sábado, 10 de dezembro de 2011

STJ RECONHECE ILEGALIDADE DO TOQUE DE RECOLHER

STJ RECONHECE A ILEGALIDADE DO TOQUE DE RECOLHER

É ilegal portaria que estabelece toque de recolher para menores

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou ilegal portaria editada pela Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Cajuru, município do interior de São Paulo, que determinava o recolhimento de crianças e adolescentes encontrados nas ruas, desacompanhados de pais ou responsáveis, à noite e em determinadas situações consideradas de risco.



O relator do habeas corpus pedido contra a portaria, ministro Herman Benjamin, afirmou que o ato contestado ultrapassou os limites dos poderes normativos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).



Para o ministro, é preciso delimitar o poder normativo da autoridade judiciária, estabelecido pelo ECA, em comparação com a competência do Poder Legislativo sobre a matéria. O ministro reconheceu como legítimas as preocupações da juíza que assinou a portaria. No entanto, a portaria é ato genérico, de caráter abstrato e por prazo indeterminado.



O habeas corpus foi impetrado pela Defensoria Pública de São Paulo em favor das crianças e adolescentes domiciliados ou que se encontrem em caráter transitório dentro dos limites da comarca.



O debate sobre a questão teve início com a edição da Portaria 01/2011 da Vara da Infância e da Juventude do município. O ato determinou o recolhimento de crianças e adolescentes nas ruas, desacompanhados dos pais ou responsáveis nas seguintes hipóteses: após as 23h; próximos a prostíbulos e pontos de venda de drogas; na companhia de adultos que estejam consumindo bebidas alcoólicas; mesmo que em companhia dos pais, quando estejam consumindo álcool ou na companhia de adultos que consumam entorpecentes.



Para a Defensoria Pública estadual, a portaria constitui verdadeiro "toque de recolher", uma medida ilegal e de interferência arbitrária, já que não é legal ou constitucional a imposição de restrição à livre circulação fixada por meio de portaria.



A Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) havia negado habeas corpus. Daí o pedido ao STJ. Inicialmente, o ministro relator entendeu que não seria o caso de concessão de liminar. Ao levar o caso a julgamento na Segunda Turma, o habeas corpus foi concedido por decisão unânime.



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domingo, 4 de dezembro de 2011

AS BARRACAS DE PRAIAS

AS BARRACAS DE PRAIAS






A União e o Ministério Público Federal ajuizaram dezenas de ações em todo o país contra proprietários de barracas de praias, objetivando a desocupação, a demolição e a remoção de todos os estabelecimentos situados numa determinada faixa da zona costeira. O fundamento de tais pretensões é por demais conhecido: a irregular ocupação da zona costeira, degradação do meio ambiente, obstáculo ao livre acesso de todos à praia, sustentando que as barracas ocupam bem público de uso comum sem registro no Cadastro de Patrimônio da União. Várias decisões judiciais nesse sentido vêm sendo cumpridas em algumas capitais, como Salvador, Fortaleza e Recife. As barracas que faziam parte da paisagem de Salvador foram demolidas e em seu lugar ficaram o abandono e os vestígios dos escombros, para tristeza dos turistas e dos próprios baianos.

Na verdade, estamos diante de uma posição manifestamente positivista, na qual o poder coercitivo do Estado é exercido cegamente com vistas ao cumprimento da Lei – Dura Lex sed Lex. É consabido que o bem público não pode ser objeto de usucapião, e que o Estado é parte legítima para acionar o Poder Judiciário e assim reaver os seus bens, todavia, impõe-se uma reflexão, como ponto de referência para o nosso questionamento crítico: Essa decisão de demolir as barracas de praias atende às exigências sociais e do bem comum? Haverá, no futuro, um fim social na utilização desse espaço? Por outro lado, se é bem comum da União, por que tanta inação por parte do Poder Público? Por que permitiu que os proprietários de barracas ocupassem esse espaço por 10, 20 e até 30 anos, como é o caso de alguns barraqueiros da praia do Sul, em Ilhéus? Essas são algumas das questões que devem ser respondidas pelas autoridades competentes. A decisão de demolir as barracas de praia pode até ser legal, mas será que é justa? Creio que não.

