segunda-feira, 28 de setembro de 2009

MANDADO DE INJUNÇÃO E SUA EFETIVADADE NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

MANDADO DE INJUNÇÃO E SUA EFETIVADADE NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

Por Marcos Antônio Santos Bandeira

publicado em 13-05-2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ

MARCOS ANTONIO SANTOS BANDEIRA

MANDADO DE INJUNÇÃO E SUA EFETIVADADE NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA.

ILHÉUS/ 2002

MARCOS ANTONIO SANTOS BANDEIRA

MANDADO DE INJUNÇÃO E SUA EFETIVIDADE NA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA.

Monografia da Disciplina Direito Processual Constitucional; Curso Pós-Graduação lato sensu em Direito Processual Civil da UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz; Professor Douto Dirley da Cunha Júnior.

ILHÉUS/ BA

INTRODUÇÃO

Este trabalho monográfico procura revelar a verdadeira roupagem do Mandado de Injunção, fazendo incursões sobre à sua origem, inclusive no direito comparado, e o que moveu o legislador constituinte quando o introduziu na Constituição Federal de 1988, mostrando como ele é visto pela nossa doutrina pátria e por nossos Tribunais, principalmente, por nossa corte Constitucional, o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe, como guardião dos princípios e preceitos constitucionais, dar a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e atos normativos.

A doutrina especializada tem avançado ao encontro da verdadeira essência do instituto, concebido como um remédio constitucional colocado à disposição de qualquer indivíduo no âmbito de uma jurisdição constitucional subjetiva, todavia, alguns tribunais e , infelizmente, o Supremo Tribunal Federal vêm interpretando o instituto restritivamente, dando-lhe os mesmos efeitos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, como se o texto legal contivesse expressões inúteis. Não obstante, após o transcurso de longos doze anos , o Poder Judiciário vem gradativamente emprestando efetividade ao Mandado de Injunção caminhando assim em direção a uma interpretação especificamente constitucional, ou seja, extraindo do texto constitucional o verdadeiro sentido ou, como é conhecida pela doutrina alemã, “versafassungskonforme auslegung”.

O sistema de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos é abordado, tanto pelo critério de controle difuso quanto concentrado, realçando a importância de uma jurisdição diferenciada, como é a jurisdição constitucional, buscando precipuamente a efetividade das normas constitucionais, evitando-se dessa forma que a Constituição de nosso país se torne uma carta de boas intenções e sem qualquer incidência efetiva na realidade histórica. Nesse diapasão é analisado o inovador instituto do mandado de injunção aos olhos da boa doutrina, no sentido de reconstruir o seu verdadeiro perfil.

A metodologia empregada apoiou-se preponderantemente no critério dedutivo, valendo-se de exaustivas pesquisas bibliográfica, preferencialmente, entre renomados autores especializados que já debruçaram sobre o tema, seja através de obras clássicas, artigos ou palestras publicadas em revistas especializadas, buscando ainda problematizar situações para a melhor compreensão do mandado de injunção em nossa ordem constitucional e erigir uma consciência crítica sobre sua aplicabilidade.

O presente trabalho está dividido em dois capítulos: no primeiro procuramos identificar a origem, a essência, a natureza do mandado de injunção, bem como traçar os principais aspectos de natureza processual do instituto e seus respectivos efeitos na realidade histórica; no segundo capítulo foi enfocado o sistema de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos adotado no Brasil, segundo o critério de controle difuso e concentrado, inserindo o instituto no âmbito de uma jurisdição constitucional subjetiva, demonstrando à sua diferenciação em relação direta de inconstitucionalidade por omissão e realçando à necessidade do Poder Judiciário caminhar em direção de uma interpretação verdadeiramente constitucional.

Desta forma, após demonstrada toda a evolução do mandado de injunção até os nossos dias e revelada sua verdadeira essência, o posicionamento do monografista é expressado, através de uma visão crítica, no sentido de que o referido instituto seja utilizado como verdadeira ação constitucional no âmbito de uma jurisdição constitucional subjetiva em que o Poder Judiciário seja capaz de entregar uma prestação jurisdicional que modifique a situação subjetiva de um indivíduo que teve o exercício de seu direito , liberdade constitucional ou prerrogativa inerente à cidadania, nacionalidade ou à soberania inviabilizado pela omissão legislativa.

CAPÍTULO I

DO MANDADO DE INJUNÇÃO

1.1 Origem do Instituto:

A expressão “Mandado de Injunção” traduz ordem formal, imposição, obrigatoriedade, ou segundo os filólogos vem de “mandar– para jungir, obrigar, designando algo que se deve fazer ou ordem que se deve cumpri obrigatoriamente. Foi com esse propósito de se observar obrigatoriamente as normas consagradoras dos direitos e garantias fundamentais que o legislador constituinte foi inspirar-se na Constituição Portuguesa (1), para introduzir em nosso ordenamento jurídico o mandado de injunção, inovação em nosso constitucionalismo histórico, como instrumento constitucional posto à disposição de qualquer indivíduo para fazer valer o seu direito subjetivo fundamental diante da omissão do legislador.

Segundo o jurista Willis Santiago Guerra Filho (GUERRA FILHO: 99:70): “ esse novo instrumento é o mandado de injunção, posto à disposição dos cidadãos individual e pessoalmente, para defesa do seu estado jurídico-político(status libertatis, statuas civitatis, etc..) e de direitos públicos subjetivos seus, decorrentes daquelas normas”.

A doutrina apresenta variáveis para explicar a origem do instituto. Segundo o mesmo autor na obra já citada, muito se discutiu sobre a origem do instituto procurando associá-lo a institutos similares no direito comparado, como às “injunctions” do Direito anglo-americano, ou mesmo a “mandatory injuntion”, todavia, o autor acolhendo o parecer de Sérgio Bermudes assevera que “o novo instituto brasileiro e os antigos mandados do direito inglês só haveria de comum o étimo latino “injunctionem”, significando “imposição de uma obrigação”, pois consoante estudos de Ives Gandra e Celso Bastos “ não se encontra nada idêntico ao nosso mandado de injunção no direito estrangeiro”, muito embora Willis Santiago admita que a reclamação ou queixa constitucional ( verfassungsbeschwerde) prevista no ordenamento jurídico alemão – “como meio impugnativo, acessível a todos, que ensejaria ação ou omissão de órgão público, ferindo direito fundamental – é o que mais se aproxima para a compreensão do mandado de injunção previsto em nossa ordem constitucional ”.

1.2 Conceito:

Vislumbra-se, de logo, uma dificuldade epistemológica em conceituar algo sob pena de incidir na incompletude que engloba a essência daquilo que se está sendo detectado objetivamente, especialmente, daquilo que é novo , lacônico e enigmático, como é o inovador mandado de injunção disciplinado em nossa carta magna, todavia, tentaremos identificar suas principais características, bem como sua distinção com outros institutos similares no direito pátrio ou alienígeno, para então encontrar uma definição que melhor se amolde ao instituto. Impõe-se inicialmente proceder a leitura do texto constitucional onde ele foi introduzido em nosso ordenamento jurídico. Reza o dispositivo constitucional o seguinte, “ in verbis”:

Art. 5º - omissis
.....

