sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sentenças - Adoção

Adoção

publicada em 09-11-2007

Ementa:

ADOÇÃO-IDADE AVANÇADA DO ADOTANTE-DISCRIMEN ARBITRÁRIO-VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA, IGUALDADE E DA PROTEÇÃO INTEGRAL-PREVALÊNCIA DO INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA-ADOÇÃO CONCEDIDA.


Proc. Nº 369693 - ADOÇÃO

Requerente: P.O.L.

Adotando: L.J


P.O.L., devidamente qualificado nos autos, requereu por intermédio de advogada regularmente constituída (fls. 04), com fulcro nos dispositivos pertinentes da Lei nº 8.069/90, a ADOÇÃO da criança L.J., filho de pais ignorados, assentando a sua pretensão nos seguintes fundamentos fáticos e jurídicos:

I -o requerente já detém a guarda de fato desde que a criança possuía quatro meses de idade, encontrando-se previamente habilitado no Serviço Técnico da Vara da Infância e Juventude desta Comarca;

II - a criança nasceu no dia 09 de janeiro de 2002, sendo filho de pais ignorados, considerando que fora encontrada abandonada em plena via pública, quando então os policiais a socorreram e levaram-na para o Hospital Carlos Passos, sendo posteriormente encaminhada para o SOS Canto da Criança;

III - o requerente participou do Programa “Leve uma Criança para Casa” e se afeiçoou com o adotando, criando um verdadeiro vínculo de afetividade, difícil de ser rompido, encontrando-se integrado ao lar substituto;

IV - o requerente é pessoa bastante conhecida no exercício da medicina e detentor de comprovada idoneidade moral, reunindo todas as condições para oferecer ao adotando um ambiente familiar propício para ao seu bom desenvolvimento físico, espiritual e moral;

Requer, por conseguinte, a dispensa do estágio de convivência, em face do mesmo já se encontrar adaptado à família, nos termos do § 1º do art. 46 da Lei nº 8.069/90, bem como a procedência do pedido com a concessão da adoção pleiteada com todos os seus consectários legais, notadamente que seja cancelado o assento original da criança e lavrado outro, no qual constem o nome do requerente e seus ascendentes, respectivamente, como pais e avós da criança, a qual passará a chamar-se M.O.L.

Atribuiu-se à causa o valor de R$ 200,00 (duzentos reais) e fez acostar aos autos os documentos de fls.04 a 13.

O pedido foi regularmente processado e este Juízo dispensou o estágio de convivência, em face de ser a criança menor de um ano de idade, nos termos do § 1º do art. 46 do ECA, e concedeu a Guarda Provisória do infante ao requerente.

O processo seguiu o procedimento estabelecido para os feitos de jurisdição voluntária, em face da inexistência de conflito de interesses, sendo determinado por este Juízo a realização do Estudo Social do Caso a ser viabilizado por carta precatória na Comarca de Itapevi - SP.

Este Juízo realizou audiência, na qual procedeu-se à inquirição do requerente e das testemunhas T.M.V. e C.A.P. O relatório do Estudo Social do Caso realizado na Comarca de Itapevi foi juntado aos autos (fls.). Também foi inquirida por carta precatória a Sra. V.A.M. (fls.05). O Ministério Público opinou inicialmente pela improcedência do pedido. Este Juízo, considerando a mudança de endereço do requerente para a cidade de Fortaleza, determinou a realização de novo estudo social do caso na referida Comarca, cujo relatório foi acostado aos autos. Finalmente, o ilustre parquet manteve a sua posição inicial já conhecida e opinou contrariamente à pretensão do requerente. Vieram-me os autos conclusos.


É O RELATÓRIO

DA FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO

O pedido foi processado nos moldes estabelecidos para os feitos de jurisdição voluntária, em face da inexistência de conflitos de interesses, nos termos estabelecidos pelo § 1º do art. 45 da Lei nº 8.069/90. Verifica-se a prima facie à observância dos requisitos formais pertinentes, mormente, no que toca ao cadastramento prévio do requerente do Serviço Técnico do Juizado como candidato à adoção e a diferença mínima de idade entre o adotante e adotando que é superior a 16 anos, como exige o § 3º do art. 42 do ECA.

