sábado, 10 de outubro de 2009

A VIOLÊNCIA ESCOLAR: o enfrentamento do debate

A VIOLÊNCIA ESCOLAR: o enfrentamento do debate


O ambiente escolar sempre constituiu o “locus’ privilegiado para que a criança e o adolescente possam ter acesso ao conhecimento sistematizado, e assim despertar suas habilidades e valores, como a tolerância, respeito, alteridade, amor, solidariedade, dentre outros, que os capacite a exercer a cidadania em sua plenitude. Os educadores de um passado não tão distante conseguiam exercer sua “autoridade” de educador, obtendo do educando, não apenas o respeito, mas muitas vezes a admiração. É fato notório, porquanto noticiado na grande mídia, que a violência já alcançou o ambiente escolar, a droga, a arma, enfim, a delinqüência está na sala de aula. Com efeito, alunos agridem ou ameaçam professores ou diretores, alunos são usuários ou traficantes de drogas, o clima é de tensão e medo. A solução então é chamar a polícia para emprestar segurança ao ambiente escolar, o que já vem acontecendo em várias partes do país e em Itabuna, em particular.

O meu olhar crítico me provoca a indagar: a violência escolar realmente é um caso de polícia? Será que a culpa é exclusiva dos alunos? ou será que a violência parte também das práticas escolares, reconhecidamente arbitrárias, injustas e discriminatórias? Porque o atual modelo escolar já não atrai tanto o aluno e não o mantém no ambiente escolar? impõe-se, contextualizar o ambiente escolar para que possamos tentar responder essas e outras perguntas que se apresentarão ao longo deste modesto artigo.

Não é desconhecido o precário estado da escola pública de primeiro e segundo graus em nosso país. Segundo o sociólogo Florestan Fernandes , esse desrespeito assume basicamente três formas: baixos salários, má qualidade dos cursos de formação docente e exclusão dos educadores das decisões sobre a política educacional. Destarte, o que se percebe é uma desmotivação generalizada dos professores, que muitas vezes são obrigados a exercer outra atividade para complementar o sustento familiar. A política educacional voltada para estatísticas quantitativas descura da qualidade de ensino fazendo com que alunos cheguem a 5ª série muitas vezes sem saber ler ou escrever. O discurso supostamente democrático das gestões escolares esconde as disputas políticas por cargos de diretores e vice-diretores, com a prática dissimulada do autoritarismo na pratica da gestão da escola pública de 1º e 2º grau. Alguns professores, não muito versados em respeitar as diferenças, humilham e estigmatizam o educando, principalmente, quando ele é da classe pobre, da raça negra , ou que já tenha cometido algum ato indisciplinar ou infracional. Nesse sentido, Maria Helena Souza Patto , em seu excelente artigo, preleciona:

“ O autoritarismo, arbitrariedade, a violência presentes, como regra nas escolas – a “ barbárie escolar” – contribuem para a formação de personalidades autoritárias, capazes de relações frias e sádicas com os outros. A escola, portanto, pode estar implicada na produção da violência. Não estamos, portanto, diante de mera “crise de autoridade” na escola, mas de dessaranjo geral da vida escolar, onde a autoridade vem sendo exercida com crescente arbitrariedade, que inevitavelmente provoca respostas do alunado.

O projeto do Ministério Público Estadual nas escolas, após inúmeras visitas, mostrou a situação deplorável de várias escolas públicas em Itabuna, algumas apresentando sinais de verdadeiro abandono, com o mato tomando conta das dependências, precárias instalações elétricas e hidráulicas, ausência de bebedouros, cadeiras, fios elétricos expostos com sérios riscos para os alunos e professores, portas de sanitários e de salas de aulas defeituosas, ambientes sem qualquer higienização, irregularidades no fornecimento de merendas escolares, falta de professores, dentre outros atributos negativos. É bom que se ressalte, que algumas poucas escolas públicas em Itabuna funcionavam de forma satisfatória, o que constitui uma exceção.

Desta forma, é no contexto desse cenário sombrio, tenso, ameaçador, sujo, com professores desmotivados, gestões deficientes e arbitrárias, que deve ser travado o debate sobre a violência escolar. Como responsabilizar exclusivamente o aluno, se a violência muitas vezes é estimulada pelo próprio ambiente escolar e pelas práticas arbitrárias e agressivas exercidas por alguns educadores? Restou evidenciado que as causas da violência escolar são multifacetárias. Muitas delas ocorrem no interior das escolas e não são provocadas pelos alunos. Indaga-se: E quando o aluno extrapolar a mera indisciplina escolar e praticar um ato infracional envolvendo drogas ou armas? neste caso, sem dúvidas, é caso de polícia. Ele deve ser responsabilizado a luz do Estatuto da Criança e do Adolescente pelo ato que cometeu. Em alguns casos, pode até mudar de escola, mas nunca deve ser alijado de estudar, pois a saída da escola é , de fato, o caminho mais curto para que o jovem ingresse, definitivamente, no mundo da criminalidade e das drogas. Como atrair o jovem para esse modelo de escola, se o ambiente é desolador e a qualidade de ensino é deficiente e desestimulante? ele, muitas vezes, prefere o tráfico de drogas, que é sedutor, pois obtém dinheiro fácil para realizar suas fantasias de consumo.

Convivemos num Estado Democrático de Direito, no qual a liberdade de expressão, de crença, de ir e vir, e a própria dignidade do ser humano são tutelados como valores supremos da nossa carta constitucional. Com efeito, o ambiente escolar deve ser permeado pelos ares democráticos, com gestões transparentes e que propiciem as condições mínimas para a construção de um ambiente adequado para o aprendizado, criando condições melhores para o trabalho do docente que deve ser mais valorizado. O professor deve ser, antes de tudo um educador, e para tanto deve utilizar de sua “autoridade” , liderança, sem ser autoritário, para contribuir para a formação do educando.O saudoso educador Paulo Freire prelecionou:

“O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime de cumprimento de seu dever de propor limites á liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência”.

Desta forma, entende-se que o combate à violência escolar passa pela democratização da escola e sua abertura para a comunidade, fomentando assim uma maior integração com os pais de alunos e líderes comunitários.Torna-se imperiosa a mudança de paradigma na intervenção educativa, com a transformação do ambiente escolar. O valor justiça é intrínseco a cada ser humano e deve ser respeitado na relação aluno-professor, devendo em alguns casos, os educadores se transformarem em verdadeiros mediadores para pacificarem alguns conflitos que ocorrem dentro do ambiente escolar. A polícia deve ser acionada somente quando houver manifesta necessidade para apurar algum fato grave, ou no sentido de preservar a integridade física de alguém, mas jamais deverá tomar o lugar do educador, que tem o papel precípuo de preparar cidadãos para o futuro do país.



Nenhum comentário:

Postar um comentário