sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A REGIONALIZAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE INTERNAÇÃO NA BAHIA.


A REGIONALIZAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE INTERNAÇÃO  NA BAHIA.

 
                                                          Marcos Bandeira (*)


 

            A lógica da centralização do poder sempre foi algo cultural no Brasil, principalmente quando se fala do poder político e da formulação de políticas públicas. Na área de Infância e Juventude as políticas públicas sempre foram gestadas no epicentro do poder político, ou seja, na capital federal, e quase não chegavam aos municípios. Assim aconteceu com o SAM – Serviço de Assistência ao Menor – criado pelo Decreto nº 3.799/41. O mesmo ocorreu com a FUNABEM – criada em 1964, sob a inspiração do Estado do Bem-Estar-Social, e até pouco tempo com o paradigma da doutrina da situação irregular que alcançou seu apogeu no final do anos 70, com a Lei nº 6.697/79.A diretriz reitora desse estatuto era dispensar o mesmo tratamento aos “menores carentes e delinquentes”. A resposta estatal era uma só: sem o devido processo legal e sem quaisquer garantias constitucionais, o menor em “situação irregular” – carente ou delinquente – era retirado do seu convívio familiar e comunitário e trancafiado numa unidade da FEBEM, lá permanecendo esquecido ad eternum até que a boa vontade do “Juiz de Menores” se manifestasse.Essa doutrinaperdurou entre nós até 13 de julho de 1990, quando entrou em vigor  o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que  regulamentou a doutrina da proteção integral estabelecida no art. 227 da CF, alinhando-se com as convenções internacionais sobre direitos de crianças. O ECA trouxe em seu bojo uma proposta avançadíssima e transformadora da realidade social brasileira, na linha do reconhecimento de crianças e adolescentes, como sujeitos de direitos e titulares de direitos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, ao convívio familiar e comunitário, dentre outros. Tambémforam  assegurados ao menor em conflito com a lei as garantias processuais e o devido processo legal, da mesma forma que são  dispensados aos imputáveis. Os “menores”, assim tratados à luz da doutrina da situação irregular, não mais seriam meros objetos de intervenção do Estado, mas sujeitos de direitos, só podendo ser privados de sua liberdade em caso de flagrante delito ou mediante ordem escrita e fundamentada de uma autoridade judiciária. O adolescente, uma vez comprovada a sua culpabilidade no âmbito do devido processo legal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, deve ser responsabilizado de forma diferenciada pelo Estado, em face de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. A medida socioeducativa, diferentemente da pena,não é uma medida de defesa social, mas uma medida com certa carga de retributividade, embora de cunho preponderantemente pedagógico, que visa precipuamente a inserção ou reinserção do adolescente no sistema de garantias de direitos e o afastamento dos fatores criminógenos que eventualmente trazem consigo. A medida socioeducativa não objetiva punir por punir, mas transformar a vida do jovem, reorientando-a em direção à plena cidadania.
            Sem embargo do ECA trazer todas essas  mudanças, inclusive com a inserção do princípio da descentralização político-administrativa, o princípio da municipalização e a implementação da democracia participativa (com a criação de conselhos dos direitos de crianças nas esferas municipais e estaduais, como órgãos deliberativos e formuladores de políticas pública na área da infância e juventude), a lógica da centralidade ainda persiste no Estado da Bahia, no que toca à execução da medida socioeducativa de internação. É inadmissível que um Estado com a extensão territorial da Bahia – sendoo quarto  maior Estado populacional do país e o primeiro do Nordeste, com 417 municípios, ainda centralize as unidades de internação em Salvador e Feira de Santana, deixando o resto da Bahia na sombra, ou no dizer das pesquisadoras do CNJ, “ no maior vazio institucional regional e um dos maiores do Brasil”. Como utilizar o discurso da ressocialização – na verdade muitos deles não foram ainda socializados – se o adolescente condenado pela prática de um ato infracional é retirado do seu convívio familiar e comunitário para cumprir a medida de internação em Salvador, distante 400, 600 e até 1.000 Km da capital do Estado?  Já há algum tempo defendíamos, enquanto membro da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJBA, a regionalização das medidas de internamento na Bahia, com a criação de unidadesem Itabuna, Vitória da Conquista, Teixeira de Freitas, Juazeiro e Barreiras.
            Agora, em boa hora, o CNJ sem espalhafatos, de forma sistematizada, elaborou uma pesquisa no período de 2010/2011, mostrando o panorama das medidas de internação no Brasil, enfatizando a necessidade da regionalização dessas medidas, e sugerindo a criação de unidades em Itabuna, Vitória da Conquista, Juazeiro e Teixeira de Freitas, dentre outras Comarcas, como forma de assegurar os direitos dos adolescentes em conflito com a lei previstos na CF, no ECA e na Lei do SINASE. A pesquisa realizada pelo CNJtalvez seja a mais séria e confiável realizada até o momento, dado o rigor metodológico no levantamento dos dados e na sistematização das informações sobre a problemática abordada,incluindo o perfil do adolescente, a estrutura dos estabelecimentos socioeducativos por região e Estado, dentre outros dados importantes, de sorte que deve merecer a atenção devida das autoridades competentes e até servir de fonte para a implementação de políticas públicas. Na verdade, a pesquisa tem um destinatário certo: o executivo estadual, que segundo o art.4º,IIIda Lei nº 12.594/2012 – Lei do SINASE – é o responsável pela criação e manutenção de programa para a execução das medidas socioeducativas de internamento. Chegou o momento de rompermos com a lógica da centralização e implantarmos definitivamente a regionalização das medidas de internamento na Bahia. Oxalá possamos dar um salto de qualidade no atendimento socioeducativo dispensado aos adolescente em conflito com a lei, e o Estado deixe de ficar nessa incômoda situação irregular em relação a esse segmento.
(*) Juiz da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna, professor do direito da criança e adolescente da UESC, membro da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJBA, mestrando em Segurança Pública, direitos Humanos e Cidadania da UFBA e doutorando em Direito pela Universidad Lomas de Zamora, Argentina.         
 
 
 

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