domingo, 27 de setembro de 2009

Sentenças: POLICIAIS MILITARES - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

Sentenças

POLICIAIS MILITARES - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

publicada em 23-07-2008


Ementa:

POLICIAL NO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL E SOB O AMPARO DA LEGÍTIMA PRÓPRIA. PROVAS ROBUSTAS E ESTREMES DE DÚVIDAS. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA RECONHECIDA. DESNECESSIDADE DE LEVAR O RÉU A JÚRI POPULAR.


PROCESSO N° 07/2000

AÇÃO PENAL PÚBLICA

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

Réus: LEUDEMAR BARBOSA DE CASTRO e outros


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por intermédio de sua ilustre representante à época na Auditoria da Justiça Militar Estadual, ofereceu Denúncia contra LEUDEMAR BARBOSA DE CASTRO, JEFFERSON VAZ VIEIRA GUIMARÃES, EDSON TELES, MARCUS VALERIUS FERREIRA MONÇÃO, EDVAL SANTANA COSTA, JOSÉ REINALDO BRITO DOS SANTOS E ALBERTO JULIO DE SOUZA, todos policiais militares e devidamente qualificados nos autos, porque teriam, em co-autoria, com emprego de arma de fogo, no dia 31.12.92, por volta das 15:45 horas, no Bairro Fonseca, nesta cidade, ceifado a vida de Marcelo Gonzaga Nascimento, vulgo “Morcego”, conforme se constata pelo Laudo de Exame Cadavérico de fls. 46 e v. Narra na peça incoativa, que o denunciado Leudemar Barbosa de Castro recebeu informação, através do operador da Central de Operações de que alguns indivíduos estariam praticando desordens e assaltos no bairro Maria Pinheiro. Os denunciados deslocaram-se até o local em várias viaturas, todavia ao chegarem no referido local, tomaram conhecimento de que os indivíduos estariam no Bairro Fonseca, fazendo com que o denunciado Leudemar se deslocasse a pé, em companhia de alguns policiais, enquanto os motoristas das viaturas permaneceram no interior das mesmas. Ato contínuo, os denunciados localizaram os indivíduos, quando foram recebidos à bala, travando-se um tiroteio, que redundou na morte da vítima, integrante do grupo dos indivíduos que estavam praticando desordens e assaltos no Bairro Maria Pinheiro.

A Denúncia veio acompanhada do competente inquérito policial militar e foi recebida pelo Juízo da Auditoria da Justiça Militar Estadual, no dia 29.12.93. Os denunciados foram regularmente citados, sendo todos interrogados perante a justiça castrense, com exceção de Alberto Júlio de Souza. Nesse interregno, com a entrada em vigor da Lei n° 9.299, de 08.08.96, os autos foram remetidos a este Juízo, que determinou o prosseguimento normal do feito. Os denunciados, devidamente representados por seus defensores, ofereceram defesa prévia, arrolando testemunhas.

Na instrução criminal colheram-se os depoimentos das testemunhas Antonio Cosme Silva Santos, Antonio Ramos dos Santos, Edileusa da Assis Tavares, Joselito Cardoso, John Rocha da Silva e Marcelo Santana Santos, arroladas pela acusação. Também foi inquirida a testemunha Manoel Amâncio de Souza Neto, arrolada pela defesa, sendo interrogados todos os denunciados.

Ultimada a instrução criminal passou-se à fase do art. 406 do CPP, oportunidade em que a ilustre representante do Ministério Público, apoiada nas provas produzidas nos autos, reconheceu que os denunciados agiram no estrito cumprimento do dever legal, pugnando, destarte, pela absolvição sumária dos mesmos, nos termos do art. 411 do Código de Processo Penal. Os ilustres defensores dos denunciados, valendo-se de alentadas e judiciosas razões, fulcradas nas provas constantes dos autos, asseveraram que os denunciados agiram no estrito cumprimento do dever legal e sob o abrigo da legítima defesa, requerendo, com efeito, a absolvição sumária dos mesmos. Vieram-me os autos conclusos. Nada a sanear ou a diligenciar.


