sábado, 17 de outubro de 2009

OS TENTÁCULOS DO MONSTRO DO SÉCULO XXI:0 GRANDE DESAFIO

OS TENTÁCULOS DO MONSTRO DO SÉCULO XXI: O GRANDE DESAFIO.


 



Cada momento histórico guarda suas próprias peculiaridades, o seu sistema filosófico, as suas tradições, a sua economia, o seu sistema normativo, o seu povo, e também os inimigos do Estado e da sociedade. O Brasil na época do regime político ditatorial elegeu o “ subversivo” aos padrões normativos impostos pelos militares como “inimigo do Estado”, o qual deveria ser extraditado ou eliminado para o bem da segurança nacional. O fenômeno da globalização da economia, em face de sua política perversa e excludente no mundo contemporâneo, elegeu o miserável que não tem capacidade de consumir como objeto descartável,e, portanto, inimigo do sistema.

A humanidade assistiu perplexa, impotente e amedrontada o holocausto produzido pela Alemanha nazista do soberano Adolfo Hitler, que massacrou mais de seis milhões de judeus inocentes. Vidas que foram separadas de seus entes queridos e covardemente sacrificadas. É importante frisar que todo o processo do holocausto se deu dentro da lei alemã ou do código penal nacionalista alemã. O art. 48 da Constituição Alemã, que foi uma cópia mal reproduzida da Constituição Prussiana, permitia ao delegado do governo alemão suprimir , em caso de conflagração, os direitos fundamentais dos cidadãos, em face da anormalidade da vida social provocado pela guerra, o que ele denominava “estado de necessidade” para fundamentar o estado de exceção. Ocorre, entretanto, que o dispositivo da Constituição Prussiana estabelecia o decreto do estado de sítio, estabelecendo a forma , o prazo e os direitos que seriam suprimidos naquele período, enquanto o III reich simplesmente, com a ajuda intelectual do grande teórico alemão Carl Schimth, decretou um Estado de exceção atemporal e ilimitado, outorgando assim amplos poderes ao então comissário do Estado Adolfo Hitler, que agora se tornava o todo poderoso soberano do Estado Alemão. Todo o poder para ser legitimado necessita ser justificado. O poder alemão estava justificado no poder carismático e soberano do lider Hitler, fundada teoria política de Carl Schmitt( 1888-1985), que engenhosamente construiu os fundamentos da ação política de Hitler.

Alguns dos postulados de Carl Smith estabelecia que em caso de conflagração externa o Estado deveria declarar guerra para eliminar o inimigo, e em caso de conflitos internos, a resposta seria a extradição e a eliminação do inimigo. Vê-se que o povo judeu foi eliminado pelo Estado Alemão não pelo que eventualmente faziam, mas pelo que era – judeu - , ou seja, vigorava naquela época o denominado direito penal do autor, e não do fato, como ocorre atualmente nos países civilizados, inclusive no Brasil.

No momento atual, se estamos livres e distantes de eventos trágicos como o holocausto, que envergonhou e chocou toda a humanidade, nos encontramos emaranhados na rede perversa e poderosa do crime organizado, principalmente dos traficantes de drogas, os verdadeiros monstros do século XXI. Os tentáculos estão por toda a parte e se estende de norte a sul do país, em cidades grandes e cidades de pequeno porte.Eles estão entranhado infelizmente no Estado Legal também e se mostra visível nas diversas esfera de poder, principalmente, na esfera política e judicial, quando se percebe as relações perigosas, de verdadeira cumplicidade entre traficantes e advogados. Alguns advogados sabem que o dinheiro dos seus honorários é proveniente de atividades ilícita – tráfico de drogas – e mesmo assim defendem ardorosamente seus clientes, no sentido de colocá-los em liberdade a qualquer custo. Eles – os traficante - são os grandes inimigos do Estado e da sociedade do século XXI e não estão preocupados com os valores, interesses ou normas de condutas impostas pelo Estado. A sua lógica é diversa e seus valores são outros. No seu tribunal o julgamento e a execução é sumária. Prepondera o princípio do silencio e do sigilo. Nada deve ser revelado nem escrito. A resposta a quem não cumpre as regras do jogo é a eliminaçao. Observa-se que os traficantes utilizam os mesmos postulados de Carl Smith, ou seja, contra os inimigos devem utilizar-se a extradição ou eliminação.

