sábado, 27 de novembro de 2010

CONANDA SE POSICIONA CONTRA TOQUE DE RECOLHER

CONANDA SE POSICIONA CONTRA TOQUE DE RECOLHER





O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

(CONANDA), principal órgão nacional do Sistema de Garantia de

Direitos da Criança e do Adolescente, no uso de suas atribuições legais

de deliberar e fiscalizar as políticas nacionais para a infância e

juventude- reunido em sua 175º Assembléia Ordinária, aprova o

presente parecer contrário ao procedimento denominado Toque de

Recolher - proibição de circulação de crianças e adolescentes nas ruas

no período noturno-, adotado em algumas cidades do País, por meio de

portarias de Juízes da Infância e Juventude.

1) As portarias judiciais não podem contrariar princípios constitucionais e

legais, como o direito à liberdade, previsto nos artigos 5 e 227 da

Constituição Federal Brasileira, e nos artigos 4 e 16 do ECA - direito à

liberdade, incluindo o direito de ir, vir e estar em espaços comunitários;

2) Os artigos 145 a 149 do ECA dispõem sobre as competências e as

atribuições das Varas da Infância e Juventude. Os artigos citados não

prevêem a restrição do direito à liberdade de crianças e adolescentes de

forma genérica, e sim restrições de entrada e permanência em certos locais e

estabelecimentos, que devem ser decididas caso a caso, de forma

fundamentada, conforme o artigo 149;

3) O procedimento contraria a Doutrina da Proteção Integral, da Convenção

Internacional dos Direitos da Criança, em vigor no Brasil por meio da Lei

8.069 de 1990 (ECA) e a própria Constituição Federal Brasileira, tendo em

vista a violação do direito à liberdade. A apreensão de crianças e

adolescentes está em desconformidade com os requisitos legais por submeter

crianças e adolescentes a constrangimento, vexame e humilhação (arts. 5 e

227 da CF e arts. 4, 15, 16, 106, 230 e 232 do ECA). Volta-se a época em

que crianças e adolescentes eram tratados como “objetos de intervenção do

estado” e não como “sujeitos de direitos”. A medida significa um retrocesso,

tendo em vista que nos remete à Doutrina da Situação Irregular do revogado

Código de Menores e a procedimentos abusivos como a “Carrocinha de

Menores” e outras atuações meramente repressivas executadas por

Comissariados e Juizados de Menores;

4) Em muitos casos, a atuação dos órgãos envolvidos no Toque de Recolher

denota caráter de limpeza social, perseguição e criminalização de crianças e

adolescentes, sob o viés da suposta proteção;

5) Não se verifica o mesmo empenho das autoridades envolvidas na decretação

da medida aludida em suscitar a responsabilidade da Família, do Estado e da

Sociedade em garantir os direitos da criança e do adolescente, conforme

dispõe o ECA. Inclusive, a própria legislação brasileira já prevê a

responsabilização de pais que não cumprem seus deveres, assim como dos

agentes públicos e da própria sociedade em geral. No mesmo sentido, por

que as autoridades envolvidas no Toque de Recolher não buscam punir os

comerciantes que fornecem bebidas alcoólicas para crianças e adolescentes

ou que franqueiam a entrada de adolescentes em casas noturnas ou de jogos,

ou qualquer adulto que explore crianças e adolescentes?

6) Nenhuma criança ou adolescente deve ficar em situação de abandono nas

ruas, em horário nenhum, não só durante as noites. Para casos como esses,

assim como para outras situações de risco, o ECA prevê medidas de

proteção (arts. 98 e 101) para crianças, e adolescentes e medidas pertinentes

aos pais ou responsáveis (art. 129);

7) Os Conselhos Tutelares são órgãos de proteção e defesa de direitos de

crianças e adolescentes (arts. 131 a 136 do ECA) e não de repressão ou

punição. O Fórum Colegiado Nacional dos Conselhos Tutelares já se

manifestou contrariamente ao Toque de Recolher;

8) A polícia não deve ser empregada em ações visando o recolhimento de

crianças e adolescentes. Nesse sentido, o Estatuto e a normativa construída

nos últimos 19 anos prevêem a necessidade de programas de acolhimento

com educadores sociais que façam a abordagem de crianças e adolescentes

que se encontrem em situação de rua e/ou de risco. Muitas vezes, os abusos

sofridos nas próprias casas geram a ida de crianças e adolescentes para as

ruas. Nesses casos, a solução também não é o toque de recolher. O adequado

é a atuação dos órgãos e programas de proteção, acolhimento e atendimento

às crianças, aos adolescentes e às famílias. Devemos destacar que, diante de

situações de risco em que se encontrem crianças e adolescentes, qualquer

pessoa da sociedade pode e deve acionar os programas de proteção e/ou os

Conselhos Tutelares, assim como todos da sociedade têm o dever de agir,

conforme suas possibilidades, visando prevenir ou erradicar as denominadas

situações de risco;

9) O procedimento do Toque de Recolher contraria o direito à convivência

familiar e comunitária, restringindo direitos também de adolescentes que,

por exemplo, estudam à noite, frequentam clubes, cursos, casas de amigos e

festas comunitárias;

10) Conforme os motivos acima elencados, o Toque de Recolher contraria o

ECA e a Constituição Federal. É uma medida paliativa e ilusória, que

objetiva esconder os problemas no lugar de resolvê-los. As medidas e

programas de acolhimento, atendimento e proteção integral estão previstas

no ECA, sendo necessário que o Poder Executivo implemente os programas;

que o Judiciário obrigue a implantação e monitore a execução e que o

Legislativo garanta orçamentos e fiscalize a gestão, em inteiro cumprimento

às competências e atribuições inerentes aos citados Poderes.

Nesses termos, o Conanda recomenda:

1) Que todos os municípios tenham programas com educadores

sociais que possam fazer a abordagem de crianças e

adolescentes que se encontrem em situações de risco, em

qualquer horário do dia ou da noite, visando os

encaminhamentos e atendimentos especializados previstos

na Lei;

2) Que todos os Municípios, Estados e União fortaleçam as

redes de proteção social e o Sistema de Garantia de Direitos,

incluindo Conselhos Municipais da Criança e do

Adolescente, Conselhos Tutelares, Varas da Infância e

Juventude, promotorias e delegacias especializadas;

3) Que o Conselho Nacional de Justiça inclua em sua pauta de

discussões o Toque de Recolher, objetivando orientar as

Varas da Infância e Juventude sobre a ilegalidade e

inconstitucionalidade do procedimento.

Brasília, 18 de junho de 2009

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

TOQUE DE RECOLHER - POSIÇÃO OFICIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DO PARANÁ

Posição oficial Ministério Público/Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Paraná Toque de recolher para crianças e adolescentes

CONSIDERANDO as notícias veiculadas recentemente na mídia nacional, dando conta da expedição, em diversos municípios, de leis municipais e portarias judiciais estabelecendo "toques de recolher" para crianças e adolescentes;

CONSIDERANDO que o direito à liberdade de locomoção, além de se constituir num direito fundamental e natural, se constitui numa garantia individual contra o arbítrio estatal a todos assegurada de maneira expressa pelo art. 5º, caput e inciso XV, da Constituição Federal;

CONSIDERANDO que os direitos e garantias individuais, por força do disposto no art. 60, §4º, da Constituição Federal, não são passíveis de supressão sequer por emenda constitucional, muito menos por normas infraconstitucionais de qualquer espécie;

CONSIDERANDO que, por serem titulares de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (cf. art. 3º, da Lei nº 8.069/90), crianças e adolescentes também têm direito à liberdade, que lhes é expressamente assegurado pelos arts. 4º, caput, 15 e 16, da Lei nº 8.069/90, incumbindo a todos respeitar e fazer respeitar com a mais absoluta prioridade;

CONSIDERANDO que, como reflexo do disposto no art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal, crianças e adolescentes somente podem ser privados de liberdade quando em flagrante de ato infracional ou mediante ordem escrita, fundamentada, individualizada e legal de autoridade judiciária competente (cf. art. 106, da Lei nº 8.069/90), sendo considerado crime sua privação de liberdade fora das hipóteses legais (cf. art. 130, da Lei nº 8.069/90);

CONSIDERANDO que o cerceamento indiscriminado à liberdade de crianças e adolescentes, fora das hipóteses permitidas pelo art. 106, da Lei nº 8.069/90, além de atentatório aos dispositivos constitucionais já citados, fere o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e o disposto nos arts. 2º, nº 2; 15; 16 e 37, letra "b", da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989, sendo absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito no qual vivemos;

CONSIDERANDO que compete acima de tudo aos pais ou responsável, e não à autoridade judiciária, educar e estabelecer limites às crianças e adolescentes, o que compreende o controle do horário de permanência fora de casa, bem como o controle sobre as companhias e locais que aqueles freqüentam;

CONSIDERANDO que o combate à violência envolvendo crianças e adolescentes, seja na condição de autores ou vítimas, pressupõe a tomada de medidas muito mais abrangentes e eficazes que a singela e pífia decretação de "toques de recolher", compreendendo desde a orientação dos pais e responsáveis, no sentido do exercício efetivo e comedido de sua autoridade em relação a seus filhos e pupilos, até a rigorosa fiscalização dos locais onde são comercializadas bebidas alcoólicas;

CONSIDERANDO que o combate à violência demanda, acima de tudo, o enfrentamento de suas causas, cabendo ao Poder Público elaborar e implementar políticas públicas destinadas à prevenção e tratamento especializado para usuários de substâncias entorpecentes (cf. art. 227, §3º, inciso VII, da Constituição Federal), combate à evasão escolar e inserção/reinserção de crianças e adolescentes no Sistema de Ensino (cf. art. 206, inciso I e 208, da Constituição Federal), orientação, apoio e promoção social das famílias (cf. art. 226, caput e §8º, da Constituição Federal), que por sua vez demanda o aporte de recursos orçamentários dos mais diversos setores da administração, com a prioridade absoluta preconizada pelo art. 227, caput, da Constituição Federal e art. 4º, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.069/90;

CONSIDERANDO, enfim, que cabe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, como é o caso do direito à liberdade de crianças e adolescentes,

O Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná vem externar sua posição em relação aos mencionados "Toques de Recolher" nos seguintes termos:

I - O direito à liberdade de locomoção, assegurado a todas as crianças e adolescentes, assim como a todos os demais cidadãos, pelo art. 5º, inciso XV, da Constituição Federal, se constitui num direito natural que não admite cerceamento por qualquer norma infraconstitucional, o que compreende desde as leis federais, estaduais e municipais até uma singela portaria judicial;

II - Eventual tentativa de supressão ao direito à liberdade de crianças e adolescentes importa também em frontal violação às disposições contidas nos arts. 3º, 4º, caput, 5º, 15, 16, inciso I e 18, da Lei nº 8.069/90;

