REDUÇÃO
DA MAIORIDADE PENAL: uma decisão política equivocada
Seguramente a redução da maioridade
penal tem sido um dos temas mais comentados ultimamente, desencadeando uma
série de debates em todo país, principalmente em razão da iminente aprovação da
PEC nº 171, já aprovada no primeiro
turno na Câmara dos Deputados. A mídia, em boa parte, apoiada em premissas
falsas, vem apoiando a redução da maioridade penal. As pesquisas realizadas em
todo o país em diversos segmentos apontam que a maioria da população é
favorável à redução da maioridade penal. Uma minoria vem se posicionando
contra, sem contudo ameaçar os ventos que sopram favoráveis à redução da
maioridade penal para dezesseis anos.
O momento crítico por que passa o
país em meio a uma crise econômica, política e ética, com a corrupção da
Petrobras envolvendo políticos e empreiteiros, espinha dorsal do conúbio entre
o poder econômico e político, só faz recrudescer a violência urbana, numa
sociedade extremamente desigual. A sensação de insegurança é potencializada
pela mídia policialesca que se nutre da criminalidade e da destruição da vida
humana, banalizando-a e passando a desinformação que com o “menor infrator”
nada acontece.
Diante desse contexto adverso, de
total insegurança, surgem os mais diferentes argumentos para sustentar a
decisão mais fácil: vamos reduzir a maioridade penal e colocar esses menores
infratores na cadeia, pois se podem votar, devem também responder pelos seus
atos; o adolescente no momento atual é muito bem informado através da internet,
tendo conhecimento sobre drogas, sexo e sabe perfeitamente que roubar e matar
são crimes; na maioria dos países a
maioridade penal começa mais cedo. Esses são os principais argumentos daqueles
que sustentam a redução da maioridade para dezesseis anos.
Esse tempero da emoção, da
desinformação e da aprovação de uma lei que afetará a todos é muito perigoso,
pois poderemos amargar consequências dolorosas. Acho que o debate das ideias de
forma qualificada e racional é o caminho correto para encontrarmos a melhor
solução. Como disse alguém, o sol é bem maior do que o vemos, ou seja, a
problemática do adolescente em conflito com a lei é bem mais complexa e por
isso mesmo merece uma análise mais aprofundada. Não podemos acreditar ingenuamente
que a salvação da sociedade brasileira está na aprovação da redução da
maioridade penal.
Numa perspectiva histórica é bom
lembrar que a idade penal no Brasil imperial era de sete anos de idade, pois se
entendiam que abaixo dessa idade as pessoas eram incapazes, equiparados a “res”
(coisas). No início do século XX, o país se alinhou com a maioria dos países
civilizados e a idade penal passou para 18 anos de idade. É bom lembrar que em
1969, em pleno regime ditatorial, os militares que estavam no poder conseguiram
aprovar a redução da maioridade penal para dezesseis anos de idade, todavia, a
lei ainda na vacatio legis , ou seja,
antes de entrar em vigor, foi revogada pelos próprios militares, por entender
que não resolveria o problema.
Independentemente da questão de
ordem constitucional que deve ser enfrentada pelo STF, pois no meu modesto
entendimento, a redução da maioridade penal viola frontalmente cláusula pétrea,
imodificável até mesmo por emenda constitucional, percebe-se que a questão
fulcral não tem sido enfrentada nos debates até agora travados. A questão
principal não é aumentar a maioridade penal porque os adolescentes infratores
têm informações suficientes e discernimento ético sobre a prática do ato
infracional. Na verdade, ninguém duvida de que o jovem de hoje está muito bem
informado e sabe perfeitamente que roubar é crime, por exemplo. A questão não é
incapacidade, mas responsabilização diferenciada em relação ao adulto, ou seja,
o adolescente, em razão de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento
deve merecer uma tutela diferenciada do Estado, em face de sua manifesta
vulnerabilidade. Isso não significa impunidade. Hoje, no Brasil, mais de vinte
mil adolescentes estão cumprindo medida socioeducativa, seja privativa de
liberdade, como internação e semiliberdade, seja restritiva de direitos, como
prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e reparação de danos. O
que o ECA trouxe fundamentalmente de novidade nessa área foi alçar o
adolescente em conflito com a lei em sujeito de direitos fundamentais,
assegurando-lhe direitos individuais e o devido processo legal da mesma forma
que é garantido aos maiores de 18 anos.
O adolescente em face de não ter ainda os seus processos cognitivos e
emocionais totalmente completos, está mais propenso a receber positivamente uma
abordagem educativa que seja capaz de interromper sua trajetória criminosa do
que aqueles imputáveis que já estão enraizados na criminalidade.
Não se pode abstrair o atual
contexto do sistema penitenciário brasileiro, absolutamente falido, superlotado
e incapaz de ressocializar. O índice de reincidência é superior a 70% e a
população carcerária no Brasil caminha para mais quinhentos mil presos, sendo
parte significativa composta de provisórios. Trata-se, sem dúvida alguma, de
uma verdadeira fábrica de produzir bandidos.Segundo a escola criminológica
“labelling approach”, ou escola de rotulação social, que surgiu nos Estados
Unidos nos anos sessenta, as pessoas selecionadas pelo sistema penitenciário
são estigmatizadas, humilhadas e discriminadas, entrelaçando-se na ação
projetada por outros detentos, incorporando os gestos, valores e costumes dos
outros, até assumir a sua identidade que precisa ser legitimada pelo grupo onde
se encontra. Essa situação é agravada quando se trata de um adolescente cuja
personalidade ainda está em formação. Certamente, nesse contato pernicioso com
elementos da mais alta periculosidade, o adolescente vai sair do cárcere com
mestrado e doutorado em criminalidade, pronto para ingressar nas carreiras
criminosas. Se ele cometia atos de médio ou pequeno potencial ofensivo
certamente vai cometer atos bem mais graves. A violência urbana, sem dúvida
alguma, será aumentada em nossa sociedade, caso a redução da maioridade penal seja
aprovada.
Concordo com os que sustentam que o
Estatuto da Criança e do Adolescente precisa de ajustes após vinte e cinco anos
de vigência. Existem realmente vários dispositivos que merecem ser modificados.
Sempre sustentei que os adolescentes deveriam ser punidos com mais rigor na
prática dos crimes considerados hediondos. Nesse sentido, existe um projeto no
Congresso Nacional, no sentido de aumentar a medida socioeducativa de
internação para oito anos. Essa mudança é possível, pois não fere a Constituição
Federal. Acho que é a melhor alternativa para enfrentar a criminalidade
juvenil; todavia, a simples mudança legislativa não significa necessariamente
mudança. É necessário sobretudo, que o Poder Executivo deixe de ser omisso na
implementação das medidas socioeducativas, principalmente, com relação à
internação e semiliberdade. Na Bahia, por exemplo, onde temos a maior sombra
institucional, segundo pesquisa do CNJ, só existem unidades de internação em
Salvador e Feira de Santana, quando na verdade é imperiosa a regionalização
dessas medidas socioeducativas. É preciso implementar políticas públicas. É
preciso tirar o ECA do papel. É preciso coragem e vontade política. Esse é o
caminho.
MARCOS BANDEIRA
** Juiz de Direito
titular da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Itabuna, membro da
coordenadoria da Infância e Juventude do TJBA , membro da academia de letras de Itabuna , mestre em segurança pública e
professor de Direito da UESC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário