ABOLIÇÃO DA SALA SECRETA
NO TRIBUNAL DO JÚRI
O assunto é polêmico e bastante discutido na
doutrina, atraindo tanto argumentos favoráveis quanto contrários à supressão da
sala secreta no Tribunal do Júri. Os fundamentos contrários à abolição da sala
secreta impressionam a prima facie e se apóiam basicamente na possibilidade
concreta de influência que a platéia e o acusado podem exercer sobre a formação
do convencimento dos jurados, afetando a imparcialidade do julgamento,
considerando que os mesmos não gozam das mesmas garantias do juiz togado. O
jurista Guilherme Nucci[1]
posiciona-se contrário à supressão da sala secreta e justifica:
“
Certamente conhecedor das características inerentes ao tribunal popular , em
especial a ausência de garantias aos jurados, sua inexperiência e falta de
conhecimento técnico, quis o constituinte assegurar que o julgamento fosse o
mais imparcial possível, espelho fiel da soberania do colegiado. Para tanto,
firmou preceito no sentido de que a votação do Conselho de Sentença seja
sigilosa, embora o julgamento transcorra em público...O jurado precisa
sentir-se seguro para meditar e votar, quando convocado a fazê-lo pelo juiz
presidente, o que jamais aconteceria se estivesse em público, mormente na
frente do acusado...
O que é admissível durante o julgamento, pois faz parte do
equilíbrio entre a publicidade e a imparcialidade do júri, não se deve admitir
durante a votação. A platéia já acompanhou a instrução, ouviu os argumentos e
presenciou a produção da prova. Não há razão para manter-se presente durante a
votação. Público é o julgamento, mas não necessariamente o momento em que o
juiz se retira para meditar e dar seu veredicto”.
O jurista e Desembargador Adriano Marrey[2],
Alberto Silva Franco e Rui Stoco perfilham a mesma linha de entendimento de
Guilherme Nucci ao sustentar o seguinte:
“ A forma sigilosa, ou secreta, da votação decorre da
necessidade de resguardar-se a independência dos jurados....Devem,
consequentemente , os jurados ver-se cercados das mais sérias precauções , a
fim de que decidam com independência e imparcialidade, livres de quaisquer
pressões, da ameaça de violência física, resultante de coação, ou violência
moral, que se traduz, muitas vezes – numa, e noutra hipóteses – pela presença
ostensiva e ameaçadora dos parentes da vítima, ou amigos do réu... Daí ser-lhes
garantida a possibilidade de votar em
recinto especial, na sala secreta, sem a presença do público...”
Como se infere, os fundamentos são sérios e impressionam
pela necessidade de se resguardar a imparcialidade do julgamento, contando
ainda com a adesão de vários juristas de escol[3],
todavia, entendo que o tribunal do júri necessita democratizar-se, amoldando-se aos princípios constitucionais
do nosso Estado Democrático de Direito, principalmente, com o princípio da
publicidade descrito no inc. IX do art. 93 da CF enunciado nos seguintes
termos:
Art. 93 – omissis
.....
IX – Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo
a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados
atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;
Como se dessume, o constituinte não inseriu palavras
inúteis no preceito legal, ou seja, o tribunal do júri, como instituição soberana e competente para julgar os crimes dolosos contra a vida,[4]
e a publicidade do seu momento culminante é fundamental para emprestar
transparência ao julgamento, permitindo uma maior fiscalização dos
jurisdicionados e concretização do preceito legal acima referido. Não podemos,
por antecipação e por meras conjecturas, imaginar que a presença do acusado, e
dos seus parentes, bem como de parentes da vítima, exercerão influência no
ânimo dos jurados, comprometendo assim, a própria imparcialidade do julgamento.