Estamos perdendo as nossas crianças e adolescentes para o tráfico de drogas. O traficante, muito mais organizado e atuante, ocupa o espaço deixado pelo Estado e oferece dinheiro fácil ao jovem miserável, que acaba sendo usuário e “aviaozinho “ de traficantes. Infelizmente, o dinheiro desviado pela corrupção e que engorda a conta bancária e o patrimônio do político desonesto, está fazendo muita falta, pois dezenas de projetos sociais deixaram de serem implementados, principalmente, nos bairros periféricos das grandes e médias cidades brasileiras. Embora não se tenha uma estatística confiável é estarrecedor o número de crianças e adolescentes que são mortos pelos próprios traficantes ou em “ confronto' com a Polícia. Trata-se de um verdadeiro extermínio e deveria merecer um estudo mais aprofundado das entidades que defende a bandeira dos direitos humanos. O traficante está agora adentrando nas escolas e cooptando o jovem estudante. O ensino, o ambiente escolar já não conseguem ser atraente para o jovem, que é então seduzido pelo discurso do traficante que lhe oferece dinheiro suficiente e fácil para atender suas necessidades de consumo e até em alguns casos auxiliar a sua própria família. O jovem é recrutado para vender, principalmente, pedras de crack, que lhe rende dinheiro suficiente para atender as suas necessidades de consumo. Agora ele já usa tenis de marca, celular e até já comprou uma moto. As vezes ele mesmo compra a s pedras de crck do traficante e sai para revender, ganhando ainda mais. A situação se complica quando a própria mãe ou o pai, ou ambos estão envolvidos e estimulam ou comercializam também a droga. Se a entrada no mundo da droga é sedutor a saída é desesperadora, pois o direito penal não escrito funciona efetivamente. A eliminação é a única resposta que o traficante tem para oferecer para aquele que tenta abandonar o mundo das drogas.

O ato infracional praticado pelo adolescente que está envolvido com o tráfico, seja roubo, furto ou mesmo tráfico não diz nada absolutamente e nem representa o grande problema. É a forma , muitas vezes que ele utiliza para pagar a dívida com o traficante. O traficante jamais fica no prejuízo. A lógica é chmittiana. Se ele não pagar, será a partir de agora nosso inimigo, que por essa razão deve ser eliminado em nome da segurança da rede .

J. tem apenas 15 anos, mas quando possuía apenas 13 anos, saiu com alguns conhecido e amigos dos conhecidos, indo para uma festa. Nesta festa, a polícia fez uma abordagem e encontrou certa quantidade de drogas e armas com seus “conhecidos”, dando ordem de prisão a todos, inclusive, J e os conduzindo à Delegacia de Polícia, onde ficarm detidos. J. Foi libertado, por não ter qualquer envolvimento com o caso, mas os outros não só permaneceram presos, como foram condenados. Os conhecidos de J eram traficantes e ficaram irados com J, por acreditar que ele foi o “alcaguete” ameaçaram matá-lo. J mudou de Bairro, saiu da escola e hoje já se encontra há mais de dois anos que não sai de seu casa para lugar nenhum com medo de ser morto pelos traficantes. J é uma pessoa assustada, amedrontada, de pele pálida, em face do confinamento a que foi submetido.

L tem 16 anos é usuário de crack e está sentenciado pelo traficante para morrer, pois deve R$ 400,00 ao traficante e não dispõe de condições de pagar. Já praticou um furto de um celular, que lhe rendeu apenas R$ 50,00 e por esse fato foi preso e responde perante a Justiça da Infancia e Juventude. Diante das ameaças, a mãe do jovem, desesperada, tentou negociar com os traficantes, em dar alguns pertences, mas o traficante quer dinheiro ou partes do corpo do adolescente, tendo proposto amputar dois dedos e um braço pelo resgate completo da dívida, sendo R$ 200,00 pelos dois dedos e R$ 200,00 pelo braço. A mãe tem um prazo até o final do mês para aceitar a proposta ou pagar em dinheiro a dívida. Caso contrário, o traficante já adiantou que entregará a cabeça d J. A ela no dia marcado. J é usuário e dependente, o que obriga a mãe até a comprar a droga para combater a crise de abstinência do filho. A condição humana é desprezada completamente pelo traficante e o princípio kantiano da dignidade humana é esgarçado e desprezado pelo monstro do século XXI, que transforma o ser humano numa moeda de troca.

