segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O SUCESSO DA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS EM ITABUNA

O SUCESSO DA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS EM ITABUNA

Por Marcos Antônio Santos Bandeira

publicado em 13-07-2008

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O SUCESSO DA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS EM ITABUNA

Marcos Bandeira*

Quando a Fundação Reconto passou a funcionar na Comarca de Itabuna em 2005, pode-se afirmar que o ECA passou a ser efetivado e implementado, principalmente, no que toca à execução de medidas sócio-educativas em meio aberto. A transição da doutrina da situação irregular para a doutrina da proteção integral ainda encontra muitas resistências, inclusive junto aos próprios operadores do direito, que, em boa parte, desconhecem a evolução do direito infanto-juvenil, a luta árdua pela conquista dos direitos humanos desta parcela vulnerável da população inscrita nas convenções internacionais e o grande percurso que caminhamos para inserir a doutrina de proteção integral no art. 227 da CF e no Estatuto da Criança e do Adolescente, este ilustre desconhecido, que acaba de adquirir a sua maioridade.

A medida de internamento, que deve ser aplicada em caráter excepcional, sempre foi a regra para muitos juízes da Vara da Infância e Juventude, em face da ausência de estrutura adequada para a execução das medidas em meio aberto ou da medida de semiliberdade. Muitas vezes aquela infração praticada pelo adolescente, caso fosse praticada por um imputável – maior de 18 anos – jamais o levaria para o cárcere, em face de se tratar de crime de menor ou médio potencial ofensivo. Todavia o adolescente invariavelmente era privado de sua liberdade por até três anos e acabava cumprindo a medida de internamento em Salvador, com a quebra dos vínculos familiares e comunitários. Em 2004 o Sul da Bahia, principalmente, as Comarcas de Itabuna e Ilhéus, encaminharam aproximadamente 76 adolescentes para cumprirem medida de internação no CAM em Salvador, no entanto, já em 2005, esse número foi reduzido para 36. Em 2006 só houve duas internações. No ano de 2007 esse número voltou a crescer, entretanto, deve-se ao vertiginoso aumento da violência urbana nas cidades com mais de 200 mil habitantes.

Impõe-se ressaltar que jamais defenderemos a irresponsabilidade ou impunidade do adolescente em conflito com a lei, contrario sensu, não abriremos mão de sua responsabilização quando da prática de algum ato infracional, pautada, sobretudo, numa intervenção pedagógica e com carga retributiva, que o faça refletir sobre o ato que cometeu, reconhecendo o erro e a reprovabilidade da conduta, desenvolvendo e experimentando assim a aflição decorrente da restrição de seus direitos ou da privação de sua liberdade, total ou de forma semi-plena. Destarte, torna-se imperioso que a equipe interdisciplinar introjete valores que sejam capazes de transformar a vida do adolescente, amoldando o seu comportamento aos padrões normais exigidos pela sociedade. Repudiamos a política exclusivamente repressiva fundada no temor, crueldade e desumanização das sanções, sem a existência de um projeto pedagógico de ressocialização. Na verdade, manter o adolescente “preso” sem qualquer intervenção educativa ou laboral, pode até satisfazer aqueles que querem se livrar de qualquer maneira de sua nefasta presença, entretanto, estará apenas retroalimentando o seu potencial criminógeno e contribuindo para aumentar a violência em nossas cidades, pois, com certeza, sairá do cárcere embrutecido e mais familiarizado com a criminalidade.

