quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A MÁQUINA DA VERDADE

A MÁQUINA DA VERDADE


Era uma tarde igual a tantas outras no fórum de uma Comarca do interior da Bahia. A pauta de audiências estava bastante concorrida. Advogados desfilavam para lá e para cá, conversando com seus clientes. O juiz, Promotor, o oficial de justiça , o advogado e seus constituintes se movimentam no apertado fórum da Comarca.

As audiências se sucediam e o tempo já estava avançando, aproximando-se das 18 horas. O cansaço já era manifesto nos semblantes do juiz e da Promotora de Justiça. A escrevente confidenciou ao juiz que estava ao seu lado: “ doutor só falta uma audiência” .

O juiz, garantista até o extremo, sempre obedeceu ao devido processo legal, assegurando ao acusado o seu direito sagrado de permanecer em silencio e de não produzir provas contra si, todavia, ele já estava cansado de ouvir “mentiras”, dissimulações e a constatação inevitável da difícil e árdua missão de encontrar essa tal verdade real.

O oficial fez o pregão das partes e testemunhas. Era uma representação contra um adolescente de 16 anos, acusado de posse de arma de fogo.

O fato ocorreu no dia 17 de maio de 2008, numa cidade do interior da Bahia, por volta das 19 horas, num bairro periférico, quando um revólver calibre 32 foi encontrado no meio-fio da rua, próximo ao local, onde se encontravam cinco jovens conversando. Na confusão, a polícia chegou ao local e encontrou a misteriosa arma, mas sem identificar o seu autor, resolveu levar todos para a delegacia. Somente o adolescente A. foi representado pelo Ministério Público.

A audiência de apresentação foi realizada há um mês, oportunidade na qual o adolescente negou veementemente a acusação e disse que estava atualmente trabalhando em Vitória do Espírito Santos. O juiz sentiu firmeza nas suas declarações.

A audiência que estava sendo realizada destinava a oitiva das testemunhas de acusação e da defesa. O juiz já havia inquirido duas testemunhas e todas elas se mostraram evasivas, sem falar nada que chegasse ao autor do fato, demonstrando não conhecer absolutamente nada sobre a arma, muito menos sobre o seu legítimo proprietário.

O oficial chama a última testemunha. Um sujeito, tipo mulato, cerca de 19 anos, olhar de matuto, porém adentrou na sala de audiências com um semblante carregado de preocupação e acompanhado de um advogado.

O juiz, cansado do garantismo penal e ávido para encontrar a tal verdade, resolveu mudar o seu método. Ao olhar para a testemunha pensou: “ neste mato tem coelho”.Olhou fixamente para a testemunha, fixando nos seus olhos e, subitamente, alterou a voz e perguntou quase gritando: “ você promete dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado?”

A testemunha assustada respondeu: “hein”?

O juiz respondeu rapidamente: É o que você ouviu mesmo? Se você não falar a verdade, se eu descobrir que você não está falando a verdade, você será preso por falso testemunho e vai para o Xadrez, entendeu? Fique já sabendo que eu tenho como descobrir se você não falar a verdade.

A testemunha respondeu: sim senhor.

O juiz começou a inquirição procurando saber a quem pertencia a arma, todavia, como as demais testemunhas, o depoente não sabia a quem pertencia e também não sabia se pertencia ao representado. A palavra foi concedida a Promotora e depois a defensora que nada perguntaram, pois não havia mais nada a ser dito.

Neste momento, já desanimado, veio á lume uma idéia brilhante na cabeça do juiz. A escrevente começou a dar o comando para imprimir o depoimento da testemunha. A impressora era uma máquina grande e que fazia um barulho estranho assim que era acionada. A máquina estava praticamente separando o juiz da testemunha. Quando a máquina começou a digitalizar o depoimento e produzindo o estranho barulho, o juiz, de forma sisuda e enérgica, foi se levantando vagarosamente e olhando fixamente para a testemunha e disse o seguinte:

- Esta aqui é a maquina da verdade, agora eu vou saber se você disse realmente a verdade ou se você está mentindo. A testemunha começou a ficar espantada, levantando as sobrancelhas e começou também a se levantar, olhando para o advogado dele, que se limitou a ficar calado.

A máquina impressora começou a vomitar o papel onde constava o depoimento da testemunha. O juiz pegou o papel e olhou indignado para a testemunha e disse o seguinte:

- Eu sabia que você não estava falando a verdade. A máquina da verdade não mente. Esta aqui veio dos Estados Unidos. Você sabe... você sabe o que consta aqui neste papel da máquina da verdade !?

- A testemunha, levantando-se vagarosamente, quase chorando, disse para o juiz:

- Eu já sei ... seu juiz ela disse que a arma é minha. Ô doutor me desculpe. Ta bom, doutor a arma é minha, eu comprei por 100 reais, mas não era para matar ninguém, eu só queria vender a arma por 200 reais, para comprar algumas coisas para casa. Nós estamos passando fome doutor.

- O juiz olhava para a Promotora, advogado do representado, o advogado da testemunha, a escrevente e o oficial de justiça, todos estavam se lavando de tanto ri. Ninguém conseguiu se segurar.

O juiz, então, ainda sisudo, como lição de moral , disse para a incauta testemunha, que era feio não assumir os seus atos e deixar outra pessoa inocente pagar por isso. Homem que é homem assume seus próprios atos e não permite que ninguém pague por ele. Isso é feio e Aquele lá de cima está vendo tudo.

O Juiz, finalmente, sentenciou:

-- Vá embora, eu não vou lhe prender, mas bem que você merecia. Se não fosse essa “máquina da verdade” que veio do Estados Unidos, o adolescente A seria provavelmente condenado injustamente. Ainda bem que temos essa máquina aqui. Agora, vá para casa e reflita sobre o ato que você cometeu e agradeça a seu advogado, pois se não fosse ele, você estaria indo para o xadrez, pois foi ele quem me pediu para você passar pela “Máquina da Verdade”.

Marcos Bandeira


Um comentário:

  1. Parabéns, Marcos. Uma crônica muito interessante, que nos põe a rir a valer!

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