quinta-feira, 5 de novembro de 2009

SENTENÇA SOBRE O NÚMERO DE VEREADORES

PROCESSO Nº: 436/2008.


REQUERENTES: ANTONIO CARLOS PRADO E OUTROS.





ANTONIO CARLOS PRADO, ANTONIO FÉLIX E ANTONIA DILMA TAVARES ANDRADE, devidamente qualificados nos autos e na condição de interessados, requereram, por intermédio de advogado regularmente constituída(fls. 06), a presente “actio”, objetivando o aumento do número de vagas para compor a Câmara Municipal de Itabuna, sob o argumento de que a Lei Orgânica do Município de Itabuna fixa em dezessete(17) o número de vereadores e esse número está em conformidade com o principio da proporcionalidade insculpido no art. 29, inciso IV da Constituição Federal de 1988. Desta forma, sustenta a ilustre causídica que somente a Lei Orgânica do Município é que detém competência para fixar o número de vereadores.

A exordial veio acompanhada da procuração ad juditia(fls. 06) e dos documentos de fls. 07 a 21 dos autos.

A Câmara foi citada e depois de alongadas razões pugnou pela improcedência do pedido, juntando documentos.

Finalmente, o ilustre Parquet, na condição de custos legis, interveio no feito e opinou pela improcedência do pedido.

Este Juízo ainda determinou a juntada aos autos da certidão do IBGE. Vieram-me os autos conclusos.

É O RELATÓRIO

DA FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO

Verifica-se à evidência que a questão suscitada nos autos é unicamente de direito e prescinde de dilação probatória para o seu deslinde, razão pela qual, passo a conhecer diretamente do pedido deduzido em Juízo.

Urge, inicialmente, aclarar que este Juízo não respondeu formalmente nenhuma consulta formulada pela Câmara Municipal de Itabuna, pois o que, de fato, aconteceu foi uma simples resposta por ofício ao Presidente da Câmara, onde este magistrado exteriorizava à sua posição, aquela época, do possível número de vereadores da Câmara Municipal de Itabuna, em face do que estabelecia expressamente o art. 15 da Lei Orgânica do Município de Itabuna, quando respondeu que deveria ser “ dezessete”, todavia, ressalvando qualquer disposição em contrário do Tribunal Superior Eleitoral. É sabido que a Consulta, nos moldes concebidos pelo art. 30, VIII do Código Eleitoral, exige um determinado rito procedimental, inclusive com a participação do Ministério Público, o que certamente não é o caso dos autos, onde o juiz simplesmente respondeu a um ofício endereçado pelo Presidente da Câmara Municipal de Itabuna, inclusive ressalvando a posição do Tribunal Superior Eleitoral. Poder-se-ia até indagar que o juiz não deveria responder ao ofício, todavia, longe de atingir a sua imparcialidade, a resposta dada, de cunho meramente informativo, dá margem ao magistrado tanto para julgar pela manutenção dos atuais 13(treze) vereadores quanto pela possibilidade de ampliar para 17(dezessete) vereadores.

Voltando-se à hipótese vertente, vê-se que a competência para legislar sobre o número de vereadores é, em regra, da Lei Orgânica Municipal, em face do princípio da autonomia municipal estabelecida no art. 29, IV da Constituição Federal, que reza o seguinte, “ in verbis” :

Art. 29 . O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará , atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes princípios:

I – omissis;

II – omissis;

III – omissis;

IV – número de vereadores proporcional à população do Município, observados os seguintes limites:

a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos municípios de até um milhão de habitantes;

b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes;

c) mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco nos municípios de mais de cinco milhões de habitantes;

A rigor, qualquer município que estabelecesse em sua lei orgânica o número de vereadores que obedecesse aos limites mínimos e máximos previstos nas alíneas “a” , “b” ou “c” do inciso IV do art. 29 da Constituição Federal estaria dentro do princípio da legalidade, pois a lei orgânica – que fixou autonomamente o número de vereadores – estaria de conformidade com o princípio da proporcionalidade estabelecido na Constituição. Ocorre, todavia, que passaram a ocorrer constantemente distorções gritantes em várias partes do país, constituindo-se em verdadeiras aberrações e absurdos na fixação do número de cadeiras da Câmara Municipal, sendo que vários municípios com maior contingente populacional passaram a possuir um número menor de cadeiras nas Câmaras do que municípios menos populosos, e muitas vezes, com população bem reduzida, como é o caso de Mira Estrela, por exemplo. A partir desses episódios, os tribunais regionais e o próprio Tribunal Superior Eleitoral passaram a ser provocados para interpretar concretamente o princípio da proporcionalidade, até então bastante amplo e aberto, estabelecido nas diversas alíneas do inciso IV do art. 29 da CF. Nesse interregno, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Federal julgou o Recurso Extraordinário de nº 197.917/2004, reconhecendo a inconstitucionalidade “ incidenter tantum” da Lei Orgânica Municipal que fixara em 11(onze) o número de vereadores da cidade paulista de Mira Estrela, e interpretando o princípio da proporcionalidade constante das alíneas “a”, “b” e “c” do inc. IV do art. 29 da CF, cuja ementa foi elaborada nos seguintes termos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL Á POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITIMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA CONSTITUCIONAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.

1. O artigo 29 , inciso IV da Constituição Federal , exige que o número de vereadores seja proporcional á população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a,b e c .

2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF , artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade.

3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia.

