SENTENÇA DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR CUMULADA COM ADOÇÃO .
Versam os autos acerca de Ação de Adoção c/c
Destituição do Poder Familiar, promovida por Walter* e Aldenora*, devidamente qualificados e patrocinados pela Defensoria
Pública Estadual, em face de Diocleciana*, com o escopo de obter provimento
jurisdicional que determine a destituição do poder familiar exercido pela
requerida em relação a seu filho Germano*, nascido em xx de xxxxx de xxxx, e
conceda a adoção deste aos requerentes.
Alegam os demandantes que são casados há mais de
dezesseis anos e constituem uma relação estável, formando um verdadeiro núcleo
familiar, bem como que teriam conhecido o adotando no SOS Canto da Criança,
quando começaram a criar laços de afinidade com o mesmo.
Aduzem, ainda, que possuem dois filhos
adolescentes e que toda a família espera ansiosamente pela adoção do infante
Germano*, possuindo condições financeiras e emocionais para cuidar do mesmo.
A exordial veio instruída com os documentos de
fls. 06/18.
Deferida a guarda provisória do adotando ao
casal pleiteante (fls. 22/23), a genitora foi citada pessoalmente às fls.
47/49-verso, apresentando contestação ao pedido inicial e documentos às fls.
50/66, alegando, em resumo, que nunca teve o intuito de abandonar o seu filho
ou entregá-lo para a adoção, tendo deixando o mesmo provisoriamente no SOS
Canto da Criança por não reunir, no momento, condições para criá-lo. Afirma,
ainda, ter atualmente condições materiais e morais. Por fim, pleiteia a
revogação da medida liminar de suspensão do poder familiar, bem como a
improcedência da ação.
Foram realizados estudos psicossociais com o
casal requerente e com a genitora do adotando, sendo os respectivos relatórios
acostados às fls. 27/29 e 72/75.
Às fls. 94/95-verso constam documentos
comprobatórios de que os requerentes estão efetivamente habilitados no cadastro
nacional de pretendentes à adoção.
Procedeu-se à instrução do feito com a oitiva da
genitora, dos requerentes e das testemunhas Viridiana*, Efésio, Diomara* e
Alair* (fls. 101/109 e 120/123).
Encerrada a instrução do feito, concedeu-se
prazo às partes a fim de que apresentassem suas respectivas alegações finais.
Os requerentes ratificaram os termos da peça exordial, ressaltando que a adoção
do infante Germano* é a melhor medida ao interesse do mesmo (fls.126/131). A
requerida, por sua vez, reiterou o pedido de improcedência afirmando não haver
motivo para a decretação da destituição de seu poder familiar e ressaltando que
os vínculos familiares devem ser preservados (fls. 133/134).
O Ministério Público, atuando como fiscal da
lei, apresentou seu parecer às fls. 136/138, ocasião em que opinou em favor do
deferimento do pedido de adoção por considerar que tal medida traria reais
vantagens ao adotando, bem como que todas as formalidades legais haviam sido
observadas.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
Da fundamentação e da decisão.
É sabido que o Estatuto da Criança e
do Adolescente eleva a nível de direito fundamental o direito à convivência
familiar e comunitária por parte de crianças e adolescentes. Não só o ECA, como
também a Constituição Federal, em seu art. 227, diz ser dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar às crianças e aos adolescentes, com absoluta
prioridade, dentre outros, o direito à convivência familiar e comunitária,
pondo-os a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão. Isso porque são eles pessoas em
desenvolvimento e que necessitam constantemente de inserção de valores éticos,
morais e cívicos para a formação de sua personalidade e caráter, sendo que os
laços familiares são essenciais nesse mister.
É de conhecimento geral, também, que
decorre do Poder Familiar o dever de prestar desvelo à prole, cobrindo-a dos
cuidados necessários ao seu desenvolvimento pleno. Foi com esse escopo que o
legislador fez constar no rol de atribuições dos pais, enquanto no exercício do
dito poder, deveres como os de dirigir-lhes a criação e educação e tê-los em
sua companhia e guarda, consoante se vê no art. 1.634, do Código Civil.
Entretanto, em situações extremas,
em que não se faz aconselhável a manutenção dessa convivência familiar, é
necessário retirar a pessoa em desenvolvimento do seio familiar justamente com
o objetivo de assegurar-lhe a inserção desses valores. Assim sendo, em casos
como tais, a lei determina a retirada dessa pessoa de sua família natural e sua
posterior inclusão em programas de acolhimento institucional ou familiar, bem
como em famílias substitutas, sob a forma de guarda, tutela ou adoção.
Estatuída como uma das formas de colocação em
família substituta, a adoção, pelas características que encerra, deve ser
deferida quando representar reais vantagens para o adotando e se fundar em
motivos legítimos, consoante o disposto no art. 43, da Lei nº. 8.069/90.
Exige-se, ainda, o consentimento dos genitores do adotando ao pedido de adoção,
o qual somente será dispensado em sendo estes desconhecidos ou caso tenham
sido, previamente, destituídos do poder familiar, tal como preceitua o art. 45,
caput e §1º, do já decantado diploma legal.