É O RELATÓRIO.
DA FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO.

Verifica-se, pela consulta dos autos, que é incontroversa a materialidade delitiva positivada pelo Laudo de Exame Cadavérico de fls. 46, o qual testifica que a vítima faleceu em decorrência de Traumatismo Crânio Encefálico provocado por projétil de arma de fogo. Sobre a autoria, embora não individualizada, não paira nenhuma dúvida de que partiu do grupo dos denunciados, o que faz emergir os indícios suficientes de autoria em relação aos denunciados. Trata-se da conhecida autoria incerta, verificada através do concurso eventual, no qual todos os que colaboraram para o resultado respondem por ele, nos termos preceituados pelo art. 29 do CP. Todavia, infere-se, induvidosamente, que os denunciados agiram no estrito cumprimento do dever legal e sob o abrigo da legítima defesa própria, o que, à evidência, exclui a ilicitude da conduta típica praticada pelos denunciados.

Como se depreende pela leitura das provas constantes dos autos, os denunciados, todos policiais militares (funcionários públicos) foram acionados para se deslocarem para o Bairro Maria Pinheiro, nesta cidade, no sentido de coibir a ação criminosa de um grupo de indivíduos, do qual fazia parte a vítima, após atenderem sucessivos telefonemas de moradores do Bairro, os quais se achavam atemorizados com a prática de assaltos e outras ações criminosas. Com efeito, ao chegarem no Bairro Maria Pinheiro, os policiais, comandados pelo Ten. PM Leudemar Barbosa, tomaram conhecimento de que o grupo de indivíduos se deslocou para o Bairro Fonseca, onde foram recebidos à bala, redundando num tiroteio, no qual a vítima foi atingida por um único disparo oriundo do grupo dos denunciados e veio a falecer. Essa assertiva é confirmada pelo interrogatório de todos os denunciados, sendo corroborada pelas demais provas orais colhidas nos autos, conforme se pode observar pela leitura dos seguintes depoimentos:

Interrogatório de denunciado Leudemar Barbosa de Castro- fl. 166

“...que assim que acabou de almoçar encontrou com o Sgt. Marcelo Santana da central de operações, que lhe disse que houvera recebido mais outro telefonema dando conta que os indivíduos estavam aterrorizando o bairro Maria Pinheiro. Que o interrogado se dirigiu até a Delegacia de Polícia Civil no sentido de conseguir auxílio, mas infelizmente não teve sucesso e retornou para o Comando da Polícia Militar... que saiu do quartel com duas viaturas, sendo que no Bairro São Caetano conseguiu auxílio de mais uma, comandada pelo Sgt. Cosme; que tinha conhecimento que o grupo era formado por cerca de sete ou oito pessoas e se encontrava armado; que após procurar no Bairro Maria Pinheiro seguiu em direção ao fim de linha... que no momento em que estava bebendo água em frente na mercearia apareceu um indivíduo e disse... que o grupo da vítima desceu o morro em direção ao bairro Fonseca... que o grupo dos denunciados desceu em direção ao bairro Fonseca... que logo em seguida os policiais deixaram as viaturas e subiram até o topo do morro deixando cada viatura com seu respectivo motorista; que ao chegarem no topo do morro já foram recebidos à bala pelo grupo da vítima; que o tiroteio foi rápido não chegando a mais de três minutos e a vítima foi ferida; que não sabe informar qual dos denunciados atirou, afirmando que a vítima foi ferida próximo a região auricular...”

Os demais interrogatórios dos denunciados confirmam essa assertiva. As testemunhas corroboram essa versão, senão vejamos:

Depoimento da testemunha Antônio Ramos dos Santos - fl. 153:

“... que antes do fato observou que a vítima, também conhecida por Marcelo Morcego encontrava-se em companhia de cerca de oito pessoas na Praça da Alegria... que logo depois ficou sabendo que Marcelo havia sido baleado após troca de tiros... que a vítima era uma pessoa perigosa e o depoente a conhecia desde pequenininho; que era de costume fazer assalto no bairro e só andava armado... que antes dos fatos o depoente viu Marcelo na pracinha, portando revólver...”