LXXI – Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

Consoante o escólio de Gilmar Ferreira Mendes (MENDES: 1999: 302) “O art. 5º LXXI da Constituição previu, expressamente, a concessão do mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício de direitos e liberdades contsitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Nesse mesmo sentido, de forma mais concisa, Marcelo Catone preleciona (CATONE: 2001: 277) que “ o mandado de injunção é uma ação especial que visa à tutela de direitos constitucionais, cujo exercício está inviabilizado por falta de norma regulamentadora”.O jurista Willis Santiago já parte para coloca-la no âmbito da jurisdição constitucional subjetiva ao afirmar que “ trata-se , a nosso ver, de ação para tutela de situação jurídica subjetiva decorrentes de normas consagradoras de direitos fundamentais, cujo exercício encontra-se inviabilizado por omissão inconstitucional de poderes públicos(ou de terceiros).” .Essa posição é perfilhada pelo constitucionalista Celso Basto(..) que explicita categoricamente a essência do instituto ao asseverar que “se cuida é de garantir ao impetrante o asseguramento de um direito que, contemplado na Constituição, não lhe é deferido por quem de direito por falta de uma norma regulamentadora que torne invivável o exercício do aludido direito”.Destarte, infere-se, pela análise dos variados conceitos encontrados na doutrina, que se trata de um instrumento especial, inovador, de caráter constitucional, que visa assegurar fundamentalmente direitos fundamentais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e a cidadania, no âmbito de uma jurisdição constitucional subjetiva, cujo exercício desses direitos estaria sendo obstado por omissão inconstitucional que tanto pode ocorrer na esfera nacional, estadual ou municipal. Com efeito, o instituto visa tutelar imediatamente os direitos e liberdades fundamentais do indíviduo consagrados em normas constitucionais, e mediatamente a ordem jurídica objetiva, fazendo valer a vontade da constituição, ou como chamam os alemães , “ a verfassungskonforme Auslegung”, que nada mais é do que uma interpretação especificamente constitucional.

1.3 Natureza Jurídica:

Trata-se evidentemente de uma ação de índole constitucional e que, como toda a ação, tem sua carga declaratória, todavia, segundo o magistério do Ministro Moreira Alves (2) é uma ação mandamental ( apud de CELSO BASTOS: 1999: 243). A tutela mandamental caracteriza-se pela ordem emanada do juiz e constante do mandado no sentido de que se faça ou deixe de fazer alguma coisa, sob pena de cominação legal.

O desembargador aposentado e professor dos cursos de mestrado e doutorado da PUC, João Batista Lopes, abeberando-se da fonte inesgotável de Pontes de Miranda, distingue, de forma magistral, as ações mandamentais das executivas lato sensu (2) ao prelecionar o seguinte:

“ A diferença ontológica entre mandamentalidade e executividade está em que , na primeira, a tutela se traduz e se exaure na ordem ou mandado cujo cumprimento depende apenas da vontade do réu e, na segunda, exige a prática de atos coativos por auxiliares da justiça. Na tutela mandamental, o descumprimento sujeita o réu às sanções legais(multa, desobediência, etc.), enquanto na executiva impõe seqüência de atos até se alcançar a satisfação plena do exeqüente”.

Na verdade, por se tratar de um instituto novo em nossa ordem jurídica, o legislador foi extremamente lacônico no seu disciplinamento, não delimitando com precisão os contornos de seu objeto e nem indicando a providência que caberia ao órgão jurisdicional em caso de inobservância do preceito sentencial – abstenção de atividade normativa regulamentadora – que fosse capaz de inviabilizar os direitos fundamentais subjetivos consagrados na Constituição em determinado caso concreto. O jurista Marcelo Catone na obra já citada (3), embora reconhecendo parcialmente os efeitos mandamentais, sustenta que os efeitos da ação de Mandado de Injunção tem caráter mandamental/ constitutivo ao prelecionar o seguinte:

“ ... os efeitos da decisão concessiva do Mandado de Injunção são, em princípio, constitutivos, já que o que se pretende, através do uso dessa garantia constitucional processual especial, é a aplicação da norma constitucional definidora de um direito constitucional, regulamentando-a especificamente para um caso concreto. Em outras palavras, a regulação do exercício de um direito constitucional, em face de uma situação jurídica concreta. Mas a decisão concessiva não poderá somente regular para o caso concreto a norma constitucional. Deverá, também, ordenar ao impetrado que se submeta à normativa estabelecida, a fim de que seja efetivamente garantido o exercício do direito, liberdade ou prerrogativa constitucionais do impetrante. Com isso, não haveria como deixar de reconhecer, também, seus efeitos mandamentais”.

Perfilha desse mesmo entendimento o Ministro do STF, Gilmar Mendes (4) (MENDES: 1996:290) ao sustentar que “ tanto quanto a decisão a ser proferida no processo de controle abstrato da omissão, a decisão que reconhece a inconstitucionalidade da omissão no mandado de injunção, tem caráter obrigatório ou mandamental”.

Como se infere, o mandado de injunção na visão de Barbosa Moreira e Gilmar Mendes teria simplesmente caráter mandamental - já que a modificabilidade da situação subjetiva do impetrante é algo que poderá ocorrer ou não no futuro – dependendo do atendimento ou não do comando sentencial, inexistindo assim qualquer sanção em caso de inobservância da decisão judicial, considerando, principalmente, que o Poder Judiciário não pode impor ao Poder Legislativo a edição de norma regulamentadora, sob pena de violar o princípio de separação das funções do poder. Nesse diapasão, o indivíduo que teve o exercício de algum direito ou liberdade assegurado na Constituição inviabilizado ficaria a espera da edição da norma e com sua situação subjetiva indefinida e profundamente frustrado com a entrega da prestação jurisdicional.É de se notar que não foi esse o propósito do legislador, pois já havia, no âmbito da jurisdição objetiva, a ação de direta de inconstitucionalidade por omissão, não sendo o instituto inovador sucedâneo desta ação, de sorte que se torna evidente o caráter mandamental-constitutivo do Mandado de Injunção, pois, o Poder Judiciário ao conceder o pedido deverá declarar o direito, determinado um fazer ou não fazer e solucionado a demanda que lhe foi deduzida, além de determinar a ciência ao órgão encarregado de elaborar a norma regulamentadora determinando que se proceda atividade normativa dentro de determinado prazo sob pena de alguma espécie de sanção, todavia, não foi essa a interpretação dada por nossa corte constitucional, a qual não conseguiu distinguir o mandado de injunção da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, como se observa pela ementa do MI – 107-3 –DF – rel. Min. Moreira Alves, DJU 21.09.90, pela qual caberia apenas ao Poder judiciário comunicar a mora ao Poder competente para editar a norma regulamentadora sem qualquer sanção ou previsão de prazo para o seu cumprimento, ressalvando-se somente que, em se tratando de órgão administrativo, é de trinta dias o prazo para acatar a ordem judicial. O STF, entretanto, já avançou em direção a uma interpretação contitucional, pois é inegável o caráter constitutivo do mandado de injunção, porquanto a decisão deve modificar a situação subjetiva do indivíduo sustando os efeitos danosos do ato omissivo em relação ao impetrante.

1.4 Legitimidade:

Qualquer pessoa que tenha sido afetada em algum direito fundamental consagrado na Constituição, mas cujo exercício esteja sendo obstaculizado em face da ausência de norma regulamentadora, tem legitimidade para deflagrar o mandado de injunção e figurar no pólo ativo da relação processual. Com efeito, não precisa necessariamente ser cidadão no sentido próprio da expressão, pois mesmo aquele que esteja com seus direitos políticos suspensos ou mesmo o estrangeiro residente no país estarão legitimados para propor a ação. Há de se notar, em face de sua natureza de ação constitucional subjetiva, que no mandado de injunção há de se comprovar a existência de “um prejuízo concreto, em razão de falta de norma que cerceie o gozo de direito, liberdade ou prerrogativa constitucional” (cf.Silvio Dobrowolsky, 1989:18 apud de Guerra Filho). Com efeito, na lição de Marcelo Catone na obra já citada, “ o autor legitimado para impetrar o Mandado de Injunção é aquele que sustenta a pretensão de ser titular de um direito, liberdade ou prerrogativa constitucional cujo o exercício está inviabilizado por falta de norma regulamentadora, e que, portanto, pretende ser favorecido pelo provimento jurisdicional”. Segundo Barbosa Moreira, na conferência proferida no dia 26.6.89 na Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, assim se expressou:“A legitimação ativa para impetrar Mandado de Injunção, ordinariamente, é claro, caberá ao titular daquele direito, daquela liberdade ou daquela prerrogativa que se quer exercer e não se está podendo exercer, porque falta a norma regulamentadora”.