Pois bem, no que se refere à genitora do infante
Germano*, há que se falar em destituição de seu poder
familiar exercido sobre o mesmo. Nesse sentido há o art. 24, do ECA, que
determina:
“A perda ou suspensão do poder
familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos
casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento
injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22”
O Código Cível pátrio, por sua vez, em seu art. 1.638, II,
estabelece a perda do poder familiar em caso de abandono material do filho,
pois, ao negligenciarem no exercício desse poder, os pais demonstram inaptidão
para tal encargo, já que, agindo assim, acabam por deixar à toda sorte sua
prole, que, consequentemente, fica em risco de danos. É justamente nessa
hipótese que se enquadra a situação do infante Germano*.
Instado todo o contraditório e assegurados amplos direitos
de petição e de defesa à demandada, a mesma tentou de todas as formas trazer
fundamentos à improcedência da ação, trazendo à baila fatos novos. Entretanto,
os fatos alegados pela mesma em nenhum momento foram provados nos autos, seja
pelo estudo psicossocial realizado, seja na oitiva das testemunhas arroladas
pelas partes.
Pelo contrário. Ao se analisarem os autos verifica-se o típico caso de
abandono material da genitora em relação ao infante Germano*.
Depreende-se que a genitora teria deixado o seu filho provisoriamente na
instituição SOS Canto da Criança em momento que não teria condições financeiras
e emocionais de criar o mesmo, bem como que nenhum membro da família extensa
teria demonstrado interesse e intenção em cuidar de seu filho. Ocorre que a
própria genitora declara no estudo psicossocial realizado que deixou seu filho
no SOS, quando o mesmo tinha apenas onze meses de vida, em janeiro de 2009,
somente retornando para revê-lo em outubro de 2011 (fl. 73). Diante disso há de
se indagar: que mãe deixaria um filho no abrigo com apenas onze meses de vida e
só retornaria mais de dois anos depois para reavê-lo? Tal comportamento não é compatível com o de
uma mãe que se preocupa com o filho. Ressalto que um filho não é uma
mercadoria, em que você pode deixar em um lugar e só voltar quando puder para
pegá-lo. Muito pelo contrário! O ECA, diferentemente do antigo Código de
Menores, seguindo a ideologia traçada pela CF/88, determina expressamente que
os infantes devem ser tratados como verdadeiros sujeitos de direitos, e não
como objeto, sendo o acolhimento institucional de crianças e adolescentes
medida protetiva excepcional e de caráter provisório, não podendo o infante
permanecer ad eternum acolhida institucionalmente. Não podendo retornar
a criança ou o adolescente para sua família natural ou extensa, há que se
promover medidas com o intuito de incluí-los em família substituta, como foi o
caso.
Diante disso, não há como se acolher a alegação da genitora de que nunca
teve o intuito de abandonar o seu filho ou entregá-lo para a adoção, tendo
deixando o mesmo provisoriamente no SOS Canto da Criança por não reunir, no
momento, condições para criá-lo, já que a criança não poderia ficar acolhida
institucionalmente esperando o momento oportuno de sua genitora para reavê-lo.
O momento oportuno deve ser o da criança, e não o de seus pais! O interesse
tutelado é da criança, e não de seus genitores! Portanto, não poderia o infante
Germano* ficar acolhido institucionalmente por tanto tempo, sendo que sua
genitora havia desaparecido e não havia membros da família extensa interessados
em obter a sua guarda. Nesse sentido, é possível transcrever o seguinte trecho
do estudo psicossocial realizado com a genitora:
“Segundo informações da genitora, a criança foi
entregue ao Abrigo SOS Canto da Criança por ela quando tinha (11) onze meses em
1º (primeiro) de janeiro de 2009 (dois mil e nove) porque não tinha condições
de criá-lo, já que a mesma, na época estava morando com o amigo JB (xx) (…). As
visitas à criança aconteceram do mês de janeiro de 2009 (dois mil e nove) até
agosto do mesmo ano. Após esse período a genitora foi embora para Vitória do
Espírito Santo sem deixar endereço e sem comunicar à direção do Abrigo de
agosto de 2009 (dois mil e nove) a outubro de 2011 (dois mil e onze) e nenhum
membro da família foi procurar a criança.” (fl. 73)
Complementando, a própria genitora, ouvida em Juízo sob o crivo do
contraditório, assim declara:
“... que em
2008 conheceu o pai de Germano* e quando ele descobriu que estava grávida pediu
para que a depoente abortasse; que não aceitou o aborto; que morou com o pai de
Germano* por quase um ano; que ao saber que não iria abortar o pai de Germano*
"desalugou " a casa e lhe colocou na rua; que um vizinho lhe amparou,
que depois o vizinho disse que não tinha mais condições de ficar com a depoente
e o seu filho; que sua avó também não aceitou pois já criava 7 irmãos da depoente;
que foi até o GAAC, achando que era uma creche; que lá no Gaac lhe explicaram que não era orfanato e lhe
indicou o SOS para deixar seu filho; que uma moça por nome de R do Gaac acionou dois agentes de proteção para
encaminhar a criança ao SOS Canto da Criança; que confirma sua assinatura às
fls. 07 do processo, porém que entregou a criança em 01 de janeiro e não 31 de
dezembro; que após entregar a criança ficou na casa de um vizinho conhecido
como Z, em busca de emprego até setembro
de 2009, porém visitava seu filho no SOS; que em setembro de 2009 uma tia sua
de Vitória-ES lhe chamou para trabalhar lá como doméstica; que foi para Vitória
e ficou lá até agosto de 2010, quando retornou para Itabuna; que nesse período
que ficou fora não chegou a visitar a criança; que durante o período que a
criança estava no orfanato de 01 de janeiro
de 2009 até setembro de 2009, visitava a criança todos os domingos; que
além da depoente também uma tia de nome E visitava a criança; que sua mãe não
visitava a criança para não criar vínculos com a criança; que sua mãe Iane é
viva; que sua mãe nunca visitou a criança (…); que sua intenção era
deixar a criança provisoriamente no SOS Canto da Criança; que a criança não foi
encontrada na rua; que estava sem condições financeiras e por isso entregou a
criança provisoriamente; que foi a própria depoente quem procurou um lugar para
deixar seu filho, por não ter condições de criá-lo no momento; que nunca lhe
passou pela cabeça dá seu filho em adoção (...); que deixou seu filho num
momento de desespero porque não poderia criar; que quando voltou e foi ao SOS
Canto da Criança, falaram que seu filho estava disponível para adoção; que só
foi informada no SOS que a criança permaneceria lá até ter condições de
reavê-lo; que sua família não quis ficar com seu filho; que quando estava em
Vitória não ligava frequentemente para saber notícias do filho;que ligava de vez em quando para sua avó para
saber notícias (…); que o pai de Germano* se envolveu com drogas e foi morto
(...); que não sabe a situação atual de Germano*; que não conhece o casal; que
não está trabalhando, porque não está conseguindo trabalhar” (fls. 101/103).
