segunda-feira, 28 de setembro de 2009

ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE NO ÂMBITO FAMILIAR

ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE NO ÂMBITO FAMILIAR

Por Marcos Antônio Santos Bandeira

publicado em 02-06-2005

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ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE NO ÂMBITO FAMILIAR.

Procura-se muitas vezes recorrer-se às tragédias gregas – pela profundidade de seus exemplos – para explicar determinados comportamentos humanos, especialmente os denominados desvios comportamentais.

Na Grécia antiga foi profetizado que o filho do rei de Tebas, um dia mataria o pai e casaria com sua mãe. Ao tomar conhecimento da profecia o rei de Tebas mandou matar seu filho, Édipo, todavia, o serviçal incumbido de executar a empreitada resolveu por conta própria e ocultamente poupar-lhe a vida, deixando-o vivo num precipício com os pés atados. Logo depois, um pastor o recolheu prestando-lhe socorro ficando com ele por algum tempo. Posteriormente Édipo, que já tinha outro nome, foi adotado por um casal real estrangeiro, sendo educado bem distante de Tebas.

Com o passar do tempo, Édipo, já adulto, procurou mergulhar na sua origem, quando um oráculo profetizou: “ tu matarás o teu pai e casarás com tua mãe”. No afã de fugir da tragédia, Édipo desapareceu abandonando seus pais adotivos, entretanto, durante a longa viagem entrou em luta corporal com um estranho e o matou, sem saber que se tratava de seu próprio pai. Prosseguindo sua caminhada deparou-se com uma esfinge, monstro com cabeça de mulher e corpo de leão, que aterrorizava todos os moradores de Tebas, já tendo matado várias pessoas que não conseguiam decifrar seus temíveis enigmas. A esfinge então perguntou a Édipo: “Qual o animal que anda com quatro patas de manhã, com duas ao meio dia e com três ao anoitecer?” Édipo então respondeu: “O homem! Quando criança se arrasta com os pés e as mãos pelo chão; quando adulto mantém-se de pé sobre duas pernas e no ocaso da vida precisa do auxílio de uma bengala para manter-se de pé. Decifrado o enigma, o monstro se lançou ao mar para a tranqüilidade da população de Tebas. Ocorre, entretanto, que Creonte, irmão da rainha Jocasta, houvera feito uma promessa de oferecer a mão de sua irmã para quem expulsasse o temível monstro de Tebas. Destarte, Édipo, como houvera decifrado o enigma da esfinge foi o agraciado recebendo a rainha Jocasta – sua mãe – como esposa. Mais tarde ao tomar conhecimento da relação incestuosa Jocasta se enforcou, enquanto Édipo furou seus olhos e partiu para o exílio com sua filha, Antígona.

Esta é a tragédia grega também conhecida como “ Complexo de Édipo” e que serviu de substrato para a teoria de Freud na psicanálise, pela qual simboliza a concentração na fase infantil do desejo sexual inconsciente e universal de cada filho em relação à sua mãe e ao mesmo tempo que nutre sentimento de rejeição ou aversão voltado ao pai. Na verdade Édipo, na mitologia grega, foi vítima do destino, pois cometeu parricídio e a relação incestuosa sem saber. Os psicólogos explicam que esse “ser inconsciente” – simbolizado por Édipo – que habita cada um de nós - é capaz de cometer os maiores desatinos, as maiores aberrações, mormente, quando esses conflitos internos ou complexos não são resolvidos no seu devido tempo, ficando trancafiados em nosso interior à procura de um só estímulo externo para vir à mostra.

Ultimamente tem vindo à tona inúmeros casos de pedofilia praticados por sacerdotes, médicos e outras pessoas acima de qualquer suspeita, sem falar na prostituição infantil e na exploração sexual contra crianças e adolescentes pela internet. Todavia, como leciona o Desembargador gaúcho, Amilton Bueno de Carvalho “o crime sexual violento quando praticado pelo pai....transforma-se no delito por excelência – mais grave entre todos os crimes: destruidor da conquista primeira da humanidade – diferenciador do homem dos demais animais”. Com efeito, o abuso sexual praticado silenciosamente entre quatro paredes contra crianças e adolescentes tem como autores precisamente aquelas pessoas que possuem ascendência sobre a vítima, como pai, padrasto, tio, avós, aos quais incumbiriam o nobre papel de protetores e educadores.

A liberdade sexual, principalmente, no que toca a mulher, é protegida pelo Direito, o que faz com que a mulher disponha livremente de seu corpo com relação aos atos genésicos e seja considerada como vítima, inclusive, quando é constrangida a manter conjunção carnal com o próprio marido. É de ver-se que a ênfase está sendo dada a mulher porque é a criança do sexo feminino a maior vítima do abuso sexual intrafamiliar. Os abusos são praticados normalmente nas modalidades de estupro – constranger mulher à conjunção carnal , mediante violência ou grave ameaça - e Atentado Violento ao Pudor – constranger alguém(mulher ou homem), mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal(sexo oral, anal etc..). Evidentemente que esses abusos sexuais tem suas características próprias, o que o mantém fora dos dados estatísticos, pois, normalmente, não deixam marcas visíveis, tendo em vista que o autor emprega apenas a violência moral, coação psicológica, ameaças veladas, o que dificulta a descoberta e a investigação. Muitas vezes essa situação patológica perdura por alguns anos, mantendo-se a criança ou adolescente refém daquela pessoa que amava , confiava e que era seu referencial .

