segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O TRIBUNAL DO JÚRI DO SÉCULO XXI

O TRIBUNAL DO JÚRI DO SÉCULO XXI

Por Marcos Antônio Santos Bandeira

publicado em 29-07-2008

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O TRIBUNAL DO JÚRI DO SÉCULO XXI

A vetusta e tradicional instituição do Júri, sem dúvida, é a mais democrática do nosso país. Por meio dela, o povo exerce, diretamente, parte da soberania do Estado, consubstanciada no poder de julgar os seus pares nos crimes dolosos contra a vida.

O Júri foi instituído por decreto de D. Pedro, datado de 18.06.1822, para julgar exclusivamente crimes de imprensa. Era, então, composto por 24 jurados. Ao longo de quase 180 anos, a instituição sofreu várias modificações até chegar ao modelo atual, em que o corpo de jurados é composto por sete pessoas capazes e de comprovada idoneidade moral.

Não obstante as críticas arrematadas contra o Júri, principalmente sob o fundamento de que pessoas leigas não podem substituir juizes togados e preparados para julgar, a instituição sobrevive. Hoje, só nos Estados Unidos são realizadas cerca de 120.000 sessões de julgamento por ano, para a resolução de questões cíveis e criminais.

A bem da verdade, o jurado, extraído do meio social onde vivem também o réu e a vítima, despojado do tecnicismo jurídico que limita o juiz togado, domina os anseios e os sentimentos da comunidade, reunindo, assim, melhores condições de avaliar as circunstâncias pessoais e sociais que determinaram a conduta típica do acusado, a fim de propiciar um julgamento justo.

A instituição do Júri, entretanto, necessita amoldar-se às novas exigências constitucionais, quer em sua parte estrutural, quer funcional, à guisa dos princípios e garantias estabelecidos na Constituição Federal de 1988 e nas convenções ou pactos internacionais aprovados por nosso País.

Destarte, não tem mais sentido a manutenção da esdrúxula e discriminatória cadeira do réu. Esta, como se sabe, estigmatiza e simboliza o princípio da presunção da culpabilidade, um dos pilares do CPP de 1941, de feição autoritária, já que inspirado no fascista Código Italiano. Na verdade, o acusado, como em qualquer julgamento, deve sentar-se ao lado de seu advogado, fornecendo-lhe informações para inquirir ou contraditar testemunhas, enfim, para exercer o direito à mais ampla defesa (CF, artigo 5º, LV) e assegurar a aplicação do princípio da presunção de inocência (CF, artigo 5º, LVII).

Perfilhando essa nova orientação e no sentido de garantir a paridade de armas, assegurando-se, em toda a plenitude, o direito de igualdade das partes, o juiz-presidente deve ser ladeado pela acusação e defesa, e não apenas pela acusação, o que aos olhos dos juizes leigos poderá exercer inegável influência no julgamento, mesmo porque as “feras” – os sete jurados – não precisam, como os juizes togados, motivar suas decisões, visto que decidem por convicção íntima. Isto sim, creio, ajustar-se-ia ao comando principiológico isonômico, preceituado no artigo 5º da Constituição Federal.

O interrogatório do réu, por força da nova redação dada ao artigo 188 do CPP pela Lei 10.792/03, não é mais considerado ato pessoal do juiz. Devido á incidência do princípio do contraditório, é facultado à acusação, defesa e jurados formular reperguntas ao acusado, relativas a algum ponto não coberto palas perguntas inicialmente feitas pelo juiz-presidente, constituindo-se, assim, em importante fonte para se construir a verdade processual, principalmente quando se tratar de co-autores, cuja única prova seja a delação. Impõe-se assinalar, entretanto, que deve ser garantido ao réu o direito ao silencio – autodefesa oriunda do Pacto de San José da Costa Rica, pelo qual “ninguém tem o dever de se auto-incriminar” e que já integra o nosso ordenamento jurídico por força do Decreto nº 678/92.

Em suma, antes de ser meio de prova, o interrogatório é meio de defesa. Não se pode coagir ou prender uma pessoa, obrigando-a a confessar a “verdade”, tampouco se pode inferir que o seu silêncio acarretará prejuízos à defesa. O Estado é que tem o ônus de provar a culpabilidade do réu, sendo este considerado inocente até prova em contrário, ou seja, até que haja sentença condenatória transitada em julgado.

Abraçando essa linha de raciocínio, nossos Pretórios já vinham há algum tempo interpretando a ausência do réu à sessão do julgamento do Tribunal do Júri, quando devidamente intimado, como seu direito de silenciar-se (RT nº 710/344). Com o advento da Lei nº 9.271, de 17.04.96, que deu nova redação ao artigo 367 do CPP, não há mais dúvida de que o julgamento pode realizar-se sem a presença do acusado, mesmo em se tratando de crime inafiançável (homicídio, v.g.), quando este, devidamente intimado para aquele ato, deixa de comparecer à sessão respectiva. Na verdade, o que é indispensável no processo penal brasileiro é a defesa técnica, e não a autodefesa, que fica ao alvedrio ou conveniência do acusado, como garantia de sua mais ampla defesa.