Depoimento da testemunha Joselito Cardoso – fl. 155:

“... que conhecia a vítima e pode afirmar que se tratava de um marginal, inclusive cerca de cinco dias do fato o flagrou roubando um rádio de uma mulher... o depoente ouviu comentários de terceiros dando conta que houve tiroteio que redundou na morte da vítima, a qual teria reagido primeiro, atirando contra os policiais...”

Depoimento da testemunha Edileusa de Assis Tavares - fl. 154:

“... que a depoente encontrava-se no varal do seu quintal estendendo roupas por volta das três horas da tarde, quando ouviu vários disparos de arma de fogo... que tomou conhecimento no local de que Marcelo e seus comparsas atiraram nos policiais, afirmando que houve troca de tiros... que ouviu dizer que o grupo da vítima que recebeu os policiais a tiros... que cerca de cinco comparsas da vítima passaram correndo em frente à casa da depoente, após o tiroteio; que alguns dos comparsas que passaram correndo estavam armados.”

Como se depreende, os policiais militares receberam naquele dia inúmeros telefonemas de moradores de Bairro Maria Pinheiro dando conta das desordens e assaltos praticados pelo grupo, do qual a vítima fazia parte e que estavaretirando completamente a tranqüilidade dos moradores do Bairro Maria Pinheiro e adjacências. A vítima utilizava droga abertamente e só andava armada, inclusive era contumaz na prática de furtos e assaltos, tendo participado anteriormente de conflito armado com a Polícia Militar, no qual o Sargento Abelito saiu baleado. Destarte, os policiais militares comandados pelo Tenente Leudemar se deslocaram até o referido Bairro, utilizando-se de três viaturas, no sentido de coibir esses atos criminosos praticados pelos indivíduos já mencionados e assim restabelecer a ordem pública manifestamente abalada, devolvendo, conseqüentemente, a tranqüilidade para os atormentados moradores. Os policiais militares são funcionários públicos e por dever legal são obrigados a manter a ordem pública e zelar pela segurança dos cidadãos. Ora, como se verifica pelo cotejo das provas orais, os denunciados, após chegarem no Bairro Maria Pinheiro, de onde partiram os telefonemas, já não mais encontraram o grupo de indivíduos desordeiros, tomando conhecimento logo depois, que teriam se dirigido para o Bairro do Fonseca. Ao se aproximar do local indicado, os motoristas permaneceram nas respectivas viaturas e os denunciados começaram a subir um morro a pé. Todavia ao chegarem no topo do morro foram recebidos à bala pelo grupo de indivíduos, redundando num tiroteio, no qual a vítima, famoso marginal conhecido pela alcunha de “ Morcego”, foi baleado e veio a falecer, conforme se constata pelo Laudo de Exame Cadavérico de fl. 46.

Não paira a menor réstia de dúvida de que os denunciados, aliás como bem reconheceu a ilustre representante do Ministério Público em suas judiciosas razões, agiram no estrito cumprimento do dever legal, pois como policiais militares tinham a obrigação de restabelecer a paz social, que se encontrava abalada, incidindo assim, na espécie a excludente de ilicitude descrita no art. 23 , III do CPB, não havendo contradição entre a conduta dos denunciados e a ordem jurídica, pois dentro dos limites legais. Nesse sentido é farta a jurisprudência pátria, como se pode observar:

“Inadmissível a condenação de miliciano que se vê obrigado a empregar força física para reduzir perturbador da ordem púbica à passividade e obediência, com intuito de manter a autoridade do Poder Constituído” ( JTACRIM 38/287).

