domingo, 27 de setembro de 2009

Sentenças: Medida Socioeducativa de Semi-liberdade

Sentenças

MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMI-LIBERDADE

publicada em 01-10-2006

Ementa:

MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMI-LIBERDADE. ATO INFRACIONAL PRATICADO COM VIOLÊNCIA E GRAVE AMEAÇA. A GRAVIDADE DO ATO INFRACIONAL É UMA CONDIÇÃO NECESSÁRIA, MAS NÃO SUFICIENTE PARA APLICAÇÃO DA MEDIDA EXCEPCIONAL E EXTREMA DO INTERNAMENTO. PERSONALIDADE E OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS A RECOMENDAR PEDAGOGICAMENTE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA MENOS GRAVOSA.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por intermédio de sua ilustre representante a época em exercício na Vara da Infância e Juventude desta Comarca, ofereceu REPRESENTAÇÃO contra o adolescente M.L.B, vulgo “ Buscapé”, devidamente qualificado nos autos, sob a acusação de que teria, no dia 21.05.2004, por volta das 09:30 horas, no interior das dependências da sua residência situada na Rua Tiradentes, nª 75, Bairro Novo Horizonte, nesta cidade, constrangido a menor Loiane Silva França, mediante violência e grave ameaça, a praticar com ele ato libidinoso diverso da conjunção carnal, correpondendo ao tipificado no art. 214 do Código Penal Brasileiro.

Narra a peça incoativa que “ a vítima fora convencida a entrar na casa do representado, a convite deste, sob o pretexto de olhar se o feijão em cozimento estava pronto. Após a vítima adentrar na casa, o Representado a segurou com força e tampando-lhe a boca, conduzindo-a até o quarto, onde começou a beijar-lhe o pescoço. Logo em seguida, o Representado levou a vítima para a sala, quando passou a despi-la, tirando a calcinha e obrigando-lhe a ficar de joelhos, beijando seus seios e passando o pênis no órgão genital desta...”.Aduz finalmente a ilustre representante do Ministério Público que o representado só saltou a vítima, quando uma criança, sobrinha do mesmo, entrou no recinto e disse que iria chamar por sua mãe.

Com efeito, argumenta a ilustre parquet que o adolescente praticou ato infracional similar ao tipificado no art. 214 “caput” do Código Penal Brasileiro.

Este Juízo recebeu a representação e designou audiência de apresentação, na qual foram ouvidos o adolescente e seu genitor ( fls.44/46). O ilustre defensor do representado, dentro do prazo legal, ofereceu defesa prévia insurgindo-se contra a acusação e arrolando testemunhas.

Realizada a instrução colheram-se as declarações da vítima e os depoimentos das testemunhas Paulo Sepólveda, Marciano Souza e Ana Rita Ambrósio, arroladas na representação. A defesa desistiu da oitiva de ouvir suas testemunhas.

Finalmente, a douta representante do Ministério Público ofereceu suas alegações finais, asseverando que o conjunto probatório constante dos autos demonstrou de forma segura a autoria e materialidade delitiva, requerendo, destarte, a procedência da representação e a aplicação de medida sócio-educativa prevista no art. 112, VI do ECA. O ilustre defensor do representado, por sua vez, deprecia as provas produzidas nos autos, afirmando que inexiste qualquer prova testemunhal ou pericial em desfavor do representado, sustentando, desta forma, a negativa de autoria e absolvição do representado. Nada a sanear ou a diligenciar .


É O RELATÓRIO.

DA FUNDMENTAÇÃO E DECISÃO.

Depreende-se, pelo cotejo das provas produzidas nos autos , que a autoria e a prova da materialidade delitiva encontram-se comprovadas nos autos. Com efeito, as declarações da vítima nos denominados crimes sexuais avultam de importância substancial para a comprovação do fato que normalmente só ocorre às escondidas entre acusado e vítima, principalmente, quando encontra eco nas demais provas constante dos autos. Com efeito, a própria vítima declara às fls.58 dos autos:

“ que ao passar em frente a casa do representado o mesmo lhe chamou e disse se a declarante poderia olhar o feijão que estava no fogo;...que a declarante caminhou mais um pouco e se deparou com o fogão, mas reparou que não havia nenhum feijão no fogo; que quando virou a cabeça deu de frente com o representado, o qual tapou-lhe a boca e a levou para o quarto; que no quarto o representado começou a beijar os seios declarante...que a declarante afirma que estava chorando, mas procurava manter o representado calmo, pedindo a ele para ir embora, que não fizesse nada contra ela por que ela era virgem; que o representado mandou a declarante calar a boca; que do quarto o representado levou a declarante para a sala, onde a obrigou a ficar de joelhos no sofá, tirando-lhe a calcinha...que o declarante ficou cerca de quinze minutos esfregando o pênis na declarante...”

