sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sentenças - Ação de Suspensão de Poder Familiar cumulada com tutela

Sentenças


Ação de Suspensão de Poder Familiar cumulada com tutela

publicada em 09-11-2007

Proc. nº 020/2003 Ação de Suspensão de Poder Familiar cumulada com tutela.

Requerente: Pedro Antônio Cabral

Requerida: Maria Júlia

Advogado do requerente: Paulo Roberto

Advogado da requerida: Ricardo Fagundes

Pedro Antônio Cabral, devidamente qualificado nos autos, propôs inicialmente, por intermédio de advogado regularmente constituído, AÇÃO DE SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR contra MARIA JÚLIA, também qualificada nos autos, com fundamento nos arts. 1.637 do Código Civil Brasileiro c/c os arts. 155 e seguintes da Lei nº 8.069/90(Estatuto da Criança e do Adolescente), aduzindo, em resumo, que convivia com a requerida em regime de concubinato desde o final do mês de maio de 1995, de cuja união adveio a menor Maria Marta Cabral, nascida no mês de junho de 1996. Alega o ilustre causídico, que desde o mês de fevereiro de 1997 vem ocorrendo constantes atritos entre o casal, motivado pelo comportamento agressivo e desequilibrado da requerida, que dispensa, com efeito, maus tratos e falta de cuidados com a filha Maria Marta. Destarte, assevera que a requerida, tão logo o requerente se desloca para o trabalho, sai de casa levando consigo a menor e só retornando à noite, entre 21 e 22 horas, submetendo a criança a uma vida estressante, proporcionando uma alimentação inadequada à criança, inclusive, prejudicando o seu sono. Aduz desta forma, que por conta disso, a criança vem apresentando sinais de má alimentação, peso incompatível e sinais de queimadura no corpo.

Desta forma, argumenta que o comportamento inadequado da requerida, mercê de seus distúrbios emocionais, vem prejudicando o desenvolvimento da criança, fazendo assim incidir uma das hipóteses catalogadas no art. 1.637 do Código Civil Brasileiro.

Requer, por conseguinte, a citação da requerida para, querendo, impugnar o pedido, pugnando, finalmente, pela procedência do pedido com todos os seus consectários legais. Atribuiu-se à causa o valor de R$ 100,00(cem reais) e fez acostar aos autos os documentos de fls.03 (procuração ad juditia). O ilustre advogado do requerente fez juntar aos autos a certidão de nascimento da menor, atendendo determinação deste Juízo.

Lamentavelmente, no transcurso da ação, antes mesmo do chamamento da requerida para formar a relação processual, o requerente foi morto pela requerida, ensejando que o irmão da vítima, José Francisco, obtivesse a guarda provisória da infante, conforme se infere da decisão prolatada por este Juízo às fls.14/16. Este Juízo, com fulcro nos arts. 43 e 265, I do CPC determinou a suspensão do processo e a intimação do Sr. José Francisco para, querendo, habilitar-se no processo. Com efeito, José Francisco habilitou-se regularmente nos autos, através de advogado, ratificando as alegações constante da exordial e acrescentando que, ao assumir a guarda provisória, a menor Maria Marta Cabral encontrava-se em estado depalperável, muito magra, peso abaixo do normal, com lesões generalizadas em todo o corpo, assustada, subnutrida, comprovando-se assim, o total descaso da requerida para com a saúde física e psíquica da menor, conforme relatório elaborado pela médica Maria da Conceição acostado aos autos. Foram juntados aos autos os documentos de fls. 35 a 45 e a requerida devidamente citada contestou a ação, através de seu advogado, argumentando que sentença condenatória ainda não transitou em julgado, o que torna ilegítima a ação proposta por José Francisco. Assevera que o interesse do Sr. José Francisco em obter a tutela é para ficar recebendo a pensão e parte da parcela indenizatória que a vítima tinha direito perante a Previdencia.

No que toca as alegações feitas na exordial, afirma que são inverídicas, pois a requerida nunca teve comportamento emocional desequilibrado e agressivo, não tendo qualquer atrito com seus vizinhos, todavia, assevera que a requerida sofria maus tratos do falecido Pedro que a obrigava a seguí-lo a taxi, no sentido de conseguir algum dinheiro para comprar fraldas e leite para a filha Maria Marta. Acresce ademais, que este Juízo deve aguardar o trânsito em julgado da sentença condenatória, quando então decidirá o destino da menor.

