segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Princípio do Juiz Natural

Princípio do Juiz Natural

Por Marcos Antônio Santos Bandeira

publicado em 21-07-2005

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O PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

Autor: Marcos Bandeira.


“ A Justiça local estabelecerás juízes e magistrados em todas as cidades, que o senhor teu Deus te houver dado em cada uma das tuas tribos: para que julgue o povo com retidão de justiça, sem se inclinarem para a parte alguma. Não farás aceitação de pessoa, nem receberás dádivas: porque as dádivas cegam os olhos dos sábios, transtornam as palavras dos justos. Administrarás a justiça com retidão: para que vivas e possuas a terra, que o senhor teu Deus te houver dado.”( Bíblia Sagrada:Deuterônimo, 16, 18-20).

Consoante os dicionaristas “princípio” traduz a idéia de origem, causa primária, preceito, todavia, na esfera jurídica, transpondo os lindes simples da expressão semântica, “princípio” expressa a alma , ou o espírito da lei ou preceito legal – “mens legis” -, isto é, a razão, o alicerce sobre o qual erigiu-se o preceito legal. Segundo escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello, “ princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferente normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo..”

Na convivência social, em face dos múltiplos interesses, desejos e, com efeito, da insatisfação das necessidades humanas, surgiu a necessidade de se disciplinar os conflitos de interesses qualificados por uma pretensão resistida. Destarte, num primeiro momento, esses conflitos foram resolvidos pelas próprias partes, através da autocomposição ou mesmo pela força imposta por uma delas, resultando em decisões injustas e de conseqüências danosas e cruéis para uma das partes, gerando, por conseguinte, intranqüilidade e ameaça de extinção da própria sociedade. Posteriormente, o Estado chamou para si a função de “dizer o direito” – Jurisdição -, monopolizando a função de dirimir os conflitos individuais e coletivos de interesses entre os cidadãos e entre estes e o Estado. Vê-se, portanto, que se passou da resolução parcial (partes) dos conflitos de interesses para a resolução imparcial dos referidos conflitos, ou seja, o Estado instituiu um sujeito desinteressado, imparcial e que se posiciona eqüidistante às partes para resolver a lide e efetivar coercitivamente suas decisões.

Nesse diapasão surge naturalmente o princípio assegurado a qualquer cidadão de ser julgado de forma imparcial por juiz competente, estabelecido abstrata e previamente por lei. Esse princípio foi agasalhado pela Constituição Federal de 1988, no capítulo dos direitos e garantias individuais, precisamente no art. 5º, cujos incisos XXXVII e LIII dispõem o seguinte:

XXXVII – Não haverá Juízo ou Tribunal de Exceção;

LIII – Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.

Depreende-se que o princípio do juiz natural numa primeira perspectiva consiste em vedar a instituição de juízos de exceção, “ex posto facto”, ou seja, criados após a eclosão do fato para dirimir e julgar determinado litígio, seja de natureza penal ou extrapenal. Nossa memória não apagará jamais, como exemplo de Tribunal de Exceção, os famigerados “Tribunais de Segurança Nacional” criados para julgar presos políticos pela prática de “subversão”. Numa segunda vertente, o princípio do juiz natural assegura o direito a qualquer indivíduo de ser processado e sentenciado somente por juiz constitucionalmente competente, sendo considerado inexistente o ato – decisão interlocutória ou sentença – praticado por juiz incompetente, ou seja, toda a vez que a competência derivar de preceito constitucional, a sua inobservância acarretará a violação do juiz natural. Com efeito, v.g., se por uma aberração jurídica, um Juiz de Vara Cível – que por lei só pode decretar prisão civil nas hipóteses de inadimplemento de pensão alimentícia e depositário infiel – exarar sentença decretando prisão pela prática do crime tipificado no art. 330 do CPB – Desobediência – estará violando o princípio do juiz natural, sendo o ato vergastado considerado inexistente em face da ausência de pressuposto de constituição válida do processo, pois o juiz cível não tem a “jurisditio” em matéria penal, prevista constitucionalmente. Na verdade, não se trata nem de questão de incompetência absoluta, mas de falta de jurisdição. Nesse sentido a lição de Grinover, Scarance e Magalhães é de clareza solar ao asseverar que “ o juiz natural é condição para o exercício da jurisdição”, acrescentando que o referido princípio encerra “um verdadeiro pressuposto de existência do processo”(In Grinover, Ada Pellegrini, Scarance Fernandes, Antonio e Magalhães Gomes Filho, Antonio. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Malheiros, 1992). Evidentemente, que diante de uma decisão teratológica desse jaez , o juiz criminal não somente pode, mas deve de imediato , à guisa do art. 5º, LXV da CF – “A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária” - , relaxar a prisão ilegal, devolvendo o estado natural de liberdade ao cidadão que teve subtraído o seu direito constitucional de ser julgado somente por juiz competente.

Esse princípio foi introduzido pioneiramente na Constituição Francesa de 1848 e entre nós implantado timidamente pela Constituição Federal de 1934, mas sempre foi desrespeitado. Hoje, felizmente, por força revigoradora do “Pacto de São José”, aprovado no dia 22.11.1969 na Costa Rica e incorporado ao direito positivo interno por força do Decreto 678, de 06.11.92, encontra-se inserido na maioria dos países civilizados como um imperativo natural e sagrado atribuído a cada ser humano de ser julgado por juiz imparcial, independente e competente instituído previamente por lei, enfim, todos têm direito ao julgamento justo e imparcial, como suplica Juan Carlos Mendonça em sua oração destinada ao magistrados: “ Sê justo: antes de mais nada, verifica , nos conflitos, onde está a justiça. Em seguida, fundamenta-a no Direito”.

FIM

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