O TEMPO DO ADOLESCENTE
INTRODUÇÃO
Tem sido freqüente ultimamente o discurso da maioridade
penal em face da violência exacerbada que estamos vivenciando em nosso país,
principalmente, no que toca a deliquência juvenil. Itabuna, em recente
pesquisa, foi considerada a cidade mais violenta do país para adolescentes
entre 12 a 18 anos de idade. Há vários projetos em tramitação no Congresso
Nacional pugnando pela redução da maioridade para 16, 14 e até 12 anos de
idade. Alguns projetos propõem que o adolescente infrator cumpra 10 e até 15
anos de reclusão pela prática de determinados atos infracionais graves. Sem a
pretensão de adentrar no mérito dessa tormentosa questão que vem sendo debatida há algum tempo
no país, percebe-se que vários atores que são favoráveis a redução da
maioridade penal utilizam o fermento perigoso do apelo emocional para
sensibilizar determinados segmentos da sociedade, descurando de verticalizá-lo,
no sentido de conhecer os seus meandros e seus aspectos multifacetários para
que se possa encontrar racionalmente uma solução que seja a mais adequada para
nossa realidade social. Com efeito, um desses aspectos, talvez o mais
importante e que tem sido esquecido por todos aqueles que engrossam a fileira
da redução da maioridade penal no Brasil, é o tempo. O tempo do adolescente.
O TEMPO NA ADOLESCÊNCIA
Desde a
teoria da relatividade de Albert Einstein que o tempo não é mais absoluto. O
tempo para aquele que está encarcerado é diferente para aquele que está em
liberdade. O tempo para aquele que está diante do fogo que arde à sua frente é
diferente para aquele que está deitado confortavelmente em sua cama, assistindo
televisão com o frescor do ar condicionado. O tempo não pode ser contado de
forma linear. Assim, o tempo do adolescente é diferente em relação ao tempo do
adulto.
A
adolescência vem do latim ad (, para)
e olescer
( crescer) e constitui uma fase especial, de evolução, na vida de cada ser
humano. O adolescente, em face de vivenciar essa fase de transformação, tem
dificuldade de discernir o que é normal e o que não é, daí a sua característica
de ser irreverente, e algumas vezes inconseqüente nas suas ações. O
psicanilista José Outeiral em sua obra “ Adolescer: estudos revisados sobre
adolescência”, explicita magistralmente:
“ Vive o adolescente, neste momento evolutivo, a perda de seu corpo
infantil, com uma mente ainda infantil e com um corpo que vai se fazendo
inexoravelmente adulto, que ele teme, desconhece e deseja, e provavelmente, que
ele percebe aos poucos diferente do que idealizava ter quando adulto. Assim,
querendo ou não, o adolescente é levado a habitar um novo corpo e a
experimentar uma nova mente”.
Essa fase de construção do
ser e que se caracteriza pela formação dos seus aspectos físicos, psíquicos e
emocionais, faz com que o tempo seja diferente. O adolescente tem pressa de ser
adulto e de afirmar a sua identidade, mas o tempo não passa. Um adulto de 35
anos vê o tempo passar rapidamente, igual a um relâmpago, enquanto os anos
parecem que não passam para o adolescente. O jurista João Batista Saráiva,
valendo-se das lições do educador Antonio Carlos Gomes da Costa, assevera em
seu artigo:
“ Para alguém que já fez 50 anos , o sentimento é de que o tempo voa. Foi ontem. O ano passou voando. Assim o diz porque um ano para quem viveu cinqüenta significa dois por cento de toda a sua vida. Um quase nada. Como o tempo será sempre medido pelo tempo vivido, porque o tempo é único, uma coisa só, a cada momento que nos pomos mais velhos, como na canção imortalizada por Pablo Milanês, mais rápida será a percepção de sua passagem. Sempre o mediremos pelo tempo vivido. Assim, para uma criança de cinco anos, um ano não passa nunca, pois significa 20% de toda sua vida. Dois anos para uma criança de cinco anos em uma unidade de colhimento significa uma vida; vinte anos para quem viveu cinqüenta.
Para
um adolescente, um ano oscila entre oito e seis por cento de sua vida, tendo
ele 12 ou 18 anos. Não é pouco. Por isso o aniversário de 18 anos nunca chega;
e assim se explica porque as férias de verão nos pareciam intermináveis”.
Essa medida do tempo do
adolescente não pode ser desconsiderada pelos nossos legisladores, pois ela que
traz o diferencial, que o distingue do imputável, colocando-o como sujeito na
peculiar condição de desenvolvimento e por isso mesmo credor de uma tutela
especial do Estado. A resposta estatal pela prática de um ato infracional deve ser breve e preponderantemente
pedagógica, no sentido de fazê-lo refletir sobre o ato infracional cometido e
criar as condições para sua inserção ou reinserção no sistema de garantias de
Direito. A segregação de um ser humano adulto é prejudicial, mas a segregação
por período prolongado de um adolescente é muito mais prejudicial para a sua
formação, pelas seqüelas indeléveis que carregará para o resto da vida. Daí
porque o Constituinte de 1988, atento a essa peculiaridade, estabeleceu o
direito-garantia da excepcionalidade e brevidade na privação de liberdade do
adolescente em conflito com a lei, consoante se infere pelo teor do disposto no
inc. V , § 3º do art. 227 da CF. A jurista e promotora Martha Toledo sobre o
tema explicita:
“ Mas essas mesmas
razões enfaticamente recomendam que a privação de liberdade do adolescente seja excepcional, impondo que a
sanção se dê, como regra, em meio aberto.Seja porque assim diminuem –se os
efeitos perniciosos do fator de construção da personalidade delinqüente pelo
próprio sistema repressor – peculiarmente incidente nos adolescentes e
especialmente incidente na privação de liberdade - , seja porque a interação do
adolescente com o meio social na sua condição de normalidade do relacionamento
humano ( o que não se dá no cárcere) também potencializa a possibilidade de o
adolescente modificar seu comportamento anterior, para ajustá-lo às regras do
convívio social sadio”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vê-se pois , que a prolongada privação de liberdade
do adolescente em conflito com a lei , como sujeito na peculiar condição de
desenvolvimento, contraria preceitos científicos que delimitam e identificam a adolescência como uma fase especial e
importante na vida de uma pessoa, ocasionando prejuízos de difícil reparação
para a personalidade do jovem que está crescendo sem liberdade e que carregará seqüelas
indeléveis que certamente manifestarão na fase adulta. A propositura de “penas”
elevadas ou o encarceramento prolongado do adolescente em conflito com a lei
não é a melhor solução para o nosso país, pelas conseqüências nefastas que
poderão advir . Não podemos, a pretexto
de darmos uma resposta pronta, simbólica ou emocional para a sociedade,
esquecermos essa peculiaridade do tempo do adolescente, sob pena de matarmos de
vez a nossa juventude, e conseqüentemente a esperança de um mundo melhor, no
qual a paz volte a reinar em nossa sociedade.
AUTOR: MARCOS BANDEIRA
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