Este Juízo determinou a realização do estudo social do caso, cujo relatório foi acostado aos autos às fls. 61 acompanhado do relatório de fls. 82 a 85. Realizada a instrução colheram-se os depoimentos pessoais da requerente e do requerido, José Franciso. Ultimada a instrução, as partes ofereceram suas alegações finais oralmente sustentando suas posições iniciais, já conhecidas. Finalmente, a ilustre parquet pediu vistas para emitir parecer escrito, o que foi deferido. Destarte, a ilustre representante do Ministério Público, através de lúcido parecer reconheceu o comportamento negligente e irresponsável com que a requerida conduzia a criação de sua filha movido por manifesto desequilíbrio emocional, o que ocasionou o grave estado de desnutrição da filha. Finalmente, argumenta que existem elementos para decretar até mesmo a destituição, pugnando, conseqüentemente, pela procedência do pedido. Vieram-me os autos conclusos. Nada a sanear ou a diligenciar.


É O RELATÓRIO.

DA FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO.

Trata-se, na verdade, de Ação de Suspensão de Poder Familiar cumulada com Tutela, cujo procedimento é traçado pelos arts. 155 e seguintes do ECA. Logo, consoante exige o art. 169 do mesmo diploma legal, foi observado em toda a sua plenitude o princípio do contraditório e seu corolário do direito a mais ampla defesa conferido a progenitora da infante Maria Marta Cabral, que utilizou de todos os meios e recursos inerentes à defesa de seus interesses, através de advogado constituído.

Depreende-se, pela consulta dos autos, que o processo de suspensão iniciara ainda com o pai da menor, Pedro Antônio Cabral, morto brutalmente pela requerida, no dia 01.12.1999, nesta Cidade, e que a levou a ser condenada pelo Tribunal do Júri a uma pena privativa de liberdade de 10 anos de prisão em regime fechado, cuja decisão ainda se encontra em grau de recurso no Tribunal de Justiça da Bahia. Deflui-se pela leitura da exordial que já naquela oportunidade a inditosa vítima relatava o comportamento irascível e desequilibrado da requerida, bem como dos maus tratos e falta de cuidados dispensados a menor Maria Marta, que invariavelmente era submetida a uma vida estressante, alimentação inadequada, acarretando, por conseguinte, sérios prejuízos ao desenvolvimento físico e mental da mesma. Com efeito, a requerida saía de casa diariamente e só retornava à noite levando consigo a menor Maria Marta de pouco mais de ano e meses, a qual já apresentava problemas relacionados ao sono, irritação e sinais de má alimentação, apresentando peso incompatível com sua idade, bem como lesões no corpo.

É bem de ver que toda essa situação acabou se confirmando ao longo da tramitação deste processo. A requerida, por conta de seu desequilíbrio emocional, já percebido, inclusive, por vizinhos, acabou matando com um golpe de faca seu companheiro e pai da criança, Pedro Antônio Cabral. O fato se deu na presença de Maria Marta, o que revela o destempero e o manifesto despreparo materno da requerida. Durante a instrução do processo, verificou-se que antes da eclosão do fato delituoso a requerida andava nas ruas e bares atrás de Pedro carregando a menor Maria Marta altas horas da noite, fato reconhecido pelo próprio advogado da requerida em sua contestação, demonstrando assim, sem dúvidas, insensibilidade e indiferença à situação da frágil criança. Destarte, consoante narra a Dra. Cecilia Teles em seu relatório, a menor Maria Marta, logo que foi entregue ao requerente José Francisco encontrava-se em péssimo estado geral, muita magra, peso abaixo do normal, com lesões generalizadas em todo o corpo, assustada e desnutrida (fls. 22 e 22v), confirmando-se assim as alegações de maus tratos e alimentação inadequada feitas pela inditosa vítima no limiar deste processo.

Vê-se também pela leitura do relatório do estudo social do caso (sindicância), que a menor já se encontra totalmente recuperada e integrada à família substituta, apresentando boa aparência e já pesando 12KG e 800 Gramas, recebendo cuidados especializados de uma psicóloga e assistente social, bem como, o que é mais importante, recebendo todo o amor e carinho da família do requerente, que a trata como se fosse filha natural. O relatório da assistente social recomenda a continuação de “acompanhamento especializado, haja visto as suas dificuldades emocionais, como também para apoiar o reajuste dela às circunstãncias da vida”. O relatório de acompanhamento psicológico acostado ao Estudo Social recomenda o “isolamento temporário da mãe”, como forma de se observar as características dos adultos que a acolhem neste momento, no sentido de que Maria Marta alcance outros referenciais a fim de se apagar ou reparar os elementos da tragédia.

