sexta-feira, 9 de outubro de 2009

MEUS MESTRES ESTÃO MORRENDO.....

MEUS MESTRES ESTÃO MORRENDO.....


A vida não pára, e nós pobres mortais nos entregamos de corpo e alma ás nossas atividades cotidianas, na família, no trabalho, nas reuniões com amigos, e , de repente percebemos que o tempo está passando muito rapidamente. A notícia do falecimento passamento de um ente querido, de um amigo ou de um mestre nos faz refletir sobre o ciclo da vida, isto é, que nascemos, crescemos e que um dia todos morreremos, ou deixaremos nosso corpo físico para fazer a grande viagem, sem saber a hora de ir e nem para onde ir, sem lenço e sem documento. É a consciência da finitude da vidaítima.

Quando morre um compositor, um escritor ou um mestre sempre ficatemos a impressão de que a perda é muito grande, irreparável, pois poderia ter criado mais, poderia ter sonhado mais, poderia ter nos ensinado mais, enfim poderia ter socializado o seu conhecimento ou seus poemas e sonhos com outras pessoas. É como se sua obra estivesse inacabada e que ninguém, por melhor que seja, irá substituí-lo no seu jeito peculiar de ser, porque somos únicos, diferentes, sem direito a clones ou cóopias. Os cargos são preenchíveis, mas as pessoas são insubstituíveis.

Relembro com saudade da minha querida FESPI - embrião da UESC - e de meus inesquecíveis mestres. O jeito lhano e afetivo do meu querido professor de direito romano, Hamilton Ignácio de Castro, me ensinando-me as primeiras lições do corpus juúris civili e das lições de Uulpiíano e Justininiano. EventualmenteAs vezes nos dias de avaliação costumava cochilar um pouco e despertar, de repente, causando sem querer um barulho na mesa e muito embaraço e sufoco para a turma que gostava de ficar no fundo da sala; A irreverência, a condensação do conhecimento de processo civil, do prof. Sadala Maron, um sujeito baixo e calvo, que ao soltar a voz se tornava um gigante na sala dedava aulas saboreando o inseparável cigarro. Dotado de uma memória prodigiosa, e que tinha o CPC todo na cabeça. Meu querido mestre Halil Medauar, figura simpatissíma, que ensinava medicina legal. Era comum observar os alunos de outras salas aguardarem ansiosos para assistir as aulas magníficas proferidas pelo querido mestre, nos ensinando as primeiras linhas sobre os tipos de lesões, exames periciais e outros temas. Relembro do caso da garota Araceli, que com apenas com 8 anos de idade, fora estuprada e assassinada em Vitória-ES, no dia 18 de maio de 73 , tendo seu corpo totalmente desfigurado pela ação corrosiva do ácido. Como ele nos ensinou a importância da arcada dentária na identificação do cadáver. Relembro o caso da cantora Clara Nunes, que sofreu um choque anafilático durante uma cirurgia restauradora e que permanecera em estado de coma alguns dias no Hospital. Enquanto o Brasil rezava pela sua recuperação , ele nos antecipava que ela já estava morta, pois as lesões das células do cérebro são irreversíveis, e o cérebro não poderia ficar teoricamente mais do que três minutos sem receber oxigênio. Meu querido professor Francolino Neto, um dos precursores da Faculdade católica de Ilhéus e um dos principais ícones doe Ddireito Ppenal na Bahia. Era comum vê-lo chegar emno seu fusca bege, deiiexando transparecerentrever a camiseta que vestia por debaixo da camisa social de manga compridaindumentária para se proteger do frio nos dias de inverno. Ele me ensinou o princípio da reserva legal e os elementos analíticos do crime, esboçando, como ninguém, a teoria da causalidade de Vvons liszt e do finalismo de Hanz Welzer. Ele me fez apaixonar pelo direito penal e contribuiu decisivamente para a minha formação jurídica, pelo incentivo e pelos ensinamentos preciosos que transmitiu. Honrou-me com o prefácio do meu segundo livro – adoção na prática forense - , que mais parece uma oração. Tive, e também com o privilégio de ter participado do seurealizar o último júri de sua vida no Fórum Ruy Barbosa, em Itabuna. Ele como advogado de defesa, eu como juiz-presidente do tribunal do júri . Dia glorioso de plena realização, jamais esquecerei. Meu querido professor Aciolly da Cruz Moreira, sujeito curioso, dava aulas olhando para o telhado da sala e soltando as fumaças provocadas pelos sucessivos tragos de seu cigarro. Era uma pessoa de uma invejável cultura jurídica, exercia também o cargo de Promotor de Justiça em Ilhéus. Ele concedia mais um ponto para quem tirasse dez com ele, mas só que na prova seguinte o aluno que obteve dez poderia merecer apenas um, tal as variáveis que ocorriam em suas avaliações. Muitas vezes, num trabalho de apresentação oral, se o aluno o convencesse que ele estava equivocado sobre algum posicionamento, e se ele admitisse o equívoco, dizia que o aluno tinha dado um “kinal “ (não sei se o termo está correto) nele, e dava um ponto para o aluno. Sempre falava na sala de aula que o professor não ensinava nada, pois o aluno é que aprendia pela leitura dos bons livros, e recomendava para aquele que não gostava de Direito, que o melhor que poderia fazer era não vir para a sala de aula, era melhor assistir um cinema, jogar futebol, conversar com um amigo na praça e coisas do gênero. Na segunda chamada ele normalmente só fazia uma pergunta que não guardava muita fidelidade com o conteúdo da disciplina, sempre uma pergunta histórica, como por exemplo: qual a importância histórica de Napoleão Bonaparte para o Direito Comercial e coisas parecidas. Os alunos ficavam perplexos e calados, olhando uns para os outros sem entenderem absolutamente nada. Falava como ninguém o bom vernáculo, e corrigia os deslizes de alguns alunos, quando, por exemplo, falava célebro ao invés de cérebro, ou trocava interveio por interviu .

