segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Quanto vale a sua honra?

Quanto vale a sua honra?

Por Marcos Antônio Santos Bandeira

publicado em 30-06-2008

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QUANTO VALE A SUA HONRA?

Nos bancos acadêmicos sempre aprendi que o direito penal, em face de seu caráter fragmentário e subsidiário, deve tutelar os bens juridicamente relevantes na sociedade, ou seja, aqueles bens indispensáveis à coexistência social. Destarte, como meio de controle mais drástico de intervenção estatal na esfera individual do cidadão, o direito penal só deve ser acionado, quando as demais formas de controle (direito civil, administrativo, etc.) falharem ou forem insuficientes para tutelar aquele bem jurídico ameaçado ou violado.

Nessa perspectiva, sempre se entendeu que a vida, o patrimônio, a honra, a liberdade sexual, dentre outros seriam os bens mais importantes a merecerem a tutela penal. O século passado privilegiou o patrimônio em vários de seus diplomas, como o código civil e o próprio direito penal, no qual o crime de furto v.g. comina pena bem superior ao crime de injúria, difamação ou calúnia.

O novo paradigma que se inaugurou com a Constituição Federal de 1988 alçou a dignidade da pessoa humana a princípio reitor do nosso ordenamento jurídico, pelo qual deve perpassar os demais princípios e sub-princípios, inclusive, prevendo a indenização do dano moral puro, independentemente de qualquer repercussão de natureza patrimonial nos ilícitos de natureza cível, voltado unicamente para proteger o ser humano e os denominados direitos da personalidade.

Ocorre, entretanto, que o legislador infraconstitucional não se apercebeu ou, pelo menos, não levou em conta o princípio da dignidade da pessoa humana e, ignorando toda a sua escala de valores, resolveu fazer um corte aleatório, estabelecendo como crime de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena não ultrapassasse 1 (um) ano, salvo quando o procedimento fosse especial. Posteriormente, a Lei nº 10.259/01 estabeleceu como crime de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena não ultrapassasse 2 (dois) anos, independentemente da espécie de procedimento. A doutrina e a jurisprudência trataram de aplicar o princípio isonômico e construíram o entendimento de que qualquer crime cuja pena não ultrapasse 2 (dois) anos, independentemente do procedimento, é crime de menor potencial ofensivo, e assim admite a transação penal, dentre outros benefícios previstos na Lei nº 9.099/95. Com efeito, na vala de crimes de menor potencial ofensivo, forma colocados os crimes de injúria, difamação e calúnia.

Recentemente o STF suspendeu a validade de vários dispositivos da Lei de Imprensa – Lei nº 5.250/67 – por entendê-los inconstitucionais, incluindo aqueles relativos aos crimes de Calúnia, Difamação e Injúria, cujas penas já eram inferiores àquelas previstas no Código Penal Brasileiro. Na verdade, o direito à informação foi alçado à categoria de direito absoluto, maior até mesmo do que o direito à vida, que como todos sabem, admite a sua violação desde que seja nos estreitos limites admitidos para proteger sua própria vida ou a de outrem. A liberdade de expressão nunca foi e nunca será concebida de forma absoluta, contrarium sensu, tendo em vista que tudo na vida deve ser relativizado, delimitado, para que não sejam conspurcados outros direitos fundamentais inerentes ao ser humano, precisamente os relacionados diretamente à sua personalidade.

A lei de imprensa, embora elaborada em pleno regime militar, admitia a defesa prévia escrita – diferentemente do CPP de 1941 – e não admitia a prisão preventiva. É importante que se ressalte que não apenas jornalistas poderiam cometer os denominados crimes de imprensa, mas qualquer pessoa que dela fizesse uso. Não podemos conceber que pessoas inescrupulosas, sem qualquer formação jornalística e desprovida de senso ético-profissional, utilizem das linhas de um impresso ou de um microfone de uma emissora de rádio ou televisão para descarregar suas angústias e idiossincrasias, defenestrando gratuitamente a honorabilidade das pessoas, degenerando-se para o abuso e a anarquia.

Diante desse quadro de absoluta vulnerabilidade do ser humano indagar-se-á: como poderemos nos defender desses abusos? O que devo fazer para proteger o meu patrimônio moral já que a liberdade de expressão é direito absoluto? Alguns vão antecipar e argumentar que os crimes contra a honra divulgados através dos meios de comunicação serão disciplinados pelo Código Penal, podendo ainda o ofendido ingressar na área cível com indenização por danos morais. Indagar-se-á ainda: e se o ofensor não possuir patrimônio? O remédio é se contentar com o direito penal. Nesse caso, como se trata de um crime de menor potencial ofensivo, será cabível a transação penal, e o juiz poderá propor e o ofensor aceitar a pagar uma cesta básica. Este é o valor, é o quanto custa a sua honra.

Nesse diapasão, quando a liberdade de expressão transborda para deturpar a verdade, divulgar ofensas, criticar por criticar, desnudar desnecessariamente a privacidade de pessoas comuns, fazer apologia de crimes ou servir de instrumento para extorquir pessoas, torna-se imprescindível a interferência do Estado-Juiz para restabelecer a paz social e fazer valer o império da lei. Afinal, a liberdade de expressão não é absoluta, como todos os direitos fundamentais do indivíduo, impondo-se, pois, a sua delimitação, a fim de se resguardar a paz e a convivência social.

Impõe-se, portanto, que sejam estabelecidos limites à liberdade de imprensa, no âmbito da ponderação do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, no sentido de proteger outros valores que foram desconsiderados pelo legislador, quando fez o corte linear dos crimes de menor potencial ofensivo com base exclusivamente na pena máxima cominada ao delito, bem como pelo STF, quando simplesmente retirou a eficácia dos dispositivos que tutelavam a intimidade e a honra do cidadão, desconsiderando a escala axiológica que ornamenta os denominados direitos da personalidade também albergados pela Constituição. Com efeito, entendemos que a liberdade de expressão e o direito à informação são verdadeiros pilares de um Estado Democrático de Direito, mas em nome dessa liberdade de expressão, proclamada na Declaração Francesa de 1789, não podemos transformá-la em direito absoluto, verdadeiro tribunal de exceção, pelo qual é possível violar gratuitamente os bens mais caros do ser humano, como a sua intimidade, privacidade, a sua reputação, enfim, a sua dignidade como pessoa humana.

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