Como é sabido o poder familiar não mais é instituído em benefício exclusivo dos pais, mas sim no interesse superior dos filhos menores, cabendo ao Estado o dever irrenunciável de fiscalizar o seu exercício, podendo, conforme o caso, privar os seus progenitores do seu exercício temporária ou definitivamente. Logo, ocorrendo situação que viole ou ameace direito da Criança ou adolescente, o Estado-Juiz, sendo provocado por que tem legítimo interesse, poderá determinar a suspensão do poder familiar. Nesse sentido, vale transcrever a lição da insigne civilista Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil – 5º vol. 10ed.Direito de Família):

“Sendo o pátrio poder um munus público que deve ser exercido no interesse dos filhos menores não emancipados, o Estado controla-o , prescrevendo normas que arrolam casos que autorizam o magistrado a privar o genitor de seun exercício temporariamente, por prejudicar o filho com seu comportamento, hipótese em que se tem a suspensão do pátrio poder, sendo nomeado curador especial ao menor no curso da ação. Na suspensão, o exercício do pátrio poder é privado por tempo determinado, de todos os seus atributos ou somente parte deles, referindo-se a num dos filhos ou a alguns”.

No caso em comento, a requerida além de maltratar sua filha de pouco mais de ano, submetendo-a a toda espécie de intempérie, perambulando com a mesma pelos bares, ruas e templos em horários incompatíveis, faltou ao dever de sustento, não lhe fornecendo alimentação adequada e deixando-a chegar a um estado grave de desnutrição comprovado pelo relatório da médica pediátrica, assim que a menor foi entregue ao requerente. Demais disso, submeteu sua filha a situação que lhe trouxe bloqueios emocionais, já que a requerida matou o pai da infante na presença desta. Destarte, a conduta da requerida se amolda ao disposto no art. 1.637 do Código Civil Brasileiro c/c os arts. 22 e 24 do ECA, que enseja a suspensão do poder familiar. Na verdade, a hipótese, como reconheceu a ilustre parquet, determinaria até a perda do poder familiar, todavia, como o pedido é o projeto da sentença não cabe ao juiz ir além daquilo que foi pedido.

Por outro lado, o requerente é irmão da vítima, possui família constituída e exerce atividade lícita, reunindo, consoante se infere pela leitura do relatório social, todos os requisitos para oferecer as condições indispensáveis para o pleno desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual da infante, que já se encontra totalmente integrada ao lar substituto. A bem da verdade, a medida apresenta reais vantagens a menor e se funda em motivos absolutamente legítimos. Vale apenas esclarecer que a tutela estatutária, diferentemente da tutela cível, embora temporária, será por prazo indeterminado, isto é, até quando atender aos interesses superiores da criança ou adolescente. Ambas, como é incontroverso, pressupõem a perda ou pelo menos a suspensão do poder familiar. Nesse sentido, o insigne jurista Paulo Lúcio Nogueira (in Estatuto da Criança e do Adolescente – Saraiva, 1991) explicita:

“quando a tutela for deferida pelo juiz de família ou comum, ela é naturalmente temporária, pois os tutores são obrigados a servir por dois anos(CC , art. 44), enquanto a tutela deferida pelo juiz de menores, em caso de menor abandonado, pode ser por prazo indeterminado”.

É de ver que a guarda também não possui prazo determinado, sendo certo que em se tratando de suspensão, diferentemente do caráter definitivo da destituição, a parte que ficou privada temporariamente do exercício do poder familiar poderá provocar o Poder Judiciário para retornar ao status quo ante, desde que surjam fatos supervenientes e prejudiciais aos interesse superiores da criança ou adolescente. Finalmente, a ilustre representante do Ministério Público, através de lúcido e brilhante parecer, reconheceu a causa ensejadora da suspensão do poder familiar em face do comportamento negligente e insano da requerida, pugnando, com efeito, pela procedência do pedido.

Posto isso, julgo procedente o pedido, para decretar a SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR de MARIA JÚLIA em relação a menor Maria Marta Cabral em todos os seus atributos, nos termos do art. 1.637 do Código Civil Brasileiro c/c os arts. 22 e 24 da Lei nº 8.069/90, por prazo indeterminado, e de igual modo, nomeio o requerente JOSÉ FRANCISCO, devidamente qualificado nos autos, como tutor da menor Maria Marta Cabral, nos termos do art. 36 do ECA, podendo representá-la em todos os atos da vida civil e tê-la como sua dependente para todos os efeitos legais, inclusive, previdenciários.

Dispenso a realização da hipoteca legal, em face dos bens atribuídos a infante constarem de instrumento público e pelo fato dos rendimentos serem suficientes apenas para a mantença do tutelado, não havendo sobra significativa, nos termos do parágrafo único do art. 37 do ECA, devendo, entretanto, o requerente prestar constas anualmente a este Juízo até o dia 31 de dezembro.

Expeça-se o competente mandado, nos termos do art. 163 do ECA, no sentido de que seja averbada à margem do assento de nascimento da infante a presente sentença, procedendo-se às demais anotações devidas.

P.R.I.

Itabuna-BA, 13 de março de 2003.

BEL. MARCOS ANTONIO S BANDEIRA

JUIZ DE DIREITO





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