A medida do tempo:
considerações sobre o princípio da brevidade
João Batista Costa
Saraiva[1]
“Nenhuma criança será privada de sua
liberdade de forma ilegal ou arbitrária. A detenção, a reclusão ou a prisão de
uma criança será efetuada em conformidade com a lei
e apenas como último recurso,
e
durante o mais breve período de tempo que for apropriado”
I. O marco legal
O processo de
desconstrução normativa da chamada Doutrina Tutelar, que presidiu o Direito de
Menores ao longo do Século XX, tem como
um de seus marcos fundantes a Resolução 40/33, de 29 de novembro de 1985, que
institui as Regras das Nações Unidas para a Administração da Justiça de
Menores, conhecidas como Regras de
Beijing.
A lógica
tutelar, fundada no “melhor interesse do menor”, a panaceia que tudo
justificava, começava a desmoronar do ponto de vista normativo, combatendo-se o
arbítrio e a discricionariedade que marcou o tratamento do menor ao longo
século XX.
Essas regras
enunciadas restaram consolidadas, quatro anos depois, contemplando-se outros
direitos e novos fundamentos, na Convenção das Nações Unidas de Direito da
Criança. No trigésimo aniversário da Declaração dos Direitos da Criança, a
Assembleia Geral das Nações Unidas, reunida em New York , pela Resolução
44/25, de 20 de
novembro de 1989 , aprovou a Convenção, de cujo artigo 37 se extrai
o epíteto deste texto.
Desde então,
os Direitos da Criança passam a se assentar em um documento global, com força
coercitiva para os Estados signatários, entre os quais o Brasil, fundando-se a
Doutrina da Proteção Integral dos Direitos da Criança.
Essa Doutrina, com força cogente nos países
signatários, pode ser afirmada a partir de alguns documentos internacionais que
lhe dão o formato:
a)
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (20/11/89 );
b)
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração dos Direitos dos Menores
– Regras de Beijing (29/11/85 );
c)
Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade (14/12/90 );
d)
Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil – Diretrizes
de Riad (14/12/90 );
e)
Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não-Privativas de
Liberdade – Regras de Tóquio (14.12.1990 ).
Esse conjunto
normativo revogou a antiga concepção tutelar, trazendo a criança e o
adolescente para uma condição de sujeito de direito, de protagonista de sua
própria história, titular de direitos e obrigações próprios de sua peculiar
condição de pessoa em desenvolvimento, dando um novo contorno ao funcionamento
da Justiça da Infância e Juventude, abandonando o conceito de menor, como
subcategoria de cidadania.
Princípios
fundamentais, que em nome de uma suposta ação protetiva do Estado eram
esquecidos pela Doutrina da Situação Irregular, passam a ser integrantes da
rotina do processo envolvendo crianças e adolescentes em conflito com a lei,
tais como princípio da reserva legal, do devido processo legal, do pleno e
formal conhecimento da acusação, da igualdade na relação processual, da ampla
defesa e contraditório, da defesa técnica por advogado, da proporcionalidade, da
privação de liberdade como excepcional e somente por ordem expressa da
autoridade judiciária ou em flagrante, da proteção contra a tortura e
tratamento desumano ou degradante, etc. Constitui-se um sistema de garantias[2].
O Brasil, no
contexto internacional, assumiu papel de especial relevância e de particular
protagonismo na medida em que se antecipando à própria Convenção fez incluir na
Constituição Federal, em outubro de 1988, os princípios norteadores da Doutrina
da Proteção Integral, expressos especialmente nos arts. 227 e 228 da
Constituição Federal.
Essa posição
de vanguarda restou ainda mais configurada quando, em julho de 1990, antes
mesmo de o Congresso Nacional haver aprovado os termos da Convenção[3], o
País concebeu o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, a versão brasileira
da Convenção dos Direitos da Criança.
A Constituição
Federal do Brasil, nos enunciados que proclama, afirma no inciso V do parágrafo
terceiro de seu art. 227, que explicita no que consiste a proteção especial dos
direitos da criança e do adolescente, a “obediência aos princípios da
brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade”.