III - A competência normativa da Justiça da Infância e da Juventude está restrita às hipóteses taxativamente relacionadas no art. 149, da Lei nº 8.069/90, que de maneira expressa veda determinações de caráter geral (cf. parágrafo segundo do citado dispositivo), posto que não cabe à autoridade judiciária "legislar" e, muito menos, decidir de forma contrária à lei e à Constituição Federal;

IV - Qualquer portaria ou mesmo lei, seja de nível Federal, Estadual ou Municipal, que tenha a pretensão de suprimir o direito de ir e vir de crianças e adolescentes padece de inconstitucionalidade manifesta, devendo ser considerada ato

normativo inexistente, posto que contrário a uma garantia constitucional instituída a todos pela Lei Maior que não pode ser suprimida sequer por meio de emenda constitucional;

V - Eventual apreensão de crianças e adolescentes decorrentes dos referidos "toques de recolher" importa, em tese, na prática do crime tipificado no art. 230, da Lei nº 8.069/90, posto que a privação de liberdade de criança ou adolescente somente será legal quando configurado flagrante de ato infracional ou quando da existência de ordem legal, expressa, fundamentada e individualizada de autoridade judiciária competente (o que não é o caso, logicamente, de uma portaria genérica e ilegal, expedida fora do âmbito da competência normativa da Justiça da Infância e da Juventude ou de uma lei manifestamente inconstitucional);

VI - São os pais ou o responsável legal (e não o Juiz), que usando de sua autoridade, devem estabelecer, através do diálogo, os limites para permanência de seus filhos e pupilos nas ruas, podendo para tanto receber a orientação e, se necessário, o apoio estatal, nos moldes do previsto no art. 129, inciso IV, da Lei nº 8.069/90, o que por sinal faz parte do dever elementar de educação, inerente ao poder familiar, tutela ou guarda;

V - A instituição de "toques de recolher" para crianças e adolescentes, além de se tratar de uma prática ilegal e inconstitucional, não garante maior harmonia na família, não se mostra uma medida eficaz para coibir o consumo de álcool e outras substâncias entorpecentes e, muito menos, contribuem para diminuição da violência entre jovens, apenas fazendo com que tais práticas se transfiram de horário e local, sem qualquer resultado prático;

VI - Cabe ao Poder Público elaborar e implementar políticas públicas sérias e consistentes destinadas à prevenção e ao combate à violência em todas as faixas etárias, não sendo admissível qualquer prática discriminatória em relação a crianças e adolescentes, sob pena de afronta ao disposto no art. 5º, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, caput, da Constituição Federal;

VII - Crianças e adolescentes que perambulam pelas ruas durante a noite, consumindo bebidas alcoólicas e drogas, na sua grande maioria estão fora do sistema de ensino, devem ser consideradas vítimas da omissão da família, da sociedade e do Poder Público, que na forma da lei e da Constituição Federal deveriam se unir na descoberta de soluções concretas e efetivas para o problema, tendo como preocupação a promoção e defesa de seus direitos, e não na busca de alternativas para sua pura e simples repressão, como é o caso da instituição dos referidos "toques de recolher", cujo efeito é meramente "pirotécnico", posto que não enfrentam as verdadeiras causas da violência;

VIII - A supressão de direitos individuais, a pretexto da proteção infanto-juvenil, se constitui num retrocesso à sistemática vigente sob a égide do revogado "Código de Menores", que tratava crianças e adolescentes como meros "objetos" de

intervenção estatal e não como sujeitos de direitos, tal qual são hoje considerados pela Lei nº 8.069/90 e pela Constituição Federal;

IX - Cabe às autoridades públicas, assim como à família e à sociedade, através do diálogo, da ação em regime de colaboração e do investimento em políticas públicas, buscar formas mais adequadas e eficientes para proteção integral de todos os direitos infanto-juvenis, tal qual preconizado pela Lei nº 8.069/90 e pelo art.227, da Constituição Federal, voltando a repressão estatal contra aqueles que, por ação ou omissão, violam tais direitos, respeitando as normas e princípios, inclusive de Direito Internacional, aplicáveis em matéria de defesa e promoção dos direitos de crianças e adolescentes, com ênfase para a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, de 1989.

Este Centro de Apoio destaca, por fim, que possui em sua página da internet farto material destinado a fazer com que família, sociedade e Estado (lato sensu) cumpram de maneira efetiva o papel que lhes é reservado no sentido da mencionada proteção integral de crianças e adolescentes, sem que para tanto tenham de usar de expedientes ilegais, inconstitucionais e ineficazes, como os "toques de recolher", que há muito já deveriam ter sido relegados a um passado de arbítrio e opressão que não mais é compatível com o Estado Democrático de Direito em que vivemos.

Curitiba/PR, junho de 2009.

MÁRCIO TEIXEIRA DOS SANTOS Promotor de Justiça

MURILLO JOSÉ DIGIÁCOMO Promotor de Justiça

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

prólogos de Pablo Neruda

PRÓLOGO DE PABLO NERUDA PARA ANATOLE  FRANCE, PÁGINAS ESCOGIDAS, SANTIAGO, NASCIMENTO, 1924.

Foi unicamente um grande escritor. Aprendiz da sabedoria, encontrou no caminho a perfeiçao, e esqueceu o seu destino. Pediu à forma que fosse apenas forma; contudo, situado no vértice da inteligencia, sua posiçao de pura expressividade nao lhe impediu a tendencia à luta, o desejo e a desilusão da luta. Mas falemos no presente, porque este homem nao morreu. Seu personagem conversa conosco sobre a atual realidade e a atual ilusao. Pertence ao presente e seu coraçao destruído e duradouro ainda acende em chamas. Sem qualidade moral, sem o domínio do espírito, sua presença perdura. Como os grandes pensadores, conheceu uma profunda relaçao de desencanto, e alcançou alguma vez, na solidao da inteligencia, o isolamento da desesperança. Mas é certo que o reteve entre os homens a âncora de um sorriso permanente.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

TEORIA DA PERDA DA CHANCE

Perda da chance: uma forma de indenizar uma provável vantagem frustrada




Surgida na França e comum em países como Estados Unidos e Itália, a teoria da perda da chance (perte d’une chance), adotada em matéria de responsabilidade civil, vem despertando interesse no direito brasileiro – embora não seja aplicada com frequência nos tribunais do país.



A teoria enuncia que o autor do dano é responsabilizado quando priva alguém de obter uma vantagem ou impede a pessoa de evitar prejuízo. Nesse caso, há uma peculiaridade em relação às outras hipóteses de perdas e danos, pois não se trata de prejuízo direto à vítima, mas de uma probabilidade.



Não é rara a dificuldade de se distinguir o dano meramente hipotético da chance real de dano. Quanto a este ponto, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), avalia que “a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas”.



O juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo Sílvio de Salvo Venosa, autor de vários livros sobre direito civil, aponta que “há forte corrente doutrinária que coloca a perda da chance como um terceiro gênero de indenização, ao lado dos lucros cessantes e dos danos emergentes, pois o fenômeno não se amolda nem a um nem a outro segmento”.



Show do milhão



No STJ, um voto do ministro aposentado Fernando Gonçalves é constantemente citado como precedente. Trata-se da hipótese em que a autora teve frustrada a chance de ganhar o prêmio máximo de R$ 1 milhão no programa televisivo “Show do Milhão”, em virtude de uma pergunta mal formulada.



Na ação contra a BF Utilidades Domésticas Ltda., empresa do grupo econômico Silvio Santos, a autora pleiteava o pagamento por danos materiais do valor correspondente ao prêmio máximo do programa e danos morais pela frustração. A empresa foi condenada em primeira instância a pagar R$ 500 mil por dano material, mas recorreu, pedindo a redução da indenização para R$ 125 mil.



Para o ministro, não havia como se afirmar categoricamente que a mulher acertaria o questionamento final de R$ 1 milhão caso ele fosse formulado corretamente, pois “há uma série de outros fatores em jogo, como a dificuldade progressiva do programa e a enorme carga emocional da indagação final”, que poderia interferir no andamento dos fatos. Mesmo na esfera da probabilidade, não haveria como concluir que ela acertaria a pergunta.



Relator do recurso na Quarta Turma, o ministro Fernando Gonçalves reduziu a indenização por entender que o valor advinha de uma “probabilidade matemática” de acerto de uma questão de quatro itens e refletia as reais possibilidades de êxito da mulher.



De acordo com o civilista Miguel Maria de Serpa Lopes, a possibilidade de obter lucro ou evitar prejuízo deve ser muito fundada, pois a indenização se refere à própria chance, não ao lucro ou perda que dela era objeto.



Obrigação de meio



A teoria da perda da chance tem sido aplicada para caracterizar responsabilidade civil em casos de negligência de profissionais liberais, em que estes possuem obrigação de meio, não de resultado. Ou seja, devem conduzir um trabalho com toda a diligência, contudo não há a obrigação do resultado.



Nessa situação, enquadra-se um pedido de indenização contra um advogado. A autora alegou que o profissional não a defendeu adequadamente em outra ação porque ele perdeu o prazo para interpor o recurso. Ela considerou que a negligência foi decisiva para a perda de seu imóvel e requereu ressarcimento por danos morais e materiais sofridos.



Em primeira instância, o advogado foi condenado a pagar R$ 2 mil de indenização. Ambas as partes recorreram, mas o tribunal de origem manteve a sentença. No entendimento da ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial na Terceira Turma, mesmo que comprovada a culpa grosseira do advogado, “é difícil antever um vínculo claro entre esta negligência e a diminuição patrimonial do cliente, pois o sucesso no processo judicial depende de outros fatores não sujeitos ao seu controle.”



Apesar de discorrer sobre a aplicação da teoria no caso, a ministra não conheceu do recurso, pois ele se limitou a transcrever trechos e ementas de acórdãos, sem fazer o cotejo analítico entre o acórdão do qual se recorreu e seu paradigma.



Evitar o dano



Em outro recurso de responsabilidade civil de profissional liberal, o relator, ministro Massami Uyeda, não admitiu a aplicação da teoria da perda da chance ao caso, pois se tratava de “mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável”.



No caso, um homem ajuizou ação de indenização por dano moral contra um médico que operou sua esposa, pois acreditava que a negligência do profissional ao efetuar o procedimento cirúrgico teria provocado a morte da mulher.



A ação foi julgada improcedente em primeira instância, sob três fundamentos: o autor deveria comprovar, além do dano, o nexo causal e a culpa do médico; as provas produzidas nos autos não permitem atribuir ao médico a responsabilidade pelos danos sofridos pelo marido; não há de se falar em culpa quando surgem complicações dependentes da condição clínica da paciente.



