terça-feira, 4 de janeiro de 2011

INCONSTITUCIONALIDADE DO TOQUE DE RECOLHER AO MENOR

Luiz Fernando Silveira de Castro - estudante da Puc São Gabriel BH/MG

Data: 01/12/2010

Inconstitucionalidade do toque de recolher ao menor

O menor para a legislação brasileira e a inconstitucionalidade do toque de recolher.

O conceito de menor é um dos pontos cruciais para a determinação da aplicação da questionada medida. O dicionário Jurídico conceitua da seguinte maneira a menoridade:

Derivado do latim minor, gramaticamente é, como adjetivo, comparativo de pequeno. No sentido técnico-jurídico, empregado como substantivo designa-se a pessoa que não tenha ainda atingido a maioridade, ou seja, não atingiu a idade legal para que se considere maior e capaz.” (DE PLÁCIDO E SILVA, 1999, p. 420).

Segundo o Código Penal vigente, menor é toda pessoa com menos de 18 anos incapaz de responder por seus atos ilícitos cometidos antes de alcançar a maioridade penal. Em resumo, menor é a pessoa que a responsabilidade não é imputada em face de delitos cometidos antes dos 18 anos de idade, ou seja, devido o menor ser considerado incapaz de entender o caráter ilícito ou delituoso do ato pretérito à idade legal.

Afirma o autor Juarez Cirino dos Santos que:

“Indivíduos menores de 18 anos não possuem o desenvolvimento biopsicologico e social necessário pra compreender a natureza criminal de sua ações ou para orientar o comportamento de acordo com essa compreensão.

O legislador define um critério correto de política criminal: adolescentes menores de 18 anos podem compreender o injusto de alguns crimes graves, como homicídio, lesões corporais, roubo e furto, por exemplo, mas não são capazes de compreender o injusto da maioria dos crimes comuns e, praticamente, de nenhum dos crimes definidos em leis especiais (crimes contra o meio ambiente, a ordem econômica e tributaria, as relações de consumo, o sistema financeiro etc.) e, em todas as hipóteses acima referidas, não são capazes de comportamento conforme a eventual compreensão do injusto, por insuficiente desenvolvimento do poder de controle do instintos, impulsos ou emoções.“ (SANTOS, 2007. p. 287/288)

Já o conceito de menoridade, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é toda pessoa que à época de um ato ilícito possuir menos de 18 anos de idade. A prova da menoridade deve ser feita em principio pela certidão do termo do registro civil, já que se impõe restrição a prova estabelecida na lei civil quanto ao estado das pessoas.

Acerca desta definição afirma Bandeira:

“No âmbito do ECA, criança passou a ser a pessoa de até doze anos incompletos, e adolescente aquela pessoa de doze até 18 anos incompletos, todos, não mais como mero objetos de direitos, mas como sujeitos de Direitos e titulares dos direitos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, educação, á liberdade, ao lazer, ao esporte, à alimentação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à profissionalização e a convivência familiar e comunitária.” (BANDEIRA, 2010)

Desta feita, podemos concluir que menor é aquele que não atingiu o desenvolvimento pleno, para poder discernir alguns crimes relacionando-os ao comportamento adequado, não sendo a estes aplicados a lei penal, mas somente a lei especial.

Neste caso, a lei especial a ser aplicada é o Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê as medidas a serem aplicadas a menores infratores, frisando- se que considera-se infrator aquele que transgride a lei.

Acerca do ECA, elucida Bandeira:

“O ECA passa a ser um microssistema, onde é previsto vários procedimentos – cível, administrativo e criminal - , que visa fundamentadamente tutelar todos os direitos e interesses de crianças e adolescentes, independentemente de serem pessoas “carentes’ , bem criadas, filha de famílias milionárias, infratoras, enfim, a norma é direcionada para seres humanos na peculiar condição de pessoas em desenvolvimento. O ECA é um sistema normativo – com princípios e regra - de garantias de direitos de crianças e adolescentes, independentemente de sua situação ou classe social. É um ordenamento normativo direcionado à toda infância e juventude.” (BANDEIRA, 2010)

O autor Jadir Cerqueira de Souza faz a seguinte alusão ao ECA:

“Restou caracterizado que o ECA foi o resultado de intenso e decisivo movimento popular. Trata-se de produto democrático de alto valor histórico. Sua gestação foi iniciada durante os anos oitenta e finalizada com a inclusão dos novos direitos e interesses das crianças e dos adolescentes na Constituição Federal de 1988.

Em conformidade formal e material com os novos ares constitucionais pós- ditadura, o novo instrumento legislativo trouxe completo sistema de garantia e proteção dos novos direitos. Na realidade, procurou cristalizar os modernos anseios da democracia direta, participativa e pluralista. Rompeu, enfim, com a doutrina do menor em situação irregular e adotou a doutrina da proteção integral e da garantia da prioridade absoluta na proteção infanto-juvenil, na exata extensão do art. 227 da CF.” (SOUZA, 2009)

As medidas sócio- educativas contidas no ECA, segundo Jason Albergaria (1990), podem ser encaradas sob um duplo enfoque: o das disciplinas jurídicas e o das ciências do comportamento humano.

Ademais, existem cominações legais para aqueles que cometem crimes contra o menor, ou que exponha os mesmos a situações de riscos, resguardando assim a integridade da criança e do adolescente.

Conforme afirma Bandeira:

“O ECA estabeleceu as infrações administrativas cominando pena de multa a pessoas físicas ou jurídicas, prevendo, inclusive, em alguns casos a interdição do estabelecimento, para a hipótese de prática reiteradas de condutas que venham violar normas de proteção à criança ou adolescente. Também estabeleceu várias figuras típicas para determinadas condutas graves praticadas contra criança e adolescente, cominando penas de multa e de privação de liberdade. O ECA disciplina o acolhimento institucional e familiar de crianças abandonadas ou vitimas de maus-tratos, objetivando a reintegração familiar ou a colocação em família substituta, seja através da guarda, tutela ou adoção.” (BANDEIRA, 2010)

Deste modo temos que a legislação geral define o que seja crime e a lei especial trata de quais medidas são aplicadas ao menor, não cabendo ao judiciário ampliar este rol através de portaria.

Frederico Marques ressalta:

“Infelizmente, ainda não pudemos aplicar, com eficiência devida, os salutares preceitos consignados na legislação pátria para a solução do problema da delinqüência juvenil e da infância. Falta-nos o aparelho necessário, e, em conseqüência, os textos legais constituem letra morta ou regras programáticas à espera de aplicação oportuna.” (MARQUES, 1997, p. 228).

A implementação do toque de recolher, nasce inconstitucional na sua essência, uma vez que conforme antes mencionado, somente através de lei pode se alterar as garantias constitucionais inerentes aos cidadãos.

Sobre a inconstitucionalidade, afirma Souza:

“Como sabido no Direito brasileiro, existem quatro espécies de inconstitucionalidades: por ação, omissão, material e formal. Inconstitucionalidade por ação significa fazer algo contrário à CF; por omissão é o deixar de fazer ou agir, quando existe regra expressa determinado-se agir; a inconstitucionalidade formal ocorre quando o legislador viola os passos ou etapas do procedimento legislativo; e, a inconstitucionalidade material é quando determinada norma constitucional recebe o confronto indevido, direto ou indireto de uma lei ou ato administrativo.

Conhecida a base do sistema de controle de constitucionalidade, já de início, torna-se possível afirmar que uma Portaria Judicial que fixa horário genérico para que todas as crianças e adolescentes possam permanecer em determinados lugares e horários, viola frontalmente o princípio constitucional da Tripartição de Poderes da República, que determina ao Executivo a tarefa de execução das leis e das políticas públicas e/ou governamentais; ao Legislativo o dever de fixar em normas jurídicas as principais regras do comportamento social; e ao Poder Judiciário a função precípua de julgar os conflitos sociais que lhe são apresentados, dentro das bases do devido processo legal.“ (SOUZA, 2009)

Desta forma, conclui o autor que:

“Ora, sendo o direito de ir e vir, tratado como direito fundamental de qualquer pessoa, independente da idade, sexo, cor, raça, etc, somente por lei emanada do Congresso Nacional se poderia restringir a liberdade do cidadão.

Observa-se que o(a) Juiz(a) da Vara da Infância e da Juventude, no exercício de função tipicamente administrativa pode cercear a liberdade de qualquer adolescente, desde que acusado da prática de ato infracional que exija a restrição de sua liberdade. Função tipicamente jurisdicional e indelegável.

Porém, ao editar Portaria que restrinja a liberdade, sem a prévia existência de crime ou contravenção penal, usurpa função tipicamente legislativa que, excepcionalmente, abona a restrição à liberdade, nas hipóteses de flagrante-delito ou ordem judicial escrita e fundamentada dentro dos respectivos processos.

Portanto, por violação do princípio da teoria da Tripartição de Poderes; lesão ao direito fundamental à liberdade; ausência de respeito ao devido processo legal; e pela usurpação das funções típicas do Congresso Nacional, eventuais Portarias Judiciais podem ser questionadas perante o Tribunal de Justiça de cada Estado-membro e junto ao Supremo Tribunal Federal, tanto no controle difuso como no controle concentrado de constitucionalidade, inclusive perante o Conselho Nacional de Justiça em virtude da caracterização do ato administrativo, nos termos do art. 103-B, §4o da CF/88.” (SOUZA, 2009)

A Constituição da Republica assegura categoricamente em seu artigo 227, que é direito do menor dentre outros o respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária, sendo esta obrigação da família, da sociedade e do Estado, não podendo ser aplicado ao menor nenhuma forma de discriminação.

Afirma Souza que:

“Além de historicamente inadequado e inoportuno, o Toque de Recolher viola os princípios e as regras internacionais de proteção dos novos direitos das crianças e adolescentes, adotados pelo Brasil ao ratificar internamente a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, por meio do Decreto n. 99.710/1990 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90.

Aliás, depois de ser amplamente aplaudido no mundo pela excelência do ECA e da CF/88, sendo modelo na América Latina, a nova institucionalização do Toque de Recolher coloca o país em notório confronto com os respeitáveis organismos internacionais, sobretudo a Organização das Nações Unidas (ONU), que produziu a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O Brasil acolheu ainda as Regras Mínimas das Nações Unidas para os Jovens Privados de Liberdade, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing) e as Diretrizes das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Diretrizes de Riad).

Em síntese, as regras e os princípios relativos à apuração e punição de adolescentes devem apresentar as mesmas garantias dos adultos envolvidos na prática de crimes. Portanto, antes de restringir a liberdade de crianças e adolescentes – no plano internacional e incorporado ao sistema jurídico brasileiro – deve-se garantir o direito ao devido processo legal, contraditório e à ampla defesa. (SOUZA, 2009)

Deste modo a alegação de interesse publico não pode sobrepor as garantias constitucionais, ainda mais por medidas arbitrarias do poder judiciário.

O legislador ao possibilitar que o judiciário regulamente através de portaria determinadas condutas e lugares apresenta um rol que possibilite esta regulamentação, e em nenhum momento faz menção a retirar os menores de qualquer lugar publico onde eles se encontrem.

Dentro deste ponto está, por exemplo, a proibição do menor freqüentar bares e boates sem a companhia dos pais ou responsáveis, ou a proibição da venda de bebidas alcoólicas a menores, são medidas que devem ser regulamentadas através de portarias pelos juízes.

Acerca das portarias elucida Souza:

“Historicamente indevido e com claros indicativos de violação das principais regras e princípios no plano legislativo internacional, observa-se que as Portarias Judiciais que criaram o Toque de Recolher são formais e materialmente inconstitucionais ao fazer o controle de constitucionalidade dos respectivos atos administrativos.

Diz-se que determinado ato jurídico ou administrativo é inconstitucional quando choca-se direta ou indiretamente com as regras e os princípios constitucionais em vigor. Assim, sempre que um ato não seja compatível com a respectiva norma constitucional de regência, deverá ser evitado, sob pena de ser anulado por decisão judicial superior, pois a Constituição Federal é o instrumento legislativo mais importante do país.” (SOUZA, 2009)

Diferente destes casos está o recolhimento de jovens que se encontrem em praças conversando, ou caso mais absurdo, que estiverem retornando da aula, e forem obrigados a se recolherem ou forem conduzidos pelas autoridades que diferente do que se apresenta utiliza meios abruptos e às vezes violentos para conduzir os menores, sendo uma afronta aos direitos e princípios constitucionais.

Afirma ainda o autor que:

“A atenta leitura do art. 16, I do ECA demonstra que a liberdade, em suas diversas formas, constitui direito estatutário de crianças e adolescentes, que, somente pode ser contrariado nas hipóteses legais, ou seja, apreensão em flagrante, internação provisória ou definitiva.

