sábado, 14 de novembro de 2009

JUSTIÇA RESTAURATIVA: Uma alternativa à efetividade da Justiça.

JUSTIÇA RESTAURATIVA: uma alternativa à efetividade da justiça




Com o advento da redemocratização do país, a partir da Constituição Federal de 1988, denominada de “Constituição cidadã”, aumentou consideravelmente a pletora de demandas no Poder Judiciário, provocada, principalmente, pela facilitação do acesso à justiça, sem que houvesse em contrapartida o aparelhamento da estrutura do poder judiciário e a capacitação dos magistrados em gestores públicos.

Os magistrados são submetidos a dificílimo concurso de provas e títulos, nos quais, invariavelmente, não conseguem aprovação mais do que 2% dos inscritos. Todavia, são arremessados em cartórios e serventias sem receber qualquer noção, ainda que elementar da gestão da coisa pública. O resultado disso tudo refletirá na qualidade e no tempo da prestação jurisdicional.

Hoje, o Poder Judiciário é o endereço por excelência dos pleitos litigiosos, envolvendo direito de família, direito do consumidor, pequenas causas, juizados especiais criminais, ambientais, direito da infância e juventude, dentre outros temas, valendo dizer que ele é provocado para resolver, do simples conflitos - entre vizinhos, passando pela conta de energia e telefone, conflitos de natureza escolar - até os mais complexos casos, como crimes hediondos e aqueles praticados por poderosas organizações criminosas.

A Justiça Estadual, segundo dados do CNJ, a despeito do menor crescimento no número de seus integrantes, apresentou o maior volume de casos novos, de casos novos por magistrado e de carga de trabalho, tanto em cada um dos anos como na variação entre 2004 e 2008. Com efeito, no período os casos novos cresceram 27,5% na Justiça Estadual contra 22,5% na Justiça do Trabalho e a diminuição de 1% na Justiça Federal. Os casos novos na Justiça Estadual em 2008 apontaram o expressivo número de 12.250.758. Destarte, com esse índice crescente de litigiosidade, aliado a falta de aparelhamento adequado do Poder Judiciário, ainda é grande o índice de congestionamento, provocado, principalmente, pela falta de investimento em tecnologia e recursos humanos – servidores e magistrados – ao longo dos anos , contribuindo assim, sem dúvida, para a delonga na entrega da prestação jurisdicional.

Nesse contexto, surge uma alternativa simples, criativa, barata e efetiva, que é a justiça restaurativa, consistente num procedimento informal e consensual, pelo qual as partes envolvidas – vítima e autor do fato –, bem como outros membros da comunidade afetada pelo conflito, tais como líderes comunitários e educadores, participam em círculos, de forma ativa e coletiva, da resolução de conflitos, buscando, sobretudo, restaurar os traumas emocionais e as perdas provocadas pelo fato delituoso. Essa nova visão impõe uma nova postura dos operadores do direito e dos demais atores envolvidos, que participarão como mediadores e facilitadores na resolução do conflito. A comunidade se apresenta como co-responsável pelo conflito, na medida em que se sente responsável e ao mesmo tempo afetada pela ação de um dos seus membros. Logo, se a comunidade está enferma, os seus líderes, educadores e demais membros devem utilizar dos meios civilizados disponíveis para remover esta enfermidade, mediando o conflito, no sentido de restabelecer a paz na comunidade. A resolução do conflito é construída horizontalmente, inclusive com a participação do autor do fato e da vítima, e não de forma verticalizada, por um sujeito desinteressado e equidistamente às partes, como acontece na Justiça tradicional.

Este procedimento começou na Nova Zelândia, baseada nas tradições das tribos maioris, estendendo-se pelo Canadá, cujo modelo também se inspirou nas culturas indígenas. A ONU, em 2002, baixou Resolução, recomendando aos países membros que introduzissem em suas legislações as práticas de justiça restaurativa. Destarte, a Colômbia e a Nova Zelândia já introduziram em seus respectivos ordenamentos jurídicos a justiça restaurativa, como procedimento alternativo à solução dos conflitos. No Brasil, a justiça restaurativa já vem sendo implementada com muito sucesso em Porto Alegre, Heliópolis e São Caetano do Sul, principalmente, para resolver conflitos provocados no ambiente escolar.

No estágio atual, principalmente, em face do alarmante e crescente quadro da violência escolar, a justiça restaurativa apresenta-se como uma extraordinária ferramenta e alternativa para solucionar boa parte desses conflitos. Convivemos num Estado Democrático de Direito, onde o pluralismo político, as diferenças, o direito das minorias e outras questões devem ser enfrentados com realismo, senso crítico e apurado senso de justiça. A Justiça não é um valor exclusivo de juízes, advogados e promotores, mas é intrínseco a cada ser humano. Logo, qualquer ser humano pode participar dos círculos restaurativos para resolver os seus problemas.

Evidentemente, a justiça restaurativa não se aplicará a toda questão, mas certamente resolverá parte considerável dos conflitos que se verificam no ambiente escolar, como conflitos entre alunos, entre esses e professores ou diretores. Enfim, dentro de um sistema civilizatório, onde o diálogo e o consenso das partes e demais mediadores, construirão a solução para cada caso concreto.

Na Grã-Bretanha, cerca de dois terços das vítimas entrevistadas não acreditam que a prisão previne a reincidência e mais da metade dessas pessoas são favoráveis ao encontro restaurativo, por poderem relatar o impacto do crime em suas vidas e para propiciar aos autores do fato a oportunidade de assumir responsabilidades e reparar os danos, não somente materiais, mas, sobretudo emocionais e morais, provocados pelo ato ilícito.

Na justiça tradicional, a vítima quase não é ouvida e, dificilmente, a decisão judicial atende às suas necessidades, provocadas pelo delito. O pior: a decisão, seja ela condenatória ou absolutória, proferida nos moldes da justiça tradicional, não tem o condão de restaurar os traumas provocados pelo conflito, que continuam latentes. Diferentemente, na justiça restaurativa, a vítima é valorizada e suas necessidades são atendidas plenamente. O autor do fato delituoso assume responsabilidade e tem a oportunidade, juntamente com os mediadores, de refletir sobre as conseqüências de seus atos, além de interagir com a vítima e com a comunidade, de modo que o desiderato mais importante é alcançado: o conflito é dissolvido, os traumas emocionais são sanados e a comunidade volta a viver em paz, escopo maior da Justiça.



Marcos Bandeira – Juiz da Infância e Juventude de Itabuna















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