quarta-feira, 14 de outubro de 2009

DICÓ, O PEQUENO NOTÁVEL

DICÓ, O PEQUENO NOTÁVEL

Numa manhã fria de domingo, ouvindo silenciosamente as quatro estações de Vivaldi, os meus pensamentos voam e me levam aos domingos acalourados, cheios de magias e vida do enigmático “Mário Pessoa”. O estádio lotado, as pessoas se acotovelando com um radinho de pilha na mão, enquanto no interior do vestiário exalava-se o cheiro forte do óleo de massagem que emanava das mãos experientes de Luiz Mário, massagista da Seleção amadora de Ilhéus, fazendo assim eclodir o clima típico que antecede a uma partida de futebol esperada com bastante ansiedade. “Dicó, no afã de adentrar em campo, é o último a praticar o “xixi nervoso” e, antes mesmo de sair do vestiário, confidenciava-me: “ Bandeira, em caso de escanteio segundo pau” . A equipe ilheense formada por Bico de Pato, Marcos Garcia, Urubu, Armando, Lampião, Néri( Sérgio Vieira), Paulinho Verdinho, Marcos Bandeira, Jorge Amarelinho, Dicó e Mario Sergio entra em campo para mais uma batalha, quase sempre imperdível em seus domínios e sob os aplausos da entusiasta torcida, que proporcionava um colorido todo especial nas arquibancadas do velho estádio Mario Pessoa. Na arquibancada era impossível não divisar o vulto e ouvir os gritos de dona Miúda, torcendo com toda a emoção pelo filho e goleador Zé de Madá. Naqueles idos de 80, o escrete ilheeense jogava por música e sagrou-se campeão intermunicipal de futebol jogando a decisão em Senhor do Bonfim conta a poderosa seleção de Bobô. Apesar de se tratar de uma equipe amadora, enfrentou equipes profissionais como Botafogo-RJ, Fluminense-RJ, Bangu e Vitória, sem perder, só sendo vencida pelo Vasco da Gama-RJ por 2 x 1 , no último minuto do segundo tempo, com um gol espírita de Ernani.

Dicó era uma dessas preciosidades do mundo futebolístico, que enfeitava ás tardes de domingo com a magia e a arte de seu futebol riquíssimo e “moleque” ao mesmo tempo. Na altura de seus 1,70mts, era um centroavante com um estilo similar ao de Reinaldo do Atlético-MG, todavia, com todo o respeito ao famoso jogador brasileiro, acredito que Dicó era mais habilidoso, infelizmente nasceu no interior da Bahia e mostrou o melhor de seu talento para um palco doméstico, onde não havia profissionalismo e nem mídia. As pessoas ligadas á área do futebol e que conheceram Dicó sabem perfeitamente do que estou falando. Dicó brincava de jogar futebol. Não se utilizava o termo “trabalhar” no mundo futebolístico de Dicó. Diria alguns, com toda a razão: Dicó nasceu na época e no lugar errado para crescer no futebol”. Poderíamos recordar algumas das passagens memoráveis de Dicó, como a decisão do intermunicipal em Senhor do Bonfim, quando Ilhéus , depois de 16 anos, sagrou-se campeão intermunicipal de futebol. A atuação qualificada de Dicó pelo talento dos dribles e dos passes geniais foi determinante para a conquista do título. A grande virada em Ibicaraí, quando Dicó se encontrava no banco de reservas e a seleção ilheense perdia por 2 x 1 para o selecionado local e com dois a menos( eu e Lampião fomos expulsos), quando Dicó e Fuminho entraram em campo e viraram o jogo para 3 x 2 . Quem não se lembra do inesquecível jogo envolvendo as equipes do Vasco de Ilhéus e Pontal, na grande decisão do futebol amador de Ilhéus, quando a equipe pontalense sagrou-se campeã, com uma atuação simplesmente espetacular de Dicó e Gel. Dicó saiu de campo contundido , em razão de uma paulada praticado por um defensor do Vasco, que , de fato, era a única forma eficaz de que dispunha para marcá-lo. Poderia lembrar dos dribles e jogadas desconcertantes praticadas contra os defensores do Vasco, quando modéstia à parte, consegui dar umas “entortadas” em Rondineli ( ex-rei da raça do Flamengo-RJ)e ser escolhido como melhor jogador em campo, entretanto, lembro-me muito bem que Dicó, no auge de sua “molecagem”, no bom sentido é bom que se diga, num amistoso do Colo Colo na cidade de Canavieiras contra o selecionado local, quando jogávamos juntos e ganhávamos por 3 x 1 . Dicó já houvera feito tres gols, todavia, a bola sobrou na área entre eu e Dicó, quando então este dominou magistralmente a bola, e eu ainda tive tempo de lhe pedir: “ Dicó, você já fez três , deixe esse para mim”. Qual nada!” Dicó só teve tempo de passar uma olhada para o lado e colocou caprochosamente a bola no canto esquerdo do goleito, assinalando o quarto gol do Colo Colo. Dicó, apesar de baixa estatura era um gigante na área, revelando vezes como um matador implacável, que fazia gols de todo o jeito, de cabeça, letras, etc, outras vezes assistia magistralmente aos companheiros, com passes inteligentes e sutis.

Essas passagens e muitas outras jamais serão esquecidas das mentes daqueles apaixonados por futebol e que acompanharam a trajetória futebolística do pequeno notável. Menino humilde, que jogava bola nas areias da praia do Pontal, sorriso fácil, vida mansa, não queria compromisso com o mundo profissional do futebol. Por diversas vezes preferiu a companhia prazerosa dos amigos numa mesa de bar do que jogar futebol profissional em Salvador. Ele só queria brincar de futebol. Destarte, posso afirmar, categoricamente, que Dicó foi o melhor centroavante que tive o privilégio de jogar.

Nessa manhã triste de domingo, já ouvindo a balada sete de Moacir Franco, recebo a triste e dolorosa notícia do falecimento de Dicó. Não tive a oportunidade de ir ao seu velório, pois quando soube do desenlace, o seu corpo físico já houvera sido sepultado. Não importa! Não o vi morto e a morte não combina com Dicó, pois ele era vida pura e a lembrança que permanecerá indelevelmente em nossas mentes é a da genialidade do seu talento e a alegria fugaz que proporcionava nas velhas tardes de domingo no Mário Pessoa. Dicó, como ninguém, conseguiu proporcionar aos ilheenses esses momentos mágicos. Dicó, com sua partida, o futebol ficou triste e mais pobre. O time do tempo, infelizmente, ganhou desta vez, suas pernas cansaram, o que era bom e o que não era se acabou, o estádio está vazio, você, pequeno notável, passou, mas fique certo que enquanto estivermos neste planeta chamado “ terra” a sua passagem jamais será esquecida, e na lembrança ficará para sempre as jogadas imortalizadas, mesmo que a rede não mais balance para lembrar o seu último gol.

Descanse em paz amigo, agora você tem as estrelas para brincar.

MARCOS BANDEIRA – maio/2000

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