“Estrito cumprimento de dever legal. Policiais que revidam a tiros reação de marginais, matando um deles quando cumpriam mandado de autoridade competente. Inexistência de dolo e, conseqüentemente, de justa causa para a ação penal. Trancamento. Habeas-corpus concedido de ofício. Inteligência dos arts. 19, III (art. 23, III vigente) do CP e 648, I do CPP” (RT 580/447).

Verifica-se ainda, consoante se infere pelos interrogatórios dos denunciados, os quais se mantiveram uníssonos e sem qualquer prova em contrário produzida nos autos, que o grupo da vítima, ante a aproximação dos denunciados, começou a efetuar disparos de arma de fogo, ensejando a reação incontinenti e atual dos denunciados, que repeliram desta forma, uma agressão injusta, utilizando moderadamente dos meios necessários, pois, naquelas circunstâncias a arma de fogo era o único meio idôneo de que dispunham para afastar com eficácia a injusta agressão, não havendo dúvidas que o fizeram de forma moderada, pois a vítima foi alvejada por apenas um disparo, restando configurados todos os requisitos da legítima defesa real própria e de terceiro. Destarte, os denunciados agiram não somente no estrito cumprimento do dever legal, mas também abrigados na excludente da legítima defesa própria, não constituindo assim, a conduta típica praticada nos moldes preconizados pelo Código Penal Brasileiro. Nesse sentido, merece transcrição os seguintes arestos que amoldam a hipótese vertente:

“Acolhe-se a decretação da absolvição sumária do réu, pela excludente da antijuridicidade, se suas palavras constantes do interrogatório não são contrariadas pelas demais provas dos autos” (TJMT – RC –Rel. Milton Figueiredo Ferreira Mendes – RT 552/361).

“... age, não só em legítima defesa própria, mas também no estrito cumprimento do dever legal, o soldado que ao efetuar uma prisão é agredido pelo criminoso e reage, abatendo-o”. (Rec. 6.665 do TJSC, de 24.06.75).

É cediço que a absolvição sumária só deve ser reconhecida quando houver provas robustas e estremes de dúvidas que incutam no magistrado a necessidade de abreviar o procedimento dos crimes de competência do Júri, no sentido de justificar a retirada precoce do réu do seu juiz natural. No caso em comento, a prova é límpida no sentido de indicar categoricamente que os denunciados agiram no estrito cumprimento do dever legal e sob o manto da legítima defesa própria. Nesse caso em particular os denunciados seguradamente tiveram enormes prejuízos em suas carreiras, pois, em face da disciplina militar, não puderam galgar degraus, devido ao fato de responderem a este processo. Não obstante, o tempo, que é senhor da razão, mostrou à sociedade que os denunciados agiram de conformidade com o ordenamento jurídico e visando o restabelecimento da ordem social, não cometendo crime algum. O Estado-Juiz, após longos anos, declara que os denunciados são inocentes.

Posto isso, julgo por sentença improcedente a pretensão punitiva do Estado, para ABSOLVER SUMARIAMENTE os réus LEUDEMAR BARBOSA DE CASTRO, JEFFERSON VAZ VIEIRA GUIMARÃES, EDSON TELES, MARCUS VALERIUS FERREIRA MONÇÃO, EDVAL SANTANA COSTA, JOSÉ REINALDO BRITO DOS SANTOS E ALBERTO JULIO DE SOUZA, todos devidamente qualificados nos autos da acusação que lhes foi feita, nos termos do art. 411 do CPP, em face de terem agido no estrito cumprimento do dever legal e sob o manto da legítima defesa própria, conforme estabelece, respectivamente o art. 23 , II e III do Código Penal Brasileiro.

Recorro de ofício da presente sentença para o E. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

Decorrido o prazo para o recurso voluntário, remetam-se os autos para a E. Corte, observadas as cautelas legais.

Transitado em julgado, dê-se baixa no livro de tombo e oficie-se as autoridades competentes para os devidos fins, arquivando-se em seguida os autos.

P.R.I.

Itabuna-Ba, 09 de agosto de 2000.

Bel. MARCOS ANTÔNIO SANTOS BANDEIRA
Juiz de Direito

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