Impõe-se inicialmente contextualizar o presente momento histórico e desvendar o novo papel do juiz no âmbito de um Estado Democrático de Direito. Chaim Perelaman[1] assevera que “enquanto o século XIX se caracteriza pelo predomínio do formalismo jurídico e de uma concepção legalista do Direito, o século seguinte é a época do realismo e do pluralismo jurídicos, em que os princípios gerais do Direito têm uma importância cada vez maior, graças à influência de considerações de índole sociológica e metodológica”. Destarte, o juiz não mais deve julgar por silogismo, escudando-se no mito da neutralidade e dos conceitos abstratos, para depois entregar a prestação jurisdicional completamente divorciada da realidade dos fatos e sem qualquer preocupação com o valor justiça. O atual momento histórico exige do juiz uma nova postura que o credencie a utilizar a sensibilidade para penetrar no mundo dos fatos e buscar a solução mais justa para aquele caso concreto, transformando-se assim a função jurisdicional numa atividade criadora e que seja capaz de concretizar os valores positivados na Constituição Federal de 1988. O jurista Dalmo Dalari no seu artigo intitulado “A hora do Judiciário”, delineia o perfil desse novo juiz:

“Essa adaptação começa pela formação dos futuros juízes, que não poderão ser” devotos do Código “, legalistas formais ou “escravos da lei”, mas deverão preparar-se adequadamente para conhecer e avaliar com sensibilidade os fenômenos sociais que informam a criação do Direito e estão presentes no momento de sua aplicação, sem esquecer que a prioridade deve ser dada à pessoa humana, sem privilégio e discriminações”.

Na mesma linha de pensamento, o notável Desembargador paulista Renato Nalini[2] complementa:

“O paradigma pós-moderno é também pós-positivista. As fórmulas abstratas da lei já não trazem todas as respostas. O pós-positivismo caracteriza-se por normatizar os princípios. A lei não constitui resposta adequada para solucionar todas as questões.

[...] o desafio da Escola da Magistratura é transformar o produto dogmático positivista da educação jurídica, à luz da velha feição das Faculdades de Direito, em um profissional atualizado, pronto a enfrentar os desafios contemporâneos. Um solucionador de conflitos, polivalente e intérprete da vontade da Constituição ““.

Nessa perspectiva, deve-se de logo afirmar que o juiz na interpretação da norma não deve ficar limitado ao campo restrito das regras, pois o Direito não se limita ao campo normativo infraconstitucional, e o juiz não mais deve ser o defensor intransigente e cego da lei, mas um sujeito crítico que analise o conteúdo axiológico dela. Na verdade, o direito é uma ciência de valores e o intérprete, toda vez que a interpretação tradicional não for suficiente, deve ponderar os princípios constitucionais para aplicá-los em determinado caso concreto na busca angustiante pelo valor “justiça” focado na dignidade da pessoa humana. O constitucionalista Luis Roberto Barroso[3] pontifica:

“Dois fenômenos claramente perceptíveis e contemporâneos marcaram o desenvolvimento do Direito em Geral e do direito constitucional em particular ao longo das últimas décadas.

O primeiro dele, designado como pós-positivismo ou principialismo, identifica a reaproximação entre o Direito e a Ética, o resgate dos valores para o Direito, a superação da idéia de legalidade estrita e escrita, a normatividade dos princípios e a centralidade dos direitos fundamentais.

O segundo foi à ascensão científica e institucional do direito constitucional, com sua passagem para o centro do sistema jurídico...Vivemos, portanto, uma era de centralidade da Constituição e, dentro dela, de primazia dos direitos fundamentais ““.

Com efeito, se o juiz não fica atrelado às regras a fortiori não deve ficar condicionado a relatórios ou pareceres técnicos, principalmente, quando se percebe que tais pareceres ferem princípios fundamentais positivados na CF. Impõe-se enfatizar que na seara da Infância e Juventude o estudo social do caso é importantíssimo para a decisão do juiz, mesmo porque, como cediço, a resposta meramente jurídica é insuficiente na maioria dos casos, exigindo assim o concurso da transdisciplinaridade para que se possa aplicar a medida mais adequada, considerando o ser humano na sua integralidade. Ocorre, todavia, que toda vez que houver no conteúdo desses pareceres um “discrimen” arbitrário e que venha ferir direitos fundamentais, o intérprete deve repudiá-lo, no sentido de se preservar princípios constitucionais, pois, como já se afirmou, o juiz, a teor do que dispõe o art. 436 do CPC, aplicável subsidiariamente à espécie, não fica limitado a laudos ou pareceres, podendo formar sua convicção com outros elementos constantes dos autos. Reza o art. 436 do CPC o seguinte, “in verbis”:

Art. 436 – O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.

