segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE  INTERNAÇÃO





É sem dúvida a forma mais drástica de intervenção estatal na esfera individual do cidadão, pois o poder sancionatório do Estado alcança o jus libertatis do adolescente, o maior bem que se possui, depois da vida. Evidentemente que essa intervenção deve ser excepcional e marcada pela brevidade – normas-garantias -, pois o direito de punir do Estado, no âmbito da corrente minimalista, deve ser a ultima ratio, devendo-se, pois, observar o devido processo legal, assegurando-se aos adolescentes todas as garantias constantes da Constituição e do ECA, principalmente o direito à ampla defesa e ao contraditório. A Promotora de Justiça e professora Marta Toledo , discorrendo sobre o tema, assim se pronuncia:

...deixo anotado que os direitos-garantias do contraditório e da ampla defesa incidem integralmente para os adolescentes autores de crimes, já não fosse pelas normas gerais do Artigo 5º, por força também da disposição específica do inciso IV, do § 3º do Art. 227 da CF...Os direitos-garantias da reserva legal, da culpabilidade, do contraditório e da ampla defesa não estão essencialmente ligados a uma peculiaridade de crianças e adolescentes, a particularidade que seja exclusiva ou basicamente própria deles, embora a liberdade da pessoa física em fase de desenvolvimento não deixe de ter suas especificidades.

Como se infere da leitura do Art. 122 do ECA, o adolescente só poderá sofrer a privação de sua liberdade – internamento – nos casos taxativamente previstos no referido dispositivo legal, ou seja, quando cometer ato infracional mediante grave ameaça ou violência à pessoa; quando houver reiteração no cometimento de outras infrações graves e, finalmente, quando descumprir medida socioeducativa anteriormente imposta. O juiz Guaraci Viana , com aguda percepção, explicita:

Apegados à vigência da legislação anterior, na qual medida privativa de liberdade tinha como pressuposto uma categoria sociológica vaga, “ o ato anti-social”, muitos operadores do direito ainda não se deram conta de que, , com o advento do ECA, a medida de internação passou a ser regida pelo princípio da legalidade estrita. Vale dizer, somente pode ser aplicada nos casos previstos em lei, nas hipóteses definidas a priori, para situações de fato precisas. Absurdo que o cidadão não possa saber antecipadamente o que pode fazer ou deixar de fazer para evitar a perda de sua liberdade.(...). Os casos de privação de liberdade são somente aqueles previstos no Art. 122 (exceto a internação provisória) do estatuto, sendo absolutamente ilegal a manutenção de jovem internado fora das hipóteses taxativamente descritas.

Assim, a interpretação deve ser restritiva, não se admitindo qualquer elastério ou recurso à analogia, pois o internamento, como a ultima ratio, deve ser reservada para aqueles casos taxativamente previstos no Art. 122 do ECA, e desde que não comporte a aplicação de medida socioeducativa mais branda, conforme reiterado entendimento do STJ.

Com efeito, no que concerne ao inc. I do Art. 122 do ECA, torna-se imprescindível que o ato infracional seja praticado com grave ameaça à pessoa, v.g., roubo, inclusive, com a utilização de arma, ainda que brinquedo para amedrontar, atemorizar, minando a capacidade de resistência da vítima, constituindo-se, assim, elementar da “grave ameaça”. A grave ameaça pode acontecer, por exemplo, nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, o que poderá ser aferido através de provas testemunhais.