Interposto recurso de apelação, o tribunal de origem deu-lhe provimento, por maioria, por entender que o médico foi imprudente ao não adotar as cautelas necessárias. O profissional de saúde foi condenado a pagar R$ 10 mil por ter havido a possibilidade de evitar o dano, apesar da inexistência de nexo causal direto e imediato.



No recurso especial, o médico sustentou que tanto a prova documental quanto a testemunhal produzida nos autos não respaldam suficientemente o pedido do marido e demonstram, pelo contrário, que o profissional adotou todas as providências pertinentes e necessárias ao caso.



De acordo com o ministro Uyeda, “para a caracterização da responsabilidade civil do médico por danos decorrentes de sua conduta profissional, imprescindível se apresenta a demonstração do nexo causal”. Ele deu parcial provimento ao recurso para julgar improcedente a ação de indenização por danos morais

sábado, 20 de novembro de 2010

A DANÇA DOS JOGOS E DOS VALORES

A DANÇA DOS JOGOS E DOS VALORES





A vida sempre nos ensinou a relação que existe entre o sujeito e o objeto desejado. Esta relação faz brotar o interesse, que pode ser intenso ou não, dependendo do sentimento ou da paixão despertada pelo objeto buscado. Segundo alguns estudiosos, a ética não pode ser confundida com a moral, pois a primeira é uma parte da filosofia que tem a função de estabelecer concepções acerca do ser humano e de seu destino, estatuindo valores e princípios que orientam pessoas e sociedades, enquanto a moral é prática concreta das pessoas que se expressam por costumes, hábitos e valores culturalmente consagrados na e pela sociedade. Não podemos conceber a ética e a moral sem liberdade, ação e valores, pois só a partir do momento em que o ser humano tem a liberdade de consultar os seus valores, e age livremente, desta ou daquela forma, é que podemos avaliar se a sua conduta está ou não em conformidade com os valores estabelecidos pela ética.

A existência humana está apoiada na razão (logos) e na paixão ou sentimento (pathos). Segundo Ricardo Cunha, “a ética, para ganhar um mínimo de consenso, deve brotar da base última da existência humana. Esta não reside na razão, como sempre pretendeu o Ocidente. Na raiz de tudo não está a razão (logos), mas a paixão (pathos). Pela paixão captamos o valor das coisas. E o valor é o caráter precioso dos seres, aquilo que os torna dignos do que são e os faz apetecíveis. Só quando nos apaixonamos vivemos valores. E é por valores que nos movemos e somos”.

O assunto é por demais abrangente e instigante para comportar neste artigo, por essa razão me limitarei a falar de valores, recortando três aspectos do nosso cotidiano para demonstrar a incoerência de determinados valores.

É muito comum percebermos numerosas filas de pessoas nas casas lotéricas, principalmente quando o premio da mega sena está acumulado. São milhares de pessoas, boa parte delas, pessoas pobres, simples e que depositam esperança em ganhar aquele prêmio para mudar sua vida. A esperança nasce durante o dia, mas morre inapelavelmente ao anoitecer, com a notícia já desgastada de que não houve nenhum ganhador e que o prêmio foi acumulado, ou, o que é pior, apenas um apostador de São Paulo ganhou a mega-sena sozinho. Na verdade, este jogo de azar, oficializado, foi feito para não ser ganho, ou melhor, para iludir a boa-fé de milhares de pessoas que retiram um “dinheirinho suado” do seu orçamento já minguado para fazer uma “fezinha” e assim ter a oportunidade de transformar sua vida dura. O que se infere é que o governo estimula a própria desigualdade social, o que vai de encontro à Constituição Federal – art. 3º, inc. III -. Ora, a partir do momento em que são de um só ganhador 15 ou 20 milhões de reais, ele sairá da classe D e passará a integrar a classe A, aumentando ainda mais o fosso da desigualdade social, que coloca o Brasil próximo de países como Guiné –Bissal. Todavia, os ganhadores da quina, quadra e terno, que receberão insignificantes reais, permanecerão nas suas originais classes sociais, e pouco ou quase nada conseguirão fazer com os trocados que ganharam. Indaga-se: por que num país tão desigual e cheio de contrastes, o bolo não é melhor dividido? Poderia premiar melhor quem ganhasse a quina ou a quadra, ou mesmo acabar com a sena. Com certeza, um número maior de pessoas, principalmente pobres, poderiam ser beneficiadas. Por que isso não acontece? É uma questão de valor, aliás de “valores pecuniários”. O governo não está muito preocupado em diminuir a desigualdade social ou melhorar a vida das pessoas, mas está preocupado com uma arrecadação cada vez maior. Veja o jogo do bicho, que é uma contravenção à luz do ordenamento jurídico, mas que emprega milhares de pessoas e propicia que um número cada vez maior de pessoas pobres ganhe o prêmio. Ele, o jogo, é proibido, mas, ao mesmo tempo, é permitido, pois está presente em cada esquina da cidade e seus resultados são divulgados por AMs e FMs, permissionárias da administração pública. Qual é o problema do jogo do bicho? Arrecadação. Se for legalizado, e o governo conseguir retirar a sua fatia, ele, além de moral (prática reiterada de hábitos e costumes verificados em determinada sociedade) – que já é – passará a ser legal.

Uma outra situação que mexe com milhares de brasileiros: o futebol. Veja a incoerência dos valores. A equipe que joga em casa e empata terá o mesmo número de pontos da equipe visitante. Ora, os valores são diferentes. A equipe que empata em casa, com o apoio de sua torcida, normalmente experimenta uma sensação de frustração por não ter obtido a vitória sobre a equipe visitante em seus próprio domínios. Já a equipe que empata fora dos seus domínios, normalmente comemora, pois conseguiu empatar fora de casa. Lógico que os valores deveriam ser diferentes. A equipe que empata em casa deveria obter 1 ponto, e a equipe que empata fora, 2 pontos. Da mesma forma, a equipe que vence em casa obteria 3 pontos e a equipe que vence fora de casa deveria merecer 4 pontos. Creio que, assim, os valores seriam mais coerentes nas partidas de futebol e se estabeleceria uma maior igualdade entre as equipes concorrentes.

Finalmente, na área criminal experimentamos algumas reminiscências do modelo autoritário de Estado e do caráter patrimonialista das leis, que procuravam emprestar mais valor ao “ter” do que ao “ser”. O princípio da dignidade da pessoa, que, na visão kantiana, coloca o homem como um fim em sim mesmo, ainda não havia despertado o interesse dos legisladores brasileiros. Veja a incoerência do nosso Código Penal: uma pessoa pobre que furta uma lata de leite em pó no supermercado para alimentar seu filho, pode ser presa em flagrante e ser condenada a uma pena privativa de liberdade de até 4 anos de prisão, enquanto o sujeito que ofende a sua honra e dignidade, cometendo o crime de injúria, por exemplo, não será preso em flagrante e nem será condenado a pena privativa de liberdade, pois poderá ser agraciado com uma pena alternativa, como, por exemplo, ofertar uma cesta básica a uma pessoa carente.

Precisamos encontrar a justa medida dos valores, estabelecendo um maior diálogo entre o logos e o pathos, no sentido de reorientar melhor os rumos de nossa caminhada terrena, voltados para o cultivo dos valores da igualdade, justiça, solidariedade e da própria dignidade da pessoa humana. Só assim poderemos pensar numa sociedade mais justa e igualitária.



Autor: MARCOS BANDEIRA

terça-feira, 16 de novembro de 2010

VARA DA INFANCIA E JUVENTUDE CAPACITA PRETENDENTES Á ADOÇAO

VARA DA INFANCIA E JUVENTUDE DE ITABUNA CAPACITA PRETENDENTES Á ADOÇAO.





Cerca de 30 pretendentes a pais adotivos participaram do curso de capacitação psicossocial e jurídica ministrado pela equipe técnica da Vara da Infancia e Juventude de Itabuna nesta sexta-feira – dia 12/11 - , no auditório da Vara. A assistente social Terezinha e a psicóloga Gerbara coordenaram a capacitação, fazendo também a abordagem de todos os aspectos piscossociais da adoção, mostrando as dificuldades e apontando o caminho a se r seguido pelos pretendentes, ilustrando a exposição com vídeos e testemunhos de pais adotivos.

O juiz Marcos Bandeira abordou à exaustão toda a parte jurídica, mostrando que adoção é uma escolha para sempre, pois a adoção é irrevogável. “ A partir do transito em julgado da sentença concessiva da adoção é irrelevante o arrependimento dos pais biológicos, pois o juiz já determina o cancelamento do registro civil original e manda lavrar outro, valendo ressaltar que todo o processo é isento de custas”, finalizou Bandeira.

Este é o segundo curso de capacitação psicossocial e jurídica realizado pela Vara da Infancia e Juventude da Comarca de Itabuna realizado este ano. O juiz Marcos Bandeira pretende realizar outro curso no mês de março do ano próximo, pois entende que uma boa capacitação é fundamental para que  uma adoção seja bem sucedida, pois não se pode entregar a criança a qualquer um, mas a uma família que seja capaz de proporcionar um ambiente saudável e adequado para o pleno desenvolvimento da criança.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

JURISPRUDENCIA - INTERNAÇÃO E SEMILIBERDADE . EXTINÇÃO PELA MAIORIDADE. IMPOSSIBILIDADE.

HABEAS-CORPUS . ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO ROUBO QUALIFICADO TENTADO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE EXTINÇÃO DA AÇÃO SOCIOEDUCATIVA PELA MAIORIDADE. IMPOSSIBILIDADE.  As medidas socioeducativas consistentes na restrição ao direito de ir e vir(internação e semiliberdade), podem perdurar até os 21 anos, desde que a prática tenha ocorrido antes de o adolescente completar os 21 anos, de acordo com a excepcionalidade prevista no artigo 2º , parágrafo único, da lei 8.069/90. No caso em tela, é cabível a aplicação de tais medidas socioeducativas já que trata-se de ato infracional que tem como elementares a violência e a grave ameaça. A súmula 338 do STJ admitiu a aplicação dos prazos prescricionais previstos no Código Penal aos atos infracionais praticados por adolescentes, entretanto, no caso em tela,a prescrição não pode ser reconhecida por falta de lapso temporal. ORDEM DENEGADA. Leg: ato infracional análogo ao art. 157, § 1º, inciso II, do Código Penal.( proc. nº 0001381-92.2010.8.19.0000 - HC - Des. Alexandre H Varella . Julgamento: 02/02/2010 n- 7ª Câm Criminal do TJRJ).

