terça-feira, 30 de junho de 2015

SENTENÇA DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR CUMULADA COM ADOÇÃO .



SENTENÇA DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR CUMULADA COM ADOÇÃO .




Versam os autos acerca de Ação de Adoção c/c Destituição do Poder Familiar, promovida por Walter* e Aldenora*, devidamente qualificados e patrocinados pela Defensoria Pública Estadual, em face de Diocleciana*, com o escopo de obter provimento jurisdicional que determine a destituição do poder familiar exercido pela requerida em relação a seu filho Germano*, nascido em xx de xxxxx de xxxx, e conceda a adoção deste aos requerentes.
Alegam os demandantes que são casados há mais de dezesseis anos e constituem uma relação estável, formando um verdadeiro núcleo familiar, bem como que teriam conhecido o adotando no SOS Canto da Criança, quando começaram a criar laços de afinidade com o mesmo.
Aduzem, ainda, que possuem dois filhos adolescentes e que toda a família espera ansiosamente pela adoção do infante Germano*, possuindo condições financeiras e emocionais para cuidar do mesmo.
A exordial veio instruída com os documentos de fls. 06/18.
Deferida a guarda provisória do adotando ao casal pleiteante (fls. 22/23), a genitora foi citada pessoalmente às fls. 47/49-verso, apresentando contestação ao pedido inicial e documentos às fls. 50/66, alegando, em resumo, que nunca teve o intuito de abandonar o seu filho ou entregá-lo para a adoção, tendo deixando o mesmo provisoriamente no SOS Canto da Criança por não reunir, no momento, condições para criá-lo. Afirma, ainda, ter atualmente condições materiais e morais. Por fim, pleiteia a revogação da medida liminar de suspensão do poder familiar, bem como a improcedência da ação.
Foram realizados estudos psicossociais com o casal requerente e com a genitora do adotando, sendo os respectivos relatórios acostados às fls. 27/29 e 72/75.
Às fls. 94/95-verso constam documentos comprobatórios de que os requerentes estão efetivamente habilitados no cadastro nacional de pretendentes à adoção.
Procedeu-se à instrução do feito com a oitiva da genitora, dos requerentes e das testemunhas Viridiana*, Efésio, Diomara* e Alair* (fls. 101/109 e 120/123).
Encerrada a instrução do feito, concedeu-se prazo às partes a fim de que apresentassem suas respectivas alegações finais. Os requerentes ratificaram os termos da peça exordial, ressaltando que a adoção do infante Germano* é a melhor medida ao interesse do mesmo (fls.126/131). A requerida, por sua vez, reiterou o pedido de improcedência afirmando não haver motivo para a decretação da destituição de seu poder familiar e ressaltando que os vínculos familiares devem ser preservados (fls. 133/134).
O Ministério Público, atuando como fiscal da lei, apresentou seu parecer às fls. 136/138, ocasião em que opinou em favor do deferimento do pedido de adoção por considerar que tal medida traria reais vantagens ao adotando, bem como que todas as formalidades legais haviam sido observadas.
Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.
Da fundamentação e da decisão.

É sabido que o Estatuto da Criança e do Adolescente eleva a nível de direito fundamental o direito à convivência familiar e comunitária por parte de crianças e adolescentes. Não só o ECA, como também a Constituição Federal, em seu art. 227, diz ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à convivência familiar e comunitária, pondo-os a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Isso porque são eles pessoas em desenvolvimento e que necessitam constantemente de inserção de valores éticos, morais e cívicos para a formação de sua personalidade e caráter, sendo que os laços familiares são essenciais nesse mister.
É de conhecimento geral, também, que decorre do Poder Familiar o dever de prestar desvelo à prole, cobrindo-a dos cuidados necessários ao seu desenvolvimento pleno. Foi com esse escopo que o legislador fez constar no rol de atribuições dos pais, enquanto no exercício do dito poder, deveres como os de dirigir-lhes a criação e educação e tê-los em sua companhia e guarda, consoante se vê no art. 1.634, do Código Civil.
Entretanto, em situações extremas, em que não se faz aconselhável a manutenção dessa convivência familiar, é necessário retirar a pessoa em desenvolvimento do seio familiar justamente com o objetivo de assegurar-lhe a inserção desses valores. Assim sendo, em casos como tais, a lei determina a retirada dessa pessoa de sua família natural e sua posterior inclusão em programas de acolhimento institucional ou familiar, bem como em famílias substitutas, sob a forma de guarda, tutela ou adoção.
Estatuída como uma das formas de colocação em família substituta, a adoção, pelas características que encerra, deve ser deferida quando representar reais vantagens para o adotando e se fundar em motivos legítimos, consoante o disposto no art. 43, da Lei nº. 8.069/90. Exige-se, ainda, o consentimento dos genitores do adotando ao pedido de adoção, o qual somente será dispensado em sendo estes desconhecidos ou caso tenham sido, previamente, destituídos do poder familiar, tal como preceitua o art. 45, caput e §1º, do já decantado diploma legal.
Pois bem, no que se refere à genitora do infante Germano*, há que se falar em destituição de seu poder familiar exercido sobre o mesmo. Nesse sentido há o art. 24, do ECA, que determina:

“A perda ou suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22”

O Código Cível pátrio, por sua vez, em seu art. 1.638, II, estabelece a perda do poder familiar em caso de abandono material do filho, pois, ao negligenciarem no exercício desse poder, os pais demonstram inaptidão para tal encargo, já que, agindo assim, acabam por deixar à toda sorte sua prole, que, consequentemente, fica em risco de danos. É justamente nessa hipótese que se enquadra a situação do infante Germano*.
Instado todo o contraditório e assegurados amplos direitos de petição e de defesa à demandada, a mesma tentou de todas as formas trazer fundamentos à improcedência da ação, trazendo à baila fatos novos. Entretanto, os fatos alegados pela mesma em nenhum momento foram provados nos autos, seja pelo estudo psicossocial realizado, seja na oitiva das testemunhas arroladas pelas partes.
Pelo contrário. Ao se analisarem os autos verifica-se o típico caso de abandono material da genitora em relação ao infante Germano*. Depreende-se que a genitora teria deixado o seu filho provisoriamente na instituição SOS Canto da Criança em momento que não teria condições financeiras e emocionais de criar o mesmo, bem como que nenhum membro da família extensa teria demonstrado interesse e intenção em cuidar de seu filho. Ocorre que a própria genitora declara no estudo psicossocial realizado que deixou seu filho no SOS, quando o mesmo tinha apenas onze meses de vida, em janeiro de 2009, somente retornando para revê-lo em outubro de 2011 (fl. 73). Diante disso há de se indagar: que mãe deixaria um filho no abrigo com apenas onze meses de vida e só retornaria mais de dois anos depois para reavê-lo?  Tal comportamento não é compatível com o de uma mãe que se preocupa com o filho. Ressalto que um filho não é uma mercadoria, em que você pode deixar em um lugar e só voltar quando puder para pegá-lo. Muito pelo contrário! O ECA, diferentemente do antigo Código de Menores, seguindo a ideologia traçada pela CF/88, determina expressamente que os infantes devem ser tratados como verdadeiros sujeitos de direitos, e não como objeto, sendo o acolhimento institucional de crianças e adolescentes medida protetiva excepcional e de caráter provisório, não podendo o infante permanecer ad eternum acolhida institucionalmente. Não podendo retornar a criança ou o adolescente para sua família natural ou extensa, há que se promover medidas com o intuito de incluí-los em família substituta, como foi o caso.
Diante disso, não há como se acolher a alegação da genitora de que nunca teve o intuito de abandonar o seu filho ou entregá-lo para a adoção, tendo deixando o mesmo provisoriamente no SOS Canto da Criança por não reunir, no momento, condições para criá-lo, já que a criança não poderia ficar acolhida institucionalmente esperando o momento oportuno de sua genitora para reavê-lo. O momento oportuno deve ser o da criança, e não o de seus pais! O interesse tutelado é da criança, e não de seus genitores! Portanto, não poderia o infante Germano* ficar acolhido institucionalmente por tanto tempo, sendo que sua genitora havia desaparecido e não havia membros da família extensa interessados em obter a sua guarda. Nesse sentido, é possível transcrever o seguinte trecho do estudo psicossocial realizado com a genitora:

“Segundo informações da genitora, a criança foi entregue ao Abrigo SOS Canto da Criança por ela quando tinha (11) onze meses em 1º (primeiro) de janeiro de 2009 (dois mil e nove) porque não tinha condições de criá-lo, já que a mesma, na época estava morando com o amigo JB (xx) (…). As visitas à criança aconteceram do mês de janeiro de 2009 (dois mil e nove) até agosto do mesmo ano. Após esse período a genitora foi embora para Vitória do Espírito Santo sem deixar endereço e sem comunicar à direção do Abrigo de agosto de 2009 (dois mil e nove) a outubro de 2011 (dois mil e onze) e nenhum membro da família foi procurar a criança.” (fl. 73)

Complementando, a própria genitora, ouvida em Juízo sob o crivo do contraditório, assim declara:

“... que em 2008 conheceu o pai de Germano* e quando ele descobriu que estava grávida pediu para que a depoente abortasse; que não aceitou o aborto; que morou com o pai de Germano* por quase um ano; que ao saber que não iria abortar o pai de Germano* "desalugou " a casa e lhe colocou na rua; que um vizinho lhe amparou, que depois o vizinho disse que não tinha mais condições de ficar com a depoente e o seu filho; que sua avó também não aceitou pois já criava 7 irmãos da depoente; que foi até o GAAC, achando que era uma creche; que lá no Gaac  lhe explicaram que não era orfanato e lhe indicou o SOS para deixar seu filho; que uma moça por nome de R  do Gaac acionou dois agentes de proteção para encaminhar a criança ao SOS Canto da Criança; que confirma sua assinatura às fls. 07 do processo, porém que entregou a criança em 01 de janeiro e não 31 de dezembro; que após entregar a criança ficou na casa de um vizinho conhecido como Z,  em busca de emprego até setembro de 2009, porém visitava seu filho no SOS; que em setembro de 2009 uma tia sua de Vitória-ES lhe chamou para trabalhar lá como doméstica; que foi para Vitória e ficou lá até agosto de 2010, quando retornou para Itabuna; que nesse período que ficou fora não chegou a visitar a criança; que durante o período que a criança estava no orfanato de 01 de janeiro  de 2009 até setembro de 2009, visitava a criança todos os domingos; que além da depoente também uma tia de nome E visitava a criança; que sua mãe não visitava a criança para não criar vínculos com a criança; que sua mãe Iane é viva; que sua mãe nunca visitou a criança (…); que sua intenção era deixar a criança provisoriamente no SOS Canto da Criança; que a criança não foi encontrada na rua; que estava sem condições financeiras e por isso entregou a criança provisoriamente; que foi a própria depoente quem procurou um lugar para deixar seu filho, por não ter condições de criá-lo no momento; que nunca lhe passou pela cabeça dá seu filho em adoção (...); que deixou seu filho num momento de desespero porque não poderia criar; que quando voltou e foi ao SOS Canto da Criança, falaram que seu filho estava disponível para adoção; que só foi informada no SOS que a criança permaneceria lá até ter condições de reavê-lo; que sua família não quis ficar com seu filho; que quando estava em Vitória não ligava frequentemente para saber notícias do filho;que  ligava de vez em quando para sua avó para saber notícias (…); que o pai de Germano* se envolveu com drogas e foi morto (...); que não sabe a situação atual de Germano*; que não conhece o casal; que não está trabalhando, porque não está conseguindo trabalhar” (fls. 101/103).

As declarações da genitora apenas corroboram com o anteriormente explicitado, ou seja, a despeito da intenção inicial da mesma em deixar seu filho no Abrigo provisoriamente, a mesma, após certo tempo, desapareceu sem prestar qualquer informação, o que demonstra, de fato o abandono material, bem como a inexistência de membros da família extensa interessados em obter a guarda da criança. Por outro lado, as funcionárias do Abrigo SOS Canto da Criança e demais testemunhas assim apontam:

“... que Germano* chegou no dia 31 de dezembro de 2008 no SOS Canto da Criança; que ele foi levado pelos Agentes de Proteção, acompanhado da genitora; que a genitora alegou que não tinha condições de criar Germano*; que a genitora apenas entregou a criança; que a pessoa que recebeu Germano* disse que a mãe falou que era melhor deixar ele no Abrigo, porque ela não tinha uma casa e  seu filho poderia até morrer; que Germano* chegou magrinho, desnutrido, barrigudo,  chorava muito; que depois descobriram que ele tinha uma alergia; que durante o período que a criança ficou no orfanato a mãe nunca o visitou; que no orfanato tem um livro de registro de visitas aos domingos e não consta registro de visitas da genitora a Germano*; que este livro foi criado para ter certeza das mães que visitavam as crianças; que a mãe biológica só apareceu no orfanato após Germano* já está na companhia dos casal requerente; que Germano* o permaneceu no orfanato por um período de 01 ano, antes de ser entregue a família com guarda provisoria; que a criança foi definitivamente para a família em agosto de 2010 (…) ; que  a criança permaneceu de 31 de dezembro de 2008 até agosto de 2010 sem nenhuma visita de nenhum familiar, mãe, tia, avó; que todas as pessoas que visitam as crianças constam o nome no livro de visitas (…); que pelo que sabe a mãe biológica nunca visitou Germano*, durante o período em que o mesmo estava no Abrigo; que nunca viu a mãe da criança; que não a conhece; que nunca tomou conhecimento que ela esteve a sua procura; que Edna também nunca lhe falou se a mãe havia procurado pela criança (…); que   quem recebeu Germano* foi a cuidadora E; que E sempre ficava no Abrigo aos domingos; que sempre perguntava as cuidados pelas mães que visitavam o abrigo (…); que também não sabe de nenhum parente de Germano* que tenham procurado por ele no Abrigo; que ninguém da família mandava roupas, alimentos, nada para Germano*; (…); que na época existia o livro de registro de visitas; que era uma regra anotar no livro o nome das mãe que iam ao orfanato visitar os filhos” (fls. 106/107).

“... que Germano* chegou com mais ou menos 09 meses de idade; que chegou acompanhada de dois agentes de proteção e da mãe biológica; que perguntou a mãe se não queria  ficar com ele e ela respondeu que preferia deixá-lo no Orfanato do que matá-lo; que a mãe biológica não disse que iria deixar provisoriamente até arrumar um local para ficar; que Germano* chorava muito, mas não tinha aparecia de ser uma criança maltratada; que durante o período que Germano* ficou no abrigo, nos plantões da depoente nunca viu a mãe de Germano* lá; que ficava a semana toda e as vezes folgava no domingo; que existia um livro de registro de visitas, mas não se lembra de ter visto nenhum registro de visita da mãe de Germano*; que saiu da instituição em 2010 e Germano* ainda estava  abrigado na instituição; que também não tem conhecimento se algum familiar chegou a visitar Germano*; que também ninguém ligava para o abrigo para saber notícias de Germano*” (fls. 108/109).

