sábado, 17 de outubro de 2009

DOCE ILHÉUS

DOCE ILHÉUS


A magia proporcionada pelos encantos da princesinha do Sul deitada nos versos do poeta Melo Barreto Filho é sublime e transcende os limites do universo palpável da realidade social. A sua cor morena de “Gabriela Cravo e Canela” abre espaço para aspirarmos os odores do fermento do fruto de ouro oriundos dos cochos das Fazendas de Cacau, de que falava o escritor Hélio Pólvora. O Estuário do Pontal, ponto de encontro do Rio Cachoeira com o mar, serviu de inspiração para Adonias Filho divisar “Jindiba”, a árvore testemunha da então vila de pescadores do Pontal , onde as mulheres de pescadores, como Lina do Malhado, começava a perder seus maridos para o misterioso mar. Nessas terras do sem fim, onde foram imortalizadas tocaias e lutas sangrentas, como a do Coronel Basílio Oliveira e Juca Badaró e seus jagunços, passando pela disputa do poder político entre o coronel Pessoa e o coronel. Domingos Adami de Sá(Intendente que construiu o atual prédio da Prefeitura Municipal de Ilhéus), desfilaram ilustres personalidades, como o jovem João Mangabeira, então bacharel em direito naquela época(1897) com 17 anos e que aos 20 anos, já era intendente e deputado Federal , chegando a ser Ministro de Estado do Governo, cuja visão socialista e humanista o fez deixar para os pósteres a seguinte lição:

Não basta a igualdade perante a Lei.

É preciso igual oportunidade.

Igual oportunidade implica igual condição.

Porque , se as condições não são iguais,

Ninguém dirá que sejam iguais as oportunidades.





A capitania de São Jorge dos Ilhéus coube ao escrivão da Fazenda Real de Portugal, Jorge Figueredo Correia, que não podendo vir, mandou em seu lugar o jovem Francisco Romero, o qual partiu do Rio Tejo em 1535 chegando nestas terras no mesmo ano, aportando inicialmente na ilha de Tinharé, depois no Morro de São Paulo, para finalmente fixar-se no.cume do oiteiro de São Sebastião, recebendo, a sede, inicialmente, o nome de Vila de São Jorge. A primeira igreja matriz foi construída no ano de 1556. A extensão territorial era muito grande, abarcando em seu leito, Itabuna, Itajuípe, até o território onde hoje se encontra edificada a capital Brasília. De lá para cá serviu de cenário para muitos fatos sociais que se imortalizaram ao longo do tempo, como o romance do árabe Nacib e Gabriela, o coronelismo de Misael Tavares, que exerceu o cargo de intendente e foi considerado o “rei do cacau”. Viajando nas asas da ficção e da realidade da região cacaueira não podemos esquecer da figura de Juca Badaró e Horácio da Silveira e sua luta de sangue nessa terras do sem fim.

Ilhéus deriva de ilhéu, que traduz habitante da ilha, e sua beleza majestosa é pontificada na Catedral Dom Eduardo, cuja abóboda é vislumbrada de todos os lados, mas o seu feitiço maior alcança aquelas pessoas que passam pela ponte que liga Pontal a Ilhéus e volta as vistas para o oiteiro de São Sebastião e a vê esgueirando-se por sobre os ombros do morro. Um pouco mais atrás avista-se os espigões da Igreja da Piedade, como se fossem arranhar os céus e lembrar que a cidade de São Jorge está a seus pés. Antes da construção da ponte, os moradores do Pontal, grande parte formada por pescadores e nativos, utilizavam barcos e balsas para se deslocar ao centro da cidade, que o pontalense aprendeu a chamar de “Ilhéus”. Não obstante o poderio econômico e político, como foi demorada e difícil a construção da ponte, conforme se pode aferir nos versos de Alberto Hoisel, extraídos do discurso de posse na Academia de Letras de Ilhéus do escritor Antonio Lopes em seu livro “ Solo de Trombone”:

Versos de Alberto Hoisel:

“De moda sai o colete

em tempo que longe vai

sai Getúlio do Catete

só essa ponte não sai!



Sai Herval da Prefeitura

(seu prestígio, não decai!)



Catalão , da Agricultura...

Só essa ponte não sai!



De Abel um livro de haicai...

E Ilhéus, Terra do Cacau...

Sai livro bom, livro mau.

Só essa ponte não sai!



Nessas terras do sem fim desfilaram personalidades ilustres que fizeram a história, como o advogado Ruy Penalva, o médico Soares Lopes, o meu inesquecível professor de Direito Romano Hamilton Ignácio Castro e o seu fino trato, a firmeza de caráter e retidão profissional dos médicos José Dunham de Moura Costa e Nelson Costa, bem como de tantas almas grandiosas e de outros grandes homens que continuam a construir páginas nestas terras , como o professor e jurista Francolino Neto, Soane Nazaré de Andrade e outros idealistas que ajudaram a tornar realidade a Faculdade Católica de Direito de Ilhéus, hoje Universidade Estadual de Santa Cruz, elevando sobremodo a cultura do povo ilheense.

Os encantos da terra de São Jorge dos Ilhéus atraem a todos e nos convidam diariamente para a construção de outros fatos sociais que amanhã poderão tornar-se históricos. A terra é fértil e a imaginação emanada da inspiração dos ancestrais que pisaram neste chão é infinita.