Estes mestres todos já fizeram a grande viagem, e ontem recebi a notícia da morte do prof. Wilson Rosa, meu professor de Direito Constitucional. Figura também curiosa, com quase 1,90 de altura, perfil de americano, senhor de um conhecimento cultural invejável, entrava na sala e falava, sentado em cima da mesa, com seu cigarro no canto da boca, da relação entre governantes e governados, mostrando que na democracia todas as ideologias devem ser respeitadas, inclusive a do próprio Partido Comunista.

É triste, mas a vida é assim mesmo. Meus mestres estão morrendo fisicamente, mas suas lições são indeléveis e se renovarão a cada dia em meu coração, ou melhor, no meu espírito, pois este não sofrerá a ação inexorável e inclemente do tempo. Cada um com seus ensinamentos e o seu jeito peculiar de ser contribuiu não só para a minha formação jurídica, mas sobretudo, com seus exemplos, para o meu crescimento como pessoa e como profissional do Direito. É o ciclo da vida, estamos envelhecendo, e a vida finita é muito curta, passa muito rapidamente.

Obrigado queridos mestres e descansem em paz com as estrelas, mas fiquem certo de que aqui na terra, sempre permanecerá a lembrança eterna de suas passagens marcantes, pois como disse o escritor Saint Exuperri:

Aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.

Marcos Bandeira é Juiz de Direito da Vara do Júri e Execuções Penais da Comarca de Itabuna, escritor e professor de Direito da UESC.

3 comentários:

  1. Marcos Bandeira, sou filha de Halil Medauar (Maria Isabel Medauar Silva), fiquei bastante lisonjeada e emocionada com suas palavras sobre meu querido pai. Além de um grande mestre ele deixou três árvores que ele soube plantar com muito amor e como exemplo e fazer dele semelhança para a nossa vida. Muito grata, Isabel Medauar.

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  2. Como sobrinho de Sadala Maron, agradeço o elogio Marcos. Ele realmente era um gigante nas palavras, lembro muito qdo adolescente ele me chamava para sua biblioteca e la me colocava para ler os filósofos e as vezes em francês, depois tinha de interpretar tudo com ele e discutíamos o que havia lido, tarde maravilhosas que tenho mta saudade.

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  3. Bom dia Marcos, gostei de ler o seu elogio a meu Tio Sadala Maron, ele realmente era um gigante ao falar, sempre uma fonte de inspiração. Lembro com muita saudade quando adolescente ele me chamava frequentemente a tarde para ler os filósofos e livros de arte para ele, depois tinha de interpretar e discutir com ele, eram verdadeiras aulas, com ele tb aprendi o francês e hj sou grato por isso. Obrigado !

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