Analisando-se com mais cuidado o art. 149 do ECA, conclui-se também que a emissão de Portaria ou Alvará judicial pode restringir a entrada e permanência de crianças e adolescentes – sem a companhia dos pais e/ou representantes legais (tutores, guardiões, etc) – em situações específicas e individualizadas no tempo e no espaço territorial, sendo restrita a interpretação do dispositivo legal, uma vez que sendo ato administrativo, obrigatoriamente, deverá restar caracterizada a autoridade competente.

Não existe, portanto, a possibilidade de regulamentação genérica de direitos e deveres de crianças e adolescentes, acompanhados dos pais ou representantes legais, exceto nas duas hipóteses do art. 149, II, a e b do ECA, ou seja, em espetáculos públicos e seus ensaios e nos certames de beleza.

Significa dizer, a partir da leitura atenta dos dispositivos legais que os Juizados da Infância e da Juventude não poderão mais publicar portarias genéricas, impedir o acesso e permanência de crianças e adolescentes, por exemplo, em bailes, se acompanhados dos pais ou representantes legais, uma vez que o ECA expressamente revogou a possibilidade de emissão de portarias de cunho genérico dentro de cada comarca.” (SOUZA, 2009)

Ademais, tal medida fere completamente os direitos inerentes ao menor. Segundo Albergaria:

“A liberdade e igualdade são valores fundamentais que asseguram as condições em que transcorre o desenvolvimento da personalidade do menor, e sem as quais se frustra a evolução da pessoa humana.

Com efeito, o direito à liberdade assegura a proteção integral do menor contra toda forma de abandono, negligencia, crueldade e exploração que possa prejudicar sua saúde e desenvolvimento físico, intelectual e moral.” (ALBERGARIA, 1991, p. 30)

Os detratores da lei argumentam que ela fere a Constituição Federal, e que o considerado menor de idade no direito brasileiro, encontra-se em pleno desenvolvimento, portanto a adoção do recolhimento obrigatório (toque de recolher), afora o nítido cerceamento do direito de liberdade, fere os princípios da locomoção, da dignidade, do respeito, e do desenvolvimento da pessoa humana.

Salienta Bernardo Leôncio Moura Coelho:

“Estudar a proteção destinada às crianças, que procede da própria evolução dos direitos humanos, é uma obrigação social e, por que não dizer, uma obrigação jurídica.

O ser criança já não é mais uma passagem provisória para se alcançar o status de adulto. Já não se concebe a criança sujeita ao poder exclusivo e ilimitado do pátrio poder. Hoje, a criança é um sujeito de direitos, não um mero objeto de ações governamentais. “ (COELHO, 1998, p.93).

Contrario a implantação do toque de recolher, Luiz Antonio Miguel Ferreira (Promotor de Justiça da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado de São Paulo), defende que o recolhimento obrigatório não é a medida mais adequada para se combater à delinqüência juvenil, haja vista que restringe direitos constitucionais das crianças e dos adolescentes e não ataca o foco principal que gera tal insegurança, colocando sob suspeita ou punindo toda uma camada de jovens, sendo que apenas uma minoria é que comete atos infracionais e necessita de uma atenção especial.

Segundo o autor Jadir Cerqueira de Souza:

“Na verdade, mesmo com o notório saber jurídico dos operadores do Direito dizer que o Toque de Recolher constitui medida suficiente para reduzir a violência juvenil e/ou aquela praticada contra crianças e adolescentes, simplesmente desconsidera todas as pesquisas científicas realizadas no campo da Segurança Pública e a dimensão plurissubjetiva da temática infanto-juvenil. É que, pelo menos os principais problemas relativos à proteção das crianças e adolescentes, tais como pedofilia, trabalho escravo, prostituição, etc, constituem ainda um campo sujeito à altas indagações científicas e, uma Portaria Judicial, por mais boa vontade que possua, não conseguirá reverter os índices de violência nacional e, em pouco tempo cairá no descrédito popular.

O Toque de Recolher constitui uma medida de natureza essencialmente militar, normalmente utilizada pelas Forças Armadas em tempos de guerra e/ou de graves insurreições políticas, etc. Não se coaduna, de qualquer forma, com os atuais ventos democráticos brasileiros.” (SOUZA, 2009)

Afirma ainda o autor que:

“As normas internacionais adotam dois paradigmas clássicos ao direito infanto-juvenil. Responsabilizam o Estado, a família e a sociedade pela proteção das crianças e adolescentes e, somente permitem a privação da liberdade em decorrência da prisão em flagrante ou ordem judicial escrita e fundamentada.