Pensar de forma diferente seria atribuir a peritos, pedagogos, psicólogos e assistentes sociais o poder de julgar, inerente aos membros do Poder Judiciário no âmbito de um Estado Democrático de Direito.

Na hipótese vertente, o requerente, médico com 74 anos de idade, em plena atividade profissional, pretende adotar a criança L. Para tanto se inscreveu no Programa “Leve uma Criança para Casa” patrocinado pela Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna e levou a referida criança com apenas quatro meses de idade para morar consigo, primeiro em Itapevi-SP e depois em Fortaleza-CE, onde reside atualmente. A criança L. é filho de pais desconhecidos e foi abandonada em plena via pública, sendo posteriormente encaminhado para o abrigo SOS Canto da Criança. Este Juízo determinou a realização de dois Estudos Sociais do Caso, considerando que o requerente estava morando inicialmente em Itapevi, e depois se mudou para Fortaleza. Vejamos alguns trechos das considerações dos referidos relatórios elaborados por assistentes sociais das referidas Comarcas:


1º RELATÓRIO DO ESTUDO SOCIAL ELABORADO PELA ASSISTENTE SOCIAL MARIA ISABEL G. DOS SANTOS:

“O requerente manifesta interesse em adotar o infante em tela e demonstrar ter condições sócio-econômicas condizentes com o pleito. Entretanto, considerando o estado civil e a idade avançada do Sr H. (74 anos), acreditamos que uma adoção, neste momento, não seria benéfica para o infante em pauta....As pessoas mais velhas(idosas), geralmente, têm mais experiência, mais condições econômicas e muita boa vontade, mas nem sempre tem condições físicas e emocionais para acompanhar o desenvolvimento de uma criança cheia de vida e com muita energia..,”


2º RELATÓRIO DO ESTUDO SOCIAL DO CASO ELABORADO PELA ASSISTENTE SOCIAL SUELY ALVES DAS CHAGAS – COMARCA DO RIO DE JANEIRO-RJ.

“o requerente vem prestando assistência material e emocional a criança em epígrafe, demonstrando convicção para inserção desta em caráter definitivo na estrutura familiar.

[....] O requerente é pessoa idosa, apresentando limitações peculiares da idade, que resulta em refletir numa comunicação mais distanciada com a criança.

[...] O infante apresenta vigor físico e curiosidade que o torna peculiar, com demandas intensas pelas necessidades e interesses que tem de ser resolvidos de modo dinâmico no cotidiano.

A dinâmica familiar estabelecida revela que a filha do requerente exerce o lugar de mãe na nucleação e que o autor da ação tem o lugar de avô... Assim sendo, somos desfavoráveis ao pleito.”“.

Como se depreende, o descrimem é arbitrário e preconceituoso, pois fundado na idade do requerente, ou seja, o Dr. P., embora ainda esteja em plena atividade profissional como médico militante, é incapaz de adotar porque é velho, idoso. O conteúdo axiológico dos dois relatórios do Estudo Social do Caso está a revelar que se um cidadão de 74 anos de idade puder ainda gerar um filho não deverá ficar com a sua guarda porque é velho e não terá, em face das “limitações peculiares da idade”, como acompanhar o desenvolvimento de seu filho. Nada mais odioso e cruel do que essa conclusão. Como justificar razoavelmente essa discriminação? Como o Dr. P. vai receber a resposta do Poder Judiciário que lhe nega o direito de adotar uma criança pelo simples fato de ser velho? Com bastante tristeza e indignação certamente.

Na verdade essa descrimen fere de morte os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Na verdade, o ECA, ao contrário de outras legislações alienígenas, não estabeleceu idade máxima para o adotante, de sorte que não cabe ao intérprete restringir, criando obstáculos invisíveis para o requerente usufruir de um direito que é assegurado a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país. A CF de 1988 reza o seguinte, “in verbis”:

Art. 1º - A república Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

...

III – a dignidade humana

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

...

IV - promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Como se observa, o princípio da dignidade humana é o princípio reitor e que serve de farol na interpretação constitucional. Indagar-se-á: o que se entende por dignidade humana? O jurista José Afonso da Silva[4], invocando o pensamento de Kant, assim se manifesta:

“A filosofia kantiana mostra que o homem, como ser racional, existe como fim em si mesmo, e não simplesmente como meio, enquanto os seres desprovidos de razão têm um valor relativo e condicionados, o de meios, eis que se lhes chamam coisas; ao contrário, os seres racionais são chamados de pessoas, porque sua natureza já os designa como fim em si, ou seja, como algo que não pode ser empregado simplesmente como meio e que, por conseguinte, limita na mesma proporção o nosso arbítrio, por ser um objeto de respeito”.