O insigne mestre já naquela época, falando do instituo inovador, não excluía a hipótese de legitimação extraordinária e de que determinadas entidades associativas, nos termos do art. 5º, XXI da CF, criadas por lei ordinária pudesse também impetrar o mandado de injunção. Passados quase doze anos daquela conferência, o jurista Marcelo Catone(CATONE: 2001:277/278) ratificando o posicionamento original de Barbosa Moreira, afirma o seguinte:

“Cabe lembrar que a Lei Complementar nº 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, dá poderes ao MP para defender direitos difusos cujo exercício esteja inviabilizado por falta de norma regulamentadora, através do Mandado de Injunção, nos termos do art. 6º, VIII. E ao Ministério Público do Trabalho para promover Mandado de In junção, “ quando a competência for da Justiça do Trabalho”...nos mesmos moldes , seria possível, juridicamente, conceber o Mandado de In junção Coletivo, impetrado por associações civis, dentre elas partidos políticos e sindicatos, como representantes processual ou como substituto processual – dependendo de a quem for destinado o provimento jurisdicional – na defesa de direitos individuais, coletivos e difusos, nos casos em que a lei assim o permitir, com base nos dispositivos constitucionais dos artigos 5º, XXI, para o caso das associações civis em geral, 8º, III, para o caso dos sindicatos”.

A legitimidade ad causam passiva, segundo o festejado jurista Barbosa Moreira (5), deve caber “ aquela pessoa física ou jurídica( e, neste último caso, pouco importando se de direito público ou de direito privado) que esteja obstando ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa”, não admitindo que o órgão competente para elaborar a norma regulamentadora figure no pólo passivo da relação processual , ao acrescentar que “ ao meu ver, o sujeito passivo no processo do Mandado de Injunção não é o órgão que seria competente para editar a norma regulamentadora. O sujeito passivo é aquele em face do qual o impetrante quer exercer o direito, a liberdade ou a prerrogativa. Contra esse é que deve ser emitida uma ordem”(pg.115). Evidentemente, em consonância com o pensamento do mestre, não se pode perder de vista que o instituto é uma garantia constitucional no âmbito de uma jurisdição constitucional subjetiva voltada para dar eficácia plena a norma constitucional solucionado o caso concreto que lhe é submetido, sendo certo que a autoridade apontada como omissa não deve participar do processo, bastando apenas que se lhe dê ciência da mora legislativa a fim de que possa eventualmente adotar as providências tendentes a elaborar a norma faltante.

Seguindo essa trilha de pensamento, Marcelo Catone (pg.278) preleciona o seguinte:

“ se a decisão concessiva é, como se disse, de caráter constitutivo/mandamental, ou seja, uma decisão que deve viabilizar o exercício de direitos, estabelecendo e ordenando o modo através do qual esse exercício deve dar-se , então, o réu no Mandado de Injunção deveria ser não a autoridade omissa mas sim aquele ente , público ou privado, a quem caberia respeitar o exercício do direito constitucionalmente definido. Isso , sim, conduziria à efetiva viabilização normativa do exercício desses direitos constitucionais”.

Nossos Tribunais (6) vêm aceitando equivocadamente a premissa que devem figurar no polo passivo o órgão ou autoridade que cabia praticar o ato, inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, como também o órgão ao qual se imputa a omissão, a quem deve dar ciência para as providências tendentes a supri a lacuna legal. O próprio Ministro do STF , Carlos Veloso na palestra que proferiu ao lado do constituinte Michel Temer foi enfático nesse sentido, como se pode depreender:“Penso que o órgão omisso – o Congresso Nacional, por exemplo – o órgão que deve efetivar a regulamentação, que deve emitir a norma regulamentadora, deve participar na condição de litisconsórcio necessário”. Posição que evidentemente vai de encontro ao verdadeiro perfil do mandado de injunção traçado por nossa doutrina .

1.5 Cabimento:

Impõe-se em primeiro lugar verificar se há mora legislativa, para depois então, certificada a ausência de norma regulamentadora, emprestar eficácia plena aos direitos, liberdades e prerrogativas consagrados constitucionalmente, aferir quais os direitos e liberdades fundamentais- cujo exercício estaria sendo invializados pela ausência de norma regulamentadora - que seriam tutelados pelo mandado de injunção. O jurista Willis Santiago (GUERRA FILHO: 1999: 79) empresta interpretação extensiva ao instituo ao argumentar o seguinte, “ in verbis”:

“ Entendemos , por exemplo, que caberia recorrer ao mandado de injunção não só quando houvesse falta completa da norma para regular o caso concreto, mas também quando se verificar a chamada “omissão parcial”, em havendo norma que regule de forma insuficiente certo direito ou prerrogativa constitucional, que não estariam regulamentados com efetividade, por não se atender plenamente ao estabelecido na nova Constituição. Também, por essa via interpretativa, seria possível lançar mão do instituto futuramente, para retirar a eficácia de normas que, com o passar do tempo, entram em dessintonia com o entendimento a que se chegou da disposição constitucional que elas regulamentam...”.

Contrário a esse pensamento o insigne Barbosa Moreira explicita: “também não cabe o mandado de Injunção quando a norma regulamentadora existe, embora seja considerada insatisfatória pelo interessado. Se ela existe, ainda que exista em termos que não lhe agrade, ele não pode recorrer ao Mandado de Injunção para obter uma solução que consulte melhor os seus próprios interesses”. Nesse caso, entende-se que não houve omissão do legislador, apenas realizou de forma insatisfatória a regulamentação da norma constitucional, o que poderá ser concretizado pelo juiz ,que por sua poderá se valer dos princípios gerais do direito e dos recursos tradicionais de integração da norma dê eficácia plena a norma constitucional.

Não caberia também o Mandado de Injunção quando a norma constitucional fosse auto-aplicável, pela simples razão de não carecer de qualquer regulamentação para ter eficácia plena. Também não caberia quando a norma jurídica contiver conceito ou expressões jurídicas indeterminadas, pois essa concretização, através dos processos da hermenêutica , ficaria afeta ao Poder Judiciário. Nesse sentido, o Ministro do STF, Carlos Veloso, quando enfrentou a questão da auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º da Constituição, em face da imprecisão do termo “juros reais”, assim se manifestou:

“ ..Quando a norma constitucional contém um instituto cujo conceito jurídico é indeterminado, compete ao juiz concretizar-lhe o conceito. Esta é uma tarefa do Poder Judiciário: concretizar conceitos jurídicos de institutos cujo conceito é indeterminado. E como esse – juros reais – há muitos outros. De modo que me parece que, na verdade, uma norma constitucional assim, desse tipo, não ensejaria Mandado de injunção..” .

