domingo, 7 de março de 2010

O CICLO MARGINAL DA DROGA

CICLO MARGINAL DA DROGA



 


A ausência do Estado e a negação do direito de cidadania implicam o nascimento dos bolsões de miséria e da criminalidade. O traficante acaba assumindo, dissimuladamente, o papel do Estado, dando segurança, dinheiro, gás, alimento, e outros utensílios ao carente, fazendo-o ingressar no mundo das drogas e do crime. A maioria dos adolescentes que cumpre medida sócio-educativa, na Comarca de Itabuna, cerca de 70% já sofreram algum tipo de violência doméstica, seja sexual, maus-tratos, abandono, seja negligência nos deveres elementares do poder familiar.

O menor de 18 anos de idade, normalmente filho de pais com problemas, sobrevive num ambiente hostil, no âmbito de uma família desestruturada, sendo atraído, facilmente, pela droga, como forma de fuga inicial da vida difícil. O garoto começa, furtando os objetos de casa, depois parte para pequenos furtos na vizinhança, e passa a roubar e a matar para manter o vício da droga. Revela, gradualmente, um comportamento contrário aos padrões exigidos pela sociedade, rebelando-se contra a família e os diversos grupos sociais organizados, partindo firme em direção ao crime, alcoolismo e drogas. Inicia-se normalmente, com a cola de sapateiro, a qual é uma mistura de vários solventes que danifica o sistema respiratório, estômago, fígado, intestino, cérebro, afetando a própria capacidade física e causando dependência química. A cola de sapateiro causa irritação nos olhos, dificultando a visão, provocando dores de cabeça, perda da memória e do autocontrole. O jovem começa a conhecer melhor as ruas, é reconhecido pelos outros com um apelido, apreende uma linguagem própria e agora tem a sua própria identidade. Os seus valores e suas referências estão limitados ao mundo da criminalidade e das drogas. Deseja ser bandido quando crescer e dominar a boca de fumo. Agora já serve de avião e tem que saber vender a mercadoria, pó de 10, pó de 50, etc. O juiz mineiro, Tarcísio Martins sintetiza o mundo dessas pobres criaturas:

“... Em duplas ou em bandos ( dando rolé, como dizem) perambulam pelas ruas centrais ou pela orla das grandes e médias cidades. Agitam, cometem pequenos furtos, fogem em correria, negociam, pedem dinheiro, cigarros e comidas aos transeuntes e comerciantes, que os observam quase sempre com uma mescla de temor e repúdio. Cheiram thyner e cola de sapateiro, que trazem em saquinhos plásticos, e fumam crack e maconha. Analfabetos ou semi-analfabetos, excepcionalmente chegam até a 3ª ou 4ª série do primeiro grau. Como os laços de família forma rompidos ou estão bastante esgarçados pode-se dizer que mundo da comunidade e da escola para eles se diluiu. Em razão disso estruturam seu próprio habitat nos lotes vagos, construções em ruínas, viadutos, estações rodoviárias ou de metrô...convertem as esquinas, praças e graminhas em seus sítios íntimos de reunião. Quase sempre renegam o próprio nome. Em cada instituição por onde passam, especialmente, nos Juizados da Infância e da Juventude, forjam um nome diferente”.

O juiz Tarcísio Martins cita um estudo da Associação Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte, coordenado por Heloisa Helena Santos e Tânia Ferreira, para demonstrar que os adolescentes perdem a sua identidade inicial e passam a ser conhecidos por outro nome – apelido -, Narra o estudo da AMAS:

“No bando ganham o nome de coisa, quase sempre – manchinha, bonecão, toquinho – ou de proveniência – carioca paulista. Nenhum sinal, nenhuma marca de nome patronímico, o que não deixa de denunciar uma insuficiência paterna, que deixa o sujeito aberto ao excesso que a rua e o banditismo ofertam”.

A cola de sapateiro já ficou para trás, pois já não lhe satisfaz mais. Necessita agora de algo mais forte, como fumar maconha, droga que é extraída da planta canabis sativa lineu, cujo princípio ativo – tetrahidrocanabinol – é, rapidamente absorvido pela corrente sanguínea. Os efeitos aparecem em cinco minutos, podendo durar duas horas. A maconha aumenta o apetite, seguido de sensação de euforia, pensamentos confusos e dificuldade de distinguir a realidade das falsas impressões. O usuário não tem disposição de praticar qualquer atividade e perde a noção do tempo. A memória é seriamente afetada. O usuário tem sede constante e perde o desejo sexual.