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

JUIZ MARCOS BANDEIRA ABRE VI SEMANA JURÍDICA EM ITAMARAJU

JUIZ MARCOS BANDEIRA ABRE VI SEMANA JURÍDICA EM ITAMARAJU






Iniciou nesta segunda-feira, 8 de novembro, no auditório da Cesesb, a VI Semana Jurídica promovida pela coordenação de Direito da faculdade Facisa/Cesesb, com o objetivo fomentar o estudo jurídico de temas atuais e importantes.

A mesa foi composta pelo coordenador do curso de Direito, professor Wanderson da Rocha Leite, diretor-geral da Facisa, prof. Jailson Rosa Siqueira, o secretário de Infraestrutura da Bahia, Wilson Alves de Brito, juntamente com o palestrante Dr. Marcos Bandeira. O objetivo do evento é aproximar o aluno de profissionais do mercado, obtendo uma visão ampla do Direito e aprofundando a construção do conhecimento científico.

O Juiz  Marcos Bandeira, juiz titular  da   Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna, ministrou a palestra com o tema A nova lei de adoção, onde fez abordagens sobre as inovações da nova lei de adoção que entrou em vigor em novembro do ano passado, mostrando a operacionalização dos cadastros estaduais e nacionais de adoção, bem como sobre o espírito da nova lei que busca fortalecer à convivência familiar de crianças e adolescentes. O tema mais polêmico da palestra foi sobre a possibilidade da adoção por casais homoafetivos. Bandeira mostrou os argumentos das duas correntes que se digladiam no Brasil, exteriorizando ao final a sua posição ,  numa visão constitucional, sem a pecha do preconceito, sustentando a possibilidade da adoção por casais homoafetivo, inclusive, salientou que referida posição já foi referendada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça. O juiz Marcos Bandeira é especialista em Direito Processual Civil pela UESC, especialista em ciências criminais  pela UNAMA, professor da UESC e doutorando em Direito pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora na Argentina, sendo ainda  autor dos livros Guarda de Tutela na Prática Forense, Adoção na Prática Forense, Atos Infracionais e Medidas Socioeducativas, Tribunal do Júri, e co-autor do livro Princípios Penais Constituciuonais, da editora juspodivm , além de ter vários artigos científicos publicados em revistas especializadas. A palestra foi muito bem aceita pela assembléia de mais de 350 participantes, entre professores, acadêmicos de Direito, operadores de Direito e diversos convidados, que lotaram literalmente o auditório do CESEB, em Itamarajú.
Ontem, - dia 09/11 -  o Juiz da Vara da Infancia e Juventude de Salvador e professor universitário, Salomão Resedá ministrou palestra sobre a democracia participativa e o Direito do Menor. O Seminário encerrará no próximo dia 12/11 com a  palestra do Dr. Alfredo Coimbra, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri de São Paulo, que falará sobre o " Novo Procedimento do Tribunal do Júri".

sábado, 6 de novembro de 2010

PORQUE O SISTEMA NÃO FUNCIONA?

PORQUE O SISTEMA NÃO FUNCIONA?






Andei, meditei e consumi quase vinte anos de magistratura criminal para responder a essa pergunta. Certa feita, um grande amigo meu, observando a minha luta inglória e árdua pela defesa dos direitos humanos me disse ironicamente: “ você conhece a história de Sísifo? É aquela do sujeito que leva a pedra até o cume da montanha e a pedra volta a cair, e ele novamente e infinitamente leva a pedra até o topo da montanha, e a pedra volta a cair...pois é , você está parecendo sísifo! Você não sabe que esse sistema foi feito para não funcionar Marcos? Tergiversei e mudei o rumo da prosa, mas decorridos quase vinte anos, cheguei a conclusão de que o sistema penitenciário brasileiro, pelo menos na Bahia, não funciona. O meu amigo estava absolutamente correto!

O tempo passou, os hábitos mudaram, a ciência inovou e avançou consideravelmente a humanidade, o muro de Berlin caiu, acabou a guerra fria, , mas as manchetes de jornais continuam as mesmas. Apenas os protagonistas mudaram: “ rebelião na Cadeia Pública de Itabuna”, juiz ameaça interditar a cadeia pública, superlotação, 35 presos fogem da Cadeia pública de Itabuna. 15 presos fogem da Cadeia pública de Coaraci; mais de 14 presos dividiam uma pequena cela onde deveriam caber no máximo 04 presos. Essas notícias já são batidas na mídia pela repetição do que acontece ordinariamente no interior dos cárceres fétidos e insalubres da Bahia, que já não chama tanta a atenção.

Ainda , no exercício da função de juiz de execução penal em Itabuna, tentamos extrair leite de pedra, quando criamos o Conselho da Comunidade em 1998 e cadastramos 150 presos e os levamos para o ginásio de esportes da Cidade, onde 14 presos foram libertados, nove dos quais com penas já devidamente cumpridas. Encontravam-se esquecidos como acontecia nas masmorras do século XIX. Derrubamos paredes, criamos salas de aulas para ministrar aulas de alfabetização , capacitação em refrigeração em ar condicionado, bijouterias e pinturas. Combatemos em conjunto com o Conselho da Comunidade e com a pastoral carcerária, comandada pelo advogado David Pedreira, diuturnamente, torturas praticadas por policiais civis e denunciamos as atrocidades as autoridades competentes. Visitávamos a cadeia pública toda a semana e nos reuníamos ás terça-feiras. Nesse período – de 1998 a setembro de 2000 – não houve rebelião nem fugas, e na cadeia pública de Itabuna 51 presos provisórios votaram nas eleições de 2000, sem que houvesse qualquer incidente. Foi a primeira vez que presos provisórios exerceram efetivamente o direito de voto no Estado da Bahia. Em todo o processo de restauração de dignidade dos presos, o Estado permaneceu inerte e indiferente, sem qualquer participação, a não ser a resistência natural contra o trabalho ressocializador levado a cabo pelo Juiz de Execução Penal de Itabuna, Conselho da Comunidade e Pastoral Carcerária, enfim a sociedade itabunense. Sempre defendemos que o policial civil deve ser acionado para exercer suas funções investigatórias, e não cuidar de presos, mas passados quase vinte anos é o que acontece ainda em Itabuna e boa parte do Estado da Bahia, apesar dos inúmeros apelos feitos aos diversos secretários de justiça e de segurança pública que se revezaram nos altos escalões do governo.

Cada Secretário que entra em exercício no governo, seja da situação ou oposição, desta ou aquela ideologia política, alguns até com uma história e um discurso inatacável na área de direitos humanos, todavia, quando assume o munus nada acontece que seja capaz de mudar esta dura realidade de nossos cárceres. A vida dos encarcerados continua a mesma. As caras são as mesmas! Em nossos cárceres prepondera a massa dos três P..Pobres, pretos e prostitutas. Esse grupo foi eleito como inimigo do Estado. Antigamente na ditadura o inimigo era o subversivo, aquele que pensava ou se comportava diferentemente dos padrões estabelecidos e exigidos pelos governantes de plantão. Agora, o Estado determina: “ Precisamos nos livrar desses desvalidos e de sua nefasta presença.. precisamos mantê-los longe de nossos olhos por bastante tempo... cadeia neles! Esse é o discurso oculto que fomenta essa situação absurda de nossos cárceres. Porque não há qualquer projeto pedagógico? Porque não há trabalho com o egresso e a família do preso? Porque policiais civis continuam a tomar conta de presos provisórios? Porque as torturas ainda continuam no interior dos cárceres baianos? Porque os presos continuam ociosos? Porque ainda se prendem ilegalmente? Eis a resposta: o sistema parece que foi feito para não funcionar. Ressocialização? É um discurso vazio que não engana mais ninguém, pois todos sabem que o índice de reincidência nas penas privativas de liberdade já alcança o patamar de 85% e o custo de cada preso é de aproximadamente R$ 1.200,00 por mês. As nossas cadeias e alguns presídios, na verdade, são verdadeiros depósitos de seres humanos treinados para serem bandidos. As cadeias pública da Bahia, com raras exceções, são verdadeira fábricas de bandidos. Aí está uma matriz da violência em nossas cidades. A reincidência verificadas nas penas privativas de liberdade. Como sabemos, não existe prisão perpétua em nosso ordenamento jurídico. Eles - os detentos - certamente vão ser colocados em liberdade, e quando saírem serão verdadeiros monstros, embrutecidos, esmigalhados, pois normalmente não aprenderem qualquer oficio e nem se tornaram melhores como ser humano . Agora encontra-se sem renda, sem família e sem teto. Neste mundo competitivo e consumista a prática do próximo crime será só uma questão de tempo. O crime é apenas mais um convite. Na verdade, o Estado faz de conta que ressocializa e o preso faz de conta que está ressocializado, e volta a cometer delitos na sociedade, assim que deixa o cárcere.

A lei de execuções penais é por demais benéfica ao infrator e constitui um verdadeiro convite à impunidade, pois nos crimes comuns, por exemplo, um sujeito condenado a 12 anos de reclusão, basta seguir as normas interna do Presídio, demonstrando ostentar um “bom comportamento”, e cumprir 1/6 da pena, que já estará no regime semi-aberto, o qual em face da ausência de parâmetros precisos, já permite em algumas unidades que o sentenciado cumpra a pena em liberdade com algumas obrigações. Finalmente, mesmo que o sentenciado venha pernoitar na unidade carcerária, será permitido o acesso ao trabalho e a escola, valendo ressaltar que transcorrendo mais 1/6, o sentenciado já estará em regime aberto, ou seja, em liberdade. Na verdade, o sujeito que foi condenado a 12 anos de reclusão, acaba cumprindo menos de quatros anos de prisão. É verdade, que já houve uma mudança com relação aos crimes considerados hediondos, no que concerne ao estabelecimento de requisitos mais rigorosos para a obtenção do benefício, entretanto, nos demais crimes previstos no Código Penal e legislação extravagante, a Lei de Execuções Penais é extremamente benevolente com o autor de ilícitos penais graves.

Esses foram os motivos pelos quais deixei de ser juiz criminal, e , principalmente, Juiz da Vara de Execuções Penais da Comarca de Itabuna. O sistema, infelizmente, não funciona. Cansei de ser Sísifo, mas ainda continuarei a depositar as minhas esperanças nas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, trabalhando incessantemente para inserí-los no sistema de garantias de direitos, a fim de se tornarem verdadeiros cidadãos. Só assim poderemos olhar para o horizonte e vislumbrarmos um mundo melhor para as próximas gerações. Evidentemente que esse sonho só se concretizará se o sistema também assim o permitir.

Marcos Bandeira – Juiz da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna.





quinta-feira, 4 de novembro de 2010

JURISPRUDENCIA - STJ REJEITA PRESCRIÇÃO VIRTUAL

STJ PACIFICA ENTENDIMENTO SOBRE EXTINçãO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIçãO DA PRETENSãO PUNITIVA


Publicada em 03-05-2010

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a Súmula n. 438, que reconhece ser inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.