Também não cabe o Mandado de Injunção quando para o exercício dos direitos e prerrogativas consagrados na Constituição seje necessária a criação de determinado órgão, a organização de alguma atividade ou serviço público, ou , da disposição de recurso público. O jurista baiano Calmon de Passos(apud de Gilmar Mendes: 1996: 287) discorrendo sobre o tema numa interpretação restritiva manifestou da seguinte forma:

“entendemos, entretanto, descaber o mandado de injunção quando o inadimplemento, seja pelo particular, seja pelo Estado, envolve a organização prévia de determinados serviços ou a alocação específica de recursos, porque nessas circunstâncias se faz inviável a tutela, inexistentes os recursos ou o serviço, e construir-se o mandado de injunção como direito de impor ao Estado a organização de serviços constitucionalmente reclamados teria implicações de tal monta que, inclusive constitucionalmente, obstam, de modo decisivo, a pertinência do mandamus na espécie. Tentarei um exemplo. O seguro-desemprego. Impossível deferi-lo mediante o mandado de injunção, visto como ele é insuscetível de atribuição individual, sem todo um sistema(técnico) instalado e funcionando devidamente. Também seria inexigível do sujeito privado de uma prestação inapta a revestir-se do caráter de pessoalidade reclamada na injunção, como por exemplo, a participação nos lucros da empresa”.

O Minsitro Carlos Veloso do STF, valendo-se dos ensinamentos do Prof. Marcelo Figueredo , também sustenta a inviabilidade do Mandado de Injunção quando depender da criação de órgãos. O jurista Barbosa Moreira também segue esse mesmo entendimento( pg. 113) quando assevera: “ Não cabe, também, o Mandado de Injunção, a meu ver, quando a norma regualmentadora que falta não seria só por si suficiente para resolver o problema. Por exemplo , se é necessária a criação,a instituição de determinado órgão, sem o qual na é possível fazer funcionar o dispositivo consituticional ou legal”. Segundo Barbosa Moreira (7) também não caberia o Mandado de Injunção quando não decorrer o prazo previsto na própria Constituição ou em lei, para a edição da norma regulamentora, admitindo, inclusive, que quando a falta for razoável ou mesmo quando tiver em tramitação projeto para a aprovação da lei regulamentadora, inclusive o Supremo Tribunal Federal já tem decidido que havendo projetos de lei em andamento não existe a mora constitucional. Na verdade, perfilho a linha de entendimento esposada pelo jurista Michel Temer, quando sustentou que o mandado de injunção só deve ser concedido, após a verificação da mora legislativa, quando no texto constitucional – consagrador dos direitos , liberdades e prerrogativas – houver contornos mínimos que autorize uma declaração judicial naquele caso concreto que está sendo submetido à apreciação do Poder Judiciário, vez que assim procedendo não estará legislando – violando desta forma o princípio da separação das funções dos Poderes - , mas apenas declarando o direito.. Argumenta o eminente jurista na conferência que proferiu em conjunto com o Ministro Carlos Veloso no Tribunal Regional Federal de Brasília o seguinte:

“ O segundo requisito --- evidentemente só vou colocar a título de sugestão – é a verificação, no texto constitucional, se, naqueles dispositivos dependentes de intermediação legislativa para a geração do direito, estão previstos os contornos jurídicos mínimos autorizadores de uma declaração judicial em relação àquele direito...quero dizer que aqui, neste ponto, mais uma vez aumenta extraordinariamente a discrição do Poder Judiciário porque, se ele vence a barreira da omissão dizendo que há omissão, o seu dever seguinte é declarar o direito...E, aliás , a primeira obrigação do Juiz é extrair do texto constitucional tudo aquilo que o texto constitucional possa fornecer. Não é a lei que dá algo que a Constituição de alguma maneira, já ensejou que fosse dado... No caso Mandado de Injunção, a exigir intermediação legislativa, o que há , em certas hipóteses, é uma certa iliquidez, uma fluidez do direito, enquanto indivíduo não vai postular no Judiciário a concretização daquele direito. Logo em seguida arremata: “ A única razão do Mandado de Injunção foi exatamente permitir que os indivíduos não se submetessem à inação legislativa, à inação normativa. Esta é a única razão para o Mandado de Injunção”

Como se infere, o mandado de injunção visa fundamentalmente buscar atender uma pretensão de direito material, inviabilizada pela inação do legislador infraconstitucional, em face de direitos fundamentais e prerrogativas consagrados no texto constitucional ou em alguma lei infraconstitucional. Não serve o instituto, como vaticinaram apressadamente alguns doutrinadores, para emprestar eficacidade as denominadas normas programáticas – por força disso previu-se uma enxurrada de ações de mandado de injunção no STF, o que não se confirmou - , sendo certo também que a Constituição não será uma simples carta de boas intenções em relação a determinados direitos fundamentais que necessitam da intermediação do legislador para se integrar a ordem jurídica, mas deve-se ter uma consciência de que a Constituição veio para ser, de fato, aplicada à nossa realidade histórica. O já citado constituinte Michel Temer de forma magistral distingue aquelas normas dirigidas ao legislador e àquelas dirigidas ao administrador, ao asseverar o seguinte:

“Quero também registrar que – seja na ação de inconstitucionalidade por omissão, seja no mandado de injunção – não se aplica, como foi preocupação de alguns autores, a hipótese de eficácia ou de tornar eficazes as chamadas normas programáticas....A construção de uma escola e a construção de um hospital se baseariam em dispositivos dos seguintes tipos: “ Saúde é direito de todos e dever do Estado; a educação é direito de todos e dever do Estado e será dada pelos pais e na escola, etc.. Estas hipóteses são normas de execução; não são normas de legislação. Vagas em escolas e vagas em Hospitais dependem de uma atuação administrativa, como na construção de hospital, na construção de escolas, na contratação de professores, na feitura de concursos públicos. E a Constituição , ao tratar da omissão, fala em falta de norma regulamentadora e não de atos de natureza meramente executiva ou administrativa”.

Como se infere, as hipóteses de impetração do Mandado de Injunção são bem menores do que se imaginara no início, não sendo instrumento adequado para suprir todas as lacunas da lei magna, mas consubstancia num extraordinário instituto processual cujo objetivo fundamental é assegurar maior carga de efetividade aos denominados “ direitos e liberdades constitucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”, conforme estabelecido no Art. 5º, LXXI da Constituição Federal, no âmbito da jurisdição subjetiva. Indagar-se-á: que direitos e liberdades constitucionais são essas? As prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania não estariam compreendidas nos direitos fundamentais? O jurista Barbosa Moreira, com toda a maestria e o brilho de sua inteligência, assim se manifesta:

“ a primeira parte don texto refere-se aos “direitos e liberdades”, sem qualquer limitação: portanto, a todos os direitos e todas as liberdades que tenham fundamento direto na Constituição; acrescenta-se alusão às prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, ainda que não diretamente contempladas no texto constitucional, e sim em alguma norma de nível hierárquico inferior ao da Constituição...”.

Essa interpretação ampla do texto constitucional se nos afigura mais racional e compatível , considerando, principalmente, que a lei maior não deverá conter expressões inúteis nem restringir o alcance da vontade do legislador. O jurista Willis Santiago na obra já citada, nutrindo-se das lições de Barbosa Moreira, é mais preciso ao asseverar o seguinte a respeito do o mandado de injunção :

“ se trata de meio jurisdicional para defender direitos e liberdades constitucionais – i.e, fundamentais, previstos por todo o corpo da Lei Maior, e não apenas no art.5º, como se insinuou já em interpretação restritiva absurda -, como também de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, não importando que sejam elas seja oriundas ou não de norma constitucional, como importa para os direitos e liberdades referidos em separado”.