Logo, como se denota, o princípio da dignidade humana é um valor supremo e orientador de toda a interpretação que se faz dos princípios constitucionais inseridos em nosso ordenamento jurídico, sendo concebido como fundamento do Estado Democrático de Direito e atributo intrínseco da pessoa humana, que merece respeito e ser tratada como ser singular, pois até mesmo as pessoas que se comportam de forma indigna não decai de sua dignidade. Como sustentar os direitos das minorias ou de diferentes grupos, como gay, consumidores, crianças e adolescentes, idosos, numa sociedade que se declara pluralista? O Dr. P. não está com os dias contados, não se encontra enfermo e nem esclerosado. A criança no seio de uma família deve ser sempre motivo de alegria e prova inequívoca da renovação da espécie humana neste mundo efêmero. È bem provável que essa criança, em face dos vínculos afetivos já estabelecidos, seja motivo do prolongamento da longevidade do requerente, pois a vida não deve ser contada cronologicamente, mas vivenciada qualitativamente a cada dia, como se não houvesse amanhã, como disse o poeta, e o pequeno L., além de receber todo o carinho e amor do requerente e seus familiares, também já deve estar proporcionando momentos felizes ao requerente, numa interação benfazeja para ambos.

Na mesma situação pode-se afirmar categoricamente que foi violado o principio da igualdade insculpido no art. 5º da CF, na medida em que se está negando ao requerente o direito de adotar uma criança pelo fato de ser velho, considerando que não se pode discriminar ninguém no caso em comento com fundamento na idade. O Ministro Celso de Mello do STF discorrendo sobre o princípio da igualdade assim se manifestou:

“O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem política-jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja inobservância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejam tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade”( MI 58 . Rel. Celso de Mello, DJ 19.04.91).

É cediço que o critério discriminatório pode ser justificado racionalmente em algumas situações, no que toca a idade avançada, como vg, o exercício de atividade que exige força física ou pilotar aviões, etc, todavia, o discrimen utilizado no caso sub judice é arbitrário, porquanto, por meras conjecturas, projetou que as limitações da idade do requerente impossibilitarão o mesmo de acompanhar o desenvolvimento do pequeno L.. Ora, o requerente pode não ter a vitalidade de um homem de 30 anos, mas pode perfeitamente acompanhar o desenvolvimento de seu filho, valendo-se das comodidades da vida moderna, inclusive, valendo-se do auxílio de babás e da própria filha M., que convive no mesmo ambiente familiar. Ademais, como pode acontecer com os casais jovens que praticamente vivem a maior parte do tempo no trabalho e só à noite retornam para seus lares para encontrar seus filhos assistidos por babás e demais membros da família, não tendo muitas vezes tempo para brincar e se fazer presente na vida de seus filhos como deveria ser. Nem por isso justificaria retirar a criança de seu convívio familiar natural, o que seria, sem dúvidas, odioso e discriminatório (arbitrário). Se as pessoas são diferentes e únicas é necessário que se eliminem critérios discriminatórios injustificáveis como forma de assegurar tratamento jurídico igualitário, e assim erigir uma verdadeira igualdade não apenas formal perante a lei, mas, sobretudo, substancial, material, como corolário principal do princípio da dignidade humana, fundamento do Estado Democrático de Direito.

Verifica-se também que o princípio da proteção integral inserido no art. 227 da CF e art. 1º do ECA, o qual “ assegura com absoluta prioridade o direito de crianças e adolescentes à convivência familiar” está sendo violado também, na medida em que se está negando ao pequeno L. o direito de ser criado no seio de uma família estruturada e que desde os quatro meses de idade o acolheu e vem lhe dispensando toda a assistência material e afetos, indispensáveis para o seu pleno desenvolvimento físico, intelectual, moral e espiritual. O pequeno L. fora abandonado em plena via pública, sendo socorrido por policias e depois encaminhado para o SOS Canto da Criança. Ora, a criança abandonada, filho de pais desconhecidos, institucionalizada, sem horizontes, de repente é inserida no seio de uma família estruturada e equilibrada, que reúne todas as condições para oferecer uma vida digna. Como afirmar que essa medida é desvantajosa para a criança? Se ela, além de proporcionar a dádiva de ter sido a adotanda escolhida e amada pelo requerente, cria a expectativa de torná-la herdeira de um patrimônio considerável? Como negar esse direito se as excelentes condições econômicas do requerente (além de médico recebe uma pensão de mais de R$ 15.000,00(quinze mil reais) proporcionará os meios para que o pequeno L. estude em escolas particulares e tenha uma vida digna, com proteção para o resto da vida)?