“... que estava na Rodoviária com seu Colega, trabalhando como agente de Proteção ao menor; que chegou a genitora com a criança dizendo que não tinha moradia e queria entregar a criança; que não disse a genitora que a criança estava indo para uma creche e sim para o Abrigo SOS Canto da Criança (…); que se lembra que o fato ocorreu no dia 31 de dezembro e tinha muito movimento na rodoviária; que não disse a genitora que o SOS era uma creche; que todos sabem que o SOS é um Abrigo para criança e que quando se coloca uma criança lá, apenas o Juiz pode determinar que ela saia (...); que foram procurados pela genitora; que não se recorda aonde a genitora morava; que a genitora não tinha documento da criança  e dela apenas uma carteira de trabalho; (...); que a genitora estava calma no momento que entregou a criança” (fls. 120/121).

“...que em 2008 encaminhou a criança Germano* ao SOS Canto da Criança, juntamente com o colega D; que trabalhava na Rodoviária como Agente de proteção e a genitora chegou sem nenhum documento, para entregar a criança, dizendo que não tinha condições de criar-lo e também que não tinha casa (...); que seu colega D encaminhou à criança Germano* ao SOS; que foi explicado para a genitora que a criança ficaria no SOS Canto da Criança; que ficou claro para a genitora que o SOS não era uma creche e sim um abrigo para acolher crianças em situações como a do fato; que se lembra bem que a genitora disse que queria entregar a criança porque não tinha onde morar e não tinha condições para criar seu filho (…); que  a genitora apenas disse que não tinha condições de criar a criança, mas não sabe que tipo de condições ela se referia; (…); que a genitora o procurou no dia 31 de dezembro pela manhã” (fls. 122/123).

Pelo que se verifica dos trechos acima colacionados, as testemunhas prestaram declarações de forma uniforme e coerente, descaracterizando parte da versão apresentada pela genitora. De fato, a genitora tinha plena consciência do que se tratava, já na época, do Abrigo SOS Canto da Criança, bem como a sua finalidade. Por outro lado, a genitora, após deixar o filho no SOS, não mais compareceu ou ligou para saber qualquer notícia do mesmo, diferentemente do alegado por ela inicialmente, o que, mais uma vez, corrobora com o fato de que, efetivamente, houve abandono material por parte da genitora de seu filho Germano*. Ressalte-se que cópias extraídas do livro de visitas do SOS foram acostadas às fls. 112/117 dos autos, nas quais é possível verificar a inexistência de registro de que a genitora visitava seu filho à época. O abandono material da criança pela mãe biológica, portanto, surge, pois, de forma clara e firme nos autos, sendo forçoso reconhecer pela destituição do poder familiar da mesma, na forma preceituada pelo art. 1.638, II, do Código Civil
Por outro lado, a criança convive com os requerentes desde que possui dois anos de vida, havendo decorrido mais de quatro anos do início da convivência entre adotando e adotantes, sendo que somente agora a genitora teria demonstrado interesse em reaver o seu filho. A requerente, por sua vez, acrescenta a melhora na qualidade de vida da criança, tanto no aspecto social, quanto no de sua saúde e educação, após o início de sua convivência com o casal pleiteante, senão vejamos:

“... que está com a guarda de Germano* desde 05 de agosto de 2010; que é cadastrada na Vara da Infância para  adoção; que participou de um curso na vara da Infância; que participou do curso de capacitação de pais para adoção; que hoje tem uma relação maravilhosa com Germano*; que tem um relacionamento de mãe e filho; que tem muito carinho e amor por Germano*; que o pai que Germano* conhece é o seu marido; (…); Germano* está estudando na Escolinha Comunitária, situada na Av. xxxxxxxx no bairro xxxxxxxxxxxxx; que é próximo a sua casa; que Germano* chama seu marido de pai e a depoente de mãe; que hoje Germano* é uma criança saudável, ativa, inteligente, alegre; que quando Germano* chegou para sua companhia ele tinha problemas de alergia, que não tinha nenhuma cartão de vacinação; que sempre tinha febre; que ele chorava muito; que com tempo, com atenção, carinho, paciência Germano* hoje é uma criança saudável (...); que Germano* está em sua companhia desde 5 de agosto de 2010; que Germano* era muito pequeno e nunca perguntou nada a respeito da sua família biológica; que quando Germano* foi para sua companhia tinha dois anos; que Germano* nunca fazia referencia a mãe, avós biológicos; que além do telefonema mencionado não houve mais nenhum outro contato com a mãe biológica; que não sabe como Germano* chegou no abrigo” (fls. 104/105).

Esse é o momento para se tecer breves comentários acerca da chamada filiação socioafetiva, já que esta se apresenta nos autos. A filiação socioafetiva é aquela que surge dos vínculos de afeto e afinidade, é quela que surge do amor, do carinho, da atenção, da confiança, ou seja, dos laços recíprocos de toda a forma de sentimento que deriva da relação entre pais e filhos.
Na doutrina temos os juristas Adauto de Almeida Tomaszewski e Manuela Nishida Leitão, que assim lecionam em seu artigo “FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA: A POSSE DE ESTADO DE FILHO COMO CRITÉRIO INDICADOR DA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL E O DIREITO À ORIGEM GENÉTICA (publicado na 23 REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano III - nº 3. Páginas 11 a 23):

“A filiação é uma qualificação jurídica atribuída a alguém e que representa uma relação existente entre um filho e seus pais, do qual se originam efeitos e consequências jurídicas por compreender um complexo de direitos e deveres recíprocos. Essa relação de parentesco pode ser estabelecida por um critério biológico (existência de vínculo sanguíneo) ou não. Assim como o filho é titular do estado de filiação, o pai e a mãe são titulares dos estados de paternidade e de maternidade respectivamente”.

