domingo, 27 de setembro de 2009

Sentenças: Pronúncia - CASO ISABELA SEARA, ESTUDANTE DA UESC

Sentenças

Pronúncia - CASO ISABELA SEARA, ESTUDANTE DA UESC

publicada em 31-08-2005


Ementa:

PRONUNCIA - INDÍCIOS DE AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE. ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO - CIÚME COMO FONTE DE PAIXÃO E DE FORTE CARGA EMOCIONAL NÃO PODE SER CONSIDERADO MOTIVO FÚTIL - TRAIÇÃO. ALEGADA QUEBRA DE FIDELIDADE OU CONFIANÇA NÃO RESSONÂNCIA NAS PROVAS DOS AUTOS. AFASTAMENTO.


Proc. nº 741038-6/2005-08

AÇÃO PENAL PÚBLICA

AUTORA: JUSTIÇA PÚBLICA

RÉU: LUCIANO MOREIRA MALAQUIAS

VÍTIMA: ISABELA NASCIMENTO SEARA

PROMOTOR DE JUSTIÇA : BEL. CÁSSIO MARCELO DE MELO SANTOS

ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO: BEL. DAVID PEDREIRA

DEFENSOR DO ACUSADO: BEL. COSME REIS


Vistos etc.


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por intermédio de seu ilustre representante titular da Vara do Júri desta Comarca, lastreado nas provas colhidas no inquérito policial, ofereceu Denúncia contra LUCIANO MOREIRA MALAQUIAS, devidamente qualificado nos autos, incursando-o nas penas do art. 121, § 2º, II, III, quarta figura, e IV, primeira parte, todos do Código Penal Brasileiro, porque teria, na madrugada do dia 02 de junho de 2005, uma quinta-feira, no apartamento situado na Rua Né Abade, nº 53, Pontalzinho, nesta Cidade, ceifado a vida de Isabela Nascimento Seara, asfixiando-a e causando-lhe as lesões descritas no Laudo de Exame Cadavérico de fls.57 e v. Noticia a peça incoativa que o denunciado chegou à residência da vítima na noite do dia 1º de junho de 2005, trazendo-lhe flores e um cartão, de modo que teria se valido da traição, segundo o Ministério Público, já que a vítima o recebera em seu quarto e não imaginaria que o acusado, com quem teve um namoro por cerca de dez anos, pudesse matá-la da forma cruel como o fez. Aduz, finalmente, que os motivos do ato homicida foram o ciúme e o inconformismo do acusado com o fato da vítima ter acabado recentemente o namoro que mantinha com ele.

A Denúncia, acompanhada do respectivo inquérito policial iniciado através de portaria, foi recebida por este Juízo, no dia 28 de junho de 2005. Ainda na fase pré-processual este Juízo decretou a prisão temporária do acusado, e logo em seguida, atendendo também representação da autoridade policial, decretou prisão preventiva, conforme decisão fundamentada constante às fls.90/93. O réu, preso por força da referida prisão preventiva, foi citado e interrogado judicialmente, oportunidade na qual confessou a autoria do fato, mas justificou que foi um acidente. O Ilustre defensor do acusado, dentro do tríduo legal, ofereceu Defesa Prévia e arrolou testemunhas. Aduz o ilustre defensor do acusado, preliminarmente, a nulidade da denúncia sob o fundamento de que não descreveu concretamente a conduta típica imputada ao acusado, bem como não fez prova do animus necandi. Adianta quanto ao “meritum causae” que os fatos não se passaram da forma narrada na Denúncia, reservando-se, entretanto, para aprofundar no mérito por ocasião das alegações finais.

