segunda-feira, 30 de maio de 2011

A GRANDE ARAPUCA

A GRANDE ARAPUCA




A expressão “arapuca” ,segundo o dicionário Larouse Cultural origina-se do tupi e traduz “ armadilha para apanhar pássaros pequenos, formada por pauzinhos cada vez mais curtos, dispostos e amarrados em forma piramidial”. É assim – como passarinhos – que estão sendo tratados os motoristas que transitam em algumas vias da querida São Jorge dos Ilhéus, cidade belíssima que atrai a cada ano milhares de turistas de todo o Brasil, fascinados por sua prodigiosa história e pelos encantos proporcionados por suas paisagens e praias maravilhosas.

O texto de uma lei, consoante o entendimento do jurista Humberto Ávila não passa de um ponto de partida para que o intérprete construa a norma que vai incidir sobre determinado fato social. O consórcio entre o texto e contexto é que vai gerar a norma aplicável a determinado fato concreto . Com efeito, quando se trata de disciplinar o trânsito, impõe-se admitir que o legislador buscou teleologicamente a proteção e a segurança das pessoas, enfatizando o caráter preventivo da legislação, no sentido de aumentar a segurança no trânsito, promover a educação para o trânsito e assegurar a mobilidade e acessibilidade com segurança de todas as pessoas da comunidade. Logo, ao sancionar o infrator buscou a lei precipuamente fazê-lo refletir sobre o ato culposo ou doloso praticado, aplicando-lhe a multa ou outras sanções prevista na legislação de trânsito. Destarte, a sanção aplicada em decorrência da violação de alguma regra de trânsito deve ter o caráter retributivo – o infrator deve sofrer alguma restrição em seus direitos pelo mal praticado –, por exemplo, pagar a multa, e também deve ser revestido do caráter educativo e preventivo, para fazê-lo refletir e evitar que reincida, servindo de prevenção geral para os demais membros da comunidade, como a dizer, se alguém praticar fato similar sofrerá uma resposta coativa do Estado. Daí, porque em se tratando de leis de trânsito, muitas cidades no Brasil, antes de colocar em prática determinada regra de trânsito na cidade, promovem com certa antecedência uma campanha educativa de conscientização para os condutores de veículos, como está acontecendo atualmente em São Paulo, que está tentando conscientizar os condutores de veículos automotores da preferência que deve ser dispensada aos pedestres, quando estão atravessando a faixa branca nas ruas. Tudo isso constitui educação para o trânsito. Após o esgotamento da campanha educativa tem início a fiscalização rigorosa, todavia, antecedida de uma ampla mobilização de consciência da população. Assim, o resultado alvitrado pela lei certamente será alcançado, pois o objetivo não é punir por punir.

Na cidade de Ilhéus ocorre precisamente o contrário. Os motoristas, principalmente, turistas e oirundos de cidades vizinhas estão sendo surpreendidos pelas centenas de multas de trânsito que estão sendo autuadas pela Secretaria de Transporte do Município. O que chama a atenção é que centenas de pessoas estão sendo autuadas sem saber o motivo ou sem ter a sensação de que esteja infringindo algum dispositivo legal, ou seja, sem que tivesse agido com imprudência, imperícia ou negligência, muito menos com dolo em violar qualquer regra de trânsito, pois simplesmente são surpreendidos como passarinhos que caem inocentemente numa arapuca. Alguns deles, ao trafegar numa via que antecede a uma rodovia, onde 60 ou 70 km pode ser considerada uma velocidade razoável ou compatível com o trecho,entretanto, sem que houvesse sinalização suficiente ou adequada, são autuados porquanto uma placa “tímida” colocada estrategicamente bem próximo do “pardal” indica que a velocidade máxima não poderá ultrapassar 50km/h. Qual o sentido educativo de tais multas? A quem está servindo essas multas? A resposta é simples. Esse tipo de multa não tem qualquer caráter educativo e só contribui para afastar os turistas e pessoas de cidades vizinhas da cidade de Ilhéus. O objetivo é simples: arrecadar por arrecadar, punir por punir. Pode até servir imediatamente aos cofres do município, mas mediatamente poderá se transformar num desserviço á população ilheense e a todos que visitam ou passam por Ilhéus.

O que se observa é que o Estado policialesco tenta sobrepor-se ao Estado Democrático de Direito, no qual são assegurados aos cidadãos os direitos e garantias individuais. Não somos simples súditos de um Estado autoritário que passa como um rolo compressor sobre os direitos dos cidadãos. A nossa CF de 1988 estabelece no seu art. 5º que “ Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.O grito do cidadão Ilheense, Marcio Madureira, que colou no fundo de seu carro “ Visite Ilhéus e ganhe uma multa” não deve ser desprezado, pois ele representa a voz de centenas ou milhares de motoristas que caíram nessa arapuca que a Secretaria de Trânsito espalhou por Ilhéus, escondida em várias partes da cidade.

Na verdade, contra o arbítrio do Estado, termo aqui empregado na sua acepção lata -, compreendendo as várias esferas de poder – município, Estado, União e Distrito Federal -, cabe ao cidadão bater ás portas do Poder Judiciário para fazer valer os seus direitos. Pode-se adiantar que além da falta de sinalização adequada em alguns lugares, a autuação dessas multas padece de alguns vícios que ferem de morte o princípio da legalidade e da proporcionalidade. Portanto, se você está inserido nessa situação, tendo sido surpreendido por essa forma absurda e arbitrária de aplicação de multa, constitui um advogado ou se não reunir as condições mínimas para constituir um advogado sem prejuízo do sustento próprio ,procure a Defensoria Pública para fazer valer os seus direitos junto a Vara da Fazenda Pública de Ilhéus, competente para apreciar os pedidos de violação a direito individual perpetrada pelo Município Ilheense. O Poder Judiciário é a última trincheira que o cidadão dispõe contra a arbitrariedade do Estado. Não somos passarinhos para cairmos em arapuca, somos cidadãos e o município de Ilhéus deve respeitar esse direito fundamental, que nos diferencia como seres humanos.



MARCOS BANDEIRA





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