O Toque de Recolher comete duas ilegalidades internacionais. Esquiva-se de proteger os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, pois ao invés de buscar a celeridade e a efetividade das decisões judiciais, que discutem a proteção dos direitos básicos da cidadania infanto-juvenil, sendo que, na verdade, atinge a parte que precisa de proteção de direitos e não de medidas punitivas e/ou sancionadoras do direito à liberdade.

Ao mesmo tempo, permite e exige que as autoridades policiais e os conselheiros tutelares, fora de suas funções institucionais, cumpram mandados genéricos de suposta apreensão em flagrante e criam tipos penais de natureza administrativa, fixando-se como conduta inadequada, tão-somente o direito de ir e vir, em qualquer parte do território nacional nos horários que entendem adequados, numa inacreditável e extremamente elástica discricionariedade administrativa.” (SOUZA, 2009)

O que se deve ter em mente é que o recolhimento obrigatório não pode ser arbitrariamente instituído com base simplesmente num suposto “interesse público”. Tentar suprir a ineficiência estatal no combate à delinqüência com a restrição de direitos das crianças e adolescentes é, de fato, uma forma infundada. No que tange a aplicação do toque de recolher, devemos ressaltar que sua aplicação não esta preocupada com os direitos e garantias fundamentais, uma vez que é assegurado pela nossa Constituição Federal (CF) o direito a liberdade, o direito de ir e vir e da presunção de inocência.

Ademais, com a implantação do toque de recolher ao menor de 18 anos, estará se punindo ou colocando sob suspeita toda uma camada de jovens (posto que todos sejam colocados num mesmo plano), sendo que apenas uma minoria vem a praticar atos infracionais e por esse motivo necessita de uma atenção especial.

Aplicar o toque de recolher ao menor é análogo a aplicação de uma sanção a aqueles que praticaram infrações, sendo algo ainda mais ilegal, pois não estará distinguindo quem pratica ou não infração e sequer ocorre algum julgamento desse ato, simplesmente aplica-se a medida.

Ao adotar tal medida, os juízes da infância e juventude regridem a época dos juízes de menores, sendo figuras que existiam na vigência do Código de Menor, dotadas de autoritarismo sem respeitar os direitos fundamentais.

Sobre o tema, elucida Bandeira:

“A figura do juiz de menores surge como um sujeito, cujos poderes quase não têm limites, pois é detentor de uma carga de subjetividade e discricionariedade, que muitas vezes ultrapassa para a seara do arbítrio, pois sem o devido processo legal e sem qualquer decisão fundamentada poderia privar um menor de sua liberdade, destituir ou suspender os pais do poder familiar sem maiores exigências probatórias, podendo ainda legislar através de portarias sobre toda a matéria atinente ao menor, além de estabelecer o rito processual.” (BANDEIRA, 2010)

Afirma ainda, citando o jurista Souto Maior:

“(...) pelo texto da lei, o Juiz de Menores exsurge como um ser onipotente, já que se lhe permite, entre outras coisas, decidir levando às últimas conseqüências o princípio da livre convicção( art. 5º), legislar sobre a matéria de menores mediante portarias e provimentos( art. 8º), decretar a perda ou a suspensão do pátrio poder e a destituição da tutela em situações das mais variadas, inclusive de gravidade discutível( art. 45), afastar dirigentes e ordenar o fechamento provisório ou definitivo de estabelecimentos particulares ( art. 49), atuar como censor dos espetáculos teatrais, cinematográficos, circenses e radiofônicos e de televisão ( art. 52) e criar rito processual a revelia de qualquer texto legal( art. 87).” (BANDEIRA, 2010)

Menciona Guaracy Viana para enfatizar os abusos cometidos por tal figura:

“Sob a ótica da legislação revogada (lei 6.697/79), antigo código de menores, a função do juiz de menores poderia ser tida tranquilamente como anômala, posto que não se enquadrasse nas atividades normais do Judiciário (funções jurisdicionais) e nem tampouco nas funções não jurisdicionais da magistratura (atividades secundárias ou atos do governo interno). Na verdade, por uma tradição histórico-social, talvez confiava-se ao juiz o papel de pai-social ou investiam-lhe de um “ pátria potestas” quase tão absoluto quanto o exercido pelo pater famílias a que alude o Direito Romano.