Realizada a instrução criminal colheram-se os depoimentos das testemunhas Nadimir Seara Dantas Barbosa(declarações), Rosângela do Nascimento Cruz (declarações), Luciana de Almeida Santana, Jacson Ribeiro de Andrade Junior, Allen Dantas Santos Lins e Jean Erick Possati de Moraes, arroladas pela acusação, que por sua vez, desistiu da oitiva das demais testemunhas. Também foram inquiridas as testemunhas Alexsandro Rocha da Silva, Zwilgton Carvalho dos Santos, André de Jesus Santos, Antônio Vagner da Silva, Eduardo Parada Costa, Antonio Fabrício Azevedo Simões, arroladas pela defesa, que desistiu da oitiva das demais testemunhas. Nesse interregno este Juízo indeferiu o pedido de quebra de sigilo telefônico requerido pela defesa, autorizando apenas a quebra do sigilo da conta corrente da vítima, conforme decisão fundamentada às fls.187. A mãe da vítima, Rosângela do Nascimento Cruz, foi regularmente habilitada nos autos como assistente de acusação representada pelo Bel. David Pedreira.

Ultimada a instrução criminal e passada à fase do art. 406 do Código de Processo Penal, o ilustre Promotor de Justiça, com apoio nas provas produzidas nos autos, pugnou pela Pronúncia do acusado, nos termos propostos na Denúncia. A assistência de acusação, através de alentadas razões, procedeu a uma análise criteriosa dos elementos probatórios constantes dos autos, e requereu a pronúncia do acusado nas penas do art. 121, § 2º, II, III e IV, todos do Código de Penal Brasileiro. O ilustre defensor do acusado, com base nas provas constantes dos autos, asseverou que o processo é nulo porquanto não restou demonstrado que o acusado teve a vontade deliberada de querer matar a inditosa vítima. Aduz ainda que a matéria é de direito e que a prova testemunhal corrobora o alegado pelo acusado, bem como que “na realidade foi uma reação de curto-circuito motivada pela atitude condenável da inditosa vítima”, requerendo a impronúncia do acusado. Vieram-me os autos conclusos. Nada a sanear ou a diligenciar.


É O RELATÓRIO

DA FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO.

Impõe-se a prima facie examinar a preliminar de nulidade suscitada pelo ilustre defensor do acusado sob o fundamento de que não consta da Denúncia que o acusado teve a intenção de matar a vítima, ou seja, que tenha agido com “animus necandi”. Entendo, data venia, que a assertiva não resiste ao mais tênue exame, porquanto a Denúncia de forma explícita descreve objetivamente a conduta típica imputada ao acusado, salientando, que o mesmo ceifou a vida da vítima por asfixia, por motivo fútil e também à traição. Evidentemente que o “animus necandi” já está absorvido intrinsecamente na conduta típica desenvolvida pelo acusado, que segundo a Denúncia, teria agido dolosamente contra a vida da vítima e subsumido à conduta abstrata da norma elencada no art. 121,§ 2º, II, III e IV do CPB. Nesse sentido é lapidar a lição do insigne e saudoso mestre Mirabete ( In Processo Penal. 17ª Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 135) como se pode observar:

“ O art. 41 do CPP trata dos requisitos que devem estar presentes na denúncia a fim de que possa ser ela recebida instaurando-se a ação penal condenatória. Exige-se em primeiro lugar, no artigo citado, que a denúncia contenha a exposição do fato, com todas as suas circunstâncias....o fato descrito deve ser subsumível a uma conduta abstrata da lei(tipo penal)”.

No caso em comento, o fato da “opinio delicti” do Promotor de Justiça coincidir com a sugestão manifestada pela autoridade policial no inquérito não constitui qualquer irregularidade. Na verdade, o Promotor de Justiça, como titular da ação penal, é que, com base nas provas inquisitoriais, forma o seu juízo de valor e deflagra a ação penal sendo desinfluente que o enquadramento legal, atribuído ao fato coincida, ou não, com a aquele expressado pela autoridade policial, que também, em regra, é bacharel em Direito. Finalmente, o fato de o acusado ter afirmado que não teve a intenção de matar a vítima em nada altera o conteúdo da Denúncia, pois cabe a ele, no âmbito do devido processo legal – ampla defesa, juiz natural e contraditório – comprovar que os fatos passaram diferentemente do narrado na Denúncia, no sentido de que possa repudiá-la e ser absolvido da acusação que lhe é imputada. Desta forma e em face das razões invocadas, afasto a preliminar de nulidade do processo.