Com efeito, os direitos fundamentais amparados pelo mandado de injunção são todos aqueles inseridos no texto constitucional, sendo certo que em relação às prerrogativas atinentes à soberania, nacionalidade ou à cidadania não é imprescindível que tenha fundamento direto na Constituição, mas que prevista em alguma lei infraconstitucional necessite de alguma norma regulamentadora para sua efetiva eficácia. Aí caberia o Mandado de Injunção para solucionar aquela situação subjetiva, cabendo ao Poder Judiciário ao reconhecer a omissão legislativa – naqueles casos onde contenha “os contornos jurídicos mínimos” – declarar o direito e entregar a prestação jurisdicional naquele caso concreto, assegurando-se eventual direitos fundamentais e prerrogativa do indivíduo em face da inação legislativa, afastando, por conseguinte, qualquer prejuízo que possa sofrer o impetrante em decorrência do ato normativo. Em caso de descabimento do mandado de injunção, cabe ao Poder Judiciário , por aplicação subsidiária das disposições do Código de Processo Civil, extinguir o processo sem efeito de julgamento de mérito.

1.6 Competência:

Qual é o órgão competente para julgar o Mandado de Injunção? A Justiça Federal também é competente? O juiz monocrático tem competência para julgar o Mandado de Injunção? Essas e outras questões correlatas serão enfrentadas à luz das posições predominantes na doutrina e nas decisões dos Tribunais Superiores e também, obviamente, em face da Constituição. A Constituição Federal de 1988 assim estabelece, “ in verbis”:

Art. 102 – Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe :

I – processar e julgar, originariamente:

....

q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

....

II – julgar , em recurso ordinário:

a) o habeas-corpus, o mandado de segurança, o “habeas-data” e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais superiores, se denegatória a decisão.

....

Art. 105 – Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar, originariamente:

....

h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.

Consoante se infere pela leitura dos referidos dispositivos, a competência para processar e julgar originariamente o mandado de injunção será do Supremo Tribunal Federal, quando a incumbência de elaborar a norma regulamentadora for atribuída ao Presidente da República, ao Congresso Nacional, à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, às mesas de uma das casas legislativas, ao Tribunal de Contas da União, a um dos Tribunais superiores ou ao próprio Supremo Tribunal Federal. É de se notar que o critério adotado pelo legislador foi precisamente o de identificar o órgão encarregado de editar a norma regulamentadora. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça será competente para julgar o mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal da administração direta ou indireta, excetuando-se os casos de competência do STF e dos órgãos da Justiça militar, da Justiça eleitoral, da Justiça do Trabalho e dos órgãos da Justiça Militar. O legislador, a bem da verdade, não foi muito feliz na redação deste dispositivo que vem provocando reiteradas discussões no campo doutrinário. O jurista Marcelo Catone (CATONE: 2001:279), valendo-se de uma interpretação sistemática e dos ensinamentos de José Afonso da Silva, empreende uma interpretação ampliativa e bastante controvertida, como se pode inferir pela leitura do trecho extraído de sua obra:

“Portanto, o art. 102, I “q”, como mostra José Afonso da Silva, só pode ser interpretado no sentido de que instituiu um foro privilegiado para aqueles que elenca, mas somente no caso em que figurarem como impetrados, ou seja, não quando simplesmente forem responsáveis pela edição da norma regulamentadora, mas quando forem aqueles em face de quem o direitodo impetrante deverá ser exercido. Se não, não haveria como compreender o disposto no inciso II, “a”, do mesmo artigo, combinado com o inciso I, “h”, do art. 105. Afinal, o art. 102, II, “a”, confere competência ao Supremo Tribunal Federal para julgar, em recurso ordinário, os Mandados de Injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, quando denegados, o que demonstra que esses também tem competência para processar e julgar Mandados de Injunção”

Assim sendo, o Superior Tribunal de Justiça na esteira desse raciocínio seria competente originariamente para processar e julgar originariamente o mandado de injunção, quando a matéria for afeta á Justiça Militar, à Justiça Eleitoral, a Justiça do Trabalho e à Justiça Federal. Marcelo Catone chega a enfatizar que “ quanto à Justiça Eleitoral, há, inclusive, dispositivo expresso, art. 121, § 4º, V, da Constituição”, argumentando que “ a competência para processar e julgar Mandado de Injunção deve ser determinada combinando-se o critério ratione personae, que é excepcional sempre, com o critério ratione materiae, que é a regra. No primeiro caso, o critério de fixação é a qualidade do impetrado; no segundo , a da matéria. E isso pela razão de que a legitimação do juiz ou tribunal para serem sujeitos do processo se extrai, como as partes, pelo“ critério do provimento jurisdicional requerido”.

Essa situação só deve ser pacificada com o tempo por nossos Tribunais pátrios. É de se ressaltar, entretanto, que a Justiça Federal por possuir uma competência fechada não têm competência para processar e julgar mandado de injunção. Havendo omissão de legislar norma regulamentadora atinente à justiça Federal a competência para processar e julgar o Mandado de Injunção será do Superior Tribunal de Justiça . As Constituições Estaduais, por força do disposto no § 1º do art. 125 da Constituição Federal , podem atribuir aos Tribunais de Justiça Estaduais a competência para julgar Mandado de Injunção, principalmente, quando a ausência de norma regulamentadora for atribuída à assembléia legislativa ou ao Governador do Estado, devendo o Tribunal de Justiça, de conformidade com seu regimento interno, nos termos permitidos pelo art. 96, I “a” da Constituição Federal atribuir ao seu órgão especial a competência para julgar o mandado de injunção. O jurista Marcelo Catone admite também a competência do Juiz de Direito, quando o impetrado for órgãos ou entidades ou autoridades municipais, quando assevera o seguinte:

“Essa estrutura, cabe ressaltar, ainda deve ser integrada, seguindo-se o sistema de repartição de competências no nível da Federação. Assim, a Constituição do Estado de Minas Gerais, interpretada sistematicamente, estabelece em seu art. 106, I“f”, a competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar Mandados de Injunção quando figurarem como impetrados órgãos, entidades ou autoridades estaduais da administração direta ou indireta. E mais, atribui competência ao Juiz de Direito quando fiugurarem como impetrados órgãos, entidades ou autoridades municipais”.

O que se infere é que o legislador não foi muito feliz n a redação do dispositivo, mormente, no que se refere a questão de competência, gerando, por conseguinte, intermináveis discussões no campo doutrinário e jurisprudencial.

1.7 Procedimento:

Não obstante a falta de disciplinamento específico e algumas divergências no campo doutrinário, é predominante o entendimento de que se deve aplicar por analogia o mesmo procedimento destinado ao Mandado de Segurança, devendo-se propiciar a intervenção obrigatória do Ministério Público, em face da relevância da matéria de interesse público. Alguns doutrinadores chegaram a sustentar a impetração de um mandado de injunção no sentido de disciplinar ou regulamentar o próprio mandado de in junção, todavia, como argumenta Willis Santiago Guerra Filho “ é até conveniente que não se regule com precisão o modo de se proceder em Juízo, quando se trata desses instrumentos de atuação da jurisdição constitucional de tutela dos direitos fundamentais, por serem de sua própria índole infensos à prévia programação normativa..”. É de se ressaltar que na última versão do texto constitucional havia referência de que se adotaria no mandado de injunção o mesmo procedimento destinado ao mandado de segurança, todavia, consoante lição de Willis Santiago na obra já citada, houve recusa de equiparar os procedimentos dos mandados de segurança e de injunção, pelas restrições que poderiam ser colocadas em relação a colheita de provas e da impetração do mandado de injunção no prazo de 120 dias, o que esvaziaria o instituto. Desta forma, é de se adotar em relação ao mandado de injunção o mesmo procedimento do mandado de segurança, mas se houver necessidade de produzir provas – o que é hipótese rara - , segundo Barbosa Moreira (8) utilizar-se-á o procedimento ordinário enquanto não se edite uma lei disciplinando o respectivo rito. Vê-se, entretanto, que já se encontra em vigor a Lei nº 8.038/90, a qual instituiu normas procedimentais para os processos que especifica, inclusive o mandado de injunção, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, tendo o parágrafo único do art. 24 da referida lei estabelecido o seguinte, “ in verbis”:No mandado de injunção e no habeas data, serão observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica”. Impõe-se asseverar que o rito será célere e de acentuado grau de concentração, aplicando-se naquilo que não for incompatível o rito do mandado de segurança, observando-se obviamente o princípio garantístico do contraditório .