Abrão, com apenas 14 anos, foi apreendido furtando um celular. Ele estava agora na sala de audiências, na frente do juiz, do promotor, advogado e serventuários. Abrão olhou para o juiz e disse desesperadamente, quase chorando: “ doutor, pelo amor de DEUS, me interne. Eu sou usuário e dependente de crack. Meu pai morreu há três meses por overdose de crack, e minha mãe no dia em que pai morreu quebrou a perna e está em casa. Eu passo o dia tomando conta de carro. Se eu voltar para a rua os caras vão me procurar e eu vou acabar voltando para as drogas. Eu não quero mais isso doutor .Doutor me interne por favor, me mande para Salvador, Feira de Santana, para qualquer lugar, mas não me deixe mais aqui, doutor.Eu não quero morrer agora.

Essas palavras do jovem aflito, que estava ali em nossa frente, calavam fundo em nossos corações. Era um pedido de socorro. O ato infracional praticado por ele já não despertava maiores atenções, considerando que qualquer medida socioeducativa eventualmente aplicada seria inócua, pois não produziria o efeito socioeducativo idealizado pela norma. Na verdade, aquele jovem precisava muito mais de tratamento do que punição. A vida subhumana que leva já é o suficiente como castigo.Estudara até a 7 ª série e demonstrava uma certa desenvoltura intelectual, apesar do aspecto raquítico do seu corpo físico. Olhavam-nos, eu, o promotor, o defensor público, o serventuário, procurando, impotentes, uma solução para o caso. Onde internar? Ligamos em plena audiencia para Feira de Santana, mas o Estado rompeu o convênio com a Casa da Rainha. Não dispúnhamos de grandes alternativas, e resolvemos encaminhá-lo, provisoriamente, para a entidade renascer em Itabuna, que trabalha na recuperação de jovens drogados, com base na metodologia religiosa, aplicando uma medida protetiva de tratamento a toxicômanos, conforme previsto no art. 101, VI do ECA.

Em alguns bairros em Itabuna os traficantes decretaram o toque de recolher, de sorte que o cidadão e nem qualquer representante do Estado constituído adentra nesses espaços a partir de determinado horário, sob pena de serem abatidos. Alguns traficantes quando percebem que o adolescente está saindo do mundo das drogas e que voltou a estudar ou que já está sendo inserido no mercado de trabalho, sai no seu encalço e em alguns casos – muitos – acaba ceifando a sua vida. Quantas pais não presenciaram este ano em Itabuna seu filho ser arrancado de sua própria casa e ser morto a tiros na sua presença sem poder fazer absolutamente nada, a não ser chorar. Como enxugar essas lágrimas de uma mãe que criou seu filho, fez planos de futuro, deu carinho e amor, e de repente perdeu seu filho para os tentáculos portentosos do grande monstro do século XXI? O que se deve fazer numa situação dessa? Cumprir a medida socioeducativa do adolescente envolvido com o tráfico que cometeu algum ato infracional terá alguma eficácia? Será que o adolescente não corre o risco de vida cumprindo a medida? Como enfrentar esse inimigo poderoso, cujos tentáculos venenosos estão por toda a parte? Como salvar a vida desses adolescentes que estão na rede na iminência de serem devorados pelo grande monstro?como devemos agir? Obviamente que a resposta do Estado ao ato praticado nessas situações já não tem tanta importancia, pois o objetivo é mantê-lo vivo e longe dos tentáculos do traficante.Como a educação pode mudar ou transformar a vida desses jovens envolvidos com a droga? Evidentemente que o encaminhamento, a orientação e o monitoramente de uma equipe interdisciplinar não deve ser descartada, todavia, á sua linha de atuação deve estar voltada em primeiro lugar para a proteçáo do adolescente, ou seja, deve buscar medidas que assegure a vida desses jovens.

Acredito que o Estado deve buscar criar mecanismos de proteção para esses adolescentes, criando aparatos similares aos existentes para proteção de vítimas de crimes, criando mecanismos de proteção e oferecendo condições de promoção social para o adolescente e sua respectiva famílias, no sentido de que possa viver com dignidade em outro lugar, com toda a segurança, pois caso assim não proceda, continuaremos a perder nossas crianças e adolescentes para os monstros do século XXI. Todo esse trabalho de proteção deve ser acompanhado de um projeto pedagógico que seja capaz de introjetar valores que promova social e culturalmente o adolescente, propiciando as condições para que reescreva como protagonista á sua própria história A Polícia deve otimizar a investigação criminal para identificar os grandes traficantes, mas isto não basta , pois a legislação penal e processual penal precisa modificar-se para tratar com mais rigor o maior inimigo do Estado, que tem como lógica de ação matar a esperança de um país, que são as crianças e adolescentes de hoje.

Autor: Marcos Bandeira – Juiz da Vara da Infancia e Juventude da Comarca de Itabuna-BA.

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