Destarte, a medida mais eficiente para a satisfação da sociedade era a prisão cautelar. Todos os problemas (pobreza, infração penal, abandono, maus-tratos etc) eram “resolvidos” com a “internação”, indistintamente. Todos os casos eram nivelados e a proposta de solução era única, até mesmo porque o Judiciário não tinha alternativa.” (BANDEIRA, 2010)

Por fim faz a seguinte alusão:

“Na perspectiva da situação irregular, o juiz centralizava sua decisão com fundamento no direito do menor, em medidas terapêuticas de sua vontade, determinando qual o tratamento, com base em diagnósticos, e, tendo o menor como objeto de intervenção do Estado, em desrespeito à condição do adolescente e da criança como sujeito ativo de Direitos. Em tese, o juiz, faça-se a justiça do razoável, transformava-se na verticalidade e na centralidade, até porque não obtinha do Estado, da sociedade, da família e da comunidade outra alternativa, senão , a de determinar a internação à revelia da relação pedagógica, mas pela via da relação verticalizada e punitiva.“ (BANDEIRA, 2010)

A proteção da criança e do adolescente não está relacionada a instituição de atos abusivos e ilegais para se alcançar o suposto objetivo de proteção integral ou de dever do Estado em proteger o menor.

Afirma o autor Marcos Bandeira:

No âmbito do ECA, portanto, não há mais margem para atuação do “juiz de menores” e seus superporderes, Como v.g., o de legislar, através de portaria sobre todo o tema afeto à criança e adolescente, como era permitido na legislação anterior. Atualmente, o Juiz da Infância e Juventude, em face do princípio da legalidade, só pode baixar portarias nos casos expressamente admitidos pelo art. 149 do ECA, de forma motivada, caso a caso, vedadas as determinações de caráter genérico. Com a devida vênia daqueles que defendem o “toque de Recolher”, ou suavizando melhor.,“ toque de acolher”, ou a nomenclatura que quiser emprestar, entendo que fere o direito fundamental da liberdade de ir e vir de crianças e adolescentes assegurados pelo art. 227 da CF, bem como o art. 149 do ECA, que não confere ao juiz da infância tal poder. Acionar os antigos “comissários de menores” para “recolher” crianças e adolescentes nas ruas porque existe uma portaria baixada por um juiz determinando tal medida é retroceder ao código de menores e resgatarmos a figura temível do juiz de menores da doutrina ultrapassada da situação irregular. Creio que a medida – toque de recolher -, que tem grande apoio popular em face da crescente violência juvenil, só poderá ser viabilizada através de alteração legislativa, pois o art. 15 do ECA assegura à criança e o adolescente o “direito à liberdade, ao respeito e á dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”, e o art. 16, I do ECA, reforçando e explicitando ainda mais essa garantias constitucional, estabelece que “ o direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais.” (BANDEIRA, 2010)

Por outro lado, diversos problemas geradores de conflitos e violência decorrem de atos praticados no interior da casa (e não nas ruas) pelos próprios pais que não exercem a devida educação em relação aos filhos, não impondo a eles limites e achando bonito tudo que seus filhos fazem, não analisando se o fato em questão pode prejudicar alguém e até mesmo se é permitido em lei.

Conforme afirma Souza:

“Além da ausência de permissão legal, as Portarias Judiciais acabam contribuindo, em tese e de forma inadvertida para a ocorrência de diversas ilicitudes civis, penais e administrativas praticadas pelo próprio Estado.

Primeiro, como a CF e o ECA utilizaram as regras do Direito Penal para definir os atos infracionais, e os adolescentes somente poderão ser apreendidos dentro de determinado procedimento para apuração de ato infracional, cercear o direito à liberdade, termina por induzir a autoridade policial a praticar o crime de abuso de autoridade, nos termos do art. 230 do ECA, uma vez que a portaria genérica não possui o poder de criar tipos penais, como dito função precípua do Congresso Nacional.

Segundo, é de fácil percepção legislativa, porém de difícil aceitação forense, que os Conselhos Tutelares não são vinculados, administrativa ou hierarquicamente, aos Juizados da Infância e da Juventude e, assim sendo, não são obrigados a cumprir a respectiva Portaria, embora saiba que muitos conselheiros tutelares adoraram a edição dos atos administrativos. A autoridade judiciária poderá, no entanto, sempre que provocada, rever decisões administrativas dos conselheiros tutelares. Porém, diferentemente dos Comissários de Menores, que são hierarquicamente submetidos ao poder administrativo do Juizado, os conselheiros tutelares não podem e/ou devem receber ordens escritas e/ou verbais de juízes, promotores de justiça, policiais, prefeitos e vereadores, fora das hipóteses legalmente permitidas, sob pena de abuso de poder das respectivas autoridades.