1.8 Limites Subjetivos da Coisa Julgada:

A questão que se coloca para reflexão e discussão é se a sentença transitada em julgada no mandado de injunção produz efeitos erga omnes ou inter parte, isto é, quais os limites da coisa julgada. É predominante na doutrina o entendimento de que os efeitos de uma sentença proferida numa ação de mandado de injunção não devem ser estendidos a quantos se possa beneficiar do “decisum”, pois em se tratando de ação típica de jurisdição constitucional subjetiva , na qual se busca a efetividade de determinada situação jurídica, os seus efeitos até mesmo por força do disposto no art. 468 do Código de Processo Civil devem se cingir às partes do processo. Esse pensamento é perfilhado pela boa doutrina representada por Barbosa Moreira, Michel Temer e...., mas há opinião como a do Ministro Carlos Veloso que argumenta a inexistência de coisa julgada no mandado de injunção, posição que vai de encontro a maioria esmagadora da doutrina nacional. Afirma o ilustre Ministro na palestra que proferiu no Tribunal Regional Federal (8): “ É claro – penso – o Mandado de In junção existe para viabilizar exercício de direito, enquanto ausente a norma regulamentar. Sobrevindo a norma regulamentadora, penso que não há que falar em coisa julgada” .Éssa posição- que viola o princípio da segurança jurídica- foi contrariada pelo constituinte Michel Temer, o qual ofereceu sólida fundamentação exemplificando:

“ Se houver uma decisão judicial e sobrevier uma lei que defina de maneira diversa o que é “pequena propriedade rural”, indagariam todos: como fica a decisão do Judiciário que definiu aquela propriedade como pequena propriedade rural? E eu respondo: o Direito é um sistema e nós temos que interpretá-lo de acordo com todo o contexto constitucional.

O contexto constitcucional diz: primeiro, se houver omissão, sirva-se do Mandado de injunção; segundo, as decisões judiciais fazem coisa julgada. Há o instituto da coisa julgada.

Portanto, em relação ao caso concreto, ele pode até ter sido beneficiado em relação à lei que posteriormente surgiu, mas aí está em pauta um outro instituto, que é a coisa julgada, que visa precisamente a dar segurança às relações sociais”.

Alguns ainda defendem os efeitos erga omnes da sentença, mas Barbosa Moreira é enfático ao asseverar que “ há outra possibilidade que me parece preferível: é a de atribuir ao órgão judicial, no Mandado de Injunção, competência para formular a norma e aplicá-la ao caso concreto, sem extensão a outros casos análogos”. Desta forma, sintonizados com os princípios processuais é de se admitir que os efeitos da coisa julgada operada no mandado de injunção devem atingir apenas às partes que participaram do processo, a teor do que preceitua o art. 468 do CPC.


CAPÍTULO II

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

2.1 Sistema de Controle de Constitucionalidade no Brasil:

Para defender a supremacia das normas constitucionais, consoante escólio do constitucionalista José Afonso da Silva , existem três sistemas de controle : o político, o jurisdicional e o misto. No controle político o controle de constitucionalidade das leis é reservado exclusivamente ao parlamento ou algum órgão especial de natureza política; no controle jurisidicional, o Poder Judiciário tem a última palavra para declarar a inconstitucionalidade de lei e de outros atos do Poder Público incompatíveis com os preceitos constitucionais; finalmente, o sistema misto consubstancia em atribuir determinadas leis ao controle político e outras ao controle jurisdicional, como ocorre, por exemplo, na Suíça.

No Brasil o sistema predominante é o jurisdicional, mediante o controle difuso e o concentrado. No Controle difuso qualquer órgão – tribunais e juízes – poderá reconhecer de forma incidental no processo que determinado lei ou ato do Poder Público não se conforma com princípios e preceitos da Constituição e deixa de aplicá-la naquele caso concreto. Nessa modalidade de controle, consoante escólio de Alexandre de Morais(Morais:2000:250), a “ pronúncia do Judiciário sobre a inconstitucionalidade não é feita, enquanto manifestação sobre o objeto principal de lide, mas sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito”, ou seja, o indivíduo que de alguma forma esteja sendo afetado em face de lei ou ato produzido em desacordo com a Constituição, pode por intermédio da exceção ou na própria defesa, suscitar a questão da inconstitucionalidade da lei ou ato e desta forma ficar isento de cumpri-la naquele caso concreto. A nossa Suprema Corte – STF – também poderá exercer o controle difuso da constitucionalidade das leis tanto em relação às causas originárias quanto em sede de recurso ordinário ou extraordinário. O constitucionalista na obra já citada explicita melhor a questão deste último recurso ao argumenatar o seguinte:

“ Compete ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as causas deciddidas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: contrariar dispositivo da Constituição; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgar validade lei ou ato de governo local contestado em face dessa Constituição.

A Constituição Federal, ao prever o recurso extraordinário de causa decididas em única ou última instância, permite seu cabimento de decisões terminativas, definitivas ou interlocutórias, desde que presentes os requisitos constitucionais.

Além disso, a Constituição não exige que a decisão seja de algum tribunal, mas que tenha sido esgotada a via recursal ordinária, dessa forma cabível o recurso extraordinário das decisões de juiz singular ( quando inexistir recurso ordinário) e das turmas Recursais dos Juizados Especiais Criminais e Cíveis”.

Desta forma, o Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle difuso da constitucionalidade, seja em face de sua competência originária ou recursal, poderá declarar, por maioria absoluta de seus membros, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo do Poder Público – art. 97 da CF -, oficiando-se em seguida ao Senado Federal, o qual através de resolução suspenderá a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, conforme estabelece o art. 52 , X da Constituição Federal. Vale acrescentar ainda, que o STF exerce, de forma difusa, o denominado “controle judicial preventivo de constitucionalidade” (Alexandre Morais- (9)) ao propiciar aos parlamentares a ingressarem com mandado de segurança para assegurarem a observância de preceitos constitucionais no âmbito do processo legislativo, evitando-se assim, que participem de procedimento manifestamente inconstitucionais ou ilegais.

Já o controle concentrado é exercido exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal, que exerce em nosso país – de forma insatisfatória é bom que se ressalte – a função de corte constitucional, cabendo-lhe a última palavra sobre o controle de constitucionalidade das leis. Como guardiã dos princípios e preceitos constitucionais, o STF é competente para conhecer e julgar originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público; Ação declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público; medida cautelar em relação às ações direta de inconstitucionalidade ou inconstitucionalidade; ação direta de inconstitucionalidade por omissão; ação direta de inconstitucionalidade interventiva e ação descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição, regulamentada pela Lei nº 9.882, de 03.12.99, que legitimou o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa da Assembléia Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou Governador do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso nacional e a Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, ou seja, todos os legitimados da ação direta de inconstitucionalidade, perdendo assim, uma grande oportunidade de permitir o acesso do cidadão comum diretamente ao STF para defesa de seus direitos individuais e fundamentais. É de se notar que no controle concentrado exerce uma jurisdição de natureza objetiva, pois a nossa suprema corte constitucional, ao revés do ocorre no âmbito de uma jurisdição constitucional subjetiva, não visa solucionar conflitos de interesses, mesmo porque não há partes. A sua única finalidade é assegurar a observância de princípios e preceitos constitucionais. Nesse sentido, o jurista Willis Santiago lamentando em nosso país a ausência de uma corte verdadeiramente constitucional preleciona:

“ Note-se , porém, que entre nós, além da insuficiência de teorizações nesse sentido, há também uma grande lacuna institucional, a inibir semelhante desenvolvimento, o que é a ausência de uma Justiça Constitucional propriamente dita, nos moldes daquelas que, como nos países da Europa – e de outros continentes(cf. FAVOREU, 1994, p.144s; INTERNATIONAL ASSOCIATION OF PROCEDURAL LAW, 1997) -, desincumbem-se a contento da tarefa, absolutamente indispensável que lhes está reservada, uma vez investidas da jurisdição constitucional – no caso, de forma concentrada – tarefa que vem sendo insatisfatoriamente exercida pelo Supremo Tribunal Federal. Este Tribunal, como é sabido, integra a cúpula do Poder Judiciário, sendo seus membros escolhidos a partir dos desígnios do Chefe do Executivo. Uma verdadeira Corte Constitucional, nos moldes europeus, é um poder com atribuições não só jurídicas, mas também assumidamente políticas, órgão constitucional independente dos demais poderes, inclusive do Poder Judiciário “ordinário , ocupando-se exclusivamente da tarefa de fazer cumprir a Constituição e formado democraticamente com juristas de reconhecida excelência teórica, que cumprem um mandado”.

Como se infere o controle concentrado exercido pelo STF é abstrato , a legitimação no âmbito de uma jurisdição objetiva é restrita e seus efeitos em regra são ex tunc e arga omnes, tendo como objetivo precípuo extirpar de nosso ordenamento jurídico qualquer ato que contrarie o princípio da supremacia das normas constitucionais, ou mesmo quando numa declaratória de constitucionalidade afaste(Alexandre:pg. 321)“ a insegurança jurídica ou o estado de incerteza sobre a validade de lei ou ato normativo federal”, a finalidade dessa espécies de ações objetivas é defender a Constituição e obter o máximo de efetividade de suas normas. Daí dizer José Afonso da Silva(Afonso Silva: pg. 46) “ do princípio da supremacia da Constituição resulta o da compatibilidade vertical das normas de ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição”.

2.2 Distinção entre Mandado de Injunção e Ação Direta de Incon stitucionalidade por Omissão:

Impõe-se asseverar a “ prima facie” que o mandado de injunção , embora vislumbrado no âmbito de um controle concentrado “in concreto”, é um remédio constitucional posto á disposição de qualquer indivíduo numa jurisdição constitucional subjetiva, onde o que se busca é a solução de um conflito de interesses resultante de inação legislativa, a qual estaria inviabilizando o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas inerentes à soberania, à nacionalidade e à cidadania, ou seja, o indivíduo, diante da ausência de norma regulamentadora daqueles direitos consagrados no texto constitucional, busca obter do Poder Judiciário uma prestação jurisdicional que solucione aquela situação subjetiva submetida à sua apreciação, declarando o direito e determinando que se faça ou deixe de fazer algo; já a ação direta de inconstitucionalidade por omissão está inserida numa jurisdição constitucional objetiva, onde inexiste conflito subjetivo de interesses e cujo único objetivo é declarar a omissão legislativa, sem que haja qualquer sanção para o legislador, caso inobserve a decisão judicial; a legitimidade para propor a ação direta de inconstitucionalidade é limitada e restrita ao Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, as Mesas das Assembléias legislativas e da Câmara legislativa, os governadores dos Estados e do Distrito Federal, o procurador-geral da República, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e as confederações sindicais ou entidades de classe no âmbito nacional, nos termos do disposto no art. 103, “d” da Constituição Federal, todavia, qualquer indivíduo tem legitimidade para impetrar o mandado de injunção, valendo ainda salientar que somente o Supremo Tribunal Federal é que tem competência para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, enquanto o mandado de injunção além de poder ser submetido à apreciação do STF, pode também ser impetrado junto ao Superior Tribunal de Justiça, Tribunais de Justiça Estadual e, segundo alguns, perante o Juiz de Direito, quando a inação for atribuída a órgão ou autoridade municipal. Finalmente, os efeitos decorrentes de uma decisão proferida numa ação direta de inconstitucionalidade por omissão são “erga omnes”, enquanto no mandado de injunção são “ inter parte”.

O constituinte e jurista Michel Temer conseguiu com maestria reconstruir a gênese da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e também do mandado de injunção revelando assim o verdadeiro propósito que moveu o legislador. Diz o eminente jurista:

“Nós todos sabemos que, até 1988, o único sistema de controle da inconstitucionalidade era por ação, era por atividade; e não por inação, não por inatividade...o que ocorreu foi a não efetivação, a ineficácia de vários dispositivos constitucionais, precisamente porque eles deveriam ter a integração normativa de uma autoridade infraconstitucional, e essa autoridade com este poder não exercitava a competência. E, portanto, inviabilizava o desejo constituinte que, pelo menos supostamente, é fruto da soberania popular.

Sendo assim, os constituintes reunidos disseram: nós queremos que, em determinado prazo, se torne plenamente eficaa...Nasce , então, o instituto do controle da inconstitucionalidade por omissão...Em tese, é para viabilizar por inteiro a vontade do constituinte. E vamos até ampliar a legitimação daqueles que podem propor ação direta de inconstitucionalidade . Se no passado incumbia apenas ao Procurador-Geral da República, vamos agora ampliar a dez entidades – catalogadas hoje, como sabem, no artigo 103 do Texto Constitucional....e se estas dez entidades, estas dez pessoas legitimadas não intentarem uma ação de inconstitucionalidade por omissão e alguém sentir-se prejudicado nos seus direitos constitucionalmente estabelecidos...o que é que este cidadão fará? ...prevaleceu a tese de que todos deveriam ter a seu dispor um instrumento de controle da inconstitucionalidade por omissão, desde que comprovassem que a omissão constitucional estaria cusando prejuízos.

Então disse alguém: vamos buscar lá – como disse o Prof. Carlos Mário Veloso – no Direito inglês, no Direito americano, uma coisa assemelhada a isto que pretendemos. Vamos instituir o chamado Mandado de Injunção, que é uma ordem – vem de mandar – para jungir, para obrigar, para fazer alguma coisa. O próprio vocábulo já está demonstrando que o que se entregou a alguém foi a possibilidade de pleitear a prestação jurisdicional de tal maneira que o Judiciário pudesse mandar fazer alguma coisa...”

Como se depreende, foi com esse propósito que nasceu o mandado de injunção como instrumento típico de jurisdição constitucional subjetiva, objetivando precipuamente efetivar normas constitucionais num determinado caso concreto, viabilizando o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas assegurados ao indivíduo no texto constitucional, devendo o Poder Judiciário entregar uma prestação jurisdicional que solucione àquela situação subjetiva – que se encontrava indefinida ou ineficaz – em face da inação do legislador.