Como se observa, pelos depoimentos do requerente e de sua filha M., bem como por alguns trechos dos relatórios do Estudo Social do Caso, é incontroversos que só vínculo de afetividade já estão estabelecidos e a criança já se encontra adaptada ao ambiente familiar do requerente, o qual exteriorizou a sua inescondível vontade de adotar a criança, inclusive, as fotografias de fls.29/30 demonstram o desenvolvimento físico de L. e a total integração dele ao lar substituto. A assistente social M.A.C. que subscreveu o último relatório do Estudo Social do Caso em Itapevi chega a afirmar o seguinte às fl.s 60/61:

“O requerente vem prestando assistência material e emocional à criança em epígrafe, demonstrando convicção para inserção desta em caráter definitivo na estrutura familiar”.

“O adotando e apresenta bem cuidado, denotando desenvolvimento normal. Parece desfrutar de um processo estimulador nas primeiras experiências de socialização no contexto familiar ampliado”.

Declaração do requerente – fls. 38:

“que o declarante afirma que exerce regularmente a medicina na cidade de Itapevi e atualmente estar se transferindo para Fortaleza e pretende aposentar definitivamente e dedicar a criança; que afirma que criou outro garoto e hoje está com vinte e dois e lhe chama de pai; que reúne todas as condições para cuidar da criança, afirmando ainda que tem ajuda de uma filha que é médica e que muito empenhada na criação da criança”.

Depoimento da Sra. V.A.M. – fls. 39:

“que seu pai foi para a Bahia, Ibicarai, demonstrou interesse em adotar L.; que seu pai ficou 20 dias em Ibicarai.. que L. está muito bem, saudável... que seu pai fica em Itapevi e Fortaleza...”

Desta forma, datíssima vênia do pensamento esposado pelo culto e zeloso Promotor de Justiça titular da Vara da Infância e Juventude desta Comarca, que se apoiou fundamentalmente nos Relatórios do Estudo Social do Caso, entendo que o pedido se funda em motivos absolutamente legítimos e apresenta reais vantagens ao adotando, considerando, principalmente, a inconveniência de se romper os vínculos afetivos já estabelecidos entre adotante e adotando. Com efeito, não me convenço que a melhor medida é devolver a criança à instituição para esperar um adotante ideal, pois, na verdade medida mais adequada, sem dúvida, é mantê-lo no seio da família substituta e assegurá-lo o sagrado direito constitucional de desfrutar dessa salutar convivência familiar.

Posto isso, julgo procedente o pedido para conceder a adoção pleiteada, nos termos dos arts. 40, 42, 43 e § 1º do art. 45 do ECA c/c os princípios constitucionais da dignidade humana, igualdade e da proteção integral da criança e do adolescente, atribuindo ao requerente P.O.L. a qualificação de pai da criança Luiz, o qual passará a chamar-se M.O.L. com todos os seus consectários legais.

Expeça-se mandado dirigido ao Cartório de Registro Civil competente, no sentido de que cancele o assento original e lavre outro, no qual constem os nomes do requerente e seus ascendentes, respectivamente, como pais e avós do adotando, observando-se as demais recomendações do art. 47 do ECA, após o trânsito em julgado.

Sem custas, nos termos do § 2º do art. 141 do ECA.

Transitado em julgado, proceda-se às anotações devidas e arquivem-se os autos.

P.R.I.

Itabuna-BA, 20 de Abril de 2004.

BEL. MARCOS ANTONIO S BANDEIRA

JUIZ DE DIREITO
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[1]Apud de PRADO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a emoção. Campinas: Millenium, 2005 p.12

[2]NALLINI, José Renato. A formação do Juiz após a Emenda à Constituição nº 45. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano I, abril 2006 p.19.

[3]BARROSO , Luis Roberto. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006 p.520

[4]SILVA, José Afonso. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, p. 212.



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