domingo, 6 de novembro de 2011

A ABOLIÇÃO DA SALA SECRETA

 ABOLIÇÃO DA SALA SECRETA




O assunto é polêmico e bastante discutido na doutrina, atraindo tanto argumentos favoráveis quanto contrários à supressão da sala secreta no Tribunal do Júri. Os fundamentos contrários à abolição da sala secreta impressionam a prima facie e se apóiam basicamente na possibilidade concreta de influência que a platéia e o acusado podem exercer sobre a formação do convencimento dos jurados, afetando a imparcialidade do julgamento, considerando que os mesmos não gozam das mesmas garantias do juiz togado. O jurista Guilherme Nucci posiciona-se contrário à supressão da sala secreta e justifica:

“Certamente conhecedor das características inerentes ao tribunal popular, em especial a ausência de garantias aos jurados, sua inexperiência e falta de conhecimento técnico, quis o constituinte assegurar que o julgamento fosse o mais imparcial possível, espelho fiel da soberania do colegiado. Para tanto, firmou preceito no sentido de que a votação do Conselho de Sentença seja sigilosa, embora o julgamento transcorra em público...O jurado precisa sentir-se seguro para meditar e votar, quando convocado a fazê-lo pelo juiz presidente, o que jamais aconteceria se estivesse em público, mormente na frente do acusado...”



O que é admissível durante o julgamento, pois faz parte do equilíbrio entre a publicidade e a imparcialidade do júri, não se deve admitir durante a votação. A platéia já acompanhou a instrução, ouviu os argumentos e presenciou a produção da prova. Não há razão para manter-se presente durante a votação. Público é o julgamento, mas não necessariamente o momento em que o juiz se retira para meditar e dar seu veredicto”.

O jurista e Desembargador Adriano Marrey , Alberto Silva Franco e Rui Stoco perfilham a mesma linha de entendimento de Guilherme Nucci ao sustentar o seguinte:



“A forma sigilosa, ou secreta, da votação decorre da necessidade de resguardar-se a independência dos jurados....Devem, consequentemente , os jurados ver-se cercados das mais sérias precauções , a fim de que decidam com independência e imparcialidade, livres de quaisquer pressões, da ameaça de violência física, resultante de coação, ou violência moral, que se traduz, muitas vezes – numa, e noutra hipóteses – pela presença ostensiva e ameaçadora dos parentes da vítima, ou amigos do réu... Daí ser-lhes garantida a possibilidade de votar em recinto especial, na sala secreta, sem a presença do público...”



Como se infere, os fundamentos são sérios e impressionam pela necessidade de se resguardar a imparcialidade do julgamento, contando ainda com a adesão de vários juristas de escol44 , todavia, entendo que o tribunal do júri necessita democratizar-se, amoldando-se aos princípios constitucionais do nosso Estado Democrático de Direito, principalmente, com o princípio da publicidade descrito no inc. IX do art. 93 da CF enunciado nos seguintes termos:

Art. 93 – omissis

.....

IX – Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;



Como se dessume, o constituinte não inseriu palavras inúteis no preceito legal, ou seja, o tribunal do júri é um órgão do poder judiciário45 e a publicidade do seu momento culminante é fundamental para emprestar transparência ao julgamento, permitindo uma maior fiscalização dos jurisdicionados e concretização do preceito legal acima referido. Não podemos, por antecipação e por meras conjecturas, imaginar que a presença do acusado, e dos seus parentes, bem como de parentes da vítima, exercerão influência no ânimo dos jurados, comprometendo assim, a própria imparcialidade do julgamento. Não podemos divagar no mundo das abstrações, mas devemos trilhar no mundo dos fatos, observando o fenômeno concretamente para se adotar a medida mais adequada que preserve a imparcialidade dos jurados. Na verdade, não é a sala secreta que vai preservar o jurado, pois se o jurado se sentir intimidado de alguma forma, será pela presença do acusado ou dos familiares deste e da vítima durante todo o julgamento, e não pela presença deste na votação em sessão pública, considerando que nem mesmo o sigilo do voto é assegurado em sua plenitude, pois se ocorrer unanimidade na votação o voto será revelado. O juiz, como corregedor permanente do processo, deve adotar todas as providências para manter a ordem, determinando o afastamento do público e do acusado em relação ao local da votação, ou mesmo limitando o número de pessoas no plenário, tudo no sentido de permitir que os jurados, sob o olhar fiscalizatório dos jurisdicionados, votem com serenidade e imparcialidade, advertindo a platéia de antemão que qualquer manifestação, gracejo, ensejará a retirada do provocador do recinto. Caso persista a perturbação, o juiz então , no sentido de atender ao interesse público, determinará que a votação se dê na sala secreta com a presença do Ministério Público e do defensor do acusado, assegurando-se assim a tranqüilidade do ambiente e, conseqüentemente, a imparcialidade do julgamento. Essa posição é compartilhada por vários juristas respeitáveis, como Lênio Streck, Antonio Scarance Fernandes, James Tubenclak, René Ariel Dotti46 , dentre outros.

O Jurista Lênio Streck  explicita:



“Sem dúvida , para maior participação popular e pela democratização da instituição, urge que se dê maior transparência ao Tribunal do Júri, abolindo-se a sala secreta.(...) Ora, ao cuidar das votações dos quesitos, a Constituição determinou que se mantenha o sigilo das votações, ou seja, cada jurado responderá o quesito de forma sigilosa, e não o sigilo na votação. A diferença é significativa, pois sigilo das votações é equivalente a voto secreto, e sigilo na votação corresponde à sessão secreta...”



Nessa mesma linha de pensamento o jurista Antonio Scarance Fernandes preleciona:



“Trata-se de garantia relevante e que assegura a transparência da atividade jurisdicional, permitindo ser fiscalizada pelas partes e pela própria comunidade. Com ela são evitados excessos ou arbitrariedades no desenrolar da causa, surgindo, por isso, a garantia como reação aos processos secretos, proporcionando aos cidadãos a oportunidade de fiscalizar a distribuição da justiça”.



Deduz-se, portanto, que o sigilo do voto é que deve ser preservado como cláusula pétrea, inclusive, na sua plenitude, como permite o sistema francês que autoriza o encerramento da votação após alcançar o 4º voto unânime, seja no sentido de condenar ou absolver o acusado, mantendo-se assim absolutamente o sigilo do voto. De que adianta manter a sala secreta se a unanimidade de votos acaba revelando o voto de cada jurado? É bem de ver que a sala secreta é uma reminiscência dos terríveis julgamentos secretos e não tem sustentação no âmbito de um Estado Democrático de Direito que prima pela publicidade dos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário. No Congresso Nacional o sigilo do voto de cada parlamentar é assegurado, entretanto, a sessão é pública. Com efeito, é de se estender essa prática para o Judiciário, admitindo-se a sessão pública nos julgamentos do Tribunal do júri como imperativo de aperfeiçoamento e democratização dessa importante instituição.

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