sexta-feira, 9 de outubro de 2009

POR UM PRIMADO DA ÉTICA E DO DIREITO

POR UM PRIMADO DA ÉTICA E DO DIREITO


É visível o semblante de decepção, desânimo, enfim, de indignação do cidadão comum diante da enxurrada de denúncias de corrupção envolvendo autoridades, principalmente, vinculadas ao poder executivo e legislativo. Algumas dessas pessoas, acima de qualquer suspeita, foram eleitas para representar a sociedade e lutar pelo bem estar social, todavia, nos surpreendemos a cada dia com notícias que engrossam ainda mais o lamaçal da crise institucional, mostrando desde cenas bizarras como aquela em que um assessor de um deputado foi flagrado no aeroporto com grande quantidade de dólares na cueca, passando pela guarda de milhões de reais em cofres particulares, denúncia de ex-mulher de deputado, ingerência de empresários em assuntos de governo, renúncia de deputado para não perder os direitos políticos, indícios de caixa dois - dinheiro não contabilizado - na campanha presidencial, desvio de dinheiro de estatais para financiar campanhas eleitorais, enfim, de fatos que conjuntamente demonstram a profunda crise institucional em que se mergulharam o parlamento e o poder executivo. A crise de credibilidade das instituições é certo não se restringe aos dois poderes, mas atinge também o próprio Poder Judiciário, que vez por outra ocupa espaço na mídia por qualquer escândalo envolvendo alguns dos seus integrantes, quando não se torna alvo de duras criticas provocadas pela conhecida “morosidade” e inefetividade.

O fato incontestável é que estamos nos deparando com uma profunda crise de credibilidade nas instituições e nas pessoas que ocupam cargos públicos relevantes. É comum ouvir do cidadão comum a assertiva de que nas próximas eleições não votará em político algum, que anulará o voto, enfim, que ficará indiferente aos destinos de seu município, Estado ou do próprio Brasil. Não devemos pensar assim, afinal, como disse Aristóteles há alguns séculos atrás o “ o homem é um animal político” destinado a viver em sociedade, e que se distingue do animal irracional pelo dom da linguagem e pelo discernimento ético, que o guia a separar o bem do mal, o justo do injusto. Ademais, como é sabido, convivemos no regime democrático e forma republicana de governo, pelo qual as pessoas ocupam o poder político temporariamente, existe a alternância do poder para gerir a coisa – res – pública, e somente uma nação consciente e devidamente organizada pode transformar a nossa realidade subjacente, através da participação política.

Na verdade, o meu estado de espírito no momento, por mais paradoxal que possa parecer, não mais é de estupefação ou decepção – este já passou - , mas de otimismo e renovação, como o otimismo de Frei Beto ao conclamar para ensinar “ a teu filho que o Brasil tem jeito e que deve crescer feliz por ser brasileiro”. Parodiando a música de Chico Buarque, não obstante o mensalão, o mensalinho e outras expressões corruptivas novas , pode-se acreditar que amanhã será um novo dia, pois o brasileiro é, antes de tudo, um lutador e não desiste nunca, pois a esperança para ele nunca morre. É necessário avançar e o Brasil ainda é um país jovem, com apenas 500 anos de existência e que precisa ser purificado. Depois desse lodaçal de fraude, estelionato eleitoral, corrupção, fisiologismo, enriquecimento ilícito, mentiras, surgirá, com certeza, um novo Brasil apoiado na ética e no princípio da legalidade, mas para que isso aconteça é curial que o eleitor escolha melhor seus governantes, não se deixando encabular pelo discurso bonito ou pela esmola assistencialista. È importante que conheça a história de vida pública e privada do político, suas obras e realizações, pois ainda existem políticos íntegros. O padre Antonio Vieira em seu “sermão da Sexagenária” asseverou:

“ O pregar , que é falar , faz-se com a boca; o pregar, que é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras... A razão disso, é porque as palavras ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelo ouvidos , as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos”.

É preciso acreditar que as campanhas milionárias para se eleger um candidato eletivo não mais serão permitidas; é necessário colocar na ordem jurídica que qualquer gestor que tiver suas contas rejeitadas somente poderá candidatar-se a qualquer cargo eletivo depois de obter na Justiça uma sentença definitivamente julgada que comprove à sua inocência; é preciso acreditar que o direito de propriedade vinculado à sua função social será respeitado e qualquer espécie de invasão clandestina será sempre repudiada pela Justiça; é preciso acreditar que a punição sempre existirá para aqueles que dilapidam o erário público, seja alcançado o seu jus libertatis, seja alijando-o da vida política, seja alcançando seus bens ; é preciso acreditar que cada um tem dentro de si uma centelha divina e que somos capazes de dar o melhor de nós mesmos para o outro, e que podemos construir uma sociedade mais justa e solidária, bem como um vida melhor para as futuras gerações.

È necessário, sem subterfúgios, que sejamos éticos, sem sermos moralista. A ética não poderá ser entendida sem a ação humana e sem a consulta dos valores de nossa escala axiológica. A bondade, alteridade, justiça, honestidade, amor, respeito, solidariedade, tolerância, perseverança, são os valores principais que precisamos cultuar antes de praticar qualquer ato humano, pois só assim, com a completa realização das coisas do espírito, da realização interior, poderemos considerar uma pessoa feliz. Com certeza, assim, através de pequenos gestos, como o exemplo do deputado Antonio Pinheiro que devolveu aos cofres públicos jetons de procedência duvidosa, ou o exemplo daquele operário simples que encontrou uma mala cheia de dólares e que devolveu ao seu legítimo proprietário, ou o auxílio mais simples, como ajudar o idoso ou deficiente físico a atravessar a pista, ou cumprimentar as pessoas nas ruas ou no seu ambiente de trabalho, ouvir e transmitir uma mensagem de esperança àquele que sofre, são gestos isolados, que juntos, podem transformar esta nação, banindo o “jeitinho brasileiro”, o egoísmo, a fraude, a galhofa, e edificando uma nova era, um novo Brasil, como aquele vislumbrado pelo Frei Beto que pede para que “Ensinem teu filho a votar com consciência e jamais ter nojo da política, pois quem agem assim é governado por quem não tem e , se a maioria tiver a mesma reação, será o fim da democracia. Que o teu voto e o dele sejam em prol da justiça social e dos direitos dos brasileiros imerecidamente tão pobres e excluídos, por razões políticas, dos dons da vida...ensina a teu filho que a uma pessoa bastam o pão, o vinho e um grande amor. Cultiva nele os desejos do espírito. Saiba o teu filho escutar o silêncio, reverenciar as expressões de vida e deixar-se amar a Deus que o habita”.

Completaria, para dizer apenas, que tudo isso passa pela educação, que nos possibilitará sair um dia da condição de oprimido para cidadão, mas o caminho que nos conduzirá a este estágio está permeado pelo respeito aos valores fundamentais do ser humano, a crença nas instituições e o exercício fiel do Direito, como sistema tutelar dos direitos e garantias individuais , indispensável a coexistência social.

Autor: Marcos Bandeira – Juiz da Vara do Júri e infância e Juventude da Comarca de Itabuna e professor de Direito Penal da UESC.

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