sexta-feira, 6 de maio de 2011

ALIENAÇÃO PARENTAL

ALIENAÇÃO PARENTAL




O Direito, em face do seu caráter dinâmico, não deve ignorar os fenômenos sociais, contrario sensu, deve sempre acompanhar a evolução histórica da vida social, no sentido de normatizar as diversas relações sociais neste universo plural, cada vez mais complexo e com inúmeros interesses conflitivos. A Constituição Federal de 1988 erigiu a dignidade da pessoa humana (art. 1º, I da CF) como princípio básico de todo o seu conjunto normativo, considerando o ser humano como um fim em si mesmo, na esteira da filosofia Kantiana. Nesse sentido, é lapidar a lição do constitucionalista José Afonso da Silva (comentário contextual à Constituição, p.37):

“A filosofia Kantiana mostra que o homem, como ser racional, existe como fim em si mesmo, e não simplesmente como meio, enquanto os seres desprovidos de razão têm um valor relativo e condicionado, o de meios, eis por que se lhes chamam “ coisas”, ao contrário, os seres racionais são chamados de pessoas, porque sua natureza já os designa como fim em si, ou seja, como algo que não pode ser empregado simplesmente como meio e que, por conseguinte, limita na mesma proporção o nosso arbítrio, por ser um objeto de respeito”.

Nessa linha de entendimento, o princípio da dignidade da pessoa humana, como núcleo principiológico, atrai pela própria natureza da essência humana, outros princípios, mormente aqueles vinculados à convivência familiar, como o princípio da afetividade e da paternidade responsável. Até cerca de vinte anos atrás era inconcebível falar-se em afetividade, dignidade da pessoa humana, solidariedade familiar no âmbito das relações familiares, pois o que aproximava as pessoas para constituir uma família eram outros interesses – religiosos, condição econômica e social, dentre outros. As famílias eram constituídas para preservar os cultos domésticos ou o patrimônio das famílias dos nubentes, e o nosso vetusto Código Civil de 1916 fez opção por uma normatização manifestamente patrimonialista. Hoje, o paradigma é outro. As pessoas se aproximam pela afetividade. Logo, esse bem jurídico deve ser preservado. Todavia, as relações conflituosas de natureza familiar, principalmente aquelas relacionadas ao rompimento do vínculo conjugal, que até então se restringiam à regulamentação da guarda dos filhos e visitas aos mesmos, divisão do patrimônio do casal, valor da pensão alimentícia e mudança ou não dos nomes dos separandos ou divorciandos, começam a adentrar na área do princípio da afetividade, como é o caso, dentre outros, do abandono afetivo e da alienação parental.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 12.318, que trata da alienação parental e que entrou em vigor no dia 26 de agosto de 2010. A primeira indagação que se faz é a seguinte: o que se entende por alienação parental? O art. 2º da referida Lei responde: “ Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”. Na verdade, é muito comum, depois da separação do casal, um dos cônjuges, normalmente a mulher que ficou com a guarda dos filhos, passar a desqualificar o pai da criança, dizendo para esta que ele não presta ou que é irresponsável, incutindo, na criança, a imagem de um sujeito violento, desidioso e irresponsável. Outras vezes, o cônjuge guardião dificulta o direito de visitas, apresenta denúncias falsas contra o genitor, omite informações sobre o desempenho escolar ou sobre a saúde do filho, chegando ao ponto de até mudar de domicílio gratuitamente só para dificultar a convivência afetiva entre o filho e o genitor.

Ocorrendo alguma dessas hipóteses e outras que venham caracterizar alienação parental, o genitor ou genitora prejudicado deve ingressar em Juízo com uma ação autônoma, ou incidental, se já estiver em trâmite outra ação sobre o rompimento do vínculo conjugal, e requerer a tutela jurisdicional adequada. O juiz, antes de decidir, deverá se valer de laudo pericial biopsicossocial e de outras provas orais. Configurada a alienação parental, o juiz, dependendo da gravidade do fato, poderá estipular multa ao alienador, ampliar o regime de visitação do genitor alienado, ou alterar a guarda, transformando-a em guarda compartilhada, ou mesmo transferindo a guarda unilateral para o genitor alienado. Nos casos extremamente graves, o juiz poderá decretar a suspensão do poder familiar com relação ao genitor alienador.

É sabido que esses atos configuradores da alienação parental ferem frontalmente o princípio da afetividade, dificultando ou inviabilizando a constituição de vínculos de afeto entre pais e filhos, acarretando, por conseguinte, sequelas indeléveis na formação da personalidade da criança ou adolescente, além de atingir a própria dignidade do genitor alienado. Ressalte-se que o próprio processo de desenvolvimento da criança ou adolescente é atingido em cheio, minando assim as suas habilidades cognitivas, afetivas e emocionais, repercutindo, sobretudo, nas suas relações interpessoais e comportamentais em face da ausência ou referencia negativa da imagem paterna.

Desta forma, o genitor alienado terá doravante uma ferramenta eficaz para coibir este tipo de comportamento, que só desencadeia desamor e angústia. O Poder Judiciário, por sua vez, deverá também estar preparado para identificar esses atos nocivos ao desenvolvimento dos filhos – crianças e adolescentes –, dentro, evidentemente, do devido processo legal, e assim prestar uma tutela jurisdicional voltada para a preservação do princípio da dignidade da pessoa humana e da afetividade.



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