Terceiro, as medidas de restrição à liberdade acabam punindo duplamente crianças e adolescentes. Apenas como exemplo, a pedofilia ocorre na maior parte das vezes, dentro das próprias residências e quase sempre praticada por parentes, etc. Exigir o retorno da vítima à sua casa significa perpetuar a amargura pelo fato de ser vítima e, ao mesmo tempo, fazê-la retornar às mãos escondidas dos seus algozes.” (SOUZA, 2009)

Frisa-se que o ECA instituiu órgãos responsáveis pela políticas publicas acerca dos menores, conforme afirma Bandeira:

“O ECA criou um órgão responsável pela formulação de políticas públicas relativas à infância e Juventude, que é o conselho dos Direitos da Criança e Adolescente – CONANDA -, na esfera da União, o Conselho Estadual nos estados membros, e na órbita municipal, o CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que tem como função precípua deliberar e formular políticas públicas relativa à infância e juventude no município, sendo também o órgão onde todas as organizações governamentais e não-governamentais que trabalhem com crianças e adolescentes devem inscrever-se seus programas de atendimento sócio-educativo.” (BANDEIRA, 2010)

A legislação especial assegura ao menor o direito ao respeito e a dignidade da pessoa humana, sendo esta a inviolabilidade de sua integridade e personalidade, não podendo o mesmo ser exposto a nenhum tratamento desumano.

Ao conduzir o menor por meio de viaturas até o Conselho Tutelar é ceifá-lo de sua liberdade, ainda mais se considerarmos o lado subjetivo da aplicação da medida, posto que a caracterização do risco a que o mesmo estaria exposto é determinado pelo aplicador da lei, neste caso o juiz, que pode não apresentar a realidade fática do local onde se encontra o menor.

Deve-se o Estado, ao contrário, instituir políticas públicas em prol da melhoria de qualidade de vida e da busca pela paz direcionada aos infratores ou crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal, e não de forma genérica. O direito punitivo emergencial, embora muitas vezes sedutor, não é o meio mais adequado para a pacificação social, pois nesse caso estaremos punindo também as pessoas de bem que não cometeram nenhum ato ilícito.

Alegar que o interesse publico esta acima de qualquer garantia constitucional e aplicar medidas que ferem direitos fundamentais não é medida aceita pelo Estado Democrático de Direito, que foi instituído para a garantia do individual sobre o abuso do poder estatal.

O fato da criminalidade infantil está com índices elevados, não implica dizer que as crianças que encontram-se na ruas ate determinada hora são marginais ou delinqüentes que merecem ser recolhidos. Pelo contrario, se a violência aumentou nestes últimos anos, deve-se procurar o fato gerador, para solucionar o problema na sua essência e não no resultado final.

Importante elucidação acerca da criminalidade infantil faz o autor Jadir Cerqueira de Souza:

“Finalizados os certeiros argumentos – fáticos e jurídicos - contrários ao Toque de Recolher, cristalizado em Portarias Judiciais, por amor ao debate torna-se fundamental, pelo menos, colocar em dúvida a falácia dos argumentos utilizados na defesa das Portarias, sempre respeitando-se o zelo, o esforço e a dedicação da magistratura brasileira que atua nas varas da infância e da juventude:

A primeira falácia é de que a sociedade exige a edição de portarias judiciais. Para se ter certeza da veracidade das afirmações seria necessário dispor aos órgãos de controle judicial e administrativo, como foi obtido o consenso social. Quem participou dos debates; quem esclareceu o alcance e as conseqüências das medidas; quais os meios de divulgação dos resultados; enfim, quais os meios técnicos e/ou científicos utilizados para demonstração de que determinado grupo social almeja a edição de portarias.

A sociedade, a longo prazo, sabe que medidas adotadas sem maior critério jurídico e desatenta aos postulados constitucionais, mais cedo ou mais tarde, serão revistas e permanecerá, como sempre ocorre nas medidas sensacionalistas, a sensação de clara frustração e reforçadora da visão popular de que nada é feito na defesa da cidadania, sendo que existem milhares de advogados, promotores de justiça e juízes de direito trabalhando na forma preconizada pela legislação brasileira e, mais importante ainda, com o objetivo de garantir o cumprimento do ECA.

