domingo, 3 de março de 2013


O TEMPO DO ADOLESCENTE
 

 

 
INTRODUÇÃO
Tem sido freqüente ultimamente o discurso da maioridade penal em face da violência exacerbada que estamos vivenciando em nosso país, principalmente, no que toca a deliquência juvenil. Itabuna, em recente pesquisa, foi considerada a cidade mais violenta do país para adolescentes entre 12 a 18 anos de idade. Há vários projetos em tramitação no Congresso Nacional pugnando pela redução da maioridade para 16, 14 e até 12 anos de idade. Alguns projetos propõem que o adolescente infrator cumpra 10 e até 15 anos de reclusão pela prática de determinados atos infracionais graves. Sem a pretensão de adentrar no mérito dessa tormentosa  questão que vem sendo debatida há algum tempo no país, percebe-se que vários atores que são favoráveis a redução da maioridade penal utilizam o fermento perigoso do apelo emocional para sensibilizar determinados segmentos da sociedade, descurando de verticalizá-lo, no sentido de conhecer os seus meandros e seus aspectos multifacetários para que se possa encontrar racionalmente uma solução que seja a mais adequada para nossa realidade social. Com efeito, um desses aspectos, talvez o mais importante e que tem sido esquecido por todos aqueles que engrossam a fileira da redução da maioridade penal no Brasil, é o tempo. O tempo do adolescente.
O TEMPO NA ADOLESCÊNCIA
            Desde a teoria da relatividade de Albert Einstein que o tempo não é mais absoluto. O tempo para aquele que está encarcerado é diferente para aquele que está em liberdade. O tempo para aquele que está diante do fogo que arde à sua frente é diferente para aquele que está deitado confortavelmente em sua cama, assistindo televisão com o frescor do ar condicionado. O tempo não pode ser contado de forma linear. Assim, o tempo do adolescente é diferente em relação ao tempo do adulto.
            A adolescência vem do latim ad (, para) e  olescer ( crescer) e constitui uma fase especial, de evolução, na vida de cada ser humano. O adolescente, em face de vivenciar essa fase de transformação, tem dificuldade de discernir o que é normal e o que não é, daí a sua característica de ser irreverente, e algumas vezes inconseqüente nas suas ações. O psicanilista José Outeiral em sua obra “ Adolescer: estudos revisados sobre adolescência”, explicita magistralmente:
            “ Vive o adolescente, neste momento evolutivo, a perda de seu corpo infantil, com uma mente ainda infantil e com um corpo que vai se fazendo inexoravelmente adulto, que ele teme, desconhece e deseja, e provavelmente, que ele percebe aos poucos diferente do que idealizava ter quando adulto. Assim, querendo ou não, o adolescente é levado a habitar um novo corpo e a experimentar uma nova mente”.
                Essa fase de construção do ser e que se caracteriza pela formação dos seus aspectos físicos, psíquicos e emocionais, faz com que o tempo seja diferente. O adolescente tem pressa de ser adulto e de afirmar a sua identidade, mas o tempo não passa. Um adulto de 35 anos vê o tempo passar rapidamente, igual a um relâmpago, enquanto os anos parecem que não passam para o adolescente. O jurista João Batista Saráiva, valendo-se das lições do educador Antonio Carlos Gomes da Costa, assevera em seu artigo:
           
                “ Para alguém que já fez 50 anos , o sentimento é de que o tempo voa. Foi ontem. O ano passou voando. Assim o diz porque um ano para quem viveu cinqüenta significa dois por cento de toda a sua vida. Um quase nada. Como o tempo será sempre medido pelo tempo vivido, porque o tempo é único, uma coisa só, a cada momento que nos pomos mais velhos, como na canção imortalizada por Pablo Milanês, mais rápida será a percepção de sua passagem. Sempre o mediremos pelo tempo vivido. Assim, para uma criança de cinco anos, um ano não passa nunca, pois significa  20% de toda sua vida. Dois anos para uma criança de cinco anos em uma unidade de colhimento significa uma vida; vinte anos para quem viveu cinqüenta.
                Para um adolescente, um ano oscila entre oito e seis por cento de sua vida, tendo ele 12 ou 18 anos. Não é pouco. Por isso o aniversário de 18 anos nunca chega; e assim se explica porque as férias de verão nos pareciam intermináveis”.
                Essa medida do tempo do adolescente não pode ser desconsiderada pelos nossos legisladores, pois ela que traz o diferencial, que o distingue do imputável, colocando-o como sujeito na peculiar condição de desenvolvimento e por isso mesmo credor de uma tutela especial do Estado. A resposta estatal pela prática de um ato infracional  deve ser breve e preponderantemente pedagógica, no sentido de fazê-lo refletir sobre o ato infracional cometido e criar as condições para sua inserção ou reinserção no sistema de garantias de Direito. A segregação de um ser humano adulto é prejudicial, mas a segregação por período prolongado de um adolescente é muito mais prejudicial para a sua formação, pelas seqüelas indeléveis que carregará para o resto da vida. Daí porque o Constituinte de 1988, atento a essa peculiaridade, estabeleceu o direito-garantia da excepcionalidade e brevidade na privação de liberdade do adolescente em conflito com a lei, consoante se infere pelo teor do disposto no inc. V , § 3º do art. 227 da CF. A jurista e promotora Martha Toledo sobre o tema explicita:
            “ Mas essas mesmas razões enfaticamente recomendam que a privação de liberdade  do adolescente seja excepcional, impondo que a sanção se dê, como regra, em meio aberto.Seja porque assim diminuem –se os efeitos perniciosos do fator de construção da personalidade delinqüente pelo próprio sistema repressor – peculiarmente incidente nos adolescentes e especialmente incidente na privação de liberdade - , seja porque a interação do adolescente com o meio social na sua condição de normalidade do relacionamento humano ( o que não se dá no cárcere) também potencializa a possibilidade de o adolescente modificar seu comportamento anterior, para ajustá-lo às regras do convívio social sadio”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
                Vê-se  pois , que a prolongada privação de liberdade do adolescente em conflito com a lei , como sujeito na peculiar condição de desenvolvimento, contraria preceitos científicos que delimitam e identificam  a adolescência como uma fase especial e importante na vida de uma pessoa, ocasionando prejuízos de difícil reparação para a personalidade do jovem que está crescendo sem liberdade e que carregará seqüelas indeléveis que certamente manifestarão na fase adulta. A propositura de “penas” elevadas ou o encarceramento prolongado do adolescente em conflito com a lei não é a melhor solução para o nosso país, pelas conseqüências nefastas que poderão advir . Não podemos,  a pretexto de darmos uma resposta pronta, simbólica ou emocional para a sociedade, esquecermos essa peculiaridade do tempo do adolescente, sob pena de matarmos de vez a nossa juventude, e conseqüentemente a esperança de um mundo melhor, no qual a paz volte a reinar em nossa sociedade.
AUTOR: MARCOS BANDEIRA
           

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