No que toca à violência, é indispensável que se comprovem as lesões, através de exames periciais, como ocorre nos atos infracionais similares aos tipos descritos nos Arts. 121 e 129 do Código Penal Brasileiro – homicídio e lesões corporais -, valendo ressaltar que havendo impossia bilidade absoluta de se realizar o exame pericial direto, admite-se o indireto, através de provas testemunhais e documentos, todavia, há decisões que não exigem, por exemplo, na prática de ato infracional similar ao delito de tráfico de drogas, o laudo toxicológico definitivo, bastando o laudo prévio, desde que corroborado pelas demais provas constantes dos autos, como confissão do adolescente e provas testemunhais que sejam capazes de convencer o juiz da existência de provas de autoria e da existência do ato infracional. Na verdade, não se está violando nenhuma garantia constitucional em relação ao adolescente em conflito com a lei, mas, simplesmente, adotando o sistema do livre convencimento ou da persuasão racional, pelo qual o juiz julga a partir do seu simples convencimento e lastreado nas provas produzidas nos autos. Na verdade, a prova absoluta do laudo pericial é uma reminiscência do sistema tarifário de provas, já repudiado pela maioria das legislações modernas. O juiz fluminense Guaraci Vianna , discorrendo sobre o tema, assevera:

O legislador estatutário optou por um sistema diferente de provas para a imposição da medida sócio-educativa. Diferentemente do processo criminal, onde a prova da materialidade é solenemente absoluta, o ECA optou pela relatividade da prova da materialidade. Assim, por exemplo, no caso de tráfico de entorpecentes, entende-se suficiente o laudo prévio.

No caso de crimes contra o patrimônio, a prova testemunhal é suficiente, sendo desnecessário o laudo de avaliação de res.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também vem adotando esse posicionamento, como se observa:

APELAÇÃO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. FATO ANÁLOGO AO DISPOSTO NO ART. 12 C/C ART. 18,III, AMBOS DA LEI Nº 6.368/76. PROVA SUFICIENTE DA AUTORIA E MATERIALIDADE. DESNECESSIDADE DE LAUDO DEFINITIVO. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO.

[ ...] não é fácil a prova decorrente de depoimentos de policiais que, após denúncia, apreenderam o menor, em uma casa, juntamente com outros adolescentes, sendo com eles encontrada considerável quantidade de substância entorpecente (176,7 g) e vários sacos plásticos próprios para a endolação da droga, se tais depoimentos são coerentes e harmônicos, não se contrapondo a eles, qualquer prova contrária....A ausência de laudo prévio, aliado ao auto de apreensão e aos demais elementos probatórios, exclui qualquer dúvida de que a substância apreendida é entorpecente. Outrossim, se medida anterior de semiliberdade, aplicada anteriormente ao menor, por prática de conduta equiparada a roubo qualificado, foi inócua e incapaz de recuperá-lo, tendo ele se evadido, imperiosa a adoção de nova alternativa para melhor adequação às suas necessidades pedagógicas e ressocializadoras. Recurso improvido (1ª Cm. Criminal. Ap. 139/2002. Rel. Des. Paulo Salomão).

“ Habeas corpus – ECA – Medida Socioeducativa de internação. Ato análogo ao crime previsto no art. 12 c/c o Art. 18, III da lei 6.368/76. Autoria inconteste – materialidade comprovada suficientemente pelo laudo prévio – art. 114 do ECA – adolescente com diversas passagens anteriores pelo Juizo de Direito da Vara da Infância e da Juventude – Clamorosa necessidade da medida aplicada. Inocorrência da alegada coação ilegal. Ordem denegada (2ª Cam. Criminal . HC 2055/2003-11-27 . rel. des. Telma Musse Diuana).

É de se ver que, mesmo em casos de prática de atos infracionais graves, praticados com violência ou grave ameaça, nem sempre o juiz da Vara da Infância e Juventude deverá aplicar a medida extrema do internamento, pois o caráter excepcional da medida insculpido no § 2º do Art. 122 do ECA exige que “em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada”, o que equivale a dizer que o juiz deverá valer-se de estudo técnico realizado por equipe interdisciplinar, o qual deverá lhe fornecer subsídios para encontrar a medida socioeducativa mais adequada para aquele caso concreto que lhe foi submetido.