Dados estatísticos colhidos na Delegacia da Mulher e Delegacia Estadual da Criança e do Adolescente de Porto Alegre revela que em 1998 foram registrados 135 casos de abusos sexuais praticados no âmbito familiar contra crianças e adolescentes, sendo que 47,4% praticados pelo pai; 31,1% pelo padrasto; 11,1% pelo tio; 8,8% por pessoas não identificadas e 1,4% pela mãe. Nesse universo 88,8% dos casos apresentavam a menina como vítima, sendo que 16,6% tinham entre um e sete anos; 60% entre oito e quatorze anos e 23,3 entre quinze e vinte e um anos. A mãe está presente como declarante em 68,8% dos casos, enquanto os demais casos são denunciados pelo Conselho Tutelar ou outro parente próximo da vítima. No município de Ilhéus, o Centro de Referência Programa Sentinela em um ano de criação já atendeu 137 casos de violência contra crianças e adolescentes, sendo que 42% são referentes a abuso sexual cometidos, em geral, por familiares, amigos e vizinhos.

O que tem causado perplexidade é que esses casos não escolhem classe social, malgrado ocorra com maior freqüência nas camadas inferiores da sociedade, tendo ainda o ingrediente do álcool. Todavia, o que mais impressiona é que na maioria desses casos , quando praticados pelo pai ou padrasto, a mãe tem ciência do fato, mas por não querer acreditar ou por vergonha, até mesmo para não perder a dependência financeira e emocional decorrente de uma relação estável prefere silenciar-se e só decide contar anos depois, em alguns casos, quando já se encontra separada do parceiro.

Alguns casos são exemplificativos, como o relatado pela jornalista Clarinha Glock (“ O retrato da Criança Vítima de Abuso”), no qual é retratado o caso de uma menina de oito anos que não conseguia sentar-se na sala de aula, provocando reclamações freqüentes da professora, que achava que a criança estava querendo se exibir, quando na verdade estava sendo vítima de abuso sexual praticado pelo padrasto como ficou constatado dias depois. A bem da verdade, a garota não conseguia se sentar em razão das dores e ferimentos. Goldember relata o caso de um motorista alcoólatra e agressivo, que obrigou a mulher sair de casa, ficando sozinho com a filha de sete anos, quando começou a fazer algumas tentativas sexuais, dormindo juntos. A primeira relação sexual ocorreu quando a menina tinha 11 anos. Nessa relação promíscua e torpe , o pai comprava o silêncio da vítima dando-lhe dinheiro e doces, ao mesmo tempo que ameaçava bater-lhe, caso abrisse a boca. Aqui pertinho de Itabuna, tive oportunidade de me deparar com um caso, no qual uma adolescente de apenas 13 anos de idade tinha dado luz a uma criança do sexo feminino. A vítima narrou que o pai brigou com a genitora dela e a obrigou sair de casa. A partir daí começou a freqüentar a cama da filha, desnudando-a muitas vezes na madrugada, quando então mediante emprego de ameaça e visivelmente alcoolizado manteve a primeira relação sexual, ainda quando a jovem tinha apenas doze anos de idade. A vítima recebia chicotadas e ameaças veladas, mas com medo e totalmente subjugada não conseguia revelar a verdade, mantendo-se o silêncio, até que veio a gravidez e resolveu abrir o jogo. O pai foi preso por força de preventiva e a jovem resolveu oferecer sua filha (do pai também) para adoção. Como não apareceu ninguém interessado, o transcurso do tempo fez com que a jovem adolescente acabasse ficando com a criança.

O quadro é assustador e nos coloca numa situação de impotência, na medida em que a Justiça não consegue penetrar no recesso do lar e quebrar esse “pacto do silêncio”, que mantém a criança ou adolescente, principalmente do sexo feminino, refém dessa situação aberrante e patológica anos a fio. A inditosa vítima, certamente, carregará marcas indeléveis para o resto da vida, pois já perdeu uma fase da vida. À sua dignidade foi maculada, ferida de morte por aqueles que tinham o dever de protegê-la, comprometendo o seu próprio destino neste planeta terra. No decorrer de sua infeliz caminhada fatalmente será vítima de distúrbios psíquicos, o que deverá acarretar, conseqüentemente, outros desvios comportamentais.

Diferentemente de Édipo da mitologia grega – que cometeu o parricídio e o incesto sem saber -, o pedófilo, principalmente, quando volta à sua ação contra crianças e adolescentes de seu ambiente familiar, satisfazendo-se egoisticamente sua lascívia , o faz com plena ciência da situação e de forma contínua, violentando dolosamente seres inocentes e indefesos. È hora de refletir e combater a hediondez da violência sexual intrafamiliar praticada contra crianças e adolescentes , estimulando a consciência ética e criando mecanismos eficazes para que o Estado penetre nesse universo podre e hermético, protegendo nossas indefesas vítimas da face mais abjeta da espécie humana.

Autor: Marcos Bandeira.

2 comentários:

  1. PARABÉNS MARCOS,POIS ESTE ASSUNTO É NOBRE E DIGNO DE AÇÕES COIBITÓRIAS POR TODOS NÓS. VOU FAZER MINHA MONOGRAFIA (TCC)SOBRE O TEMA.

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  2. obrigado, Balduíno. Sucesso na monografia.
    Marcos Bandeira

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