4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso de poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente.

5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37)

6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF , artigos 27 e 45 , § 1º ).

7. Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da lei local que fixou em 11 ( onze) o número de vereadores, dado que sua população é de pouco mais de 2.600 habitantes somente comporta 09 representantes.

8. Efeitos. Princípios da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar em caráter de exceção, efeitos pro futuro á declaração incidental de inconstitucionalidade.

Recurso extraordinário conhecido e em parte provido.

Como se depreende, essa decisão constituiu o divisor de águas entre mergulhar nas águas profundas, obscuras e misteriosas do princípio da proporcionalidade descrito nas alíneas do inc. IV do art. 29 da CF e pisar no terreno firme, seguro e rígido da interpretação conforme a Constituição dada pelo STF, que criou uma tabela aritmética com as faixas populacionais e os respectivos números de vereadores, concretizando assim, o princípio da proporcionalidade e corrigindo os inúmeros abusos praticados pelo legislador municipal. Nesse sentido e aproveitando essa decisão do STF, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução nº 21.702/2004, pela qual atribuía a referida resolução efeitos “erga omnes” estendendo a todos os municípios a incidência da tabela aritmética com as faixas populacionais dos municípios e as respectivas vagas nas Câmaras Municipais. É bem de se ver que a autonomia municipal tem limites ditados pela Carta Magna, o que significa afirmar, que sua competência para fixar o número de vereadores não é tão flexível como consta do art. 29, IV, a, b e c da CF, mas deve ser exercida em conformidade com os parâmetros rígidos estabelecidos pelo TSE, que teve como fonte inspiradora o STF. Seguindo essa linha de raciocínio, no dia 03 de junho de 2008, o Tribunal Superior Eleitoral respondendo à Consulta de nº 1575 decidiu o seguinte, “ in verbis”:

“ CONSULTA . SENADOR DA REPÚBLICA. CRITÉRIOS . FIXAÇÃO DO NÚMERO DE VEREADORES. ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2008. CONHECIDA E RESPONDIDA POSITIVAMENTE. A competência para a fixação do número de vereadores é da Lei Orgânica do Muncipio, que deverá levar em consideração o critério populacional ínsito no artigo 29, IV da Constituição República, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 197.917 e encampado pelo Tribunal Superior Eleitoral na Res. Nº 21.702/2004” ( CTA. 1575. Rel. Ari Pargendler. DJ 25.06.2008).

Infere-se, portanto, que o STF como verdadeiro intérprete da Constituição e guardião de seus princípios constitucionais, já se posicionou interpretando o critério de proporcionalidade estabelecido no art. 29, IV, a, b e c da CF. Logo, esse entendimento deve ser respeitado e preservado, como manifestação da supremacia das normas constitucionais interpretado pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário. Esse entendimento, salvo melhor juízo, só pode ser modificado por lei posterior que modifique esses parâmetros estabelecidos originalmente pelo STF e referendados pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Na hipótese vertente verifica-se que o município de Itabuna possui uma população de 210.604 habitantes, conforme informação prestada pelo IBGE, cujo número de cadeira é 13(treze), conforme Resolução de nº 22.823/08 do Tribunal Superior Eleitoral. Logo, o disposto no art. 15 da Lei Orgânica do Município de Itabuna contraria a esse parâmetro já sufragado pelo STF.

Nesse diapasão torna-se imperioso reconhecer “incidenter tantum” no âmbito do controle difuso da constitucionalidade, nos presentes autos – inter partes – a INCONSTITUCIONALIDADE do disposto no art. 15 da Lei Orgânica do Município de Itabuna que fixou em 17(dezessete) o número de vereadores, porquanto viola o critério de proporcionalidade da alínea “a” do inciso IV do art. 29 da Constituição Federal de 1988 e julgado no RE 197.917 do Supremo Tribunal Federal, afastando, portanto, a sua aplicabilidade no presente caso.

O Ilustre Parquet, na condição de custos legis, corroborando esse entendimento, asseverou que “a lei orgânica do Município deve regulamentar o número de vereadores, desde que a disposição de tal previsão siga as regras definidas pelo STF e constantes da Resoluções do TSE”, pugnando, destarte, pelo indeferimento do pedido, consoante se infere de sua promoção de fls.79/81 dos autos.

Na verdade, a manutenção do número de vereadores do município de Itabuna atende aos princípios da moralidade e da economicidade, mormente quando o município atravessa uma situação crítica e necessita de aplicar maciçamente recursos para a implementação de políticas públicas de caráter social, buscando diminuir as desigualdades sociais, retirar os meninos das ruas, melhorar a qualidade das escolas municipais e criar mecanismos de geração de renda, diminuindo os bolsões de miseráveis em nossa cidade, enfim, para que se possa transformar Itabuna em uma cidade digna para os seus munícipes.

Posto isso, julgo extinto o processo com resolução do mérito para declarar a inconstitucionalidade “incidenter tantum” do artigo 15 da Lei Orgânica Municipal de Itabuna e julgar improcedente o pedido formulado na exordial, para manter o número de vagas para a Câmara Municipal de Itabuna em 13(treze), com supedâneo no art. 29, IV, ‘a” da CF c/c as Resoluções de nº 23.1702/2004 e 22.823/2008 do Tribunal Superior Eleitoral.

P.R. I.

Itabuna-BA, 16 de dezembro de 2008.



BEL. MARCOS ANTONIO S BANDEIRA

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