O crack é produzido a partir da pasta base, adicionada a outros produtos químicos, como bicarbonato de sódio, amônia, etc, resultando em pedras de formatos irregulares, fumadas em cachimbos. A droga recebeu este nome, porque faz um pequeno estalo, quando queimada. O crack é seis vezes mais potente do que a cocaína e leva cerca de quinze segundos para chegar ao cérebro e fazer um efeito devastador. Dura apenas quinze minutos, o que obriga o usuário a aumentar o consumo, rapidamente. É uma droga de alto poder destrutivo, provoca irritação, depressão e paranóia, levando o usuário à morte.

O crack é, possivelmente, a droga mais consumida entre os adolescentes em conflito com a lei em Itabuna. Os relatórios técnicos de atendimento do adolescente que cumpre medida sócio-educativa em meio aberto – liberdade assistida e prestação de serviços em comunidade – no Centro Grapiúna Cidadão de Execução de Medidas Socioeducativas de Itabuna revela que a droga é a grande vala por onde passa a maioria dos adolescentes em conflito com a lei, cujo percurso é penoso e, muitas vezes, sem volta. É curial que se trabalhe a auto-estima desse jovem, fazendo-o enxergar novos horizontes e a grande possibilidade que a vida oferece, todavia, tem-se observado que muitos jovens, que estão cumprindo medidas, no início têm receio e até rejeitam o atendimento, mas quando começam a entender o projeto e a ser tratados como seres humanos, passando a ser tocados, respeitados, notados, amados, considerados, o seu semblante muda, o seu comportamento se transforma, principalmente, quando recebem a visita de educadores em sua residência e vê a participação de seus familiares no projeto de mudança de sua vida.

Ocorre, entretanto, que muitos têm vínculos fortes com traficantes e outros parceiros ligados ainda a drogas. Essa mudança começa a incomodar esses traficantes e usuários que passam a persegui-los, ameaçando com arma de fogo, invadindo domicílios e molestando parentes. Essa perseguição constitui, sem dúvidas, o grande obstáculo para a readaptação do adolescente em conflito com a lei na Comarca de Itabuna. Algumas histórias merecem registro: o adolescente J. quando nasceu e foi rejeitado por todos os seus familiares, e o pai, alcoólatra inveterado, o abusou sexualmente, quando contava apenas com doze anos de idade numa mata de cacau, espancando-o e dominando-o completamente, até conseguir quebrar uma das pernas do próprio filho. Depois desse fato, a mãe do jovem embora, ciente do que houvera acontecido com seu filho preferiu o silêncio, em face de ter sido ameaçada pelo algoz. A mãe intimidada foge e vai morar em outro lugar em companhia de J. e outro filho menor. Após cinco anos de separação, o pai de J resolve procurar a família, para tentar se reconciliar com os filhos e propõe que J. fosse passar uns tempos com ele, todavia, mais uma vez o genitor tenta abusar, sexualmente de J., agora com 17 anos de idade, o qual resiste e tenta atear fogo no pai com álcool, atingindo-o, parcialmente. O jovem, que já apresenta visíveis distúrbios emocionais, em decorrências dos traumas experimentados, sai para as ruas e se entrega completamente ao álcool, comete pequenos atos infracionais e toma conta de carros nas portas de restaurantes, onde, normalmente, trabalha até 5 da manhã.

Ele também é garoto de programa de homossexuais, o que não deixa de constituir um reflexo da violência sexual de que foi vítima, conforme pode explicar melhor os psicólogos. J. foi apreendido pela polícia por ter sido encontrado com objetos furtados – toca-fitas de um veículo – praticando ato similar ao disposto no Art. 180 do Código Penal.