A matéria sumulada foi relatada pelo ministro Felix Fischer e teve como referência os artigos 109 e 110 do Código Penal. O artigo 109 diz que “a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime”. Já o artigo 110 afirma que “a prescrição, depois de transitar em julgado a sentença condenatória, regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente”.



No Resp n. 880.774, os ministros da Quinta Turma decidiram que, de acordo com o Código Penal, tem-se que a prescrição somente se regula pela pena concretamente aplicada ou, ainda, pelo máximo de sanção, abstratamente previsto. Para eles, é imprópria a decisão que extingue a punibilidade pela prescrição com base em pena em perspectiva.



No julgamento do RHC n. 18.569, a Sexta Turma destacou que é inviável o reconhecimento de prescrição antecipada, por ausência de previsão legal. Segundo os ministros, trata-se de instituto repudiado pela jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal (STF), por violar o princípio da presunção de inocência e da individualização da pena, a ser eventualmente aplicada.



Ao analisarem o HC n. 53.349, a Quinta Turma entendeu que a extinção da punibilidade pela prescrição regula-se, antes de transitar em julgado a sentença, pelo máximo da pena prevista para o crime ou pela pena efetivamente aplicada, depois do trânsito em julgado para a acusação, conforme expressa previsão legal. Portanto, não existe norma legal que autorize a extinção da punibilidade pela prescrição em perspectiva.



Fonte: STJ

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A DISCIPLINA DIREITO DOS TRANSPORTES : um novo direito










INTRODUÇÃO



O transporte em seu sentido técnico – deslocamento de pessoas ou coisas – é algo essencial, diria mesmo, indispensável no nosso cotidiano. Basta perceber que a partir do momento que você sai de sua residência, já necessita de um veículo para lhe transportar para o trabalho ou outro ponto que deseja deslocar-se, seja ônibus, metrô, automóvel particular, motocicleta, bicicleta, ou até mesmo indo a pé você vai se deparar com os diversos meios de transportes de pessoas e objetos.

Com efeito, o tema transporte se reveste de importância e relevância porque faz parte de nossas vidas. Todavia, deve-se ressaltar que esses meios de transportes em face da evolução tecnológica estão são cada vez mais rápidos e apresentam riscos às pessoas. Por isso, deve também proceder o deslocamento de pessoas e c oisas, principalmente, em relação às pessoas, com um mínimo de conforto, considerável segurança e menos tempo. A dinâmica da vida moderna impõe esse novo modelo, seja nas vias terrestres, seja no ar , seja na água , no espaço sideral, seja através dos ductos subterrâneos. A segurança nos transporte é algo hoje que se busca incessantemente, no sentido de diminuir acidentes e a morte de pessoas.

No Brasil, o que se observa é uma rede desarticulada de transportes, onde cada ramo tem sua própria legislação, como o código da aeronáutica, da marinha, dos transportes terrestres, enfim, de sorte que cada meio de transporte fica encerrado em sua própria legislação sem saber ao certo o que acontece com outros meios de transportes. Com efeito, como não existe uma integração do direito de transporte, o que se observa é que a maior parte da população, principalmente os operadores do Direito, conhece as regras de determinado meio de transportes, mas desconhece a dos demais. Se a aviação vai bem, o transporte de massa não funciona satisfatoriamente. O motorista de automóvel não recebe desde a infância uma educação para dirigir veículos automotor. Os motoristas de ônibus e caminhões não são devidamente preparados e muitos deles são submetidos a uma jornada de trabalho desumana, sem limites, e alguns são obrigados a ingerir rebite para cobrir a jornada, e acabam causando verdadeiras tragédias nas estradas brasileiras.

Com a aproximação da copa do mundo no Brasil começa a ser questionada a infraestrutura dos aeroportos, dos transportes de massa, como metrô, ferrovias e ônibus no sentido de recepcionar milhares de pessoas que deslocarão de várias partes do mundo e do próprio Brasil para assistir a copa do mundo. Os primeiros resultados das inspeções não são boas e há uma corrida contra o tempo para que o Brasil possa criar uma infraestrutura a altura de suportar uma demanda de copa de mundo e olimpíadas, que ocorrerão , respectivamente, em 2114 e 2116.

Dentro dessa perspectiva, e valendo da tese do prof. Calleja, creio que é oportuno refletir sobre a possibilidade da inserção da disciplina Direito dos Transportes como disciplina autônoma, no sentido de contribuir para a integração desses meios de transportes e de realçar a importância desta disciplina para a vida das pessoas, ampliando a visão sistêmica dos diversos meios de transportes, sem violar a autonomia cientifica de cada um dos meios de transporte. Assim, certamente, criando-se uma teoria geral de transportes estará edificando as condições para uma maior compreensão do fenômeno transportes em nosso país.



FATO TÉCNICO

 O fato técnico unificador que reclama a integração dos diversos meios de transporte é o que denominados deslocamento, pois não se pode falar em transporte em que haja deslocamento de um ponto a outro de pessoa ou coisa. Nesse sentido, o professor e doutor Martin Calleja ao defender sua tese de doutorado sobre “el transporte como disciplina jurídica perante a Universidade del Museo Social Argentino”, assim prelecionou:



“ Sin dudas no hay transporte sin desplazamiento, sin traslado de personas o cosas de um punto a outro em el espacio. Consecuentemente, creemos encontrar em esta observación, el fundamento primário de la idea que aqui se expone. El desplazamiento( transporte em el sentido técnico) hace a la unicidad del transporte, porque es el elemento común buscado.

Vê-se, pois que o desplazamiento de personas o cosa é o elemento comum que congrega todos os meios de transporte, e que sustenta uma teoria geral sobre transportes, voltada para a unificação e integração dos diversos meios de transportes, abordando o âmbito espacial, a infraestrutura , os sujeitos, os bens e todas relações jurídicas, sistematizando todos os meios de transportes. A autonomia do direito marítimo, aeronáutico, ferroviário ou rodoviário, não constitui obstáculo para a construção da teoria geral dos transporte. O doutor e Professor Calleja em sua referida obra, explicita:



“ Em suma, nuestra propuesta parte de los presupuestos básicos enunciados precedentemente para, de esta manera, desarrollar el contenido de uma matéria que, leje de desconocer los microsistemas jurídicos existentes, se sirve de ellos e los fines de ser expuesta como um todo orgânico sustantivo y necessariamente interdisciplinario”.



Como se depreende, a autonomia dos diversos meios de transportes – terrestre, marítimo, aeronáutico e espacial, não inviabiliza a construção de uma teoria geral sobre transportes, contrario sensu, a aprendizagem do conhecimento sistematizado e unificado de todos os meios de transporte, capacitará o estudante e futuro operador do direito a dominar todos os ramos do direito de transporte, e não apenas determinado meio de transporte, como ocorre atualmente, em face da fragmentação do conhecimento.



DIREITO AERONÁUTICO, MARÍTIMO E TERRESTRE – GENERALIDADES.



O fenômeno da aviação começou a despertar o interesse da comunidade jurídica em geral a partir do momento em que o brasileiro Alberto Santos Dumont realizou em torno da torre Eiffel, em Paris, um vôo em dirigível por ele fabricado e conquistou o “prêmio Destsch” , no dia 19 de outubro de 1901. Na verdade, o direito aeronáutico recebeu influência direta e importou várias normas do direito marítimo, que se desenvolveu primeiro, pois desde os Fenícios os homens procuravam diminuir as distancias através dos mares e oceanos, e assim, a navegação e o tráfico marítimo se desenvolveu rapidamente em várias cidades marítimas da Europa e depois para todo o mundo. Lacerda á época, em face dessa ligação que existia do direito aeronátuico com o direito marítimo, negava autonomia ao direito aeronáutico, senão vejamos:



“ O nosso intuito será, pois, preliminarmente, apresentar a situação do problema da autonomia do direito marítimo e do direito aeronáutico, em face das principais correntes da doutrina. De início, porém, convém salientar que, para nós, o direito marítimo ainda hoje se destaca com seu caráter particularista capaz de garantir-lhe a autonomia. Outrotanto, todavia, não concebemos em relação ao direito aeronáutico, de vez que , já afirmamos certa vez, nasceu ele embalado pelos princípios normativos do direito marítimo”.



Antes da primeira guerra mundial havia poucos estudos sobre o direito aeronáutico no mundo, podendo-se afirmar que a fundação do Comitê juridique international de l`avation, realizado em Paris, em 1911 e destinado a elaborar um Código Internacional do Ar foi , sem dúvida, o grande evento relacionado a navegação aérea nesse período. Todavia, após a primeira guerra mundial, cresce a literatura sobre navegação aérea e é criada a Comissão Internacional de Navegação Aérea em Paris, em 1919, sendo depois substituída pela Convenção de Chicago de 1944. A partir daí realizaram-se várias convenções sobre o direito aeronáutico, como a convenção de Genebra em 1948, a Convenção de Tóquio de 1963, valendo ressaltar que no Brasil o primeiro regulamento sobre a navegação aérea foi aprovada pelo Decreto nº 16.983, de 22 de junho de 1925, assentados nos princípios da Convenção de Paris de 1919. Várias leis posteriores foram criadas sobre o assunto, inclusive a que criou o Ministério da Aeronáutica( decreto-lei nº 2.961, de 20 de janeiro de 1941).

Hoje, já há em algumas Faculdades de Direito no Brasil que adota conteúdo de direito aeronáutico, desprendendo-o do direito comum, seja como disciplina autônoma, seja como parte do conteúdo do direito comercial, que é ministrado , o que convalida á sua autonomia científica e didática. Destarte, hoje já não existe qualquer controvérsia sobre a autonomia do direito aeronáutico, em face de ser um ramo que possui princípios e regras próprias, inclusive no que toca à legislação específica, possuindo, portanto, conceito, conteúdo e objeto próprios. Tentando encontrar um conceito que traduza toda a sua autonomia como ramo independente do Direito, vejamos os seguintes conceitos dos juristas da Espanha e da Argentina:

O Direito Aeronáutico é o conjunto de normas de Direito Público e Privado da Navegação Aérea dedicada ao transporte de coisas e de pessoas, mediante a utilização de aeronaves, e as relações jurídicas nascidas de tal sistema. (Gay de Montella – Tratadista Espanhol )



O Direito Aeronáutico é o conjunto de princípios e normas, de Direito Público e Privado, de ordem interna e internacional, que regem as instituições e relações Jurídicas nascidas da atividade aeronáutica ou modificadas por ela. (Videla Escalada - Tratadista Argentino)



No Brasil a legislação aeronáutica está disciplinada atualmente pelos Tratados e Convenções internacionais, das quais tenha aderido, bem como pelo Código Brasileiro da Aeronáutica – Lei nº 1.565/86 – e por outras legislações esparsas, decretos regulamentadores da atividade aérea, etc.



