terça-feira, 27 de março de 2012

A GUARDA COMPARTILHADA

A GUARDA COMPARTILHADA






A entidade familiar vem sofrendo ao longo do tempo grandes transformações, tanto nos seus arranjos como na sua função básica. É certo que a função da família nos primórdios se limitava á perpetuação dos cultos domésticos e a preservação da memória de seus ancestrais. A função procracional era imanente à família tradicional patriarcal, ou seja, o casal deveria gerar filhos , como forma de perpetuar a família e concretizar a vontade de DEUS. Além da função religiosa, política, procracional, com a evolução do tempo, a família passou a ter também função econômica. Logo, o objetivo maior era a proteção do patrimônio das famílias dos nubentes. Daí porque muitos pais abastados economicamente, preocupados com a manutenção ou o aumento do seu patrimônio, saíam à procura de um bom casamento para o seu filho, independentemente do sentimento que ele pudesse nutrir pela consorte ou vice-versa. O amor poderia esperar e eventualmente aparecer depois, ou nunca aparecer. O nosso vetusto Código Civil de 1916, de autoria de Clovis Beviláqua, foi assentado basicamente no aspecto patrimonial das famílias.

Com o tempo o formato da família também mudou. A família patriarcal do Direito Romano, caracterizada pela supremacia do homem como chefe da sociedade conjugal, comandando a mulher e filhos numerosos já feneceu. A evolução dos direitos da mulher e a sua efetiva inserção no mercado de trabalho acabaram sepultando o modelo que a considerava a “ rainha do lar”, responsável pelas tarefas domésticas, enquanto o homem era o provedor exclusivo da entidade familiar. A CF de 1988 estabeleceu a igualdade entre o homem e a mulher na chefia da sociedade conjugal, acabando com a chefia da sociedade atribuída ao homem, estabelecendo a igualdade de direitos e deveres no comando do poder familiar, conforme preconizam os arts. 226 a 230 da CF. Este novo paradigma elegeu a afetividade como bem jurídico a ser protegido e a guiar os novos arranjos familiares. Com efeito, o que aproximam as pessoas para constituir uma família não são mais os motivos de caráter religioso, político, econômico ou procracional, mas o afeto. Assim, temos a família constituída pelos filhos e qualquer dos pais, estabelecendo vários arranjos, como pai e filho, mãe e filho ou enteado, família homoafetiva, etc.

Essas mudanças ocasionaram também um número cada vez maior de separação e divórcios. Naqueles arranjos tradicionais a ruptura da sociedade conjugal acarretava naturalmente o afastamento de um dos pais do convívio com relação aos filhos, já que a guarda era atribuída, em regra, a apenas um deles, normalmente a mãe, rompendo assim os laços da parentalidade. Na verdade a guarda unilateral ou monoparental transformava o pai, principalmente, em “pai de final de semana” com direito a visita em dias determinados. Entendia-se que a guarda deveria sempre ficar com a mulher, pois só ela possuía as condições para cuidar bem da criança, principalmente quando ela era de tenra idade. O pai, em regra, ficava alijado de acompanhar o desenvolvimento de seu filho, o seu processo educacional, enfim, a ele era reservado um papel secundário, embora ainda continuasse como titular do poder familiar. Como se sabe a guarda não é da essência do poder familiar, tanto que com ele coexiste. Todavia, o filho como mero objeto de Direito era um instrumento de manipulação nas mãos dos pais na hora da ruptura da sociedade conjugal. Há vários casos registrados de mães que movidas pelo rancor e raiva, passaram a desqualificar os pais juntos aos filhos, como ainda acontece, evitando o máximo qualquer aproximação com o pai, praticando o que hoje conhecemos como alienação parental, com prejuízos enormes para o desenvolvimento e formação da criança.

O novo paradigma da entidade familiar fundado no princípio da afetividade está sincronizado com a guarda compartilhada, pela qual, ambos os genitores são corresponsáveis pela criação e educação de seus filhos. Não podemos confundir guarda compartilhada com guarda alternada, pois o filho, nessa condição, terá uma residência fixa até como algo necessário para a sua estabilidade emocional, todavia, a convivência com ambos os pais é intensa, tanto que o outro genitor deverá possuir em sua residência um quarto do filho para recebê-lo a qualquer momento, desde que não venha prejudicá-lo em suas atividades educacionais. A guarda compartilhada preserva os vínculos de afetividade e contribui para o pleno desenvolvimento físico, intelectual, moral e espiritual da criança. O amor entre os cônjuges e companheiros pode acabar, mas o amor filial não. Ademais existe toda uma constelação de vínculos que deve ser preservada, como a convivência com os avós e tios de ambos os progenitores, tudo no interesse maior da criança. A criança não é mais objeto de direito, mas sujeito de direitos, e como tal deve ter assegurados os seus direitos fundamentais, principalmente o direito à convivência familiar. Em alguns casos excepcionais, a guarda compartilhada pode não ser a melhor opção para a criança, mas na maioria dos casos ela certamente será a melhor opção para resguardar os interesses superiores da criança, pois ainda que o filho more com um dos pais, a guarda compartilhada fortalecerá os vínculos de afetividades dos filhos com os pais, propiciando as condições para que estes sejam corresponsáveis pela sua educação, criação e desenvolvimento, e ao mesmo tempo ensejando que os filhos procurem sempre um ombro amigo, seja do seu pai, seja de sua mãe para superar os seus problemas e dificuldades.

Marcos Bandeira é Juiz titular da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna, professor de Direito da UESC e membro da Academia de Letras de Itabuna.

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