As declarações da genitora apenas corroboram com o anteriormente
explicitado, ou seja, a despeito da intenção inicial da mesma em deixar seu
filho no Abrigo provisoriamente, a mesma, após certo tempo, desapareceu sem
prestar qualquer informação, o que demonstra, de fato o abandono material, bem
como a inexistência de membros da família extensa interessados em obter a guarda
da criança. Por outro lado, as funcionárias do Abrigo SOS Canto da Criança e
demais testemunhas assim apontam:
“... que
Germano* chegou no dia 31 de dezembro de 2008 no SOS Canto da Criança; que ele
foi levado pelos Agentes de Proteção, acompanhado da genitora; que a genitora
alegou que não tinha condições de criar Germano*; que a genitora apenas
entregou a criança; que a pessoa que recebeu Germano* disse que a mãe falou que
era melhor deixar ele no Abrigo, porque ela não tinha uma casa e seu filho poderia até morrer; que Germano*
chegou magrinho, desnutrido, barrigudo,
chorava muito; que depois descobriram que ele tinha uma alergia; que
durante o período que a criança ficou no orfanato a mãe nunca o visitou; que no
orfanato tem um livro de registro de visitas aos domingos e não consta registro
de visitas da genitora a Germano*; que este livro foi criado para ter certeza
das mães que visitavam as crianças; que a mãe biológica só apareceu no orfanato
após Germano* já está na companhia dos casal requerente; que Germano* o
permaneceu no orfanato por um período de 01 ano, antes de ser entregue a
família com guarda provisoria; que a criança foi definitivamente para a família
em agosto de 2010 (…) ; que a criança
permaneceu de 31 de dezembro de 2008 até agosto de 2010 sem nenhuma visita de
nenhum familiar, mãe, tia, avó; que todas as pessoas que visitam as crianças
constam o nome no livro de visitas (…); que pelo que sabe a mãe biológica nunca
visitou Germano*, durante o período em que o mesmo estava no Abrigo; que nunca
viu a mãe da criança; que não a conhece; que nunca tomou conhecimento que ela
esteve a sua procura; que Edna também nunca lhe falou se a mãe havia procurado
pela criança (…); que quem recebeu
Germano* foi a cuidadora E; que E sempre ficava no Abrigo aos domingos; que
sempre perguntava as cuidados pelas mães que visitavam o abrigo (…); que também
não sabe de nenhum parente de Germano* que tenham procurado por ele no Abrigo;
que ninguém da família mandava roupas, alimentos, nada para Germano*; (…); que
na época existia o livro de registro de visitas; que era uma regra anotar no
livro o nome das mãe que iam ao orfanato visitar os filhos” (fls. 106/107).
“... que
Germano* chegou com mais ou menos 09 meses de idade; que chegou acompanhada de
dois agentes de proteção e da mãe biológica; que perguntou a mãe se não
queria ficar com ele e ela respondeu que
preferia deixá-lo no Orfanato do que matá-lo; que a mãe biológica não disse que
iria deixar provisoriamente até arrumar um local para ficar; que Germano*
chorava muito, mas não tinha aparecia de ser uma criança maltratada; que
durante o período que Germano* ficou no abrigo, nos plantões da depoente nunca
viu a mãe de Germano* lá; que ficava a semana toda e as vezes folgava no
domingo; que existia um livro de registro de visitas, mas não se lembra de ter
visto nenhum registro de visita da mãe de Germano*; que saiu da instituição em
2010 e Germano* ainda estava abrigado na
instituição; que também não tem conhecimento se algum familiar chegou a visitar
Germano*; que também ninguém ligava para o abrigo para saber notícias de
Germano*” (fls. 108/109).
“... que estava
na Rodoviária com seu Colega, trabalhando como agente de Proteção ao menor; que
chegou a genitora com a criança dizendo que não tinha moradia e queria entregar
a criança; que não disse a genitora que a criança estava indo para uma creche e
sim para o Abrigo SOS Canto da Criança (…); que se lembra que o fato ocorreu no
dia 31 de dezembro e tinha muito movimento na rodoviária; que não disse a genitora
que o SOS era uma creche; que todos sabem que o SOS é um Abrigo para criança e
que quando se coloca uma criança lá, apenas o Juiz pode determinar que ela saia
(...); que foram procurados pela genitora; que não se recorda aonde a genitora
morava; que a genitora não tinha documento da criança e dela apenas uma carteira de trabalho;
(...); que a genitora estava calma no momento que entregou a criança” (fls.
120/121).
“...que em 2008
encaminhou a criança Germano* ao SOS Canto da Criança, juntamente com o colega
D; que trabalhava na Rodoviária como Agente de proteção e a genitora chegou sem
nenhum documento, para entregar a criança, dizendo que não tinha condições de
criar-lo e também que não tinha casa (...); que seu colega D encaminhou à
criança Germano* ao SOS; que foi explicado para a genitora que a criança
ficaria no SOS Canto da Criança; que ficou claro para a genitora que o SOS não
era uma creche e sim um abrigo para acolher crianças em situações como a do
fato; que se lembra bem que a genitora disse que queria entregar a criança
porque não tinha onde morar e não tinha condições para criar seu filho (…);
que a genitora apenas disse que não
tinha condições de criar a criança, mas não sabe que tipo de condições ela se
referia; (…); que a genitora o procurou no dia 31 de dezembro pela manhã” (fls.
122/123).
Pelo que se verifica dos trechos acima colacionados, as testemunhas
prestaram declarações de forma uniforme e coerente, descaracterizando parte da
versão apresentada pela genitora. De fato, a genitora tinha plena consciência
do que se tratava, já na época, do Abrigo SOS Canto da Criança, bem como a sua
finalidade. Por outro lado, a genitora, após deixar o filho no SOS, não mais
compareceu ou ligou para saber qualquer notícia do mesmo, diferentemente do
alegado por ela inicialmente, o que, mais uma vez, corrobora com o fato de que,
efetivamente, houve abandono material por parte da genitora de seu filho
Germano*. Ressalte-se que cópias extraídas do livro de visitas do SOS foram
acostadas às fls. 112/117 dos autos, nas quais é possível verificar a
inexistência de registro de que a genitora visitava seu filho à época. O abandono material da criança pela mãe biológica,
portanto, surge, pois, de forma clara e firme nos autos, sendo forçoso
reconhecer pela destituição do poder familiar da mesma, na forma preceituada
pelo art. 1.638, II, do Código Civil
Por outro lado, a criança convive com os requerentes desde que possui
dois anos de vida, havendo decorrido mais de quatro anos do início da
convivência entre adotando e adotantes, sendo que somente agora a genitora
teria demonstrado interesse em reaver o seu filho. A
requerente, por sua vez, acrescenta a melhora na qualidade de vida da criança,
tanto no aspecto social, quanto no de sua saúde e educação, após o início de
sua convivência com o casal pleiteante, senão vejamos:
“... que está com a guarda de
Germano* desde 05 de agosto de 2010; que é cadastrada na Vara da Infância
para adoção; que participou de um curso
na vara da Infância; que participou do curso de capacitação de pais para
adoção; que hoje tem uma relação maravilhosa com Germano*; que tem um
relacionamento de mãe e filho; que tem muito carinho e amor por Germano*; que o
pai que Germano* conhece é o seu marido; (…); Germano* está estudando na Escolinha
Comunitária, situada na Av. xxxxxxxx no bairro xxxxxxxxxxxxx; que é próximo a
sua casa; que Germano* chama seu marido de pai e a depoente de mãe; que hoje
Germano* é uma criança saudável, ativa, inteligente, alegre; que quando
Germano* chegou para sua companhia ele tinha problemas de alergia, que não
tinha nenhuma cartão de vacinação; que sempre tinha febre; que ele chorava
muito; que com tempo, com atenção, carinho, paciência Germano* hoje é uma
criança saudável (...); que Germano* está em sua companhia desde 5 de agosto de
2010; que Germano* era muito pequeno e nunca perguntou nada a respeito da sua
família biológica; que quando Germano* foi para sua companhia tinha dois anos;
que Germano* nunca fazia referencia a mãe, avós biológicos; que além do telefonema
mencionado não houve mais nenhum outro contato com a mãe biológica; que não
sabe como Germano* chegou no abrigo” (fls. 104/105).
Esse é o momento para se tecer breves comentários acerca da
chamada filiação socioafetiva, já que esta se apresenta nos autos. A filiação
socioafetiva é aquela que surge dos vínculos de afeto e afinidade, é quela que
surge do amor, do carinho, da atenção, da confiança, ou seja, dos laços
recíprocos de toda a forma de sentimento que deriva da relação entre pais e
filhos.
Na doutrina temos os juristas Adauto de Almeida Tomaszewski
e Manuela Nishida Leitão, que assim lecionam em seu artigo “FILIAÇÃO
SOCIOAFETIVA: A POSSE DE ESTADO DE FILHO COMO CRITÉRIO INDICADOR DA RELAÇÃO
PATERNO-FILIAL E O DIREITO À ORIGEM GENÉTICA (publicado na 23 REVISTA JURÍDICA
da UniFil, Ano III - nº 3. Páginas 11 a 23):
“A filiação é uma qualificação
jurídica atribuída a alguém e que representa uma relação existente entre um
filho e seus pais, do qual se originam efeitos e consequências jurídicas por
compreender um complexo de direitos e deveres recíprocos. Essa relação de
parentesco pode ser estabelecida por um critério biológico (existência de
vínculo sanguíneo) ou não. Assim como o filho é titular do estado de filiação,
o pai e a mãe são titulares dos estados de paternidade e de maternidade
respectivamente”.