Após regular Representação oferecida pelo Ministério Público, o Juiz da Vara da Infância e Juventude consultou o Ministério Público sobre a possibilidade de se conceder remissão clausulada ao adolescente, oportunidade em que foi proposta Remissão cumulada com liberdade assistida, que foi aceita pelo adolescente J. e seu defensor. O J., entretanto, não vem cumprindo, satisfatoriamente, ao atendimento, em face da vida que leva, perdendo noites, guardando carros e fazendo programas com homossexuais, o que, fatalmente, levará o juiz a fazer a conversão da medida para a semiliberdade, talvez a mais indicada para retirar o jovem das ruas e oferecer outros horizontes para a sua vida tão sofrida.

O adolescente W.S.S., apenas com 17 anos de idade, revelou que mataria todos aqueles que lhe fizeram mal na infância. O Jovem W., ainda jovem, vivenciou a separação dos pais e acabou ficando com a mãe. Era obrigado a vender pirulitos, geladinhos e salgados nas ruas e estádio de futebol. Várias vezes, apanhou de garotos mais fortes e voltou para a casa de mãos vazias, já que fora saqueado várias vezes. A sua agressividade se revelou, quando num período de seis meses, cometeu três homicídios, todos sem qualquer motivo aparente e sem qualquer discussão. Surgira de repente do nada e disparava contra as inditosas vítimas, as quais não tinham tempo nem de reagir. Foi apreendido e cumpriu um ano internado no CAM, todavia, quando retornou para Itabuna matou mais um jovem no bairro e ao tentar fugir morreu no meio do Rio Cachoeira ao ser atingido por um disparo de rifle efetuado por um policial militar. W. morreu aos dezessete anos em troca de tiros com a polícia. Essa foi a manchete dos jornais. C.R.S., com apenas 16 anos presenciou a morte de seu pai, conhecido traficante, em sua própria casa.

Após a morte de seu pai foi para as ruas e começou a usar maconha, passando depois para pedra de craque. O vício e a vida difícil o levaram a praticar assaltos a ônibus. Foi apreendido e encaminhado para cumprir medida de liberdade assistida. No seu primeiro contato, disse para a psicóloga que só pensava em drogas e que desejaria ser terrorista no futuro. Rejeitou o contato inicial com a psicóloga e os educadores, todavia, aos poucos foi conhecendo o projeto e percebeu que os técnicos lhe dispensavam uma atenção especial. Após dois meses de atendimento sócio-educativo, o jovem já estava com um semblante diferente, disse que só pensava na família e que gostaria de ser advogado no futuro para defender os pobres. W. já está inserido na oficina de garçom, estuda informática e fez progressos extraordinários, inclusive, participa, ativamente, de um processo de desintoxicação. O jovem, entretanto, vem sendo ameaçado por traficantes do bairro, os quais já invadiram a sua residência e disseram para sua genitora que iria ainda trazer a cabeça do jovem numa bandeja.

Esse ciclo marginal da droga constitui, sem dúvida, o grande obstáculo para a efetiva ressocialização do adolescente em conflito com a lei. O traficante acaba ocupando, principalmente, nos bairros periféricos o espaço, o papel que era do Estado, cooptando assim jovens para o mundo do tráfico. É necessário e urgente que o Estado ocupe o seu espaço e crie políticas públicas, para evitar que esse jovem caia nas mãos dos traficantes. É preciso, também, combater o tráfico de drogas com inteligência e mediante instrumentos e estratégias eficazes. Finalmente, é preciso investir na prevenção mediante a implementação de políticas públicas, que sejam capazes de encaminhar nossas crianças e adolescente para o caminho da verdadeira cidadania.



3 comentários:

  1. Gostei de suas considerações.
    Um abraço
    J. Outeiral
    joseoutiral@hotmail.com

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  2. Bom dia !
    axei muito interessante seu texto a respeito do ciclo marginal das drogas , gostaria de saber o senhor teria algun livro que fale sobre esse tema para indicar para me auxiliar na construçao do meu tcc ,

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  3. Dr. marcos tenho vasta experiência neste assunto,um dos grandes problema da resocialização e o fato de o jovem permanecer na sua propia communidade, e notório este e outros problemas e preciso que o jovem em reabilitação após a fase de desintoxicação seja preparado através de cursos profissionalizantes após seja encaminhado a outra cidade se possivel bem distante de onde o mesmo vivenciou seus conflitos, tenho obtido bons resultados na minha missão, preciso do seu apóio e de outros magistrados para a construção de uma oficina escola para jovens e adolescentes em situação de risco, gostaria de lhe falar pessolamente.

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