Na Comarca de Itabuna foi implantada a metodologia da justiça consensualizada e restaurativa, pela qual é possível realizar num só dia mais de cinqüenta audiências envolvendo adolescentes em conflito com a lei, obtendo-se em alguns casos que ocasionaram danos, a reparação material e moral dos mesmos. Na primeira audiência de apresentação do adolescente, o juiz, a promotora, a equipe interdisciplinar, o adolescente, seus pais e responsável e a defesa técnica, buscam a medida mais adequada para aquele caso concreto, tudo pautado no consenso e no senso de responsabilidade de todos os atores envolvidos na problemática. Já na primeira audiência, sem qualquer instrução processual, é aplicada a remissão clausulada com uma medida de liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade – transação sócio-educativa - como forma de suspensão do processo. O adolescente é encaminhado à Fundação Reconto, onde uma equipe interdisciplinar composta por uma coordenadora pedagógica, psicólogo, assistente social, pedagogos e técnicos, acolhe o adolescente e realiza o estudo de caso elaborando o PIA – Plano Individual de Atendimento - no qual é conhecida a história do adolescente, diagnosticados os seus problemas e estabelecidas as sua metas. O adolescente é inserido em oficinas de informática, espiritualidade, dança, música, letramento, garçon, dentre outras, em conformidade com suas aptidões pessoais. Além de ser acompanhado pela equipe interdisciplinar, ele é monitorado pelo Juiz e pela Promotora da Vara da Infância e Juventude, que realizam periodicamente audiências para leitura de relatório, nas quais avaliam o desempenho do adolescente no cumprimento da medida sócio-educativa aplicada, podendo ocorrer substituição, desligamento antecipado da medida ou até regressão. O adolescente passa por diversas fases no projeto, desde o acolhimento, aprendendo a conviver, projeto de vida e até a inserção no mercado de trabalho, quando, então, estará apto para exercer alguma atividade laborativa e se desligar da medida que lhe foi aplicada.

Na Fundação Reconto em Itabuna já passaram desde a sua fundação mais de 250 adolescentes cumprindo as medidas sócio-educativas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade. A maioria dos adolescentes que estavam envolvidos com a criminalidade e drogas está integrada à sociedade, exercendo atividades lícitas em vários setores, como instrutores de informática, garçons, motoristas de táxi, carpinteiros, operários de marmoraria, entregadores de pizzas, e, inclusive, no ano passado um desses jovens foi aprovado no vestibular da UESC. Muitos voltaram a estudar e não retornaram ao mundo do crime. O índice de evasão e reincidência é insignificante, não chegando a 5 %. Com efeito, a nessa perspectiva, acreditando no caráter preventivo e pedagógico das medidas sócio-educativas em meio aberto, é que poderemos servir de instrumento para transformar a vida dessas pessoas, na sua maioria esmagadora, oriundas da massa dos excluídos e miseráveis e que estão na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Está comprovado que a repressão por repressão não resolve o problema do adolescente em conflito com a lei e que o encarceramento desnecessário só servirá para dessocializar, quebrar os vínculos familiares e potencializar os fatores criminógenos latentes no jovem ainda em formação. A participação da família é fundamental neste processo, tanto acompanhando o adolescente na instituição como recebendo os técnicos nas visitas domiciliares. A internação deve ser a ultima ratio, só devendo ser aplicada nos casos extremamente graves, naqueles atos infracionas praticados com violência e grave ameaça, e desde que o adolescente, pelo seu comportamento, não possua ainda o perfil para cumprir uma medida mais branda. O testemunho do jovem e ex-educando da Fundação Reconto J.M.S é lapidar e retrata todo esse trabalho de readaptação do adolescente em conflito com a lei:

“Antes, no meu bairro, as pessoas me conheciam pelo que eu fazia. Eu roubava, usava maconha e só queria saber de ganhar dinheiro fácil e não respeitar as pessoas. Hoje, graças a DEUS e ao trabalho da Fundação Reconto, sou uma pessoa transformada. A minha família se orgulha de mim, eu sou a base de minha família... e estou aí para a vida... quero ser um cidadão honesto igual ao meu pai.”

Quando o adolescente é tocado em sua centelha divina e percebe a grande possibilidade que é a vida, e que ele pode ser o que sonhou, os seus olhos brilham, os seus hábitos e atitudes mudam e sua vida se transforma.

Na Comarca de Itabuna pode-se afirmar que o SINASE já é aplicado há algum tempo com sucesso. A interdisciplinaridade é uma realidade. Já disse alguém que se nós cuidarmos bem de nossas crianças e adolescentes hoje, não precisaremos chorar amanhã. Desta forma, e somente acreditando e concretizando uma proposta embasada na educação e na responsabilização séria do adolescente em conflito com a lei, respeitando a sua dignidade como uma pessoa na peculiar condição de desenvolvimento, é que poderemos, como atores, evitar que este jovem se torne um marginal e se transforme num verdadeiro cidadão.


* Marcos Bandeira é Juiz titular da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna e Professor da disciplina Direitos da Criança e do Adolescente da UESC.

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