA VIJ DE ITABUNA