segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O Tribunal do Júri

O Tribunal do Júri

Por Marcos Antonio Santos Bandeira

publicado em 18-01-2006

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O TRIBUNAL DO JÚRI NUMA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL.

A nossa vetusta e tradicional instituição do júri, sem dúvidas, é a mais democrática das instituições existentes em nosso país, pois através dela o povo diretamente exerce uma parte da soberania do Estado, isto é, o poder de julgar os seus pares nos crimes dolosos contra a vida. O júri foi instituído no Brasil, por decreto de D. Pedro, datado de 18.06.1822, para julgar exclusivamente crimes de imprensa, e era composto por 24 jurados.

Ao longo de quase 180 anos a instituição sofreu várias modificações até chegar ao modelo atual, cujo corpo de jurados é composto por sete pessoas capazes e de comprovada idoneidade moral. Não obstante as críticas arrematadas contra o júri, principalmente, sob o fundamento de que pessoas leigas não podem substituir juízes togados e preparados para julgar, depreende-se que a instituição sobrevive e, hoje, só nos Estados Unidos são realizadas anualmente cerca de 120.000 sessões de julgamento pelo júri, resolvendo questões cíveis e criminais. A bem da verdade, o jurado, extraído do meio social onde vive também o réu e a vítima, despojado do tecnicismo jurídico que limita o juiz togado, domina os anseios e os sentimentos da comunidade, reunindo assim, melhores condições de avaliar as circunstâncias pessoais e sociais que determinaram a conduta típica do acusado, a fim de propiciar um julgamento justo.

A instituição do júri, entretanto, necessita amoldar-se às novas exigências constitucionais, seja na sua parte estrutural, seja na sua parte funcional á guisa dos princípios e garantias individuais estabelecidas na Constituição Federal de 05.10.88 e nas convenções ou pactos internacionais aprovados por nosso país. Destarte, não tem mais sentido a manutenção da esdrúxula e discriminatória cadeira do réu. Esta, como se sabe, estigmatiza e simboliza o princípio da presunção da culpabilidade, um dos pilares do CPP de 1941, de feição autoritária inspirado no fascista Código Italiano. Na verdade, o acusado, como em qualquer julgamento, deve sentar-se ao lado de seu advogado, fornecendo-lhe as informações para inquirir ou contraditar testemunhas, enfim, para exercer o direito a mais ampla defesa (Art. 5º LV da CF) e o princípio constitucional da presunção da inocência...Perfilhando essa nova orientação e no sentido de garantir a paridade de armas, assegurando-se, em toda a sua plenitude, o direito de igualdade das partes, o Juiz-Presidente deve ser ladeado pela acusação e defesa, e não apenas pela acusação, o que sob os olhos de juízes leigos pode exercer inegável influência no julgamento mesmo porque se está diante das “feras” – os sete jurados - , os quais não precisam - como os juízes togados - de motivar suas decisões, já que decidem por convicção íntima. Assim, creio , ajustar-se-ia ao comando principiológico isonômico preceituado no art. 5º da CF.O Interrogatório do réu, por força da nova redação dada ao art. 188 do CPP, não mais é considerado ato pessoal do juiz, pois devido a incidência do princípio do contraditório, é facultado à acusação, defesa e jurados a formularem reperguntas ao acusado relativo a algum ponto não coberto pelas perguntas inicialmente feitas pelo juiz-presidente, constituindo-se assim, em importante fonte para se construir a verdade processual, principalmente, quando se tratar de co-autores , cuja única prova seja a delação.Impõe-se assinalar, entretanto, que deve ser garantido ao réu o direito ao silêncio - autodefesa oriunda do Pacto de San José da Costa Rica - pela qual “ninguém tem o dever de se auto-incriminar” e que já integra o nosso ordenamento jurídico por força do decreto 678/92. Em suma, antes de ser meio de prova, o interrogatório é meio de defesa. Não se pode coagir ou prender réu ou indiciado, obrigando-o a confessar a “verdade”, nem tampouco se pode inferir que o seu silêncio acarretará algum prejuízo à sua defesa. O Estado é que tem o ônus de provar a culpabilidade do réu, sendo este considerado inocente até que se prove o contrário, ou seja, até que haja uma sentença condenatória transitada em julgado.Abraçando essa linha de raciocínio, nossos pretórios já vinham há algum tempo interpretando a ausência do réu à sessão de julgamento do Tribunal do Júri, quando devidamente intimado, como seu direito de silenciar-se (RT 710/344). Com o advento da Lei nº 9.271, de 17.04.96, que deu nova redação ao art. 367 do CPP, não há mais dúvidas de que se pode realizar sessão do julgamento do Tribunal do júri sem a presença do acusado, mesmo em se tratando de crimes inafiançáveis (homicídio, vg), quando este devidamente intimado para aquele ato, deixa de comparecer à sessão respectiva .Na verdade, o que é indispensável no processo penal brasileiro é a defesa técnica, e não a autodefesa, que fica ao alvedrio ou conveniência do acusado, como garantia de sua mais ampla defesa.

Desta forma, entendemos nessa apertada síntese, que a instituição do Tribunal do Júri deve ser não apenas preservada, mas aprimorada à luz dos princípios constitucionais, no sentido de se adequar às exigências atuais, podendo, inclusive, ampliar à sua competência para julgar outros delitos além daqueles contra a vida, a fim de que continue a exercer soberanamente o seu excelso desiderato de realização da justiça humana, no âmbito de um Estado Democrático de Direito.

Autor: Bel. MARCOS ANTONIO SANTOS BANDEIRA – Juiz de Direito da Vara do Júri da Comarca de Itabuna e professor de Direito Penal da UESC.

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