sábado, 13 de fevereiro de 2010

O FAMIGERADO HORÁRIO DE VERÃO


O Estado da Bahia, após sucessivos estudos técnicos comprobatórios da insignificância da economia obtida com a implantação do “horário de Verão’, resolveu não adota-lo . A maioria da população baiana aprovou a decisão, pois assim não precisaria acordar mais cedo para ir ao trabalho e nem se submeter a correria desenfreada de pagar as contas mais cedo nos bancos ou outros estabelecimentos congêneres. Ledo engano. A Bahia, em que pese está fora do famigerado “horário de verão”, sofre todos os seus efeitos, como se de fato o tivesse adotado.

Os baianos já não conseguem monitorar o seu tempo, pois quando pensam em pagar suas contas já não encontram estabelecimentos bancários abertos. Os telejornais locais e o Jornal Nacional pouca gentes assiste, pois se perdeu a noção do tempo. As donas de casas e quem gostam de novelas também já não mais as acompanham, pois o horário não é mais controlado por você, mas ditado pelas forças hegemônicas do capital financeiro . Várias atividades de nosso dia-a-dia estão vinculadas ao todo poderoso “horário de verão”. Pasmem! Até por ocasião do tão esperado “revelion”, tivemos que acompanhar passivamente os festejos de “novo ano” dos Estados que adotaram o horário de verão, para depois então, já sem graça, comemorarmos o novo ano que há houvera iniciado em quase todo o Brasil.

Não há dúvida de que estamos afetados e sofrendo todos esses efeitos. Indaga-se: porque? Porque será que o capital invisível ou os grandes conglomerados financeiros fazem preponderar seus objetivos sobre os interesses, a cultura e os hábitos locais? Porque o espaço geográfico em que vivemos com todos os seus interesses locais deve se render aos interesses dos macroatores da globalização, de que nos falou o intelectual Milton Santos em sua excelente obra “ Por uma Nova Globalização”. Diz Milton Santos:

“ Nas condições atuais, as lógicas do dinheiro impõem-se àquelas da vida socioeconômica e política, forçando mimetismos, adaptações, rendições. Tais lógicas se dão segundo duas vertentes: uma é a do dinheiro das empresas que, responsáveis por um setor de produção, são, também agentes financeiros, mobilizados em função da sobrevivência e da expansão de cada firma em particular; mas, há, também, a lógica dos governos financeiros globais, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial...No território, a finança global instala-se como a regra das regras, um conjunto de normas que escorre, imperioso, sobre a totalidade do edifício social, ignorando as estruturas vigentes, para melhor poder contrariá-las, impondo outras estruturas...A tirania do dinheiro e tirania da informação são os pilares da produção da história atual do capitalismo globalizado”

Porque essa velocidade espantosa em nossa realidade? Porque essa competitividade selvagem, perversa, excludente: a que servem tudo isso? Milton Santos reponde categoricamente: “ A velocidade atual e tudo que vem com ela, e que dela decorre, não é inelutável nem imprescindível. Na verdade, ela não beneficia nem interessa à maioria da humanidade. Para quê, de fato, serve esse relógio despótico do mundo atual? As crises atuais são, em última análise, uma resultante da aceleração contemporânea, mediante o uso privilegiado, por alguns atores econômicos, das possibilidades atuais de fluidez. Como tal exercício não responde a um objetivo moral e, desse modo, é desprovido de sentido, o resultado é a instalação de situações em que o movimento encontra justificativa em si mesmo – como é o caso do mercado de capitais especulativos -, tal autonomia sendo uma das razões da desordem característica do período atual”.

Como se infere, esse sistema – globalização – é perverso, despótico e excludente, pois aumenta o número de pobres e ignora os interesses e as peculiaridades locais – o meio ambiente, a pobreza, a segurança e justiça, o sistema de transporte, a educação, a saúde, áreas de lazer e esporte, o trabalho, vida familiar e comunitária – que constituem a “vida” das pessoas que habitam determinado lugar, sem falar nas suas manifestações culturais e artísticas. Os interesses monetário e financeiro do Estado e dos atores hegemônicos do capital sobrepõem a todos esses interesses e valores locais. È a tirania do capital globalizado. O ser humano é secundário, pois o importante é como obter maiores lucros. Observem ao final de cada ano o resultado das instituições financeiras, sempre apresentando resultados melhores do que o ano passado, comemorando lucros exorbitantes. É o “ter” valendo mais do que o “ser”. Indaga-se: e qual foi o ganho de sua cidade? Ou qual foi o ganho de uma criança, ou o seu como pessoa? Foi nesse contexto que o STF já se posicionou, inclusive com fulcro na Súmula 419, como se observa:

ADMINISTRATIVO. HORARIO BANCARIO. PREFEITURA MUNICIPAL. BANCO CENTRAL.

1 - ESTÁ SUMULADO (419 - STF) QUE A FIXAÇÃO DO HORARIO DE FUNCIONAMENTO, TANTO O INTERNO QUANTO O EXTERNO, DE ESTABELECIMENTOS BANCARIOS, É DA COMPETENCIA DA UNIÃO, DEVENDO OS MUNICIPIOS, A ESSE RESPEITO, OBSERVAREM O ESTATUIDO NA LEGISLAÇÃO FEDERAL.

2 - NÃO HA DE SE RECONHECER, NA ESPECIE, PECULIAR INTERESSE DO MUNICIPIO, QUANDO HA VALORES DE ORDEM NACIONAL A SOBREPUJA-LO.

3 - LEI MUNICIPAL QUE FIXA HORARIO BANCARIO, SE CONFLITAR COM DETERMINAÇÕES DO BANCO CENTRAL, INVADE COMPETENCIA NORMATIVA RESERVADA A ORGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, PELO QUE SE CONFLITA COM A CONSTITUIÇÃO.



Não se ignora a importância do capital para o desenvolvimento de uma cidade, de um Estado ou de um país, entretanto, não podemos permitir que a tirania do capital globalizado seja mais importante do que nossas próprias vidas e que afete tão violentamente o cotidiano de nossa própria cidade. O horário de verão revela uma faceta perversa da globalização - essa tirania financeira -, mas não há mal que dure eternamente, já dizia o poeta, e em breve as coisas voltarão ao normal. As pessoas não precisarão correr tanto, podendo, inclusive, ter um tempinho para parar na esquina e saborear uma água de côco, ou degustar um bom papo, jogar futebol, namorar, ou mesmo assistir normalmente os telejornais, ler um bom livro, trabalhar e pagar suas contas...êpa, já são 15 horas, o banco já encerrou expediente, agora só posso pagar amanhã e ... com juros.



MARCOS BANDEIRA*



* Marcos Bandeira é juiz titular da Vara da Infância e Juventude de Itabuna e professor de Direito da UESC.



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