E assim prosseguem:

“A paternidade socioafetiva satisfaz o princípio constitucional da paternidade responsável almejado pela Carta Magna, em seu art. 226, § 6º. Ademais, a presença de posse de estado de filho serve como critério indicador da paternidade socioafetiva, obedecendo, assim, à doutrina da proteção integral da criança e do adolescente (art. 227,  caput , da Constituição Federal). É importante ter em mente que tal princípio não é uma recomendação, mas uma regra que deve ser observada nas relações da criança e do adolescente com sua família, sociedade e Estado”.

Por fim, concluem:

“O ideal seria que a paternidade socioafetiva coincidisse com a paternidade biológica, pois verificar-se-ia a paternidade responsável exigida pelo ordenamento. Todavia deve-se salientar que nem sempre o genitor se interessa pela sua prole. Entretanto a convivência familiar é prioridade absoluta do filho”.

Consoante já decidiu o próprio Superior Tribunal de Justiça, essa filiação socioafetiva pode, inclusive, prevalecer sobre o vínculo biológico, a fim de atender o melhor interesse da criança. Isso porque essa forma de filiação decorre do puro amor que se consolida pelos vínculos de afinidade e de afetividade entre os pais adotantes e o adotando, vínculo esse que prepondera sobre o vínculo puramente biológico, e vai ao encontro dos princípios consubstanciados constitucionalmente e reafirmados pelo ECA, tal como o princípio do melhor interesse dos infantes. Abaixo transcrevo alguns julgados do Egrégio STJ demonstrando tal entendimento:

"CIVIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.  GUARDA DE MENOR. PREVALÊNCIA DA  PATERNIDADE  SÓCIO-AFETIVA  SOBRE  A BIOLÓGICA.  RECURSO  IMPROVIDO.
A  excepcionalidade  que  autoriza  seja  a  criança  criada  e educada  em  família  substituta  encontra-se  configurada  quando  o  menor  é  voluntariamente  entregue,  ainda recém-nascido,  à  outra  família,  estando  a  criança  a  ela perfeitamente  integrada.  A paternidade  a ser privilegiada, em qualquer  hipótese,  é a sócio-afetiva."
(STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 752.683 – DF. RELATOR: MINISTRO PAULO FURTADO - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA. RECORRENTE: APARECIDA VELOSO. RECORRIDO: LAZARO VÍTOR DIAS E OUTRO).

ADOÇÃO. RECURSO ESPECIAL. MENOR QUE MORA, DESDE  O CASAMENTO DE SUA GENITORA COM SEU PADRASTO, EM DEZEMBRO DE 2000, COM ESTE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. MOLDURA FÁTICA APURADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS DEMONSTRANDO QUE O MENOR FOI ABANDONADO POR SEU PAI BIOLÓGICO, CUJO PARADEIRO É DESCONHECIDO.  APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.
1. As instâncias ordinárias  apuraram que a genitora casou-se com o adotante e anuiu com a adoção, sendo  "patente a situação de abandono do adotando, em relação ao seu genitor", que foi citado por edital e cujo paradeiro é desconhecido. 2. No caso, diante dessa moldura fática, afigura-se desnecessária a prévia ação objetivando destituição do poder familiar paterno, pois a adoção do menor, que desde a tenra idade tem salutar relação paternal de afeto com o adotante - situação que perdura há mais de dez anos -, privilegiará o seu interesse. Precedentes do STJ. 3. Recurso especial não provido.
(STJ. REsp 1207185 / MG. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. T4 - QUARTA TURMA. Data de julgado: 11/10/2011. Data de publlicação: DJe 22/11/2011).

Direito civil. Família. Recurso Especial. Ação de anulação de registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade socioafetiva. Situação consolidada. Preponderância da
preservação da estabilidade familiar.
(...)
- O descompasso do registro de nascimento com a realidade biológica, em razão de conduta que desconsidera o aspecto genético, somente pode ser vindicado por aquele que teve sua filiação falsamente atribuída e os efeitos daí decorrentes apenas podem se operar contra aquele que realizou o ato de reconhecimento familiar, sondando-se, sobretudo, em sua plenitude, a manifestação volitiva, a fim de aferir a existência de vínculo socioafetivo de filiação. Nessa hipótese, descabe imposição de sanção estatal, em consideração ao princípio do maior interesse da criança, sobre quem jamais poderá recair prejuízo derivado de ato praticado por pessoa que lhe ofereceu a segurança de ser identificada como filha.
(...)
- Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também “parentescos de outra origem”, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural.
- Assim, ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida
e amparada juridicamente. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais vínculos advindos da filiação.
- Como fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares.
(...)
(STJ. REsp 1000356 / SP. Ministra NANCY ANDRIGHI. T3 - TERCEIRA TURMA. Data de julgamento: 25/05/2010. DJe 07/06/2010).