O Estatuto da
Criança e do Adolescente, ao regulamentar a norma constitucional, reafirma esses
princípios em seu art. 121, ao tratar da internação, enunciando: “A internação
constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.
A Lei
12.594/12, de 18
de janeiro de 2012 , que regula a execução das medidas
socioeducativas, estabelece em seu art. 35 os princípios que norteiam a
execução, destacando, em seu inciso V, a brevidade da medida em resposta ao ato
cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122
da Lei 8.069,
de 13 de julho de
1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente).
II. O tempo na adolescência
Há que se estabelecer a distinção entre puberdade enquanto
fenômeno biológico e adolescência enquanto fenômeno psicológico, posto que a
adolescência não se conclui com o final da puberdade.
Alfredo Jerusalinsky afirma que
adolescência é um estado de espírito, concluindo, em um magnífico texto, que: “O
problema com que se confrontam hoje os adolescentes é de extensão do tempo, por
causa da urgência (...); de fragilidade do simbólico, devido à substituição do
semelhante pelo objeto; e da falcatrua do poder, como consequência da supressão
do saber em nome de uma técnica”[4].
Com absoluta
certeza, este século XXI, marcado também pela ausência de emprego, consolidará
um retardamento do ingresso na idade adulta[5],
a ponto de afirmar que neste século a adolescência irá, mesmo do ponto de vista
legal, muito além dos atuais 18 anos.
Organismos internacionais
como UNESCO e OMS - Organização Mundial da Saúde - consideram segmento juvenil
da população a faixa etária compreendida entre 15 e 24 anos de idade.
A própria Reforma da
Previdência de certa forma antevê isso ao fixar em 65 anos a idade mínima para
aposentadoria, com 35 anos de contribuição, o que permite afirmar ser a idade
de trinta anos o marco de início de contribuição.
A legislação sobre
desarmamento estabeleceu em 25 anos a idade mínima para aquisição de uma arma
de fogo, anteriormente fixada em 21 anos.
O
reconhecimento da condição de sujeito de direitos fez do adolescente sujeito de
seus atos, sujeito de responsabilidade. Muitos têm dificuldade de admitir, mas
é inegável que a Doutrina da Proteção Integral dos Direitos da Criança, ao
promover o adolescente da condição de objeto da norma para sujeito de direitos,
criou um modelo de responsabilidade penal juvenil. A própria Constituição
Federal assim o diz quando, tratando da inimputabilidade dos menores de 18 anos,
os afirma sujeitos das normas da legislação especial e estas os fazem
responsáveis e passíveis, inclusive, de sanções privativas de liberdade. Mesmo
que estas persigam uma finalidade pedagógica, é inegável que a natureza da
medida socioeducativa é retributiva, ou seja, dá-se em resposta da prática pelo
adolescente de um fato descrito na lei como crime ou contravenção. Pedagógico,
socioeducativo, socioassistencial deverá ser o programa onde se executa a
medida. A medida, em si mesma, é retributiva.
Nessa
dimensão, a natureza penalizante, de reprimenda, de reprovação da conduta,
presente na sanção socioeducativa, deverá ser limitada rigidamente por garantias
e, na forma de sua execução, o traço fundamental que a distinguirá da pena que
se aplica ao adulto, em especial no plano temporal. Por isso deve ser limitada
no tempo, daí o princípio da proporcionalidade, e o mais breve possível. O
tempo do adolescente é outro.
O
bom professor Antonio Carlos Gomes da Costa, aquele que talvez tenha sido o
grande mentor do Estatuto da Criança e do Adolescente, traça um paralelo
interessantíssimo sobre a percepção do tempo em “A Velha Senhora[6]”.
Lembra que, para alguém que já fez 50 anos, o sentimento é de que o tempo voa. Foi ontem. O ano passou voando. Assim o diz porque
um ano para quem viveu cinquenta significa dois por cento de toda sua vida. Um
quase nada. Como o tempo será sempre medido pelo tempo vivido, porque o tempo é
único, uma coisa só, a cada momento que nos pomos mais velhos, como na canção
imortalizada por Pablo Milanês, mais rápida será a percepção de sua passagem.
