segunda-feira, 28 de janeiro de 2013


ABOLIÇÃO DA SALA SECRETA NO TRIBUNAL DO JÚRI
 
 

 

 O assunto é polêmico e bastante discutido na doutrina, atraindo tanto argumentos favoráveis quanto contrários à supressão da sala secreta no Tribunal do Júri. Os fundamentos contrários à abolição da sala secreta impressionam a prima facie e se apóiam basicamente na possibilidade concreta de influência que a platéia e o acusado podem exercer sobre a formação do convencimento dos jurados, afetando a imparcialidade do julgamento, considerando que os mesmos não gozam das mesmas garantias do juiz togado. O jurista Guilherme Nucci[1] posiciona-se contrário à supressão da sala secreta e justifica:
“ Certamente conhecedor das características inerentes ao tribunal popular , em especial a ausência de garantias aos jurados, sua inexperiência e falta de conhecimento técnico, quis o constituinte assegurar que o julgamento fosse o mais imparcial possível, espelho fiel da soberania do colegiado. Para tanto, firmou preceito no sentido de que a votação do Conselho de Sentença seja sigilosa, embora o julgamento transcorra em público...O jurado precisa sentir-se seguro para meditar e votar, quando convocado a fazê-lo pelo juiz presidente, o que jamais aconteceria se estivesse em público, mormente na frente do acusado...  
         O que é admissível durante o julgamento, pois faz parte do equilíbrio entre a publicidade e a imparcialidade do júri, não se deve admitir durante a votação. A platéia já acompanhou a instrução, ouviu os argumentos e presenciou a produção da prova. Não há razão para manter-se presente durante a votação. Público é o julgamento, mas não necessariamente o momento em que o juiz se retira para meditar e dar seu veredicto”.
         O jurista e Desembargador Adriano Marrey[2], Alberto Silva Franco e Rui Stoco perfilham a mesma linha de entendimento de Guilherme Nucci ao sustentar o seguinte:
         “ A forma sigilosa, ou secreta, da votação decorre da necessidade de resguardar-se a independência dos jurados....Devem, consequentemente , os jurados ver-se cercados das mais sérias precauções , a fim de que decidam com independência e imparcialidade, livres de quaisquer pressões, da ameaça de violência física, resultante de coação, ou violência moral, que se traduz, muitas vezes – numa, e noutra hipóteses – pela presença ostensiva e ameaçadora dos parentes da vítima, ou amigos do réu... Daí ser-lhes garantida a possibilidade de votar  em recinto especial, na sala secreta, sem a presença do público...”
         Como se infere, os fundamentos são sérios e impressionam pela necessidade de se resguardar a imparcialidade do julgamento, contando ainda com a adesão de vários juristas de escol[3], todavia, entendo que o tribunal do júri necessita democratizar-se,  amoldando-se aos princípios constitucionais do nosso Estado Democrático de Direito, principalmente, com o princípio da publicidade descrito no inc. IX do art. 93 da CF enunciado nos seguintes termos:
         Art. 93 – omissis
         .....
         IX – Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;
         Como se dessume, o constituinte não inseriu palavras inúteis no preceito legal, ou seja, o tribunal do júri, como instituição soberana e competente para julgar os crimes dolosos contra a vida,[4] e a publicidade do seu momento culminante é fundamental para emprestar transparência ao julgamento, permitindo uma maior fiscalização dos jurisdicionados e concretização do preceito legal acima referido. Não podemos, por antecipação e por meras conjecturas, imaginar que a presença do acusado, e dos seus parentes, bem como de parentes da vítima, exercerão influência no ânimo dos jurados, comprometendo assim, a própria imparcialidade do julgamento. Não podemos divagar no mundo das abstrações, mas devemos trilhar no mundo dos fatos, observando o fenômeno concretamente para se adotar a medida mais adequada que preserve a imparcialidade dos jurados. Na verdade, não é a sala secreta que vai preservar o jurado, pois se o jurado se sentir intimidado de alguma forma, será pela presença do acusado ou dos familiares deste e da vítima durante todo o julgamento,  e não pela presença deste na votação em sessão pública,  considerando que nem mesmo o sigilo do voto era assegurado em sua plenitude na legislação anterior a Lei nº 11.689/2008, pois se ocorresse unanimidade na votação o voto seria revelado. O juiz, como corregedor permanente do processo, deve adotar todas as providências para manter a ordem, determinando o afastamento do público e do acusado em relação ao local da votação, ou mesmo limitando o número de pessoas no plenário, tudo no sentido de permitir que os jurados, sob o olhar fiscalizatório dos jurisdicionados, votem com serenidade e imparcialidade, advertindo a platéia de antemão que qualquer manifestação, gracejo, ensejará a retirada do provocador do recinto. Caso persista a perturbação, o juiz então , no sentido de atender ao interesse público, determinará que a votação se dê na sala secreta com a presença do Ministério Público e do defensor do acusado, assegurando-se assim a tranquilidade do ambiente e, consequentemente, a imparcialiade do julgamento. Essa posição é compartilhada por vários juristas respeitáveis, como Lênio Streck, Antonio Scarance Fernandes, James Tubenclak, René Ariel Dotti[5] , dentre outros.    O Jurista Lênio Streck [6]explicita:
         “ Sem dúvida , para maior participação popular e pela democratização  da instituição, urge que se dê maior transparência ao Tribunal do Júri, abolindo-se a sala secreta.(...) Ora, ao cuidar das votações dos quesitos, a Constituição determinou que se mantenha o sigilo das votações, ou seja, cada jurado responderá o quesito de forma sigilosa, e não o sigilo na votação. A diferença é significativa, pois sigilo das votações é equivalente a voto secreto, e sigilo na votação corresponde à sessão secreta...”
         Nessa mesma linha de pensamento o jurista Antonio Scarance Fernandes[7] preleciona:
         “ Trata-se de garantia relevante e que assegura a transparência da atividade jurisdicional, permitindo ser fiscalizada pelas partes e pela própria comunidade. Com ela são evitados excessos ou arbitrariedades no desenrolar da causa, surgindo, por isso, a garantia como reação aos processos secretos, proporcionando aos cidadãos a oportunidade de fiscalizar a distribuição da justiça”.
         Deduz-se, portanto, que o sigilo do voto é que deve ser preservado como cláusula pétrea, inclusive, na sua plenitude, como  permite o sistema francês que autoriza o encerramento da votação após alcançar o 4º voto unânime, seja no sentido de condenar ou absolver o acusado, mantendo-se assim absolutamente o sigilo do voto, o que felizmente acabou sendo adotado pela Lei nº 11.689/2008. De que adiantaria  manter a sala secreta se a unanimidade de votos acabava revelando o voto de cada jurado? É bem de ver que a sala secreta é uma reminiscência dos terríveis julgamentos secretos e não tem sustentação no âmbito de um Estado Democrático de Direito que prima pela publicidade dos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário. No Congresso Nacional o sigilo do voto de cada parlamentar é assegurado, entretanto, a sessão é pública. Com efeito, com a extinção da sala secreta, O juiz-presidente poderia se valer de várias medidas simples, como v.g., a colocação de uma divisória transparente de vidro, separando os jurados da platéia, com a adoção de outras medidas de segurança, tudo no sentido de preservar o sigilo do voto e revestir as decisões prolatadas no Tribunal do Júri de maior transparência e legitimidade, aperfeiçoando assim, essa  importante instituição democrática. O sigilo deve ser do voto de cada jurado, e não do julgamento, cuja sessão deve ser públicia e, portanto, acessível aos olhos fiscalizatórios dos jurisdicionados.
MARCOS BANDEIRA


[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Júri Princípios Constitucionais. Pp 166/167
[2] Marrey, Adriano; Franco, Alberto Silva; Stoco Ruy. Teoria e Prática do Júri pp. 370
[3] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal .pp 580. Preleciona o saudoso jurista: “ Nas Comarcas em que existem salas próprias para a votação ( “sala secreta”), é nesta que deve se reunir o júri, conforme se dispõe expressamente no parágrafo único do art. 481. O sigilo das votações não colide com o julgamento público que a Constituição Federal impõe, já que permite  “ se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e as seus advogados, ou somente a estes”(art. 93, IX, in fine. A própria natureza do júri impõe proteção aos jurados e tal proteção se materializa por meio do sigilo indispensável em suas votações, garantia também constitucional( art. 5º, XXXVIII, b, da CF).
[4] - Art. 5º, XXXVIII, "c" e "d" da CF/88.
[5] Tribunal do Júri – contradições e soluções.pp 119. diz o saudoso magistrado fluminense: “ Todos os julgamentos do Poder Judiciário são públicos e que o princípio da publicidade só poderia sofrer limitações quando em função da defesa da intimidade e diante da exigência do interesse público, o que não acontece no júri...Não há como confundir “voto secreto” com “sala secreta”. Salienta que a abolição da sala secreta trará “plena transparência do julgamento, afastando-se possíveis especulações maledicentes dos circunstantes, em torno  das ocorrências na sala secreta”.
O jurista René Ariel Dott citado por Guilherme Nucci na obra citada pp. 168/169 teria apresentado anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal, no qual defende a supressão da sala secreta, sustentando que o processo do júri não são autos de violência, mas o julgamento de um ser humano e o ato de votação em público é a fotografia do eleitor, sem descobrir o seu voto”.
 
[6] Ob. cit. pp. 146
[7] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. pp

Nenhum comentário:

Postar um comentário