E assim prosseguem:
“A paternidade socioafetiva satisfaz o princípio
constitucional da paternidade responsável almejado pela Carta Magna, em seu
art. 226, § 6º. Ademais, a presença de posse de estado de filho serve como
critério indicador da paternidade socioafetiva, obedecendo, assim, à doutrina
da proteção integral da criança e do adolescente (art. 227, caput , da Constituição Federal). É
importante ter em mente que tal princípio não é uma recomendação, mas uma regra
que deve ser observada nas relações da criança e do adolescente com sua
família, sociedade e Estado”.
Por fim, concluem:
“O ideal seria que a paternidade
socioafetiva coincidisse com a paternidade biológica, pois verificar-se-ia a
paternidade responsável exigida pelo ordenamento. Todavia deve-se salientar que
nem sempre o genitor se interessa pela sua prole. Entretanto a convivência
familiar é prioridade absoluta do filho”.
Consoante já decidiu o próprio Superior Tribunal de Justiça,
essa filiação socioafetiva pode, inclusive, prevalecer sobre o vínculo
biológico, a fim de atender o melhor interesse da criança. Isso porque essa
forma de filiação decorre do puro amor que se consolida pelos vínculos de
afinidade e de afetividade entre os pais adotantes e o adotando, vínculo esse
que prepondera sobre o vínculo puramente biológico, e vai ao encontro dos
princípios consubstanciados constitucionalmente e reafirmados pelo ECA, tal
como o princípio do melhor interesse dos infantes. Abaixo transcrevo alguns
julgados do Egrégio STJ demonstrando tal entendimento:
"CIVIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E
DO ADOLESCENTE. GUARDA DE MENOR.
PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA
SOBRE A BIOLÓGICA. RECURSO
IMPROVIDO.
A
excepcionalidade que autoriza
seja a criança
criada e educada em
família substituta encontra-se
configurada quando o
menor é voluntariamente entregue,
ainda recém-nascido, à outra
família, estando a
criança a ela perfeitamente integrada.
A paternidade a ser privilegiada,
em qualquer hipótese, é a sócio-afetiva."
(STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 752.683 –
DF. RELATOR: MINISTRO PAULO FURTADO - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA.
RECORRENTE: APARECIDA VELOSO. RECORRIDO: LAZARO VÍTOR DIAS E OUTRO).
ADOÇÃO. RECURSO ESPECIAL.
MENOR QUE MORA, DESDE O CASAMENTO DE SUA
GENITORA COM SEU PADRASTO, EM DEZEMBRO DE 2000, COM ESTE. PATERNIDADE
SOCIOAFETIVA. MOLDURA FÁTICA APURADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS DEMONSTRANDO
QUE O MENOR FOI ABANDONADO POR SEU PAI BIOLÓGICO, CUJO PARADEIRO É
DESCONHECIDO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO
MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.
1. As instâncias
ordinárias apuraram que a genitora
casou-se com o adotante e anuiu com a adoção, sendo "patente a situação de abandono do
adotando, em relação ao seu genitor", que foi citado por edital e cujo
paradeiro é desconhecido. 2. No caso, diante dessa moldura fática, afigura-se
desnecessária a prévia ação objetivando destituição do poder familiar paterno,
pois a adoção do menor, que desde a tenra idade tem salutar relação paternal de
afeto com o adotante - situação que perdura há mais de dez anos -, privilegiará
o seu interesse. Precedentes do STJ. 3. Recurso especial não provido.
(STJ. REsp 1207185 / MG.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. T4 - QUARTA TURMA. Data de julgado: 11/10/2011.
Data de publlicação: DJe 22/11/2011).
Direito civil. Família. Recurso Especial. Ação de anulação de registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade socioafetiva. Situação consolidada. Preponderância da
preservação da estabilidade familiar.
(...)
- O descompasso do registro de nascimento com a realidade biológica, em razão de conduta que desconsidera o aspecto genético, somente pode ser vindicado por aquele que teve sua filiação falsamente atribuída e os efeitos daí decorrentes apenas podem se operar contra aquele que realizou o ato de reconhecimento familiar, sondando-se, sobretudo, em sua plenitude, a manifestação volitiva, a fim de aferir a existência de vínculo socioafetivo de filiação. Nessa hipótese, descabe imposição de sanção estatal, em consideração ao princípio do maior interesse da criança, sobre quem jamais poderá recair prejuízo derivado de ato praticado por pessoa que lhe ofereceu a segurança de ser identificada como filha.
(...)
- Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também “parentescos de outra origem”, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural.
- Assim, ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida
e amparada juridicamente. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais vínculos advindos da filiação.
- Como fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares.
(...)
(STJ. REsp 1000356 / SP. Ministra NANCY ANDRIGHI. T3 - TERCEIRA TURMA. Data de julgamento: 25/05/2010. DJe 07/06/2010).
No presente caso, o vínculo de afinidade/afetividade entre
requerentes e adotando está mais do que consolidado, apresentando fortes laços,
os quais se sobrepõem sobre o vínculo puramente biológico, principalmente ante
o tempo já decorrido em que a criança Germano* convive com os requerentes, bem
como pelo comportamento inicial da genitora, de completo descaso e desinteresse
para com a sua prole. Nesse aspecto, fazemos uso, mais uma vez, dos diversos
estudos psicossociais realizados ao longo do feito, onde se constatou o
seguinte:
“Em estudo realizado com a Srª.
Aldenora* e o Srº. Walter* e a criança em tela, Germano*, percebe-se que este
casal reúne condições de dar a esta criança uma boa educação, lazer, amor, bem
como suprir todas as necessidades inerentes aos cuidados e responsabilidades
que deva lhe ser dispensados. Subtende-se, portanto que o casal apresenta boas
condições emocionais, sociais e econômicas, requisitos importantes para uma
adoção.” (fl. 28).
“Vale salientar que a criança está
com quatro anos e nunca teve contato com a genitora, portanto não tem na Sra. Diocleciana*
nenhuma referência materna, porque não conviveu com a genitora. Entende-se que
a Sra. Diocleciana* foi omissa com o infante, tornando irrecuperável os laços
rompidos. É importante ressaltar que mesmo estando distante, a genitora não se
preocupou em entrar em contato com o orfanato SOS Canto da Criança para buscar
informações de como se encontrava o seu filho. Demonstrando som isso que não
foi a questão financeira que a fez abandonar o infante na referida instituição.
Diante do exposto sugiro a este juízo que conceda a Adoção c/c Destituição do
Poder Familiar da criança Germano* aos requerentes o Sr. Walter* e a Sra.
Aldenora*.” (fl. 74).
“A Sra. Diocleciana* durante toda
entrevista realizada, onde são coletados dados sobre a sua realidade social,
familiar e emocional, se apresenta, com pouca expressão de afeto em seus
relatos (…). Especificamente, nesse caso, a criança perdeu contato com a
genitora quando estava com quatro meses de idade e até o momento, não teve na
Sra. Diocleciana*, referência materna, por não ter convivido com a mesma.
Percebe-se que, nesse caso houve uma omissão por parte dessa genitora, que se
torna irreversível para a vida de qualquer criança.” (fls. 74/75).
Pelos relatórios dos estudos psicossociais acima referidos não há como
deixar de reconhecer que, também nesse caso, a filiação socioafetiva há que
prevalecer sobre a biológica, uma vez que esse é o caminho para preservar o
melhor interesse do adotando Germano*, máxime porque a genitora somente
apresenta o laço sanguíneo em seu favor, enquanto que os requerentes demonstrar
haver verdadeiros laços de afinidade e afetividade com o infante Germano*. A
legitimidade dos motivos pelos quais os requerentes postulam a adoção demonstra
que não há fator idôneo a suscitar dúvidas acerca de sua configuração no caso
em comento. Nesse diapasão, é válido relembrar, por oportuno, que o relatório
de estudo psicossocial do caso narra, em apertada síntese, que os requerentes possuem
todas as condições de dar à criança Germano* uma boa educação, lazer, amor,
suprindo todas as necessidades da mesma, bem como constata a construção de
fortes vínculos afetivos entre adotantes e adotando. Assim, vislumbra-se que os
motivos em que se funda o pleito de adoção são plenamente legítimos e que as
vantagens daí decorrentes são reais e visíveis. Com efeito, das conclusões do
estudo sociofamiliar realizado haure-se que a estabilidade da família
substituta em que o adotando está inserido é inconteste e que os adotantes têm
condições materiais e morais para manterem o adotando, como, aliás, vêm
mantendo até então, já que ele convive com os mesmos desde os seus primeiros
meses de vida, proporcionando-lhe criação e vida dignas, o que, por conseguinte,
atende a um dos requisitos estabelecidos pelo ECA, que no art. 43 dispõe: Adoção
será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em
motivos legítimos.
Nesse sentido cabe destacar que o ECA visa
assegurar o melhor interesse da criança e do adolescente, que são sujeitos e
não objetos de direito, sendo a adoção o caminho, circunstância essa
considerada pelo Parquet ao atuar como fiscal da lei, que entende que o
deferimento da adoção trará reais vantagens ao infante (fls. 136/138).
Isto posto, julgo PROCEDENTE o pedido, para
decretar a perda do poder familiar exercido por Diocleciana*, nos termos do
art. 129, X, da Lei nº. 8.069/90, c/c o art. 1.638, II, do Código Civil
Brasileiro, rompendo-se definitivamente o vínculo de
filiação natural que unia a criança Germano* à demandada, bem como todos os
laços de parentesco daí advindos, bem assim para deferir a adoção pleiteada
pelos requerentes Walter* e Aldenora* em relação à criança Germano*, que
passará a chamar-se Geminiano*, tendo como avós paternos João* e Maria*, e como
avós maternos Mário* e Márcia*.
Transitada em julgado, expeça-se o respectivo
mandado, que terá também efeito constitutivo, no competente Cartório do
Registro Civil, cancelando-se o registro original do adotando e lavrando-se
outro em seu lugar, na forma do art. 47 do ECA.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Sem custas, nos termos do § 2º do art. 141, do
ECA.
MARCOS ANTONIO SANTOS BANDEIRA
JUIZ DE DIREITO
*Nomes Fictícios.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER
FAMILIAR COM ADOÇÃO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO DE ADOÇÃO. CRIANÇA
COM VÍNCULOS AFETIVOS ESTABELECIDOS COM SEUS CUIDADORES, PRETENDENTES À ADOÇÃO.
AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DA MÃE. GENITORA QUE ENTREGOU O INFANTE AOS QUATRO
MESES DE IDADE NO SOS CANTO DA CRIANÇA, MANTENDO-SE AFASTADA ATÉ A PROPOSITURA
DA AÇÃO. OBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA. MELHOR INTERESE DO
MENOR. OPINATIVO DO PARQUET PELO NÃO PROVIMENTO DO APELO. RECURSO CONHECIDO E
NÃO PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº
010296-72.2010.8.05.013, da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna,
em que figuram como Apelante Diocleciana* e Apelados Aldenora* e Walter*.
ACORDAM
os Desembargadores componentes da Turma Julgadora da Quarta Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao
recurso pelos fundamentos expostos a seguir.
Trata-se
de apelo ofertado em face da sentença, fls 139/149, proferida na Ação de
Destituição de Poder Familiar c/c Adoção, que julgou procedente o pleito
formulado na vestibular, para decretar a perda do poder Familiar da ré,
rompendos-e (SIC) definitivamente o vínculo de filiação natural que unia o
menor à demandada, assim como todos os laços de parentesco daí advindos,
oportunidade na qual deferiu a adoção pleiteada pelos autores. Por fim,
determinou que, uma vez transitada em julgado, seja cancelado o registro
original do adotando e a lavratura de outro em seu lugar. Sem custas.
Em suas
razões recursais, fls. 153/156, a apelante sustenta, em síntese, que “[.] a
apelante nunca, em momento algum, possuiu qualquer interesse em entregar seu
filho à adoção, posto que o deixou, PROVISORIAMENTE, o abrigo porque, à época,
não reunia condições de criá-lo, não devendo, portanto, ser destituída do poder
familiar.” (fl. 15). Ademais, afirma ser de conhecimento que “[.] a criança ou
o adolescente tem direito de ser criado e educado em sua família natural, sendo
a família substituta medida excepcional (artigo 19 do estatuto da Criança e do
Adolescente), ou seja, os vínculos Familiares devem ser preservados, via de
consequência, a perda ou suspensão do poder Familiar somente se justifica
quando estiverem configurados os motivos que ensejaram o pleito, não sendo esta
a hipótese dos autos, ao menos em relação a genitora.” (fls. 15/156).
Assevera,
ainda, que a destituição do pátrio poder é algo perturbador e traumático, tendo
sido, inclusive, a sentença de piso decretada “[.] sem qualquer observância dos
requisitos necessários, a adoção do menor G, e que, nos termos do artigo 48 da
Lei nº 8.069/90, tal instituto é irrevogável, ato que, por isso mesmo, carece
revestir-se de todos os cuidados antes de ser concedido.” (fl. 156), razão
porque requer a reforma do julgado hostilizado.
Intimados,
os apelados não ofertaram contrarrazões, conforme certidão de fl. 160.
A
Procuradoria de Justiça, em parecer de fls. 171/178, se manifestou pelo
conhecimento e improvimento do apelo.
Presentes
se encontram os pressupostos de admissibilidade do recurso em questão. Preparo
dispensado, em face da gratuidade anteriormente deferida.
Foram
os autos remetidos à Superior Instância e distribuídos a esta Quarta Câmara
Cível, cabendo-me a relatoria.
É o que
importa relatar.
Trata-se
de apelo em Ação de Destituição de Poder Familiar c/c Adoção, na qual o MM
Juízo a quo deferiu o pleito formulado na vestibular, de acordo com o
melhor interesse do infante, razão pela qual não merece retoques.
No caso
sub judice é de evidente que as alegações da recorrente confrontam com o
quanto comprovado nos autos, pois que restou inconteste que a apelante
abandonou o menor quando o mesmo contava com apenas quatro meses de idade,
deixando de ter contato com este ao menos até a propositura da ação,
oportunidade na qual o menor já havia completado 04 anos de idade, senão
vejamos o que bem expressa o membro do Parquet:
[.]
Diante das circunstâncias acima relatadas, vistas à luz dos citados
dispositivos, parece-me caracterizada a situação de abandono do menor pelos
pais biológicos, em decorrência da prolongada falta – por mais de 04 anos – de
cumprimento dos deveres inerentes ao poder Familiar, restando autorizada,
assim, a sua pretendida destituição.
[.] (fl. 175/176)
Assim
sendo, notória a falta de interesse da recorrente de cuidar de seu filho.
Ademais, no caso presente há uma situação fática que não pode ser ignorada,
pois que os relatos dos autos, em especial o laudo do estudo social realizado,
dão conta do estabelecimento sócio afetivo que se firmou entre os adotantes e o
adotando, como bem afirma o Ministério Público, em seu opinativo:
[.]
De igual modo, observa-se às fls. 104/105 que o
incapaz se encontra na condição fática de filiação socioafetiva, no momento em
que fincou laços de afinidade com a família substituta, frequentando, por sua
vez, instituição de ensino regularmente e gozando de boa saúde. De acordo com o
mesmo relatório, chama os adotantes de •"pai" e "mãe",
sendo estes inscritos no programa de adoção na Infância e Juventude, já tendo
frequentado cursos de capacitação para tal mister.
[.] (fl. 176)
Desta
forma, com vista a resguardar o melhor interesse do adotando, evitando,
destarte, danos psicológicos ulteriores, capazes de comprometer o
desenvolvimento saudável do menor, e visando assegurar o princípio da proteção
integral à criança, a manutenção da sentença prolatada no primeiro grau é
medida que se impõe.
Se em
casos de “adoção à brasileira” o próprio Superior Tribunal de Justiça,
recentemente, vem adotando entendimento favorável à criança, não há qualquer
razão para retocar o julgado hostilizado, senão vejamos, in verbis:
INFÂNCIA E JUVENTUDE: Melhor interesse do menor prevalece sobre o
formalismo exacerbado do registro: direito a um lar (STJ) DECISÃO: Uma criança
de pouco mais de um ano de idade, transferida a abrigo sem necessidade, teve o
direito e a liberdade de conviver com seu pai adotivo assegurados por decisão
liminar proferida em habeas corpus, de relatoria do ministro Vilas Bôas Cueva.
A decisão superou o preciosismo formal da inadequação do registro, prática
conhecida como •gadoção à brasileira•h (SIC) ou adoção intuitu personae,
em face da consolidação dos laços Familiares e do risco de danos irreparáveis à
formação da personalidade do menor. A decisão partiu do entendimento de que a
concessão da liminar traduz o melhor interesse da criança: o direito ao lar.
Após oito meses de convivência com o homem que a tratava como filha, a criança
foi encaminhada a um abrigo institucional a pedido do Ministério Público (MP),
que apontou indícios de irregularidade do registro. O pai não biológico,
casado, registrou a criança como filha porque a mãe biológica contou que
passava por dificuldade financeira, tendo recebido ajuda do casal. Com pedido e
liminar em habeas corpus negado na Justiça paulista, a defesa pediu no STJ que
a criança pudesse aguardar o julgamento de mérito sob a guarda de quem a
registrou. Para tanto, sustentou que valorizar o cadastro único informatizado
de adoções e abrigos (Cuida), em detrimento do bem-estar físico e psíquico do
menor que conviveu por oito meses no âmago da sua família (desde o seu
nascimento), vai de encontro ao sistema jurídico, em especial à luz da filiação
socioafetiva, valor jurídico que não pode ser ignorado pelo Judiciário na
missão de "dizer o direito". •"O presente envio da criança a um
abrigo beira a teratologia, pois inconcebível presumir que um local de
acolhimento institucional posa ser preferível a um lar estabelecido, onde a
criança não sofre nenhum tipo de violência física ou moral", afirmou a
defesa do pai adotivo.
Caso excepcional:
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) condiciona o envio de um
menor para abrigo à violação de direitos, segundo seu artigo 98. Ou seja,
quando há ação ou omissão da sociedade ou do estado; falta, omissão ou abuso
dos pais ou responsável; ou em razão da conduta do menor. Para o ministro Vilas
Bôas Cueva, nenhuma desas hipóteses ocorreu no caso concreto, conforme a
situação fática delineada, o que torna o caso excepcional. Ao deferir a
liminar, o ministro reconheceu que "o menor foi recebido em ambiente
Familiar amoroso e acolhedor, quando então recém-nascido, ali permanecendo até
os oito meses de idade, não havendo quaisquer riscos físicos ao menor neste
período, quando se solidificaram laços afetivos". Ele apontou precedentes
do STJ no mesmo sentido (HC 21.594, rel. ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, julgado em 13.3.2012, DJe 21.3.2012; AgRg na MC 15.097, rel. Ministro
Masami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 05.3.209, DJe 6.5.209, e MC 18.329,
relatora para acórdão ministra Nancy Andrighi, julgada em 20.9.201, DJe
28.1.201).
Observe-se
que no caso sob comento está provado, através do laudo do estudo social
realizado, que os apelados asseguram, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos à vida, saúde, alimentação, convivência Familiar e afeto, necessários
para a garantia de uma vida digna para a criança adotanda.
Por
outro lado, a ausência de reivindicação da guarda concedida, bem como a falta
de interesse no convívio mínimo com o seu filho, entregue voluntariamente ao
SOS Canto da Criança quando este contava com tão somente quatro meses, sem
nunca tê-lo visitado, faz presumir o abandono pela mãe biológica, inferindo-se
a anuência tácita quanto a adoção do infante, deferida pela sentença de origem.
De mais
a mais, bem expressou o opinativo do Parquet:
[.]
Ademais, oportuno frisar que o relatório
psicossocial e as demais provas produzidas indicam no sentido de que o infante
não teve contato com os demais parentes da família natural, inviabilizando,
pois, o estabelecimento de laços afetivos com os mesmos, razão pela qual a
genitora da recorrente optou por não ter contato com o incapaz desde tenra
idade deste.
[.] (fl. 176)
Diante
do exposto, acompanhando o opinativo do Ministério Público, NEGA-SE PROVIMENTO
AO APELO, mantendo-se a sentença hostilizada, por estes e por seus próprios
fundamentos.
Sala
das Sessões do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em de
de
2015.
PRESIDENTE
Desª.
GARDÊNIA PEREIRA DUARTE
Relatora
PROCURADOR(A)
DE JUSTIÇA
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