Sempre o mediremos pelo tempo vivido. Assim, para uma criança de cinco anos, um
ano não passa nunca, pois significa 20% de toda sua vida. Dois anos para uma
criança de cinco anos em uma unidade de acolhimento significa uma vida; vinte
anos para quem viveu cinquenta.
Para
um adolescente, um ano oscila entre oito e seis por cento de sua vida, tendo
ele 12 ou 18 anos. Não é pouco. Por isso o aniversário de 18 anos nunca chega;
e assim se explica porque as férias de verão nos pareciam intermináveis.
III. O tempo e a redução da idade
penal
O Brasil teve a primazia no cenário internacional em readequar
sua legislação interna aos termos da Convenção, circunstância que o projetou
internacionalmente. Muitos países ainda hoje
se defrontam com a adaptação de suas legislações à Convenção. A Argentina, por
exemplo, finalmente, está por ver aprovada a Lei de Responsabilidade Penal
Juvenil, introduzindo notáveis avanços na legislação juvenil daquele País,
ainda regida por lei parida ao tempo dos anos de chumbo da ditadura militar.
Outros fizeram reformas cosméticas; e outros, ainda, já
produziram a reforma da reforma. Para permanecer no âmbito latino-americano,
citemos Chile e Colômbia, ambos com leis de responsabilidade penal juvenil bem
recentes.
Nestes países, a lei fixa em 14 anos o início da
adolescência, que se conclui aos 18 anos, e estabelece faixas entre 14 e 15, e
16 e 18 anos, com sanções socioeducativas que podem ir até oito anos de
privação de liberdade para delitos graves, em nenhuma hipótese podendo ser mais
grave o tratamento que receberia o maior de 18 anos pelo mesmo fato.
Nesse mesmo paradigma, a Costa Rica se mantém como sendo a
Nação latino-americana que apresenta uma legislação muito avançada em termos de
garantias processuais, embora preveja limites máximos de privação de liberdade
que vulneram o princípio da brevidade incorporado à Convenção dos Direitos da
Criança. Na Costa Rica, um adolescente poderá sofrer até quinze anos de
privação de liberdade em delitos gravíssimos, cabendo refletir, em favor dos
costa-riquenhos, que, por conta do rigor garantista que norteia a aplicação
dessas medidas, em uma população de cerca de quatro milhões de habitantes,
excede em pouco mais de cinquenta o número de adolescentes privados de
liberdade[7].
No panorama europeu, descrito por Carlos Vazquez Gonzáles, em seu Derecho Penal
Juvenil Europeo[8],
e muito bem sintetizado no Brasil por Sérgio Salomão Shecaira em Sistemas
de Garantias e Direito Penal Juvenil[9],
Alemanha e Espanha estão na vanguarda da ordem jurídica. Naquele está proposto
para certos delitos praticados por adolescentes entre 14 e 18 anos sanções
socioeducativas idênticas às nossas, com possibilidade de privação de liberdade
de até dez anos.
Na Espanha, com faixas distintas entre 14 e 16 anos e 16 e
18 anos, as sanções podem ir de quatro a oito anos de internação. Ambos esses
países preveem ainda a possibilidade de a legislação juvenil aplicar-se a
jovens adultos, até 21 anos, em face de delitos praticados sem violência à
pessoa.
Em certa medida, quase todos os países ocidentais adotam
este modelo, e, em exuberante maioria, fixam a idade de início da vida adulta e
de imputabilidade penal em 18 anos, cada qual, como o Brasil, com um modelo de
responsabilização juvenil para menores de 18 anos, nos termos da Convenção.
A propósito da Convenção, os Estados Unidos da América,
paradoxalmente ao lado da Somália, não a ratificaram. Os norte-americanos não
ratificaram a Convenção pela impossibilidade de cumpri-la em face da realidade
interna, onde cada Estado dispõe de uma legislação penal própria. Como a
Convenção veda a pena de morte e a prisão perpétua e determina um tratamento
mais favorável aos menores de 18 anos do que aos maiores desta idade,
coerentemente os Estados Unidos deixaram de assinar o tratado.