Verifica-se à evidência que se encontram presentes na espécie os pressupostos específicos e ensejadores da pronúncia do acusado, a teor do que dispõe o art. 408 do CPP. Com efeito, a prova da materialidade delitiva encontra-se positivada pelo Laudo de Exame Cadavérico de fls.57 e v, o qual testifica que a vítima faleceu de “insuficiência respiratória aguda” provocada por asfixia mecânica por compressão extrínseca “. Os indícios de autoria emergem forte dos autos, máxime, a confissão do acusado corroborada pelas demais provas orais constante dos autos, mormente o depoimento da testemunha Luciana de Almeida Santana. Vejamos trechos do interrogatório do réu e do depoimento da referida testemunha em Juízo.


INTERROGATÓRIO DO ACUSADO – FLS. 109/115)

“Que no momento em que pegou o pescoço da vítima ela estava deitada no colchão e a vítima continuava mordendo os dedos do interrogado; que nesse momento o interrogado afirma que sem nenhuma intenção de matar passou o objeto tipo canivete que estava no chaveiro no pescoço da vítima só para que ela largasse os seus dedos; que o interrogado afirma que assim que passou o canivete no pescoço dela foi soltando as mãos do pescoço e continuou conversando com ela e sem perceber nada a respeito dos ferimentos..que no momento em que conseguiu ligar o celular percebeu que suas mãos estavam sujas de sangue..que o interrogado afirma que no momento em que percebeu que estava com as mãos sujas de sangue conversava com a vítima, mas ela não respondia chegando ainda a balançar a vítima mas ela também não respondeu afirmando ainda que entrou em desespero e a colocou no colo e começou a falar alto: “meu amor não faça isso comigo”... que o interrogado afirma que no momento em que atingiu a vítima no pescoço o interrogado estava ajoelhado e a vítima deitada... que o interrogado afirma que além de ferir a vítima mordeu o rosto da vítima também para que ela soltasse os seus dedos... que o interrogado afirma que depois que a vítima soltou a sua mão da boca acha que segurou com as duas mãos o pescoços da vítima”.


DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA LUCIANA DE ALMEIDA SANTANA – FLS. 146/149.

“ Que Isabela saiu do quarto e falou bem baixinho no ouvida de Poliana: Luciano está aí.. que já por volta das 23:00h ou 23.30h o acusado Luciano passou na cozinha para ir até o banheiro e a depoente o cumprimentou ele respondeu simplesmente “oi Lu”; que nesse momento a depoente percebeu o acusado um pouco abatido mas não percebeu nada de anormal.

Desta forma, aferidos os indícios de autoria e a prova da materialidade delitiva, vê-se que o Laudo de Exame Cadavérico assevera que a vítima faleceu por asfixia mecânica, razão pela qual, mantenho a qualificadora descrita no inc. III, quarta figura, do § 2º do art. 121 do CPB para a devida apreciação do juiz natural. No que toca ao motivo fútil, data venia, entendo totalmente descabido no presente caso, pois o ciúme, como fonte de paixão e de grande carga emocional de que é tomado o indivíduo, não pode ser considerado motivo fútil, desproporcional, insignificante, iníquo, banal, principalmente, quando se analisa no presente caso o contexto e as circunstâncias em derredor do fato, pois acusado e vítima conversavam num clima de desinteligência e desentendimento por cerca de cinco horas até o momento em que a vítima veio a falecer.O motivo está relacionado ao ciúme decorrente do namoro desfeito e a suspeita do réu da existência de outro namorado na vida da vítima. Nesse sentido, os tribunais pátrios já se posicionaram, como se pode observar:

“O ciúme, entendido como fonte de paixão, não pode ser considerado motivo fútil para qualificar o homicídio” ( RT 519/427)]

“O ciúme e a paixão constituem antecedentes psicológicos não desproporcionados, se bem que injustos, e não caracterizam o motivo fútil, na sua acepção legal, notadamente quando, após ferir mortalmente a vítima, o homicida ingere veneno, tentando o suicídio” ( JCAT 70/375)

Desta forma e com fulcro nas razões acima invocada afasto a qualificadora do motivo fútil – inc. II do § 2º do art. 121 do CPB – porquanto manifestamente improcedente e sem qualquer ressonância nos elementos constante dos autos. Não vislumbro também a qualificadora da traição, em face da alegada quebra de fidelidade ou confiança. Meras conjecturas de que o acusado teria se valido da quebra de “confiança que a vítima lhe devotava, para adentrar no quarto desta e, alí, após ver frustrada a sua tentativa forçada de reconciliação” ,ter matado a vítima, é mera conjectura que mata o direito penal do fato. Ora, como constam dos autos, a vítima havia pedido um tempo ao acusado. O namoro dos dois já durava cerca de dez anos, e o acusado tinha toda a liberdade de freqüentar a casa da vítima, inclusive de dormir com ela freqüentemente, sendo bastante natural que, por força desta forte relação amorosa, tivesse total liberdade de adentrar na casa da vítima, sem que precisasse utilizar qualquer subterfúgio para tanto. Ora, após um rompimento de um namoro tão longo é perfeitamente natural que uma das partes insatisfeita procure de todas as formas reconciliar-se com seu parceiro, como fez o acusado, valendo-se até de um bouquet de flores e cartões para tentar demovê-la da idéia do desenlace. Ora, Enxergar nesse ato a qualificadora da traição é admitir no direito penal a responsabilidade objetiva, inconcebível num Estado Democrático de Direito. O assunto que ambos discutiam no interior do quarto estava relacionado ao rompimento do namoro, conforme comprova o depoimento de Luciana de Almeida Santana, logo, os questionamentos, as explicações da vítima, os desentendimentos, luta corporal – Isabela mordia os dedos do acusado, o qual apertava o pescoço da vítima – revelam um comportamento do acusado incompatível com a qualificadora da traição. Como enxergar num clima de desinteligência, acirramento de ânimo, inconformismo do desenlace, que se desenvolveu por cerca de cinco horas, deslealdade ou quebra de confiança? Como enxergar neste ato a traição? Entendo que essa qualificadora – inc. IV do § 2º do art. 121 do CPB – é manifestamente improcedente e sem qualquer ressonância nas provas constante dos autos, razão pela qual determino o seu afastamento da presente imputação.

Como se sabe a pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade de acusação, não devendo o juiz valorar ou confrontar as provas coligidas nos autos, bem como de aprofundar no exame do “meritum causae”, sob pena de influenciar indevidamente no ânimo dos jurados, todavia, deve o juiz no âmbito do juízo de suspeita delimitar a acusação, aparando as arestas, no sentido de expurgar os eventuais excessos acusatórios e encaminhar o réu para o seu juiz natural a fim de que seja submetido a um julgamento justo.

Posto isso, admito parcialmente a acusação para PRONUNCIAR o réu LUCIANO MOREIRA MALAQUIAS, brasileiro, solteiro, músico, atualmente recolhido no Presídio Ariston Cardoso em Ilhéus, como incurso nas penas do art. 121, § 2º, III – asfixia – do Código Penal Brasileiro, a fim de submetê-lo a julgamento pelo Tribunal do Júri.

Entendo que ainda subsistem os motivos que determinaram à segregação cautelar do denunciado, razão pela qual, mantenho à sua prisão cautelar e determino que o recomende na Cadeia Pública, onde se encontra recolhido.

P.R.I, inclusive o réu, pessoalmente.

Itabuna-BA, 30 de agosto de 2005.


BEL. MARCOS ANTONIO S BANDEIRA

JUIZ DE DIREITO

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