Ocorre, entretanto, que nossa corte constitucional, o Supremo Tribunal Federal ao julgar o Mandado de Injunção nº 107 fugindo-se de uma interpretação especificamente constitucional, esvaziou o instituto, emprestando uma interpretação restritiva, ao entender que caberia apenas dá ciência ao órgão encarregado da elaboração da norma regulamentadora sem qualquer repercussão na situação subjetiva do impetrante, o que desencadeou uma série de críticas a esse posicionamento, todavia, o STF vem mudando gradativamente e hoje já entende que deve formular a norma para aquele caso concreto, em caso de ausência de norma regulamentadora. Essa mudança de posicionamento já foi adotada no MI – nº 232-1-RJ, tendo como relator o Min. Moreira Alves, cuja ementa foi a seguinte:

“Mandado de Injunção conhecido, em parte e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do art. 195, § 7º, da Constituição, sob pena de, vencido o prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida”

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao julgar Mandado de Injunção requerido por dois policiais que haviam sido eleitos para cargos de direção da Federação Nacional da Polícia Civil e que pediam o afastamento de seus cargos, publicou acórdão da lavra do Des. José Carlos Barbosa Moreira nos seguintes termos, “ in verbis”:

“É admissível mandado de injunção seja qual for o texto constitucional, federal ou estadual, que proveja o direito cujo exercício depende de norma regulamentadora ainda não editada. – Na~conflita com a Carta da República a disposição do art. 84, parágrafo único, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que trata de “licença sindical” para os servidores públicos civis eleitos para cargos de direção em federações ou sindicatos da categoria, durante o exercício do mandado . – A servidores nessa situação reconhece-se o direito, até a entrada em vigor da lei regulamentadora, ao gozo de licença não remunerada, determinando-se à autoridade impetrada que os afaste de suas funções, sem prejuízo dos direitos e vantagens à carreira”.

Na verdade, como se infere, a tendência de nossos Tribunais, especialmente de nossa suprema corte, é adotar uma interpretação que busque o máximo de efetividade das normas constitucionais que consagrem direitos fundamentais cabendo ao Poder Judiciário suprir a lacuna – ausência de norma regulamentadora - integrando a ordem jurídica, mediante prestação jurisdicional efetiva que solucione a questão submetida à sua apreciação, quando à sua intervenção se tornar absolutamente necessária para o exercício de algum direito protegido pelo mandado de injunção.

2.3 Interpretação Constitucional:

É curial, antes de qualquer incursão no campo da interpretação constitucional, distinguirmos no âmbito da ordem jurídica regras jurídicas de princípios. Estes dotados de maior abstração não disciplinam determinada situação fática e representam valores que devem ser observados pela Constituição. As regras ou normas jurídicas , ao revés, com um grau de concreção maior incidente sobre determinada situação fática. O jurista Willis Santiago Guerra Filho(GUERA FILHO:2001:52/53) preleciona:

“Com a superação dialética da antítese entre o positivismo e o jusnaturalismo, distingue normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-deôntica há a descrição de uma hipótese fática e a previsão da consequência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são princípios, por não trazerem semelhante descrição de situações jurídicas, mas sim a prescrição de um valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra, positividade...Uma das características dos princípios jurídicos que melhor os distinguem das normas que são regras é sua maior abstração, na medida em que não se reportam, ainda que hipoteticamente, a nenhuma espécie de situação fática, que dê suporte à incidência de norma jurídica. A ordem jurídica, então, enquando conjunto de regras e princípios, pode continuar a ser concebida , à la Kelsens, como formada por normas que se situam em distintos patamares, conforme seu maior ou menor grau de abstração ou concreção, em um ordenamento jurídico de estrutura escalonada”

O eminente jurista evidencia ainda mais essa distinção quando há colisão entre regras e regras, princípios e princípios, e entre estes e regras jurídicas. Destarte, quando há choque entre duas regras jurídicas considera-se que há necessidade de afastar uma delas para manter a coerência ou uniformidade do ordenamento jurídico. Os princípios, em face do grau de abstração e por não disciplinar nenhuma situação fática seriam compatibilizáveis, contudo ao solucionar determinado caso concreto aplicar-se-ia um deles em detrimento de outro ou outros sem que estes perdessem à sua validade, lançando-se nesse caso o princípio alemão da proporcionalidade para se obter uma “ interpretação especificamente constitucional”. O princípio como “idéia-reitora” de valores deve sempre prevalecer em relação a normas jurídicas desde que a interpretação não seja contra legem ou contrária ao espírito da regra. Diz Willis Santiago na obra já citada:

“ praticar a “interpretação constitucional” é diferente de interpretar a Constituição de acordo com os cânones tradicionais de hermenêutica jurídica, desenvolvidos, aliás, em época em que as matrizes do pensamento jurídico assentavam-se em bases privatísticas (nesse sentido, COMPARATO, 1996, pag. 74 e s.). A intelecção do texto constitucional também se dá , em um primeiro momento, recorrendo aos tradicionais métodos filogógico, sistemático, teleológico etc.. Apenas haverá de ir além, empregar outros recursos argumentatativos, quando com o emprego do instrumental clássico da hermenêutica jurídica não se obtenha como resultado da operação exegética uma interpretação conforme à Consitutição, a verfassungskonforme auslegung dos alemães, que é uma interpretação de acordo com as opções valorativas básicas, expressas no texto constitucional”.

Podemos assim admitir que a interpretação constitucional é um método hermenêutico diferenciado e que busca fundamentalmente preservar a denominada “vontade da Constituição” , extraindo-se do contéudo das normas consagradoras do texto constitucional os valores impressos nas regras e princípios, no sentido de que faça prevalecer o princípio da supremacia dos preceitos constitucionais, colimando, por conseguinte, em manter a unidade da Constituição com um sistema coerente e integrado de princípios e regras jurídicas, que favoreça a integração social e obtenha-se o máximo de efetividade, evitando-se com isso que as normas constitucionais sejam “ meras exortações morais ou declarações de princípios e promessas a serem atendidos futuramente”, como critica Willis Santiago lastreado no ensinamento de Gomes Canotilho.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após longos doze anos de existência é curial que nossa Suprema Corte, bem como os demais Tribunais competentes, empreste ao mandado de injunção uma interpretação especificamente constitucional, de conformidade com a essência do instituto inserido no âmbito de uma jurisdição subjetiva, na qual se busca a entrega efetiva de uma prestação jurisdicional de caráter mandamental e consitutiva, capaz de modificar a situação subjetiva anterior, diante da ausência de norma regulamentadora que estaria invizabilizando o exercício de direitos e liberdades, bem como prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania inseridos no texto constitucional. O Poder Judiciário ao julgar o mandado de injunção deve declarar o direito – determinar o fazer ou não fazer – suprindo a lacuna da nomra regulamentadora naquele caso concreto, sem que isto constitua qualquer violação ao princípio da separação das funções de poder, pois o Poder Judiciário, mercê de seu poder discricionário, verificando a existência “dos contornos jurídicos mínimos” emprestará uma instrepretação especificamente constitucional, extraindo do texto constitucional o máximo de efetividade e declarando o direito naquele caso concreto onde se configurou a lacuna da norma regulamentadora, sem que isto venha ferir o referido princípio. O importante é que não se confunda os institutos – mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão – porquanto os efeitos não podem ser o mesmo, já que o texto constitucional não deve conter institutos inúteis, como afirmou o constituinte e jurista Michel Temer.

O mandado de injunção, volto a afirmar, é um remédio constitucional posto a disposição de qualquer cidadão que vem experimentando prejuízos em direitos fundamentais decorrentes da inação legislativa e necessita de uma prestação que afaste a ameaça ou lesão ao seu direito individual. É esse o perfil do instituto que foi introduzido em nosso ordenamento jurídico e concebido por nossos constituintes para emprestar efetividade às normas constitucionais. A omissão legislativa é o que torna a norma inconstitucional e lastreia a pretensão de direito material do indivíduo, que teve inviabilizado num caso concreto o exercício de um direito , liberdade- fundamentais - , ou prerrogativas inerentes à cidadania, à nacionalidade ou à cidadania, por ausência de uma norma regulamentadora. Essa lacuna deve ser preenchida pelo Poder Judiciário, que deve declarar o direito entre as partes em determinada situação jurídica, emprestando efetividade ao instituto do mandado de injunção.


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