Inicialmente, cabe salientar que muito do que foi dito a respeito do direito marítimo, no sentido de que as várias relações travadas no âmbito marítimo atribuem muita importância àquele ramo do direito, serve, mutatis mutandis, para o direito aeronáutico, de modo que é desnecessário repetir boa parte do que já foi expendido até aqui.



Não obstante, outras considerações devem ser feitas, dada a peculiaridade do direito aeronáutico. Assim, conforme o ensinamento de Adherbal Meira Mattos, em artigo já citado, o Direito Aeronáutico compreende o conjunto de normas internacionais que regulam o espaço aéreo e sua utilização. Nesta, estão incluídos problemas relativos à navegação, à radiotelegrafia e à radiotelefonia.



Ainda quanto ao conceito, segundo Fábio Giannini, tem-se alguns formulados por tratadistas que escreveram acerca do tema, quais sejam: o do italiano Pietro Cogliolo, para quem o Direito Aeronáutico é o conjunto de normas de Direito Público e Privado da Navegação Aérea e, em geral, do movimento das aeronaves e outros aparelhos que se movem no ar, em relação com as coisas, com as pessoas e com a terra. Já o espanhol Gay de Montella conceitua da seguinte forma: o Direito Aeronáutico é o conjunto de normas de Direito Público e Privado da Navegação Aérea dedicada ao transporte de coisas e de pessoas, mediante a utilização de aeronaves, e as relações jurídicas nascidas de tal sistema. Videla Escalada, tratadista argentino dá o seguinte conceito: o Direito Aeronáutico é o conjunto de princípios e normas, de Direito Público e Privado, de ordem interna e internacional, que regem as instituições e relações Jurídicas nascidas da atividade aeronáutica ou modificadas por ela.



Vistos os conceitos, é válido dizer que existem outras denominações dadas a essa ramo do direito, a saber: Direito da Navegação Aérea, Direito da Locomoção Aérea, Direito da Aviação e Direito Aéreo, sendo certo, contudo, que as mais aceitas são direito aéreo ou direito aeronáutico.



Não é demais acrescentar que no âmbito do direito aeronáutico, foram formuladas teorias acerca da natureza jurídica do espaço aéreo. Assim, consoante o ensinamento de Adherbal Meira Mattos, existem duas teorias sobre a natureza jurídica do espaço aéreo. Uma, é a teoria da liberdade absoluta, defendida por Fauchille, e outra, a teoria da soberania, defendida por Westlake e Holtzendorff. A teoria da liberdade absoluta tinha por fundamento o direito de conservação do Estado subjacente. Confundiu espaço aéreo (por sua própria natureza apropriável) com o ar (por sua própria natureza inapropriável). A teoria da soberania apresenta dois aspectos. Um deles é o direito de passagem inocente defendido por Westlake. O outro, aceito por Holtzendorff, é o de uma limitação em altitude. O direito de passagem inocente constou, expressamente, das Convenções de Paris e de Chicago, sobre a matéria. Por falar em convenções, é mister citar que no âmbito internacional, tratados e convenções foram avençados no tocante ao direito aeronáutico. Desse modo, a Convenção Internacional de Paris, de 1919, defendia o exercício de soberania absoluta do estado subjacente e admitia o sobrevôo inocente e, além disso, criou um órgão especial - a Comissão Internacional de Navegação Aérea (CINA) – para estudos dos problemas vinculados à navegação aérea. Tal Convenção foi modificada pelo Protocolo de Londres (1922 e 1923) e pelo Protocolo de Paris (junho e dezembro de 1929). As Convenções de Madri, de 1926, e de Havana, de 1928, também se ocuparam do assunto. Suas principais regras jurídicas constaram da Convenção sobre Aviação Civil Internacional, de Chicago, de 1944. Tal Convenção compreende, ainda, um Acordo Provisório, o Acordo de Bermudas, de 1946, entre EUA e Inglaterra, e um Protocolo de Emenda de 1947. Inúmeros Estados a assinaram e ratificaram, inclusive o Brasil, e muitos a ela aderiram. Há, ainda, a Convenção sobre Interferência ilícita Contra a Aviação Civil Internacional, que foi assinada em Montreal, em 1971, considerando infração penal: um ato de violência contra pessoa a bordo de uma aeronave em vôo, se tal ato compromete a segurança da aeronave; a destruição de uma aeronave; danos a serviços de navegação aérea; a colocação de engenhos ou substâncias destinados a destruir uma aeronave; informações falsas que comprometam a segurança de uma aeronave em vôo etc. Esta Convenção considera uma aeronave em vôo desde o momento de seu preparo, até 24 horas após a sua aterrissagem.



Acerca do objeto do direito aeronáutico, tem-se que é constituído pelos seguintes elementos: o espaço aéreo, seu domínio e a soberania sobre ele; a aeronave; a infra-estrutura; o pessoal aeronauta; a construção de aeronaves; a utilização de aeronaves; a aquisição de aeronaves; o transporte aéreo comercial; os serviços aéreos especializados; a responsabilidade; os seguros; a busca e salvamento e a investigação de acidentes, segundo ensina Fábio Giannini, em artigo intitulado Direito Aeronáutico.



Quanto à legislação existente relativa a esse ramo do direito, tem-se o seguinte: há o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº. 7.565, de 19 de dezembro de 1986), o qual disciplina Aeroclubes, Sistema de Formação e Adestramento de Pessoal, Infra-Estrutura Aeronáutica, Espaço Aéreo e seu Uso para Fins Aeronáuticos, Responsabilidade do Construtor Aeronáutico e das Entidades de Infra-Estrutura Aeronáutica, Responsabilidade Civil, Sistema de Coordenação da Infra-Estrutura Aeronáutica, Sistema de Indústria Aeronáutica, Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, o Sistema de Registro Aeronáutico Brasileiro etc. Além do CBA, existem ainda, regulando as seguintes matérias, os respectivos diplomas legais: Princípio de Responsabilidades - Convenção Relativa aos Danos Causados a Terceiros na Superfície por Aeronaves Estrangeiras - D-052.019-1963; Loteamento urbano, responsabilidade do loteador e concessão de uso e espaço aéreo - DL-000.271-1967; Ministério da Aeronáutica - Ministérios Militares - Forças Armadas - Organização da Administração Federal - Diretrizes para a Reforma Administrativa - DL-000.200-1967; Profissão de Aeronauta - L-007.183-1984; Profissão de Aeroviário - D-001.232-1962 - Regulamento; Seguro Obrigatório de Danos Pessoais a Passageiros de Aeronaves Comerciais e de Responsabilidade Civil do Transportador Aeronáutico - Seguros Obrigatórios - D-061.867-1967 - Regulamento; Situação Referente aos Militares da Aeronáutica que se Invalidarem para o Serviço Militar em Conseqüência de Atos de Agressão do Inimigo e a dos Desaparecidos em Aeronaves Durante o Vôo - DL-006.239-1944.



No plano constitucional, os mesmos artigos da CF/88 acima referidos quanto à competência da União acerca do direito marítimo aplicam-se ao direito aeronáutico, inclusive a competência legislativa, de modo que se faz despicienda a citação dos dispositivos constitucionais.



Por tudo quanto já se expôs até aqui e, como disse, inclusive em relação ao direito marítimo – pois mudando-se o que deve ser mudado, muito do que já foi dito se aplica aqui – resta indubitável que também o direito aeronáutico tem todos os atributos necessários para sua autonomia, merecendo, pois, os mesmos consectários visados para o direito marítimo, quais sejam, sua cisão do direito civil e seu ensino nos cursos de graduação em Direito.







DIREITO MARÍTIMO







BREVE INCURSÃO HISTÓRICA



Segundo Oto Salgues, o direito marítimo teve sua gênese nas atividades comerciais realizadas através da navegação pelos fenícios, nos séculos XIV e XV a.C., entre a Ásia e as costas do Mediterrâneo, estendendo-se até o século X a.C., marcando o aparecimento de normas costumeiras marítimas de índole internacional. Nesse sentido, a Lex Rhodia de Jactu – segundo a qual sempre que o navio estivesse em perigo e o capitão fosse obrigado a lançar ao mar parte do carregamento, o prejuízo seria dividido entre os proprietários das mercadorias e do navio proporcionalmente – noticia o autor, data dessa época, surgindo, posteriormente, o conceito de Avaria Grossa – significa todos os danos ou despesas extraordinárias decorrentes de um ato intencional, efetuado para a segurança do navio e suas cargas, em uma situação de perigo real e iminente, com o intuito de evitar um mal maior a expedição marítima. Sendo reconhecida a Avaria Grossa pelas autoridades competentes, todas as despesas geradas com o salvamento do navio e cargas serão rateadas proporcionalmente entre os proprietários das cargas embarcadas e navio.

Conforme o ensinamento de Waldir Vitral, in Manual de Direito Marítimo, o surgimento do Direito Marítimo remonta à mais longínqua antiguidade. Assim, no Código de Hamurabi, da Babilônia, datado de aproximadamente 2.200 a.C, e tendo em vista a grande atividade comercial entre os rios Tigre e Eufrates, haviam disposições e princípios de direito marítimo nos arts. 234 a 237, onde se falava em “frete”, “carregamento”, “indenização” etc. termos ainda hoje usados.

Ainda de acordo com aquele autor, o Código de Manu, que atesta a elevada civilização da Índia, também contém referências ao direito marítimo, enquanto alguns autores sustentam que na ilha de Rhodes, no ano 475 a.C., época em que exerceu predominância no Mar Mediterrâneo, existiu lei importante, que foi aplicada durante séculos na Itália e serviu de fonte ao direito medieval. Dita lei, segundo o autor, mereceu referência no Digesto de Justiniano e seus fragmentos chegaram até nossos dias, através do jurisconsulto Melusto Meciano, sob o título “De lege Rhodia de Jactu”, à qual fizemos referência acima, com base nas lições de Oto.

Embora o direito romano não tenha tido muita influência na formação do direito marítimo, já no Digesto foram encontradas várias figuras de tal direito. Da mesma forma, no Corpus Iuris Civilis, havia referência aos naufrágios, à polícia marítima e aos navios destinados ao provisionamento da capital.

Como sói ocorrer com todos os ramos do direito, o direito marítimo tem, como se vê, um histórico de formação e desenvolvimento. Assim, mesmo do fundo dos tempos aqueles códigos e princípios ainda falam e ditam normas para o mundo atual.