No presente caso, o vínculo de afinidade/afetividade entre requerentes e adotando está mais do que consolidado, apresentando fortes laços, os quais se sobrepõem sobre o vínculo puramente biológico, principalmente ante o tempo já decorrido em que a criança Germano* convive com os requerentes, bem como pelo comportamento inicial da genitora, de completo descaso e desinteresse para com a sua prole. Nesse aspecto, fazemos uso, mais uma vez, dos diversos estudos psicossociais realizados ao longo do feito, onde se constatou o seguinte:

“Em estudo realizado com a Srª. Aldenora* e o Srº. Walter* e a criança em tela, Germano*, percebe-se que este casal reúne condições de dar a esta criança uma boa educação, lazer, amor, bem como suprir todas as necessidades inerentes aos cuidados e responsabilidades que deva lhe ser dispensados. Subtende-se, portanto que o casal apresenta boas condições emocionais, sociais e econômicas, requisitos importantes para uma adoção.” (fl. 28).

“Vale salientar que a criança está com quatro anos e nunca teve contato com a genitora, portanto não tem na Sra. Diocleciana* nenhuma referência materna, porque não conviveu com a genitora. Entende-se que a Sra. Diocleciana* foi omissa com o infante, tornando irrecuperável os laços rompidos. É importante ressaltar que mesmo estando distante, a genitora não se preocupou em entrar em contato com o orfanato SOS Canto da Criança para buscar informações de como se encontrava o seu filho. Demonstrando som isso que não foi a questão financeira que a fez abandonar o infante na referida instituição. Diante do exposto sugiro a este juízo que conceda a Adoção c/c Destituição do Poder Familiar da criança Germano* aos requerentes o Sr. Walter* e a Sra. Aldenora*.” (fl. 74).

“A Sra. Diocleciana* durante toda entrevista realizada, onde são coletados dados sobre a sua realidade social, familiar e emocional, se apresenta, com pouca expressão de afeto em seus relatos (…). Especificamente, nesse caso, a criança perdeu contato com a genitora quando estava com quatro meses de idade e até o momento, não teve na Sra. Diocleciana*, referência materna, por não ter convivido com a mesma. Percebe-se que, nesse caso houve uma omissão por parte dessa genitora, que se torna irreversível para a vida de qualquer criança.” (fls. 74/75).

Pelos relatórios dos estudos psicossociais acima referidos não há como deixar de reconhecer que, também nesse caso, a filiação socioafetiva há que prevalecer sobre a biológica, uma vez que esse é o caminho para preservar o melhor interesse do adotando Germano*, máxime porque a genitora somente apresenta o laço sanguíneo em seu favor, enquanto que os requerentes demonstrar haver verdadeiros laços de afinidade e afetividade com o infante Germano*. A legitimidade dos motivos pelos quais os requerentes postulam a adoção demonstra que não há fator idôneo a suscitar dúvidas acerca de sua configuração no caso em comento. Nesse diapasão, é válido relembrar, por oportuno, que o relatório de estudo psicossocial do caso narra, em apertada síntese, que os requerentes possuem todas as condições de dar à criança Germano* uma boa educação, lazer, amor, suprindo todas as necessidades da mesma, bem como constata a construção de fortes vínculos afetivos entre adotantes e adotando. Assim, vislumbra-se que os motivos em que se funda o pleito de adoção são plenamente legítimos e que as vantagens daí decorrentes são reais e visíveis. Com efeito, das conclusões do estudo sociofamiliar realizado haure-se que a estabilidade da família substituta em que o adotando está inserido é inconteste e que os adotantes têm condições materiais e morais para manterem o adotando, como, aliás, vêm mantendo até então, já que ele convive com os mesmos desde os seus primeiros meses de vida, proporcionando-lhe criação e vida dignas, o que, por conseguinte, atende a um dos requisitos estabelecidos pelo ECA, que no art. 43 dispõe: Adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.
Nesse sentido cabe destacar que o ECA visa assegurar o melhor interesse da criança e do adolescente, que são sujeitos e não objetos de direito, sendo a adoção o caminho, circunstância essa considerada pelo Parquet ao atuar como fiscal da lei, que entende que o deferimento da adoção trará reais vantagens ao infante (fls. 136/138).
Isto posto, julgo PROCEDENTE o pedido, para decretar a perda do poder familiar exercido por Diocleciana*, nos termos do art. 129, X, da Lei nº. 8.069/90, c/c o art. 1.638, II, do Código Civil Brasileiro, rompendo-se definitivamente o vínculo de filiação natural que unia a criança Germano* à demandada, bem como todos os laços de parentesco daí advindos, bem assim para deferir a adoção pleiteada pelos requerentes Walter* e Aldenora* em relação à criança Germano*, que passará a chamar-se Geminiano*, tendo como avós paternos João* e Maria*, e como avós maternos Mário* e Márcia*.
Transitada em julgado, expeça-se o respectivo mandado, que terá também efeito constitutivo, no competente Cartório do Registro Civil, cancelando-se o registro original do adotando e lavrando-se outro em seu lugar, na forma do art. 47 do ECA.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Sem custas, nos termos do § 2º do art. 141, do ECA.