A segunda falácia é a de que onde o Toque de Recolher foi instituído, em pouco tempo, diminui a violência infanto-juvenil. A afirmativa, além de desconsiderar todas as pesquisas científicas sobre Segurança Pública, visivelmente, leva em consideração apenas a percepção pessoal das autoridades envolvidas e os números oficiais da Polícia Militar ou do Conselho Tutelar.

É público e notório que os registros policiais militares não identificam nem um terço dos crimes que ocorrem em todos os países, inclusive no Brasil. Existe significativa quantidade de crimes, conhecidos como cifras ocultas da criminalidade, que não são levados aos registros policiais ou judiciais.

Várias são as razões para que os crimes não sejam registrados. As vítimas preferem o silêncio; alguns crimes não deixam provas; outros são praticados pelo próprio Estado.

Enfim, afirmar que a violência diminui pela adoção do Toque de Recolher merece sérias reservas.” (SOUZA, 2009)

A luz do direito Constitucional, nenhuma norma ou decisão pode violar preceitos garantidos na Carta Magna. Não pode os Juízes das Varas da Infância e Juventude simplesmente baixar portarias, destorcendo o texto da lei, dando a interpretação que achar conveniente e ir contra as garantias constitucionais existentes em nosso ordenamento jurídico.

Por diversas vezes se demonstrou que o interesse publico não pode superar, nem suprimir garantias constitucionais, pois o Estado deve estar em prol do povo, pois o poder emanado pelos governantes foi concedido pelo cidadão e o mesmo deve governar em defesa daqueles que lhe cederam tais prerrogativas.

Neste diapasão afirma Bandeira:

“A implementação desses direitos fundamentais depende do trabalho articulado e sincronizado de toda uma rede horizontalizada de atores em exercício nas diversas áreas. O legislador instituiu um sistema de garantias de direitos, estabelecendo o devido processo legal para que um adolescente tenha o seu direito restringido ou á sua liberdade privada, assegurando em seu arts. 106 e 110, que nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, ou seja, observado o princípio da legalidade ou o devido processo legal.” (BANDEIRA, 2010)

Importante lembrar que ninguém poderá ser punido ou submetido à privação de seu direito sem que tenha dado causa a tal acontecimento, não podendo ser sujeito de medidas autoritárias que destoam de nosso ordenamento jurídico.

E mais, não se pode generalizar para toda uma classe social a aplicação de uma medida coercitiva que irá tolher direitos, sem ao menos justificar de forma clara e fundamentada a aplicação de tal medida. Não podemos estar sujeitos ao que cada aplicador da norma entender que seja melhor, partindo de uma analise subjetiva, mas que fere a norma constitucional para mascarar a realidade social de ineficácia do Estado.

Além do mais, a aplicação do toque de recolher através de portarias emanadas pelos juízes das varas da infância e juventude extrapola o poder a eles conferidos pelo texto infra- constitucionais, sendo pois medida abusiva que busca respaldo no principio da proteção total e no interesse social.

Conforme afirma Bandeira:

“Na verdade, como já enfatizado, o Estatuto da Criança e do Adolescente inaugura um novo paradigma, fundado no principio da proteção integral e da dignidade da pessoa humana, reconhecendo a qualidade de sujeitos de direitos de crianças e adolescente, na sua peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento físico, intelectual, emocional, moral e espiritual, e que deve merecer um tratamento diferenciado do Estado, principalmente, na preservação dos seus direitos fundamentais, como o direito à vida, Saúde, educação, alimentação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, convivência familiar e comunitária, e, acima de tudo, liberdade, que devem ser tutelados como prioridade absoluta. Ademais, de conformidade com as diretrizes de Riad, o adolescente não pode e não deve receber tratamento mais rigoroso do que aquele dispensado ao adulto imputável. Nesse diapasão, o juiz da infância e juventude deve ser o guardião dessas garantias e direitos inseridos em nosso ordenamento jurídico pelas convenções internacionais, pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.” (BANDEIRA, 2010)

Desta forma, resta claro que a medida além de excessiva, fere direitos e garantias constitucionais, não podendo ser mantida em um Estado Democrático de Direito, onde o respeito aos princípios e normas jurídicas são o guia para a elaboração de normas e tomadas de decisões.



























































Um comentário:

  1. Gostei muito da abordagem do tema!! Muitíssimo interessante!
    Att,
    Thaís

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