Como se sabe, a questão envolvendo adolescente ao qual se atribui a prática de atos infracionais transcende ao aspecto meramente jurídico, em face do caráter pedagógico da sanção educativa destinada a pessoa em desenvolvimento, cuja personalidade ainda não está totalmente formada. A outra hipótese elencada no inc. II do Art. 122 do ECA refere-se à reiteração no cometimento pelo adolescente de atos infracionais graves. O ECA não define o que seja ato infracional grave. Logo, aplicar-se-á, subsidiariamente, as disposições do Código Penal Brasileiro, porquanto não incompatíveis com a essência da tutela diferenciada, no sentido de considerar infrações graves todos os atos infracionais que não sejam similares às contravenções penais e crimes de menor potencial ofensivo. Destarte, qualquer ato infracional similar a crime cuja pena ultrapasse a dois anos será, à luz do ECA, infração de natureza grave. Esse dispositivo se afigura defeituoso, pois retira da autoridade judiciária o poder de aplicar a medida extrema do internamento, em caso de ato infracional grave, quando as circunstâncias e a própria personalidade do adolescente indicarem que o internamento é a medida necessária e a mais adequada, mesmo que não haja reiteração, em face, principalmente, da periculosidade demonstrada pelo adolescente e sua total inaptidão para responder uma medida sócio-educativa de semiliberdade ou em meio aberto.

Existem situações em que o profundo envolvimento do adolescente com as drogas e com o mundo do crime indicam o internamento como a medida mais adequada. Veja, verbi gratia , o caso de um adolescente que trafica drogas pesadas como crack e cocaína e que é flagrado portando uma metralhadora ou um fuzil AR 15. O juiz, nesse caso, à luz do disposto no Art. 122, II do ECA, não poderá aplicar a medida socioeducativa do internamento, em face da ausência de reiteração. Trata-se de uma falha gritante do ECA e que precisa ser corrigida o mais rápido possível. Dessa forma, como se infere, o juiz só poderá aplicar a medida de internamento, se o adolescente já responde por outros atos infracionais graves, ou caso se trate de concurso material de atos infracionais graves.

Nesse caso, configurando-se a reiteração, o juiz poderá aplicar o internamento por prazo não superior a três anos. Finalmente, no que tange ao inc. III do Art. 122 do ECA, o juiz poderá aplicar a medida de internamento por prazo não superior a três meses, se o adolescente descumprir, injustificadamente, qualquer medida socioeducativa imposta pela autoridade judiciária. A doutrina denomina essa espécie de internamento de internação-sanção. O juiz fluminense Guaraci Viana discorrendo sobre o tema, explicita:

“Quando o jovem descumpre reiterada e injustificadamente medida anteriormente imposta, pode receber, nos termos do art. 122, inciso III, medida de internação por até três meses ( Art. 122, parágrafo 1º do ECA). Tal medida é conhecida nos meios forenses como “internação-sanção” .

É curial, para a efetiva aplicação da medida, que o Juiz da Vara da Infância e Juventude, ao ser comunicado do descumprimento da medida socioeducativa, anteriormente imposta, designe audiência para a ouvida prévia do adolescente, acompanhado de seu respectivo advogado ou advogado dativo nomeado pelo juiz - podendo ser defensor público com atuação na respectiva Vara -, presente, também, o promotor de justiça.

Com efeito, constatando a reiteração, o juiz analisará os motivos que determinaram o descumprimento, no sentido de verificar se há alguma justificativa plausível para o proceder do educando, principalmente se o fato ocorreu por culpa do estabelecimento responsável pela execução da medida anteriormente imposta. Caso não haja um motivo plausível, evidentemente que o juiz está autorizado a decretar o “internamento-sanção” por prazo não superior a três meses, de forma motivada, assegurando-se, assim, na sua plenitude, o direito do adolescente à ampla defesa e ao contraditório. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo, pacificamente, como se observa pela leitura dos seguintes arestos:

A regressão do paciente foi determinada sem a necessária oitiva do mesmo, sem observância dos postulados constitucionais do contraditório e da ampla defesa, malferindo-se ainda o disposto no art. 110 do ECA ( HC 8836 – STJ).