LEGISLAÇÃO E AUTONOMIA DO DIREITO MARÍTIMO







Visa-se, aqui, demonstrar que o direito marítimo, apesar da evolução tecnológica, que fez com que as navegações marítimas deixassem de ser a única forma de desbravar o mundo, já consolidou há muito tempo a sua autonomia científica e legislativa, haja vista a existência de várias situações que exigem a regulamentação especial desse ramo do direito, uma vez que ainda hoje ocorre a utilização das navegações marítimas para vários fins, não apenas comerciais, de maneira que muitas relações jurídicas nascem de fatos ocorridos no mar ou que com ele têm relação íntima.

Um ramo do direito assim, com objeto próprio, qual seja, todas as relações jurídicas onde o mar é a via e o comércio marítimo o objetivo, e que tem por finalidade reger as relações do transporte e do comércio marítimos, de fato precisa ter delineamentos científicos que lhe dêem mais visibilidade no cenário acadêmico e profissional, de modo a atender as demandas que sempre surgem, mas que, por muitas vezes, embora existindo leis próprias relativas às demandas, são elas resolvidas à luz de outros ramos do direito, ignorando-se, desse modo, as regras de direito marítimo.

Quanto ao método, ensina o advogado Oto Salgues que o direito marítimo vale-se do método indutivo para análise, partindo da observação da realidade (fatos do transporte e o comércio) chegando por via dela aos princípios gerais.

Como se vê, o direito marítimo tem objeto cognitivo e método próprios, sendo certo que nós, operadores do direito e sujeitos cognoscentes dessa seara jurídica, devemos dar a tal ramo do direito a autonomia que lhe é devida. Nesse sentido, é importante mencionar, quanto ao objeto, que existe, inclusive, farto repertório legislativo sobre a matéria, merecendo relevo, ainda, o fato de existir um Tribunal Marítimo no Brasil, o que revela a operacionalidade das regras jurídicas de cunho marítimo.

Nesse passo, vejamos como se encontra disposta a matéria legislativa acerca da matéria: no plano constitucional, a CF/88 inicialmente prevê, como bem da União, o mar territorial e preceitua que é assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no mar territorial ou zona econômica exclusiva (art. 20, VI e §1º). Ademais, compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os portos marítimos, fluviais e lacustres, segundo o art. 21, inc. XII, alínea f, CF/88, além de executar os serviços de polícia marítima, conforme o inc. XXII do mesmo artigo. Quanto à competência legislativa sobre direito marítimo, diz o Texto Magno que compete privativamente à União tal mister, conforme o art. 22, inc. I. Adiante, no mesmo artigo prevê tal competência privativa também para legislar sobre o regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial (inc. X) e sobre defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional (inc. XXVIII). Mais adiante, ao tratar das atribuições do Congresso Nacional, prevê entre elas a de dispor sobre limites espaço aéreo e marítimo, a teor do art. 48, inc. V. Ao versar sobre segurança pública, a CF/88, no art. 144, §1º, inc. III atribuiu à polícia federal o exercício da função de polícia marítima.

Do ponto de vista do direito internacional, há várias convenções e tratados. Nesse sentido, tem-se a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (também chamada Convenção da ONU/82, Convenção da Jamaica ou Convenção de Montego Bay), que dispõe sobre Mar Territorial, Zona Contígua, Estreitos Utilizados para a Navegação Internacional, Estados Arquipélagos, Zona Econômica Exclusiva, Plataforma Continental, Alto-mar, Ilhas, Mares Fechados ou Semifechados, Estados sem litoral, a Área, Meio Ambiente Marinho, Investigação Científica Marinha, Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia Marinha e Solução de Controvérsias. Tal convenção deu ensejo à expedição de decretos, o que é bem explicado por Adherbal Meira Mattos, advogado e professor, em artigo intitulado Direito Aeroespacial e Direito do Mar. Em nosso direito interno, tem-se a Lei nº 8.617/93, que dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências, bem como os seguintes diplomas legais: Lei de Registro da Propriedade Marítima (Lei nº 7.652/88); Lei de Ordenação do Transporte Aquaviário - Cria o REB (Lei nº 9.432 de 08/01/1997); Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário - LESTA (Lei nº 9.537 de 11/12/1997); Assistência e salvamento de embarcação (Lei nº 7.203 de 03/07/1984); Busca e salvamento de vida humana (Lei nº 7.273 de 10/12/1984); Seguro obrigatório de danos pessoais (Lei 8.374 de 30/12/1991); Expedição de Certidões (Lei nº 9.051 de 18/05/1995); Institui o Registro Temporário Brasileiro (RTB) para embarcações de pesca estrangeiras arrendadas ou afretadas (Lei nº 11.380 de 01/12/2006). Ademais, outro assunto que dá muita importância ao direito marítimo e reforça a necessidade de sua autonomia é a responsabilidade civil no âmbito das relações travadas no âmbito marítimo, tema que é tratado pelo advogado e Capitão de Longo Curso, Herez Pereira dos Santos, em artigo intitulado Introdução ao direito marítimo, publicado na revista Boletim Jurídico. Pelas peculiaridades desse ponto específico, é mais recomendável que seja tratado pelo direito marítimo, com seus institutos jurídicos próprios, ao invés de ser disciplinado pelo direito civil, que é mais genérico.

Como dito anteriormente, existe inclusive um Tribunal Marítimo, que tem jurisdição em todo o território nacional, é órgão autônomo, auxiliar do Poder Judiciário, vinculado ao Ministério da Marinha, tem como atribuições julgar os acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre, bem como manter o registro da propriedade marítima. Além disso, a criação destes Tribunais Marítimos Administrativos foi fruto de uma das doze atribuições alocadas ao Ministério da Marinha pelo art. 1º, §1º, do Decreto no 20.829, de 21 de dezembro de 1931, que criava a Diretoria da Marinha Mercante e, mais que isso, há uma Lei Orgânica do Tribunal Marítimo (Lei nº 2.180 de 1954).

Diante de todo o exposto, é irrecusável a existência de institutos jurídicos próprios, legislação (no direito internacional e interno) concernentes ao aludido ramo do direito, além de órgão auxiliar do Poder Judiciário, incumbido de julgar matéria marítima, o que impõe a autonomia do Direito Marítimo, que tem, assim, todos os atributos necessários para sua cisão do direito civil, passando, inclusive, a ser disciplina independente nos cursos de graduação em Direito, considerando que já existe curso de pós-graduação em Direito Marítimo, o que indica a possibilidade do ensino desta disciplina já na fase de graduação.



TRANSPORTE RODOVIÁRIO - CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO



Como foi possível depreender-se até aqui, a matéria transporte de fato encerra grandes peculiaridades, gerando direitos e deveres para todas as pessoas, estejam elas na condição de usuária do transporte ou prestadora de tal serviço, v.g. quando se utiliza transporte coletivo, por exemplo. De mais a mais, é certo que o legislador, embora de modo esparso e sem sistematização e unificação dos diplomas legais – o que dificulta a compreensão da matéria – versou sobre vários aspectos do transporte, em suas variadas facetas. No entanto, em relação ao transporte terrestre no Brasil, merece muito relevo a Lei nº. 9.503, de 23 de setembro de 1997, o chamado Código de Trânsito Brasileiro. Com efeito, em seu art. 1º inaugura o referido diploma preceituando, in verbis:



”O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código”.



Assim, optou o Legislador infraconstitucional por tratar, neste conglomerado de regras, das mais variadas questões relativas ao trânsito em vias terrestres.

Adiante, em dispositivo eminentemente explicativo, o Código, no §1º, do art. 1º, tratou de conceituar trânsito e o fez nos seguintes termos:

pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para Considera-se trânsito a utilização das vias por fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.



Vê-se o quanto é abrangente o conceito de trânsito, de modo que atribui à matéria direito dos transportes, em especial terrestres, mais relevância no tocante à autonomia científica. Afinal, como o transporte e o próprio trânsito em condições seguras, são direitos dos cidadãos, sua sistematização e compreensão são sobremaneira importantes para o exercício de tal direito. Aliás, o próprio CTB, no §2º, do art. 1º, preceitua:

O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.

Assim, o CTB se ocupou de criar o Sistema Nacional de Trânsito, atribuindo competências a órgãos nas esferas federal, estadual e municipal, tudo no afã de que as regras relativas ao trânsito nas vias terrestres (o que engloba, obviamente, o transporte por via terrestre) fossem de fato efetivadas. Nesse sentido, dois principais órgãos se destacam quando o assunto é trânsito, quais sejam, o CONTRAN e o CETRAN, respectivamente, Conselho Nacional de Trânsito e Conselho Estadual de Trânsito, os quais, ligados a vários outros órgãos, como as polícias federal e estadual, se incumbem do funcionamento do Sistema Nacional de Trânsito.

Vários são os institutos veiculados pelo CTB – que embora importantes não precisam ser tratados, à exaustão, no presente trabalho –, mas, sem dúvida, foi no capítulo XIX – que trata dos Crimes de Trânsito – que o CTB enfatizou a responsabilidade no trânsito.

Acerca da matéria, é de muita pertinência o que dizem Carlos Lazzari e Ilton Witter, in Coletânea de Legislação de Trânsito, nos seguintes termos:



“Se analisarmos com cuidado e sem preconceitos o CTB, vamos nos dar conta de que ele é, na sua essência, a repetição das normas que sempre orientaram o trânsito de veículos no país. A diferença é que a partir de agora há punições bem definidas para a imprudência, a imperícia, a negligência e o desrespeito. O alto valor das multas e a rigidez das normas só podem aborrecer e contrariar os que costumam abusar da velocidade, os que acham coisa normal dirigir bêbado ou drogado, os que teimam em não obedecer à sinalização, os que se recusam a usar os equipamentos de segurança (...) enfim, os que com sua imprudência, imperícia, negligência e desobediência ajudam a engordar as trágicas estatísticas de mortos, feridos, inválidos e mutilados, apostando na certeza da impunidade ou nas punições até então muito brandas e quase simbólicas”.



Como se vê, em sede de trânsito e transporte terrestre, nosso ordenamento conta com o CTB, que certamente encerra institutos jurídicos e regras perfeitamente sistematizáveis do ponto de vista científico, voltado à construção de uma teoria geral dos transportes.







DIREITO DO TRANSPORTE FERROVIÁRIO



Diante de tudo quanto fora dito alhures acerca do direito marítimo e aeronáutico, no tocante à imprescindibilidade de sua autonomia e de sua importância para a vida em sociedade, pode-se afirmar que aquelas mesmas premissas são aplicadas quando se trata de um direito ferroviário, dada a relevância das ferrovias no que se refere ao transporte de mercadorias e mesmo de pessoas, contribuindo de modo indiscutível para a economia de um modo geral.