A cidade de Ilhéus, rica por seu potencial histórico e turístico, é roteiro certo para milhares de pessoas do Brasil e do exterior. Vários turistas, principalmente aqueles oriundos de Brasília, Goiás e Minas Gerais, já reservam suas férias para Ilhéus com a família, imaginando desfrutar das guloseimas e do ambiente saudável e seguro de uma boa barraca de praia. Estas oferecem um ambiente tranquilo para que as famílias levem seus filhos usufruam de toda a segurança e conforto, das maravilhas proporcionadas por quilômetros de areias finas de praias extensas e planas, além das águas quentes e do clima ameno da terra da Gabriela. Essas barracas normalmente são ornamentadas com coqueirais e ficam bem próximas da praia, como a dizer que as barracas já fazem parte da paisagem da costa ilheense. Conhecemos proprietários de barracas que praticamente criaram seus filhos e, hoje, os filhos já criam seus netos com a renda proveniente do comércio da barraca. Se era proibido, por que a União permitiu a ocupação desse espaço por tanto tempo? Como disse o poeta Vinicius de Moraes “Se foi pra desfazer, por que é que fez?“ A verdade é que essa decisão de demolir as barracas, além de afetar diretamente os proprietários, com certeza afetará em cheio o turismo, prejudicando uma das principais fontes de riqueza do município. Ademais, passo a imaginar como ficará a paisagem da costa do sul de Ilhéus, principalmente depois da demolição das barracas, se isso vier realmente a acontecer. Quem terá coragem de ir à praia e ficar tranquilo com sua família ante a inexistência de qualquer estabelecimento à margem da praia? A questão, na minha visão, envolve também segurança, pois atualmente a presença de funcionários e frequentadores de barracas, enfim a aglomeração de pessoas num mesmo local, de qualquer sorte, inibe a ação de meliantes e nos dar uma certa sensação de segurança, o que não acontecerá se não mais existirem as barracas. É certo que algumas deixam a desejar em termos de estrutura e higienização, mas boa parte delas atende satisfatoriamente o cliente e emprega muitas pessoas. Hoje, a violência em nossa Região tem uma relação muito grande com a falta de oportunidades. Indaga-se: para onde vai esse contingente de desempregados? Será que a União vai oferecer algum programa de emprego e renda? Além dos empregos diretos, ainda existem os empregos indiretos, como os vendedores de amendoim, pipas, cocadas, artesanato etc.

A questão ambiental, sem dúvida, será agravada, pois muitos ônibus, provenientes de cidades vizinhas, trarão pessoas para as praias de Ilhéus, que improvisarão o seu fogão portátil, jogando todo tipo de objeto no mar e poluindo ainda mais. A nossa paisagem costeira será transformada num cenário dantesco de panelas, isopor, latinhas de cerveja e de refrigerante, e aquele som estridente do “carro” estacionado embaixo de um coqueiro tocando um samba, ou melhor, um “arrocha” para ninguém botar defeito. O nosso querido e saudoso Jorge Amado não vai gostar nada disso e vai se remexer no túmulo, angustiado com essa agressão inominável. Não seria muito mais eficaz e econômico investir na educação ambiental com os proprietários, funcionários e frequentadores das barracas, mostrando a necessidade de preservar o meio ambiente e manter a praia sempre limpa? O bom senso nos diz que essa seria a melhor opção.

Poderíamos até concordar com a demolição das atuais barracas, desde que houvesse um projeto de reordenamento, com a criação, por exemplo, de barracas padrões que obedecessem às exigências de higiene e feitas pela saúde pública, quando então poderia ser aproveitado o contingente de funcionários dessas atuais barracas. O que não dá para aceitar é o que vem acontecendo em outros lugares: demoliram as barracas e nada se colocou em seu lugar.

Esse problema inevitavelmente será enfrentado pelo Poder Judiciário, que, nessa quadra histórica, certamente, livre de qualquer método dogmático-positivista, saberá construir, em cada caso concreto, a decisão mais justa e capaz de atender aos anseios da comunidade, numa perspectiva principiológica e de hermenêutica constitucional. O Desembargador e jurista paulista Renato Nalini, com percuciência, preleciona:

“Toda a sociedade humana necessita de normas, entretanto, estas não devem ser impostas arbitrariamente nem podem ser uniformes para todos os lugares e todas as épocas. Não basta a existência de leis, pois para que elas se justifiquem e sejam respeitadas é preciso que tenham origem democrática e sejam instrumentos de justiça e de paz”.

É nesse contexto, como cidadão, que tenho fé no papel importantíssimo do Poder Judiciário para a solução dos grandes problemas sociais que assolam o país. É como cidadão de fé, que viveu parte de sua infância , adolescência e engatinha na maturidade frequentando as barracas das praias do sul de Ilhéus nos finais de semana, saboreando um bom caranguejo e uma lambreta, ou jogando futebol nas areias do Pontal e de Olivença, no reencontro saudável com amigos, que espero que elas não desapareçam. Espero que o bom senso prevaleça nessa questão e assim possamos tê-las como opção de lazer e entretenimento nos finais de semana, feriados e nas férias, para a alegria dos ilheenses, dos moradores da Região e de todos os turistas que visitam Ilhéus.



Marcos Bandeira é juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude de Itabuna, professor de Direito da UESC e presidente da Academia de Letras de Itabuna.