Assim, invocar os Estados Unidos como referência no
tratamento da justiça juvenil faz-se tão inadequado quanto referi-los como
referência no lançamento de efluentes na atmosfera, pois tal qual como no caso
do Protocolo de Kyoto, os norte-americanos não têm os mesmos compromissos com a
comunidade internacional que aqueles países signatários da Convenção dos
Direitos da Criança.
Ainda assim os norte-americanos têm se movimentado no
sentido de abrandar as regras de alguns de seus Estados. Em 2005, no caso Roper
x Simon, a Suprema Corte afirmou a inconstitucionalidade da pena de morte para
menores de 18 anos, banindo-a da Nação, e dando um importante passo em direção
da comunidade internacional em termos de diretos humanos de crianças e
adolescentes. No ano passado, em caso originário do Estado da Flórida, do jovem
Terence Graham, com 16 anos de idade ao tempo do fato, a Suprema Corte afirmou
a inaplicabilidade da prisão perpétua para pessoas com menos de 18 anos para
delitos que não de homicídio. Um novo passo.
Em ambas as decisões se percebe uma tendência de caminhar
na busca de adequar a legislação norte-americana aos padrões internacionais em
face de menores de 18 anos e quem sabe habilitar-se a ratificar a Convenção,
como sinalizado pelo Presidente Clinton ao final de sua gestão e que permaneceu
congelado nos anos Bush.
O Estatuto Brasileiro estabeleceu o início da adolescência
em 12 anos. Começa aí, pois, a responsabilidade penal juvenil, que não se
confunde com imputabilidade penal, mas que sujeita o adolescente a sanções
socioeducativas, nos termos do art. 228 da Constituição Federal, que podem, inclusive,
suprimir-lhe a liberdade. Nesse particular, alista-se o Brasil como um dos
países com legislação mais dura, pois a maioria absoluta fixa em 14 anos a
idade de início da responsabilidade juvenil.
Em vista do panorama internacional e destes mais de vinte
anos de experiência com a Convenção dos Direitos da Criança, faz-se razoável um
balanço das ações dos diversos Estados signatários da Convenção, visando
afirmar definitivamente um modelo garantista de responsabilidade penal do
adolescente, reconhecendo-o no lugar de sujeito de direitos e de
responsabilidades compatíveis com sua peculiar condição de pessoa em
desenvolvimento.
Focar a questão da delinquência juvenil no contexto da
segurança pública, por conta do crescimento da violência como um todo, propondo
a redução da idade de imputabilidade penal, traduz uma leitura simplista e
inadequada dessa problemática, ignorando os compromissos internacionais
assumidos pelos países signatários da Convenção, por um viés marcadamente
demagógico.
IV. A medida do tempo
O
status de sujeito em peculiar condição de desenvolvimento, sujeito de direitos
e responsabilidades, imerso em uma fase da vida em que as transformações são
notáveis e rápidas, reclama que a ação em face do adolescente autor de ato
infracional seja expedida sem demora, nos termos da Convenção.
Esse
tempo, enquanto resposta do Estado à conduta infratora, deverá ser suficiente
para desenvolver um projeto de atendimento, ao mesmo tempo em que, diante do
princípio da proporcionalidade, assegure uma resposta justa e adequada à
infração cometida.
O parágrafo
primeiro do art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil dispõe
expressamente que o Juiz deverá impor a medida ao adolescente observando
determinados parâmetros. Pontue-se aqui que a medida é imposta,
independentemente do consentimento do afetado, daí o caráter sancionatório, e
nessa dimensão penalizante, da medida socioeducativa. Não é um serviço
oferecido. É uma medida que é imposta!
Nesse
parágrafo primeiro está expresso que o Juiz ao determinar a medida levará em
conta a capacidade de cumprimento, as circunstâncias e a gravidade do fato.
É
a transposição para a normativa interna brasileira da regra 17.1 de Beijing,
que em sua letra “a” dispõe: “A decisão
da autoridade competente pautar-se-á pelos seguintes princípios: a resposta à
infração será sempre proporcional não só às circunstâncias e à gravidade da
infração, mas também às circunstâncias e às necessidades do jovem, assim como
às necessidades da sociedade”.