Não obstante ter a mesma importância, percebe-se que a respeito do transporte ferroviário, o conjunto de normas é formado de decretos, diferentemente do que ocorre com os demais ramos, que contam com várias leis que os regulam. Assim, pode-se citar os seguintes estatutos normativos: o Decreto Legislativo nº. 2.681, de 1912, que regula a responsabilidade civil das estradas de ferro; Decreto Lei nº. 3.109, de 1941, sobre o registro de alienações das estradas de ferro; Decreto nº. 98,973, de 1990, que aprova o regulamento do transporte ferroviário de produtos perigosos e o Decreto nº. 1.832, de 1996, que aprova o regulamento dos Transportes Ferroviários.



Além disso, não se pode olvidar que existe uma Convenção Relativa aos Transportes Internacionais Ferroviários (COTIF), de 09 de Maio de 1980, que somente em 1985 foi ratificada pelo Brasil.





TEORIA GERAL SOBRE O DIREITO DE TRANSPORTES





Não obstante a autonomia científica dos diversos ramos que trata de diferentes meios de transportes, vê-se que existe algo que os vincula e que exige uma complexa sistematização do conhecimento dos transportes como um todo , no sentido de que cada ramo não se perca em seus compartimentos fechados, fragmentando assim, o conhecimento global. Como já foi abordado pelo professor e doutor Martins Calleja, o elemento de conexão que une e vincula todos os meios de transportes é o “ desplaciamento de personas ou cosas”. O educador Edgar Morin em sua excelente obra intitulada “ os Sete Saberes Necessários à Educação do futuro ” preleciona com maestria:



Efetuaram-se progressos gigantescos nos conhecimentos no âmbito das especializações disciplinares, durante o século XX. Porém, estes progressos estão dispersos, desunidos, devidos justamente à especialização que muitas vezes fragamenta os contextos, as globalidades e as complexidades. Por isso, enormes obstáculos somam-se para impedir o exercício do c onhecimento pertinente no próprio seio de nossos sistemas de ensino.



Estes sistemas provocam a disjunção entre as humanidades e as ciências, assim como a separação das ciências em disciplinas hiperespecializadas, fechadas em si mesmas”.



Como se depreende, torna-se imperioso tratar cientificamente o direito de transporte de uma forma global, sem prejuízo da autonomia científica e didatica do direito marítimo, direito aeronáutico, direito de transporte terrestre , aeroespacial e de ductos, porquanto a sistematização do conhecimento vai permitir que o operador de direito de determinado ramo conheça os demais ramos de transporte, estabelecendo vinculações, seja para acentuar os pontos em comum, seja para diferenciá-los dentro de um contexto globalizado. Novamente Edgar Morin em sua obra já referida acrescenta:



“ De fato, a hiperespecialização impede tanto a percepção do global( que ela fragamenta em parcelas), quando do essencial( que ela dissolve). Impede até mesmo tratar corretamente os problemas particulares, que só podem ser propostos e pensados em seu contexto...Enquanto a Cultura geral comportava a incitação à busca da contextualização de qualquer informação ou idéia, a cultura científica e técnica disciplinar parcela, desune e compartimenta os saberes, tornando cada vez mais difícil sua contextualização”.



Hoje, dificilmente, quem conhece ou trabalha no transporte terrestre conhece algo sobre direito marítimo ou aeronáutico. A fragmentação do conhecimento desses ramos de transporte impede o conhecimento contextualizado e global do transporte. O deslocamento de pessoas ou coisa de um lugar para outro no atual mundo moderno da velocidade e tecnologia, exige-se cada vez mais de que os diversos meios de transportes transitem com segurança, conforto e maior precisão.

A autonomia científica do Direito dos Transportes pode ser traduzida no fato de que não mais pertence ao Direito Comercial, sendo dele desmembrado e constituindo-se numa matéria autônoma, com princípios e regras próprias, metodologia e objeto específicos.. A sistematização do direito de transporte propiciará ao estudante uma visão panorâmica, contextualizada do todo, e ao mesmo tempo o conhecimento das especificidades de cada meio de transportes, seus princípios e regras, imprescindíveis para a solução dos problemas particulares.



O sistema de transporte multimodal, que veio á tona com a invenção do contenedor, que constitui uma das grandes inovações do direito dos transportes nos últimos tempos, abona a tese de doutorado do professor Martins Calleja.



UNIDADE CONCEITUAL E CARACTERÍSTICAS COMUNS.



O sistema de transporte em sua acepção global é o campo de estudo da presente disciplina, no qual serão destacados os seus aspectos essenciais como também os diversos modos de transportes com suas respectivas especificidades. O professor e Doutor Martin Calleja em sua obra já referida explicita:



La realidad há instalado em forma espontânea la necessidad de que los Estudiantes de derecho aborden al transporte como um todo sustantivo y sistemático em s us elementos essenciales, aunque particularmente diverso em s us aspectos accidentales condicionados por el âmbito espacial y los vehículos utilizados.



A relação de transporte, seja contratual ou extracontratual, segundo o professor Calleja em sua obra já citada, deverá necessariamente apresentar os seguintes caracteres comuns: 1) todo o transporte produz uma mudança no espaço; 2) todo transporte supone um âmbito espacial em que se desenvolve; 3) todo transporte deve possuir uma infraestrutura e uma logística para a sua operação eficaz; 4) todo o transporte exige um veículo condutor; 5) todo o transporte pressupõe um sujeito responsável por uma obrigação de resultado; 6) todo o transporte supõe bens ou pessoas transportáveis e o fato do transporte em si pode gerar responsabilidade tanto civil quanto criminal. Como se depreende, esses caracteres comuns aliados á especificadade de cada meio de transporte deve ser o conteúdo desta disciplina, que já nasce dentro de um âmbito interdisciplinar. O professor Calleja, mais uma vez preleciona:



Cuando se cuenta com um conjunto necesariamente coordinado de recursos humanos y de elementos de infraestructura, de logística y vehiculares, estamos em presencia de um sistema de transporte, sea éste terrestre, ferroviário, acuático, aéreo, espacial o por tuberias.



A unificação dos diversos meios de transportes exigirá do estudante da disciplina não só o conhecimento específico de cada meio de transporte – terrestre, marítimo, aéreo, espacial ou de ductos - , mas o conhecimento contextualizado do sistema de transporte, extraindo os seus caracteres comuns e identificando suas diferenças. Com efeito, vários aspectos serão estudados, como a infraestrutura, o âmbito espacial, a logística, os sujeitos da relação, bem como os respectivos veículos dos diversos meios de transportes. Essa vinculação dos diversos meios de transporte poderá ensejar a criação de tribunais de transporte para julgar todos os litígios relacionados á transporte, como também a criação pelo legislativo de um Código dos transportes, como existe hoje no Brasil e na Argentina o Código de Defesa do Consumidor ou o direito de seguros, disciplinando todas as relações contratuais ou extracontratuais de transporte, o que, certamente, contribuirá para a otimização do sistema de transporte bem como para a preservação dos direitos dos usuários dos diversos meios de transportes, seja de passageiros, seja de coisas. O professor Calleja , na obra já referida, conceitua o sistema de transporte, nos moldes do conceito de o Direito de Navegação de Osvaldo B. Simone, senão vejamos:



Em nuestra opinión, el derecho del transporte está conformado por el conjunto de princípios y de normas que regulan la infraestructura, el âmbito espacial, los vehículos, los sujeitos y las relaciones jurídicas surgidas del hecho técnico del desplazamiento de um punto a outro em el espacio de cosas o personas, em cualquier médio o vehículo, o em ocasión de él, y de las responsabilidades que emanen de todos ellas.









O professor Calleja ainda sustenta como caracteres da disciplina jurídica Direito de Transportes, o dinamismo, a internacionalidade, a integralidade, além da unidade conceitual, o regulamentarismo acentuado e a politicidade. Trata-se de uma disciplina que abrigará normas tanto de direito público quanto de direito privado, além de legislação internacional, fruto das diversas convenções internacionais sobre transportes.





CONSIDERAÇÕES FINAIS





Tratar de forma sistêmica e global as relações de transportes, seja ela contratual ou extra-contratual, se nos apresenta como a melhor maneira de otimizar os diversos meios de transporte, seja com relação á sua infraestrutura, seja com relação ao fato do deslocamento de pessoas ou coisas em si, que deve ser feita da forma mais segura, rápida e precisa, de conformidade com os avanços tecnológicos e as exigências contemporâneas.



O estudante e futuro operador do Direito, com efeito, acumulará conhecimentos panorâmicos sobre o sistema de transporte e ao mesmo tempo receberá conhecimento teórico específico de cada ramo ou meio de transporte, tornando-se assim bem mais capacitado para fazer valer os direitos de todos os envolvidos nesta relação. Ademais, o usuário, com certeza, terá maiores possibilidades de assegurar os seus direitos e certamente será beneficiado com um sistema mais integrado e seguro de transportes. A sociedade de um modo geral será beneficiada com os diversos meios de transportes, principalmente, os de massas , funcionando de forma integrada e segura.



A disciplina Direito dos Transportes tem, portanto, unidade conceitual e conteúdo próprio, pois a sua autonomia científica e didática não despreza a autonomia científica dos demais ramos ou meios de transportes. O conhecimento fragmentário dará lugar ao conhecimento contextualizado e sistematizado de todos os meios de transportes. Hoje, a dinâmica da vida moderna com os seus avanços tecnológicos e inovações exigem que aprofundemos o conhecimento deste importante ramo do Direito, mostrando os aspectos comuns que os vinculam e identificando também as suas diferenças e especificidades.







REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



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GIANNINI, Fábio. Direito Aeronáutivo. Disponível em: http://pt.shvoong.com/law-and-politics/1180473-direito-aeron%C3%A1utico/.



LACERDA, José Cândido Sampaio. Curso de Direito Privado de Navegação: vol. I Direito Marítimo. 2ª ed. Rio de janeiro: Freitas Bastos, 1974



SANTOS, Herez Pereira dos. Introdução ao direito marítimo - publicado na revista Boletim Jurídico. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=44



MATTOS, Adherbal Meira. Direito Aeroespacial e Direito do Mar. Disponível em: http://www.sbda.org.br/revista/Anterior/1643.htm



MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeane Sawaya; revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. 6ª Ed. São Paulo: Cortez; Brasilia-DF: UNESCO, 2002.





SALGUES, Oto. Breve Introdução ao Direito Marítimo. Disponível em: http://www.salgues.com.br/vartigos.php?cod=6



SANTOS, Herez Pereira dos. Introdução ao direito marítimo - publicado na revista Boletim Jurídico. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=44





VITRAL, Waldir. Manual de Direito Marítimo. São Paulo, SP: Editora Bushatsky, 1977.



SITE DO PLANALTO - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7565.htm (Código Brasileiro de Aeronáutica)



SITE DO TRIBUNAL MARÍTIMO - https://www.mar.mil.br/tm/entrar.htm