A tutela do menor infrator merece maiores cuidados que aquela deferida ao maior delinqüente. Assim, a ampla defesa deve ser observada ainda com rigor quando se tratar de processos disciplinados pelo ECA. No caso dos autos, o menor não foi ouvido, não tendo a oportunidade de se manifestar a respeito do descumprimento da medida sócio-educativa(...) Esta corte tem entendido que a decisão que determina a regressão de medida de semi-liberdade para internação, por constituir restrição ao status libertatis, não pode prescindir da oitiva do adolescente infrator, sob pena de nulidade, por ofensa ao postulado constitucional do devido processo legal.

Impõe-se asseverar, por oportuno, que a medida soioeducativa de internamento não comporta prazo determinado, muito embora não possa ultrapassar o limite de três anos, nos termos estabelecidos pelos §§ 2º e 3º do Art. 121 do ECA, devendo o educando ser submetido a avaliações periódicas, no máximo, a cada seis meses, ou sempre que o juiz determinar.

Aqui, sobressai o caráter pedagógico da medida que, a despeito de não abrir mão do seu caráter retributivo – imposição de sanção pelo mal praticado – foca o seu fundamento básico na educação voltada para a introjeção de valores no adolescente em conflito com a lei, ainda em processo de desenvolvimento, no sentido de fazer com que possa refletir e retornar a conviver, pacificamente, no seio social, tornando-se um cidadão e afastando-se da criminalidade, de sorte que lhe seja propiciado, no menor espaço de tempo possível, recuperar o seu status libertatis, indispensável para o seu pleno desenvolvimento físico, intelectual, moral e espiritual, o que se faz através de acompanhamento individualizado levado a efeito por equipe interdisciplinar, com intervenções, inclusive, na família do jovem. É lapidar a lição de Flávio Américo Frasseto ao abordar essa temática:

A privação de liberdade tem tempo indeterminado (art. 121, § 2º do ECA) justamente para que se possa respeitar o ritmo de cada pessoa, individualizando-se a reprimenda conforme as necessidades pessoais de cada um. Se lidamos com o universo subjetivo do homem e com o impacto gerado pela segregação e pela intervenção pedagógica em cada indivíduo, nosso tempo é o tempo psicológico. Aquele tempo traduzido no espaço dos relógios e calendários pouco tem, aqui, de significativo (pg. 197, ).

3 comentários:

  1. meu filho participou com um colega de uma tentativa e um homicidio.ele cometeu a tentativa seu colega fez o homicidio,vejo eles perdido no conflito de sentimentos....a juiza pode determinar o art 122 do eca,sendo que eles tem 15 anos e nunca teve problema com a justiça nem briga de crianças. varanda.sousa@uol.com.br

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  2. Não existe "ele cometeu o homicídio e minha filho a tentativa"... ambos cometeram homicídio! Talvez, dependendo das circunstâncias, seu filho se encaixe como coautor ou partícipe, enfim. O certo é que ambos, muito provavelmente, serão submetidos a medida socioeducativa de internação por tempo indeterminado que não ultrapassará 3 anos. Boa sorte.

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  3. Prezado leitor,
    Obrigad pela resposta. Estou de pleno acordo. Aplica-se a hipótese o disposto no art. 29 do CPB - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Evidentemente, que no âmbito da teoria do domínio do fato, aferirá se determinado agenta atuou na empreitada criminosa como partícipe ou co-autor. No que tange a aplicação da medida socioeducativa, o juiz deverá analisar as condições pessoais, as circunstâncias, no sentido de aplicar a medida socioeducativa mais adequada. Não obstante, comporte, por regra, a internação ( art. 122, I do ECA) nem sempre a gravidade do ato infracional justifica a aplicação extrema da internação, que deve ser, sempre, a ultima rato. É esse, pelo menos o entendmento do STJ.
    um abraço
    Marcos Bandeira

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