O representado embora negando o fato de ter violentado à força a vítima, admite a existência do fato de terem ficado à sós no quarto de sua residência, despidos e prontos para manter relações sexuais. O laudo pericial comprova a violência sofrida pela vítima ao certificar “ escoriação com 2 cm de comprimento na região maxilar anterior, escoriações no joelho direito com 1 cm de comprimento..pequenos lábios à direita apresentando duas equimoses, uma no terço médio com 0,5 cm de diâmetro e outra próxima a fúrcula com 0,5 de diâmetro”, mostrando-se, portanto, coerente com as declarações da vítima, quando afirmou que o representado tapou-lhe a boca, obrigando-a a ficar de joelho e logo depois passou a esfregar o pênis sobre sua vagina. Nesse sentido, tomando de empréstimo a citação feita pela douta representante do Ministério Público, nossos pretórios pátrios já se manifestaram, como se observa:

“ Nos crime sexuais, a palavra da vítima, quando em harmonia com os demais elementos de certeza dos autos, reveste-se de valor probante e autoriza a conclusão quanto à autoria e às circunstâncias do crime” ( STF – 2ª T. – HC 79.850-1 – Rel. Maurício Correa – J. 28.03.2000).

As demais provas orais, principalmente, os depoimentos de Itacilda Maria dos Santos e Zilda Rodrigues dos Santos, corroboram a versão acusatória, ao revelar o estado de desespero e nervosivo da vítima, assim que se livrou das garras do representado, estado totalmente incompatível com a versão trazida aos autos pelo representado.

O ilustre defensor aduz que não restou comprovado nenhum tipo de lesão em face do ato perpetrado, todavia, diferentemente do estupro, o atentado pode ocorrer sem deixar marcas decorrentes do ato sexual propriamente dito, ressalvando-se a ocorrência de lesões periféricas relacionadas com o ato, como aliais restou comprovado nos autos – laudo pericial de fls.11 - e caracterizou o emprego da violência por parte do representado para a satisfação do ato genésico.

O ato perpetrado, à evidência, é muito grave, pois foi praticado mediante violência e grave ameaça, amoldando-se assim ao disposto no art. 122, I do ECA, o que ensejaria a aplicação da medida sócio-educativa do internamento, todavia, depreende-se pela leitura do Relatório do Estudo Social do Caso e demais provas orais constante dos autos, que o adolescente só cometeu este ato isolado na sua vida, mantendo uma boa relação com vizinhos e frequenta regularmente o Colégio Santa Luzia, onde está cursando a 8 ª série do primeiro grau com ótimo aproveitamento escolar. Como é sabido, nem sempre a gravidade do ato infracional determina a aplicação da medida extrema de internação, quando as circunstâncias e a personalidade do adolescente revelarem a possibilidade de cumprirem uma medida mais branda. Nesse sentido, o STJ já vem decidindo reiteradamente:

“ Constituindo-se a medida de internação verdadeira restrição ao status libertatis do adolescente, deve sujeitar-se aos princípios da brevidade e da excepcionalidade, só sendo recomendável em casos de comprovada necessidade e quando desaconselhada medidas menos gravosas”( HC 9.262, STJ)

“ A decisão monocrática que determinou a medida de internação não fundamentou devidamente a opção pela medida mais gravosa, sendo que a simples alusão à gravidade da infração e aos péssimos antecedentes do menor não são suficientes para motivar a privação total de sua liberdade, até mesmo pela própria excepcionalidade da medida sócio-educativa de internação, restando caracteerizada afronta aos objetivos do sistema.(...) A gravidade da infração e os péssimos antecedentes, a toda evidência, não são motivação bastante para privar o adolescente de sua liberdade, atento, inclusive, ao caráter excepcional de tal medida”( RHC 8.949).

Vê-se, portanto, que a gravidade do ato infracional embora seja uma condição necessária, não é suficiente para justificar a aplicação da medida extrema da internação, mormente quando o fato, embora grave, foi isolado na vida do adolescente, o qual consoante relatório técnico não revela tendência à reiteração de ato infracional, contrario sensu, demonstra total condições de cumprir a medida de semi-liberdade, onde terá a oportunidade de receber orientação pedagógica adequada para voltar a conviver pacificamente no meio social, tornando-se um cidadão útil. Não se deve olvidar que o adolescente praticou um ato infracional grave e que merece a devida reprovabilidade, todavia, impõe-se que a sanção socioeducativa seja adequada e consentânea com os elevados objetivos do ECA, capaz, portanto, de fazer o representado refletir sobre o ato que praticou e permitir que lhe sejam introjetados alguns valores que a equipe interdisciplinar deverá passar ao longo do período em que estiver cumprindo a medida.

Posto isso, julgo procedente a representação, para aplicar ao adolescente M.L.B>vulgo “ buscapé”, brasileiro, solteiro, estudante, natural de Itabuana-BA, filho de A. dos S. e C. dos S., residente nesta Cidade, a medida sócio-educativa da SEMI-LIBERDADE a ser cumprida na Fundação Reconto em Canavieras-BA, por prazo não superior a três anos, nos termos do § 2º do art. 120 do ECA, devendo obrigatoriamente oferecer ao adolescente a escolarização e atividades profissionalizantes. Oficie-se ainda a entidade responsável pela execução da medida que remeta a este Juízo relatórios trimestrais sobre a situação do adolescente e indique o orientador responsável pelo suprevisionamento da medida aplicada.

Transitado em Julgado, oficie-se a entidade responsável pela execução da medida para os devidos fins. Expeça-se o competente mandado de busca e apreensão, a fim de que o representado seja encaminhado imediatamente para a referida entidade.

P.R.I.

Itabuna-BA, 10 de setembro de 2004.

BEL. MARCOS ANTONIO S BANDEIRA

JUIZ DE DIREITO

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