Ora,
o limite máximo de privação de liberdade que o Estatuto contempla é de três
anos, tratando de forma indiferente, do ponto de vista da possibilidade
jurídica da imposição da medida, ao adolescente de 12 anos e o adolescente de
17 anos e onze meses.
Percebendo-se,
por tudo que foi dito, que o tempo na adolescência tem uma significação e uma
medida distinta do tempo da vida adulta, se impõe uma reflexão sobre a solução
que o legislador encontrou em 1990, quando concebeu o Estatuto no Brasil.
Sabe-se,
por tudo o que se viu, que o adolescente deve receber uma sanção breve, por
conta da capacidade de modificação que este período de sua vida oferece. A
brevidade dessa sanção, todavia, não pode lhe subtrair, em nome do princípio da
proporcionalidade, a capacidade da percepção sancionatória da medida, do juízo
de reprovação sobre o ato praticado que na imposição da medida se expressa.
Deverá
ela, ainda, ao contrário do que o próprio Estatuto preconiza, estabelecer, caso
a caso, em nome do princípio constitucional da proporcionalidade, um limite
máximo, não sendo razoável que se permaneça a tratar a matéria como um sistema
de direito penal de autor e não do fato, tratando igualmente situações
desiguais.
Assim
como não é justo que o adolescente coautor de um roubo esteja recolhido ao
sistema socioeducativo enquanto o maior de dezoito anos coautor do mesmo fato
já esteja liberado do sistema penitenciário. Igualmente não é justo, e por isso
mesmo antipedagógico, porque não se compreende pedagogia com injustiça, que o
adolescente autor de um roubo seja tratado com maior rigor do que aquele autor
de um homicídio ou de um latrocínio.
Assim,
a medida do tempo, no princípio da brevidade, deverá observar distinções como
idade do protagonista e natureza do fato praticado, pois, do contrário, não
será nem justo nem pedagógico.
Se
dúvida houver sobre isso, consultem os doutos trabalhadores das unidades de
internação e os próprios adolescentes, aferindo a percepção destes.
Não é razoável
que se permaneça a ter o mundo como ideia, sem qualquer ideia do mundo, como já
advertia Bruno Tolentino[10].
Assim,
além de tudo, deverá estabelecer ainda um período máximo para ser executada a
medida, rompendo definitivamente com a inconstitucional ideia da
indeterminação, flagrantemente violadora do princípio da proporcionalidade[11].
Injusto
ainda que nosso sistema não tenha contemplado um tratamento distinto entre o
adolescente de 12 anos (que sequer deveria ser sujeito de internação) daquele
de 17 anos, para quem os três anos máximos de privação de liberdade, para
certos e determinados fatos, podem não ser suficientes para a efetivação de um
consequente Plano Individual de Atendimento, que deve contemplar a ideia de que
a impunidade não é um valor democrático nem educativo.
Conta-se
no Rio Grande do Sul que certa ocasião, em meio às revoluções armadas que
forjaram a história do Estado, vinha em seu automóvel o Senador Pinheiro
Machado. Adiante, na rua, havia uma aglomeração de pessoas diante da sede do partido
político rival. O motorista volta-se ao Governador e pede orientações, se
deverá ou não cruzar diante dos adversários. Replica-lhe o Senador: não cruze
tão devagar que pareça provocação, nem tão depressa que pareça covardia.
Assim
estamos.