Nada mais convidativo do que saborear um autêntico kibe árabe acompanhado de um chop estupidamente gelado no Bar Vesúvio, recanto outrora dos coronéis e do famoso romance do árabe Nacib com a fascinante Gabriela, imortalizada na obra de Jorge Amado, e hoje, ponto de encontro de artistas e pessoas importantes. O bar “Vesúvio” foi inaugurado em 1919 pelos italianos Nicolau Caprichio e Vicenti Queverini, sendo adquirido por Nacib em 1945. Sentar-se à frente do Bar Vesúvio e sentir a brisa que vem do mar é experimentar interiormente um pouco do feitiço e dos mistérios guardados nesse lugar mágico de tantas histórias, encravado entre o Teatro Municipal de Ilhéus e a majestosa Catedral D. Eduardo.

As peculiaridades desta terra são vistas na linguagem ou na conduta típica de cada morador. O morador do Pontal, principalmente, quando atravessa a ponte não se dirige para o centro, mas para Ilhéus. Salvador é Bahia, bebida alcoólica não se ingere, mas “come rama”, e por aí vai, tem até praia do Marciano. Certa feita, espairecendo da faina diária nas bandas de Porto Seguro, saí da comodidade de um bom hotel em companhia de minha família à procura de uma barraca que fornecesse um bom caranguejo e uma ‘lambreta”. A maratona foi árdua, pois só encontrávamos pratos típicos do Rio ou de São Paulo, quando, finalmente, para gáudio de todos os tripulantes, encontramos uma barraca do Rei do Caranguejo. O tão procurado marisco estava lá, mas com um pirão tão pálido e umas pernas por fazer que fiquei com dó do bicho. Não merecia tanto desprezo! Também , era caranguejo preparado por mineiro recém chegado á Bahia. Se eles conhecessem o chinaê, a Barraca Guarani ,o Ribeiro ou camarão empanado do “Tio Dico’ chegariam á conclusão de que a diferença começa pelo paladar. Todavia, é a beleza natural que realça a majestade de Ilhéus, o morro de Pernambuco a sinalizar para os navegantes de além áfrica o rumo a seguir, o estuário do Pontal a nos brindar com suas águas mansas o encontro do velho Cachoeira com o mar, e as belas praias de areias extensas e margeadas por lindos coqueirais a enfeitar a orla do norte ou as praias do sul. A paradisíaca Olivença, estância hidromineral de localização privilegiada e que atrai tantos turistas, fascinados pela beleza e tranqüilidade do local, bem como pelo folclore do sincretismo religioso da puxada do mastro de São Sebastião que é erguido em frente à igrejinha construída pelo padres da Companhia de Jesus em 1700. Os caboclos de Olivença, provavelmente remanescentes dos tupiniquins, bem como os antigos pescadores do Pontal são pessoas simples, mas também cismadas. Se você sai do meio deles e passa a ocupar algum cargo mais importante e se não cometer com eles qualquer desfeita é Deus no Céu e você na Terra, mas se você cair na desdita de, por mero descuido, não cumprimentá-los, aí, como dizem na gíria popular, “ o bicho pega” e dará ensejo ao “ranço do caboclo” , configurado pelo olhar matreiro, retraído, de soslaio do caboclo, como a dizer: “esse aí é metido a besta “. Muitas vezes, a cisma cinge-se apenas ao fato de você não mais fazer parte do grupo sem ter cometido qualquer pecado contra ele, que simplesmente deixa de falar com você. Ilhéus é assim mesmo, com toda miscigenação e diversidade, se existe o ranço do caboclo, existe também o ranço do coronelismo, legado da época áurea do cacau e que diferencia as pessoas pelo sobrenome(patente) ou pelas arrobas de cacau que ainda sonham que possuem, razão talvez mais funda da sociedade Ilheense ter sido tachada por alguns de “fechada”. O turista que visita Ilhéus é o de veraneio, normalmente visualizado num casal e sua prole, que vem em busca de tranquilidade, ouvir uma boa música ao som de voz e violão e se perder na magia das ruas e maravilhosas praias de Ilhéus. Não há dúvidas que o clima ameno de Ilhéus, ou seja, quente e úmido, contribui para tudo isso. O cheiro de cravo e a cor de canela da mulher ilheense pontifica sua beleza encarnada na figura de Gabriela . Ilhéus é, assim ,um palco abençoado por DEUS, protegida por três padroeiros(São Jorge, São Sebastião e Nossa Senhora da Vitória) e linda por natureza, rica por sua história de lutas e enredos construída por sua gente imortalizada nos versos do poeta belmontense Sosígenes Costa e nos romances de Jorge Amado, Adonias Filhos e outros ilustre escritores, como o poeta Melo Barreto Filho, que a imortalizou como princesa do sul, como se pode apreciar pelo soneto “Ilhéus”:

Ilhéus é uma esperança permanente

Voltada para o azul sem fim dos mares

É a princesa do Sul, proclama, crente,

Quem lhe sabe a doçura dos seus lares



Ilhéus é uma certeza que o presente

sacerdote do tempo – em seus altares

oferece ao futuro onipotente

Visão maravilhosa dos palmares!



Ah! Quantas seduções ilhéus encerra!

E o peregrino, seduzido, anseia

Desvendar-lhe os encantos da cidade...



E antes que o peregrino alcance a terra,

Unhão ...Pontal... a terra amiga o enleia

Num amplo abraço de hospitalidade.



.

Ilhéus é assim, muito mais do que os versos do poeta podem exprimir, pois a sua beleza é inefável e indefinida, só podendo ser verdadeiramente apreciada por quem teve o privilégio de desfrutar intensamente dos encantos de suas esquinas, dos seus morros que circundam a cidade, de suas praias maravilhosas, de sua gente e da pujança de sua rica história, enfim , de seus mistérios. É por isso que a chamo de “ Doce Ilhéus” .





Autor: Marcos Antonio Santos Bandeira , Juiz de Direito da Vara do Júri e Infância e Juventude da Comarca de Itabuna-BA.




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