sábado, 18 de julho de 2015

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: uma decisão política equivocada





            Seguramente a redução da maioridade penal tem sido um dos temas mais comentados ultimamente, desencadeando uma série de debates em todo país, principalmente em razão da iminente aprovação da PEC nº 171,  já aprovada no primeiro turno na Câmara dos Deputados. A mídia, em boa parte, apoiada em premissas falsas, vem apoiando a redução da maioridade penal. As pesquisas realizadas em todo o país em diversos segmentos apontam que a maioria da população é favorável à redução da maioridade penal. Uma minoria vem se posicionando contra, sem contudo ameaçar os ventos que sopram favoráveis à redução da maioridade penal para dezesseis anos.
             O momento crítico por que passa o país em meio a uma crise econômica, política e ética, com a corrupção da Petrobras envolvendo políticos e empreiteiros, espinha dorsal do conúbio entre o poder econômico e político, só faz recrudescer a violência urbana, numa sociedade extremamente desigual. A sensação de insegurança é potencializada pela mídia policialesca que se nutre da criminalidade e da destruição da vida humana, banalizando-a e passando a desinformação que com o “menor infrator” nada acontece.
            Diante desse contexto adverso, de total insegurança, surgem os mais diferentes argumentos para sustentar a decisão mais fácil: vamos reduzir a maioridade penal e colocar esses menores infratores na cadeia, pois se podem votar, devem também responder pelos seus atos; o adolescente no momento atual é muito bem informado através da internet, tendo conhecimento sobre drogas, sexo e sabe perfeitamente que roubar e matar são crimes; na maioria  dos países a maioridade penal começa mais cedo. Esses são os principais argumentos daqueles que sustentam a redução da maioridade para dezesseis anos.
            Esse tempero da emoção, da desinformação e da aprovação de uma lei que afetará a todos é muito perigoso, pois poderemos amargar consequências dolorosas. Acho que o debate das ideias de forma qualificada e racional é o caminho correto para encontrarmos a melhor solução. Como disse alguém, o sol é bem maior do que o vemos, ou seja, a problemática do adolescente em conflito com a lei é bem mais complexa e por isso mesmo merece uma análise mais aprofundada. Não podemos acreditar ingenuamente que a salvação da sociedade brasileira está na aprovação da redução da maioridade penal.
            Numa perspectiva histórica é bom lembrar que a idade penal no Brasil imperial era de sete anos de idade, pois se entendiam que abaixo dessa idade as pessoas eram incapazes, equiparados a “res” (coisas). No início do século XX, o país se alinhou com a maioria dos países civilizados e a idade penal passou para 18 anos de idade. É bom lembrar que em 1969, em pleno regime ditatorial, os militares que estavam no poder conseguiram aprovar a redução da maioridade penal para dezesseis anos de idade, todavia, a lei ainda na vacatio legis , ou seja, antes de entrar em vigor, foi revogada pelos próprios militares, por entender que não resolveria o problema.
            Independentemente da questão de ordem constitucional que deve ser enfrentada pelo STF, pois no meu modesto entendimento, a redução da maioridade penal viola frontalmente cláusula pétrea, imodificável até mesmo por emenda constitucional, percebe-se que a questão fulcral não tem sido enfrentada nos debates até agora travados. A questão principal não é aumentar a maioridade penal porque os adolescentes infratores têm informações suficientes e discernimento ético sobre a prática do ato infracional. Na verdade, ninguém duvida de que o jovem de hoje está muito bem informado e sabe perfeitamente que roubar é crime, por exemplo. A questão não é incapacidade, mas responsabilização diferenciada em relação ao adulto, ou seja, o adolescente, em razão de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento deve merecer uma tutela diferenciada do Estado, em face de sua manifesta vulnerabilidade. Isso não significa impunidade. Hoje, no Brasil, mais de vinte mil adolescentes estão cumprindo medida socioeducativa, seja privativa de liberdade, como internação e semiliberdade, seja restritiva de direitos, como prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e reparação de danos. O que o ECA trouxe fundamentalmente de novidade nessa área foi alçar o adolescente em conflito com a lei em sujeito de direitos fundamentais, assegurando-lhe direitos individuais e o devido processo legal da mesma forma que é garantido aos maiores de 18 anos.  O adolescente em face de não ter ainda os seus processos cognitivos e emocionais totalmente completos, está mais propenso a receber positivamente uma abordagem educativa que seja capaz de interromper sua trajetória criminosa do que aqueles imputáveis que já estão enraizados na criminalidade.
            Não se pode abstrair o atual contexto do sistema penitenciário brasileiro, absolutamente falido, superlotado e incapaz de ressocializar. O índice de reincidência é superior a 70% e a população carcerária no Brasil caminha para mais quinhentos mil presos, sendo parte significativa composta de provisórios. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma verdadeira fábrica de produzir bandidos.Segundo a escola criminológica “labelling approach”, ou escola de rotulação social, que surgiu nos Estados Unidos nos anos sessenta, as pessoas selecionadas pelo sistema penitenciário são estigmatizadas, humilhadas e discriminadas, entrelaçando-se na ação projetada por outros detentos, incorporando os gestos, valores e costumes dos outros, até assumir a sua identidade que precisa ser legitimada pelo grupo onde se encontra. Essa situação é agravada quando se trata de um adolescente cuja personalidade ainda está em formação. Certamente, nesse contato pernicioso com elementos da mais alta periculosidade, o adolescente vai sair do cárcere com mestrado e doutorado em criminalidade, pronto para ingressar nas carreiras criminosas. Se ele cometia atos de médio ou pequeno potencial ofensivo certamente vai cometer atos bem mais graves. A violência urbana, sem dúvida alguma, será aumentada em nossa sociedade, caso a redução da maioridade penal seja aprovada.
            Concordo com os que sustentam que o Estatuto da Criança e do Adolescente precisa de ajustes após vinte e cinco anos de vigência. Existem realmente vários dispositivos que merecem ser modificados. Sempre sustentei que os adolescentes deveriam ser punidos com mais rigor na prática dos crimes considerados hediondos. Nesse sentido, existe um projeto no Congresso Nacional, no sentido de aumentar a medida socioeducativa de internação para oito anos. Essa mudança é possível, pois não fere a Constituição Federal. Acho que é a melhor alternativa para enfrentar a criminalidade juvenil; todavia, a simples mudança legislativa não significa necessariamente mudança. É necessário sobretudo, que o Poder Executivo deixe de ser omisso na implementação das medidas socioeducativas, principalmente, com relação à internação e semiliberdade. Na Bahia, por exemplo, onde temos a maior sombra institucional, segundo pesquisa do CNJ, só existem unidades de internação em Salvador e Feira de Santana, quando na verdade é imperiosa a regionalização dessas medidas socioeducativas. É preciso implementar políticas públicas. É preciso tirar o ECA do papel. É preciso coragem e vontade política. Esse é o caminho.

MARCOS BANDEIRA

** Juiz de Direito titular da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna, membro da coordenadoria da Infância e Juventude do TJBA , membro da academia de letras de Itabuna ,  mestre em segurança pública e professor de Direito da UESC.