A
REGIONALIZAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE INTERNAÇÃO NA BAHIA.
A
lógica da centralização do poder sempre foi algo cultural no Brasil,
principalmente quando se fala do poder político e da formulação de políticas
públicas. Na área de Infância e Juventude as políticas públicas sempre foram
gestadas no epicentro do poder político, ou seja, na capital federal, e quase
não chegavam aos municípios. Assim aconteceu com o SAM – Serviço de Assistência
ao Menor – criado pelo Decreto nº 3.799/41. O mesmo ocorreu com a FUNABEM –
criada em 1964, sob a inspiração do Estado do Bem-Estar-Social, e até pouco
tempo com o paradigma da doutrina da situação irregular que alcançou seu apogeu
no final do anos 70, com a Lei nº 6.697/79.A diretriz reitora desse estatuto
era dispensar o mesmo tratamento aos “menores carentes e delinquentes”. A
resposta estatal era uma só: sem o devido processo legal e sem quaisquer
garantias constitucionais, o menor em “situação irregular” – carente ou
delinquente – era retirado do seu convívio familiar e comunitário e trancafiado
numa unidade da FEBEM, lá permanecendo esquecido ad eternum até que a boa vontade do “Juiz de Menores” se
manifestasse.Essa doutrinaperdurou entre nós até 13 de julho de 1990, quando
entrou em vigor o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), que regulamentou a
doutrina da proteção integral estabelecida no art. 227 da CF, alinhando-se com
as convenções internacionais sobre direitos de crianças. O ECA trouxe em seu
bojo uma proposta avançadíssima e transformadora da realidade social
brasileira, na linha do reconhecimento de crianças e adolescentes, como
sujeitos de direitos e titulares de direitos fundamentais, como o direito à
vida, à saúde, à educação, ao lazer, ao convívio familiar e comunitário, dentre
outros. Tambémforam assegurados ao menor
em conflito com a lei as garantias processuais e o devido processo legal, da
mesma forma que são dispensados aos
imputáveis. Os “menores”, assim tratados à luz da doutrina da situação
irregular, não mais seriam meros objetos de intervenção do Estado, mas sujeitos
de direitos, só podendo ser privados de sua liberdade em caso de flagrante
delito ou mediante ordem escrita e fundamentada de uma autoridade judiciária. O
adolescente, uma vez comprovada a sua culpabilidade no âmbito do devido
processo legal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, deve ser
responsabilizado de forma diferenciada pelo Estado, em face de sua peculiar
condição de pessoa em desenvolvimento. A medida socioeducativa, diferentemente
da pena,não é uma medida de defesa social, mas uma medida com certa carga de
retributividade, embora de cunho preponderantemente pedagógico, que visa
precipuamente a inserção ou reinserção do adolescente no sistema de garantias
de direitos e o afastamento dos fatores criminógenos que eventualmente trazem
consigo. A medida socioeducativa não objetiva punir por punir, mas transformar
a vida do jovem, reorientando-a em direção à plena cidadania.
Sem embargo do ECA trazer todas essas mudanças, inclusive com a inserção do
princípio da descentralização político-administrativa, o princípio da
municipalização e a implementação da democracia participativa (com a criação de
conselhos dos direitos de crianças nas esferas municipais e estaduais, como
órgãos deliberativos e formuladores de políticas pública na área da infância e
juventude), a lógica da centralidade ainda persiste no Estado da Bahia, no que
toca à execução da medida socioeducativa de internação. É inadmissível que um
Estado com a extensão territorial da Bahia – sendoo quarto maior Estado populacional do país e o
primeiro do Nordeste, com 417 municípios, ainda centralize as unidades de
internação em Salvador e Feira de Santana, deixando o resto da Bahia na sombra,
ou no dizer das pesquisadoras do CNJ, “ no maior vazio institucional regional e
um dos maiores do Brasil”. Como utilizar o discurso da ressocialização – na
verdade muitos deles não foram ainda socializados – se o adolescente condenado
pela prática de um ato infracional é retirado do seu convívio familiar e
comunitário para cumprir a medida de internação em Salvador, distante 400, 600
e até 1.000 Km da capital do Estado? Já
há algum tempo defendíamos, enquanto membro da Coordenadoria da Infância e Juventude
do TJBA, a regionalização das medidas de internamento na Bahia, com a criação
de unidadesem Itabuna, Vitória da Conquista, Teixeira de Freitas, Juazeiro e
Barreiras.
Agora, em boa hora, o CNJ sem espalhafatos, de forma
sistematizada, elaborou uma pesquisa no período de 2010/2011, mostrando o
panorama das medidas de internação no Brasil, enfatizando a necessidade da
regionalização dessas medidas, e sugerindo a criação de unidades em Itabuna,
Vitória da Conquista, Juazeiro e Teixeira de Freitas, dentre outras Comarcas,
como forma de assegurar os direitos dos adolescentes em conflito com a lei
previstos na CF, no ECA e na Lei do SINASE. A pesquisa realizada pelo CNJtalvez
seja a mais séria e confiável realizada até o momento, dado o rigor
metodológico no levantamento dos dados e na sistematização das informações
sobre a problemática abordada,incluindo o perfil do adolescente, a estrutura
dos estabelecimentos socioeducativos por região e Estado, dentre outros dados
importantes, de sorte que deve merecer a atenção devida das autoridades competentes
e até servir de fonte para a implementação de políticas públicas. Na verdade, a
pesquisa tem um destinatário certo: o executivo estadual, que segundo o
art.4º,IIIda Lei nº 12.594/2012 – Lei do SINASE – é o responsável pela criação
e manutenção de programa para a execução das medidas socioeducativas de
internamento. Chegou o momento de rompermos com a lógica da centralização e
implantarmos definitivamente a regionalização das medidas de internamento na
Bahia. Oxalá possamos dar um salto de qualidade no atendimento socioeducativo
dispensado aos adolescente em conflito com a lei, e o Estado deixe de ficar
nessa incômoda situação irregular em relação a esse segmento.
(*)
Juiz da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna,
professor do direito da criança e adolescente da UESC, membro da Coordenadoria
da Infância e Juventude do TJBA, mestrando em Segurança Pública, direitos
Humanos e Cidadania da UFBA e doutorando em Direito pela Universidad Lomas de Zamora, Argentina.
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