Tabela de imputabilidade
País
|
Idade de responsabilização juvenil
|
Idade de maioridade penal
|
Limite de idade de aplicação do direito penal juvenil a jovens adultos
|
Idade de Maioridade Civil
|
Alemanha
|
14
|
18
|
21
|
18
|
Áustria
|
14
|
19
|
21
|
19
|
Bélgica
|
18
|
18
|
|
18
|
Bulgária
|
14
|
18
|
|
|
Croácia
|
14
|
18
|
|
|
Dinamarca
|
15
|
18
|
|
18
|
Escócia
|
8
|
16
|
21
|
18
|
Eslováquia
|
15
|
18
|
|
|
Eslovênia
|
14
|
18
|
|
|
Espanha
|
14
|
18
|
21
|
18
|
Estônia
|
13
|
17
|
20
|
|
Finlândia
|
15
|
18
|
|
18
|
França
|
13
|
18
|
21
|
18
|
Geórgia
|
14
|
18
|
|
|
Grécia
|
13
|
18
|
21
|
18
|
Holanda
|
12
|
18
|
|
18
|
Hungria
|
14
|
18
|
|
|
Inglaterra/Gales
|
10
|
18
|
21
|
18
|
Irlanda
|
12
|
18
|
|
18
|
Itália
|
14
|
18
|
|
18
|
Lituânia
|
14
|
18
|
|
|
Noruega
|
15
|
18
|
|
18
|
Portugal
|
16
|
21
|
|
18
|
R. Checa
|
15
|
18
|
|
|
Romênia
|
14
|
18
|
|
|
Suécia
|
15
|
18
|
|
18
|
Suíça
|
7
|
18
|
25
|
20
|
Turquia
|
11
|
18
|
20
|
18
|
Fonte: VÁZQUEZ GONZÁLEZ, Carlos. Derecho Penal Juvenil Europeo. Madrid:
Dykinson, 2005, p. 420.
[1]
Juiz de Direito, Especialista em Direito da Criança e do Adolescente, professor
universitário, autor de diversas obras sobre o tema. www.jbsaraiva.blog.br.
[2] Desfaz-se a figura do Juiz de Menores investido em
funções que não estritamente jurisdicionais, impondo-se ao Judiciário seu papel
de julgador, reservando-se aos demais personagens da vida pública sua devida
atuação. Desaparece o Juiz com poderes ilimitados no exercício de uma atividade
de controle social para dar lugar ao Juiz Técnico, limitado pelas garantias
processuais.
[3] A
Convenção foi ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990 , entrou em vigor para o
Brasil em 23 de
outubro de 1990 , tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional em 14 de setembro de 1990
e promulgada pelo Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990 .
[4] Jerusalinsky, Alfredo.
Adolescência e Contemporaneidade. In Conversando sobre Adolescência e
Contemporaneidade. Conselho Regional de Psicologia – Porto Alegre: Libretos,
2004, p.65. A propósito da Psicanálise, terá esta sempre uma importante e
indispensável contribuição a dar ao Direito. Porém, são campos distintos e a
leitura transdisciplinar se esgota no limite da dimensão que atua cada uma das
disciplinas. Alguma coisa como a paixão entre o passarinho e o peixe. Podem
apaixonar-se. Podem se amar. Até namorar. Mas jamais poderão viver juntos, pois
habitam mundos distintos, onde um tem muito a acrescentar ao outro, mas em
papéis distintos, com percepções diversas, pois contemplam o fenômeno da vida de
lugares muito diferentes, que não chegam a ser antagônicos, mas que atuam em
dimensões diversas. Pior do que um psicanalista que se pretenda juiz de seu
analisando, será um juiz que se pretenda psicanalista da parte.
[5] Ao menos para os incluídos, onde se reconhece
o direito de ser criança e, especialmente, de adolescer.
[6]
Revista Juizado da Infância e Juventude, Porto Alegre: Tribunal de Justiça,
v.11, pg. 41, janeiro de 2008.
[7]
Isso remete a uma relação de um adolescente privado de liberdade para cada oitenta
mil habitantes. Se no Brasil temos 190 milhões de habitantes e se estima haver
17 mil adolescentes privados de liberdade, essa relação fica aproximadamente em
um adolescente privado de liberdade para cada 11 mil e poucos habitantes. Uma
relação cerca de sete vezes maior que a Costa Rica.
[10]
Tolentino. Bruno. O mundo como idéia. São Paulo: Globo, 2002.
[11]
Trato deste tema com maior acuidade em Compêndio de Direito Penal Juvenil:
adolescente ato infracional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 4ª Ed., 2010,
especialmente nas páginas 182
a 187.
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