MARCOS ANTONIO SANTOS BANDEIRA
                 JUIZ DE DIREITO
 

*Nomes Fictícios.





APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR COM ADOÇÃO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO DE ADOÇÃO. CRIANÇA COM VÍNCULOS AFETIVOS ESTABELECIDOS COM SEUS CUIDADORES, PRETENDENTES À ADOÇÃO. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DA MÃE. GENITORA QUE ENTREGOU O INFANTE AOS QUATRO MESES DE IDADE NO SOS CANTO DA CRIANÇA, MANTENDO-SE AFASTADA ATÉ A PROPOSITURA DA AÇÃO. OBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA. MELHOR INTERESE DO MENOR. OPINATIVO DO PARQUET PELO NÃO PROVIMENTO DO APELO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 010296-72.2010.8.05.013, da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna, em que figuram como Apelante Diocleciana* e Apelados Aldenora* e Walter*.
ACORDAM os Desembargadores componentes da Turma Julgadora da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso pelos fundamentos expostos a seguir.
Trata-se de apelo ofertado em face da sentença, fls 139/149, proferida na Ação de Destituição de Poder Familiar c/c Adoção, que julgou procedente o pleito formulado na vestibular, para decretar a perda do poder Familiar da ré, rompendos-e (SIC) definitivamente o vínculo de filiação natural que unia o menor à demandada, assim como todos os laços de parentesco daí advindos, oportunidade na qual deferiu a adoção pleiteada pelos autores. Por fim, determinou que, uma vez transitada em julgado, seja cancelado o registro original do adotando e a lavratura de outro em seu lugar. Sem custas.
Em suas razões recursais, fls. 153/156, a apelante sustenta, em síntese, que “[.] a apelante nunca, em momento algum, possuiu qualquer interesse em entregar seu filho à adoção, posto que o deixou, PROVISORIAMENTE, o abrigo porque, à época, não reunia condições de criá-lo, não devendo, portanto, ser destituída do poder familiar.” (fl. 15). Ademais, afirma ser de conhecimento que “[.] a criança ou o adolescente tem direito de ser criado e educado em sua família natural, sendo a família substituta medida excepcional (artigo 19 do estatuto da Criança e do Adolescente), ou seja, os vínculos Familiares devem ser preservados, via de consequência, a perda ou suspensão do poder Familiar somente se justifica quando estiverem configurados os motivos que ensejaram o pleito, não sendo esta a hipótese dos autos, ao menos em relação a genitora.” (fls. 15/156).
Assevera, ainda, que a destituição do pátrio poder é algo perturbador e traumático, tendo sido, inclusive, a sentença de piso decretada “[.] sem qualquer observância dos requisitos necessários, a adoção do menor G, e que, nos termos do artigo 48 da Lei nº 8.069/90, tal instituto é irrevogável, ato que, por isso mesmo, carece revestir-se de todos os cuidados antes de ser concedido.” (fl. 156), razão porque requer a reforma do julgado hostilizado.
Intimados, os apelados não ofertaram contrarrazões, conforme certidão de fl. 160.
A Procuradoria de Justiça, em parecer de fls. 171/178, se manifestou pelo conhecimento e improvimento do apelo.
Presentes se encontram os pressupostos de admissibilidade do recurso em questão. Preparo dispensado, em face da gratuidade anteriormente deferida.
Foram os autos remetidos à Superior Instância e distribuídos a esta Quarta Câmara Cível, cabendo-me a relatoria.

É o que importa relatar.