Desta forma, entendemos, em apertada síntese, que a instituição do Júri deve ser não apenas preservada, mas aprimorada à luz dos princípios constitucionais, no sentido de se adequar às exigências atuais, podendo, inclusive, ampliar a sua competência para julgar outros delitos além daqueles contra a vida, a fim de que continue a exercer soberanamente o excelso desiderato de realização da justiça humana, no âmbito do Estado Democrático de Direito.

O projeto de reforma do Código de Processo Penal, elaborado por uma comissão de juristas notáveis, dentre outros: Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes, Luiz Flavio Gomes, René Ariel Dotti e Rogério Lauri Tucci, anuncia algumas inovações na estrutura procedimental do Júri, como a sumarização do procedimento, a supressão do libelo, a remessa do relatório do processo aos jurados por ocasião de sua convocação, o registro do interrogatório e dos depoimentos das testemunhas pelo sistema de gravação, simplificação da quesitação, etc., o que, sem dúvida, contribuirá para o aprimoramento da instituição e sua adequação à nova ordem constitucional. Livrando-se das formalidades desnecessárias, tornar-se-á mais simples, constituindo-se num verdadeiro instrumento de efetividade da Justiça.

Não obstante essas importantes inovações, é curial que o Tribunal do Júri se torne um instrumento de acesso à Justiça, em sentido amplo, redimensionando o seu aspecto dinâmico, capaz de transformá-lo numa instituição flexível, aberta e ainda mais democrática.

Com efeito, é necessário que se modifique a estrutura conservadora, pesada, marcada por um recinto hermético e excludente em relação às pessoas mais simples da comunidade. É necessário que o Tribunal do Júri saia de sua redoma e vá ao encontro do povo, ou seja, as sessões de julgamento devem ser descentralizadas – realizadas no local onde ocorreu o crime doloso contra a vida, principalmente nos bairros periféricos de médias e grandes cidades, onde o Estado, normalmente ausente, é substituído pelos traficantes ou organizações criminosas.

Consoante recente relatório da ONU, existem no Brasil pouco mais de 50 milhões de pessoas indigentes – aquelas que sobrevivem com cerca de R$ 80,00 por mês – de sorte que, proporcionalmente, para cada três brasileiros, em media, um é miserável, valendo ressaltar que o Brasil só perde para a Serra Leoa, na África, no que toca ao tema desigualdade social. Destarte, esse cinturão de excluídos e miseráveis se concentra principalmente nos bairros periféricos, onde reinam o sentimento de impunidade e o descrédito nas instituições.

Diante desse diagnostico, implantamos, em 2001, na Comarca de Itabuna-BA, o projeto “Júri nos Bairros”, pelo qual toda a estrutura – juizes, promotores, advogados, serventuários, auxiliares de apoio, jurados e efetivo policial – é deslocada para um bairro periférico, onde tenha ocorrido o crime doloso contra a vida e que ofereça espaço adequado e seguro para a realização da sessão de julgamento.

Impõe-se assinalar que os bairros integram a sede da Comarca, de sorte que o projeto “Júri nos Bairros” não fere qualquer dispositivo da Lei de Organização Judiciária, que exige tão-somente que a sessão de julgamento seja realizada na sede da Comarca. Utiliza-se normalmente um local público, como um colégio, no qual é montada toda a estrutura – sala secreta, assembléia, palco, sala de refeição, sanitários, computadores, etc., sendo apenas reforçado o efetivo policial.

Na Comarca de Itabuna a experiência vem sendo coroada de êxito, com a realização de sessões de julgamento em vários bairros da cidade, como Ferradas (local onde nasceu o escritor Jorge Amado), São Caetano, Lomanto Junior e Mangabinha, as quais contam com a participação maciça da população, composta principalmente de pessoas simples e pobres, que muitas vezes não dispõem de numerário suficiente para pagar uma condução que as leve à sessão do Júri, no fórum da cidade. Alguns nunca assistiram a um julgamento, outros não conheciam o trabalho do juiz, do promotor ou do advogado, nem sabiam que as pessoas que cometem crimes dolosos contra a vida, em especial tentativa de homicídio, submetem-se a júri popular.

Nessa perspectiva, a instituição Justiça, tachada de “caixa-preta”, vai ao encontro do povo e mostra a sua cara.

O Tribunal do Júri, como órgão do Poder Judiciário, independentemente do resultado da sessão, propicia as condições para o acesso à Justiça, desnudando-o e mostrando a todos como são julgados seus pares. Contribui, desta forma, para resgatar a sua credibilidade, tão combalida atualmente, fazendo preponderar o império da verdadeira justiça humana.

Marcos Bandeira - Juiz da Vara do Júri da Comarca de Itabuna - 15 de dezembro de 2005

Um comentário:

  1. Parabéns ao magistrado Marcos Bandeira:Vossa exelencia deveria vir a mina gerais dar uma aula de sociabilidade e reconhecimento de humanidade ao magistrados mineiros que se sentem deuses.

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