Trata-se de apelo em Ação de Destituição de Poder Familiar c/c Adoção, na qual o MM Juízo a quo deferiu o pleito formulado na vestibular, de acordo com o melhor interesse do infante, razão pela qual não merece retoques.
No caso sub judice é de evidente que as alegações da recorrente confrontam com o quanto comprovado nos autos, pois que restou inconteste que a apelante abandonou o menor quando o mesmo contava com apenas quatro meses de idade, deixando de ter contato com este ao menos até a propositura da ação, oportunidade na qual o menor já havia completado 04 anos de idade, senão vejamos o que bem expressa o membro do Parquet:
[.]
Diante das circunstâncias acima relatadas, vistas à luz dos citados dispositivos, parece-me caracterizada a situação de abandono do menor pelos pais biológicos, em decorrência da prolongada falta – por mais de 04 anos – de cumprimento dos deveres inerentes ao poder Familiar, restando autorizada, assim, a sua pretendida destituição.
[.] (fl. 175/176)
Assim sendo, notória a falta de interesse da recorrente de cuidar de seu filho. Ademais, no caso presente há uma situação fática que não pode ser ignorada, pois que os relatos dos autos, em especial o laudo do estudo social realizado, dão conta do estabelecimento sócio afetivo que se firmou entre os adotantes e o adotando, como bem afirma o Ministério Público, em seu opinativo:
[.]
De igual modo, observa-se às fls. 104/105 que o incapaz se encontra na condição fática de filiação socioafetiva, no momento em que fincou laços de afinidade com a família substituta, frequentando, por sua vez, instituição de ensino regularmente e gozando de boa saúde. De acordo com o mesmo relatório, chama os adotantes de •"pai" e "mãe", sendo estes inscritos no programa de adoção na Infância e Juventude, já tendo frequentado cursos de capacitação para tal mister.
[.] (fl. 176)
Desta forma, com vista a resguardar o melhor interesse do adotando, evitando, destarte, danos psicológicos ulteriores, capazes de comprometer o desenvolvimento saudável do menor, e visando assegurar o princípio da proteção integral à criança, a manutenção da sentença prolatada no primeiro grau é medida que se impõe.
Se em casos de “adoção à brasileira” o próprio Superior Tribunal de Justiça, recentemente, vem adotando entendimento favorável à criança, não há qualquer razão para retocar o julgado hostilizado, senão vejamos, in verbis:
INFÂNCIA E JUVENTUDE: Melhor interesse do menor prevalece sobre o formalismo exacerbado do registro: direito a um lar (STJ) DECISÃO: Uma criança de pouco mais de um ano de idade, transferida a abrigo sem necessidade, teve o direito e a liberdade de conviver com seu pai adotivo assegurados por decisão liminar proferida em habeas corpus, de relatoria do ministro Vilas Bôas Cueva. A decisão superou o preciosismo formal da inadequação do registro, prática conhecida como •gadoção à brasileira•h (SIC) ou adoção intuitu personae, em face da consolidação dos laços Familiares e do risco de danos irreparáveis à formação da personalidade do menor. A decisão partiu do entendimento de que a concessão da liminar traduz o melhor interesse da criança: o direito ao lar. Após oito meses de convivência com o homem que a tratava como filha, a criança foi encaminhada a um abrigo institucional a pedido do Ministério Público (MP), que apontou indícios de irregularidade do registro. O pai não biológico, casado, registrou a criança como filha porque a mãe biológica contou que passava por dificuldade financeira, tendo recebido ajuda do casal. Com pedido e liminar em habeas corpus negado na Justiça paulista, a defesa pediu no STJ que a criança pudesse aguardar o julgamento de mérito sob a guarda de quem a registrou. Para tanto, sustentou que valorizar o cadastro único informatizado de adoções e abrigos (Cuida), em detrimento do bem-estar físico e psíquico do menor que conviveu por oito meses no âmago da sua família (desde o seu nascimento), vai de encontro ao sistema jurídico, em especial à luz da filiação socioafetiva, valor jurídico que não pode ser ignorado pelo Judiciário na missão de "dizer o direito". •"O presente envio da criança a um abrigo beira a teratologia, pois inconcebível presumir que um local de acolhimento institucional posa ser preferível a um lar estabelecido, onde a criança não sofre nenhum tipo de violência física ou moral", afirmou a defesa do pai adotivo.
Caso excepcional:
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) condiciona o envio de um menor para abrigo à violação de direitos, segundo seu artigo 98. Ou seja, quando há ação ou omissão da sociedade ou do estado; falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; ou em razão da conduta do menor. Para o ministro Vilas Bôas Cueva, nenhuma desas hipóteses ocorreu no caso concreto, conforme a situação fática delineada, o que torna o caso excepcional. Ao deferir a liminar, o ministro reconheceu que "o menor foi recebido em ambiente Familiar amoroso e acolhedor, quando então recém-nascido, ali permanecendo até os oito meses de idade, não havendo quaisquer riscos físicos ao menor neste período, quando se solidificaram laços afetivos". Ele apontou precedentes do STJ no mesmo sentido (HC 21.594, rel. ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13.3.2012, DJe 21.3.2012; AgRg na MC 15.097, rel. Ministro Masami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 05.3.209, DJe 6.5.209, e MC 18.329, relatora para acórdão ministra Nancy Andrighi, julgada em 20.9.201, DJe 28.1.201).
Observe-se que no caso sob comento está provado, através do laudo do estudo social realizado, que os apelados asseguram, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida, saúde, alimentação, convivência Familiar e afeto, necessários para a garantia de uma vida digna para a criança adotanda.
Por outro lado, a ausência de reivindicação da guarda concedida, bem como a falta de interesse no convívio mínimo com o seu filho, entregue voluntariamente ao SOS Canto da Criança quando este contava com tão somente quatro meses, sem nunca tê-lo visitado, faz presumir o abandono pela mãe biológica, inferindo-se a anuência tácita quanto a adoção do infante, deferida pela sentença de origem.
De mais a mais, bem expressou o opinativo do Parquet:
[.]
Ademais, oportuno frisar que o relatório psicossocial e as demais provas produzidas indicam no sentido de que o infante não teve contato com os demais parentes da família natural, inviabilizando, pois, o estabelecimento de laços afetivos com os mesmos, razão pela qual a genitora da recorrente optou por não ter contato com o incapaz desde tenra idade deste.
[.] (fl. 176)
Diante do exposto, acompanhando o opinativo do Ministério Público, NEGA-SE PROVIMENTO AO APELO, mantendo-se a sentença hostilizada, por estes e por seus próprios fundamentos.

Sala das Sessões do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em de
de 2015.


PRESIDENTE


Desª. GARDÊNIA PEREIRA DUARTE
Relatora



PROCURADOR(A) DE JUSTIÇA



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