Não podemos divagar no mundo das abstrações, mas devemos trilhar no mundo dos
fatos, observando o fenômeno concretamente para se adotar a medida mais
adequada que preserve a imparcialidade dos jurados. Na verdade, não é a sala
secreta que vai preservar o jurado, pois se o jurado se sentir intimidado de alguma
forma, será pela presença do acusado ou dos familiares deste e da vítima
durante todo o julgamento, e não pela
presença deste na votação em sessão pública,
considerando que nem mesmo o sigilo do voto era assegurado em sua
plenitude na legislação anterior a Lei nº 11.689/2008, pois se ocorresse unanimidade na votação o voto seria revelado. O juiz,
como corregedor permanente do processo, deve adotar todas as providências para
manter a ordem, determinando o afastamento do público e do acusado em relação
ao local da votação, ou mesmo limitando o número de pessoas no plenário, tudo
no sentido de permitir que os jurados, sob o olhar fiscalizatório dos
jurisdicionados, votem com serenidade e imparcialidade, advertindo
a platéia de antemão que qualquer manifestação, gracejo, ensejará a retirada do
provocador do recinto. Caso persista a perturbação, o juiz então , no sentido
de atender ao interesse público, determinará que a votação se dê na sala
secreta com a presença do Ministério Público e do defensor do acusado,
assegurando-se assim a tranquilidade do ambiente e, consequentemente, a
imparcialiade do julgamento. Essa posição é compartilhada por vários juristas
respeitáveis, como Lênio Streck, Antonio Scarance Fernandes, James Tubenclak,
René Ariel Dotti[5]
, dentre outros. O Jurista Lênio
Streck [6]explicita:
“ Sem dúvida , para maior
participação popular e pela democratização
da instituição, urge que se dê maior transparência ao Tribunal do Júri,
abolindo-se a sala secreta.(...) Ora, ao cuidar das votações dos quesitos, a
Constituição determinou que se mantenha o sigilo das votações, ou seja, cada
jurado responderá o quesito de forma sigilosa, e não o sigilo na votação. A
diferença é significativa, pois sigilo das votações é equivalente a voto
secreto, e sigilo na votação corresponde à sessão secreta...”
“ Trata-se de garantia relevante e
que assegura a transparência da atividade jurisdicional, permitindo ser
fiscalizada pelas partes e pela própria comunidade. Com ela são evitados
excessos ou arbitrariedades no desenrolar da causa, surgindo, por isso, a
garantia como reação aos processos secretos, proporcionando aos cidadãos a
oportunidade de fiscalizar a distribuição da justiça”.
Deduz-se, portanto, que o sigilo do
voto é que deve ser preservado como cláusula pétrea, inclusive, na sua
plenitude, como permite o sistema
francês que autoriza o encerramento da votação após alcançar o 4º voto unânime,
seja no sentido de condenar ou absolver o acusado, mantendo-se assim absolutamente
o sigilo do voto, o que felizmente acabou sendo adotado pela Lei nº
11.689/2008. De que adiantaria manter a
sala secreta se a unanimidade de votos acabava revelando o voto de cada jurado?
É bem de ver que a sala secreta é uma reminiscência dos terríveis julgamentos
secretos e não tem sustentação no âmbito de um Estado Democrático de Direito
que prima pela publicidade dos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário. No
Congresso Nacional o sigilo do voto de cada parlamentar é assegurado,
entretanto, a sessão é pública. Com efeito, com a extinção da sala
secreta, O juiz-presidente poderia se valer de várias medidas simples, como v.g., a colocação de uma divisória transparente de vidro, separando os jurados da platéia, com a adoção de outras medidas de segurança, tudo no sentido de preservar o sigilo do voto e revestir as decisões prolatadas no Tribunal do Júri de maior transparência e legitimidade, aperfeiçoando assim, essa importante instituição democrática. O sigilo deve ser do voto de cada jurado, e não do julgamento, cuja sessão deve ser públicia e, portanto, acessível aos olhos fiscalizatórios dos jurisdicionados.
MARCOS BANDEIRA
[1] NUCCI,
Guilherme de Souza. Júri Princípios Constitucionais. Pp 166/167
[2] Marrey,
Adriano; Franco, Alberto Silva; Stoco Ruy. Teoria e Prática do Júri pp. 370
[3]
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal .pp 580. Preleciona o saudoso jurista:
“ Nas Comarcas em que existem salas próprias para a votação ( “sala secreta”),
é nesta que deve se reunir o júri, conforme se dispõe expressamente no
parágrafo único do art. 481. O sigilo das votações não colide com o julgamento
público que a Constituição Federal impõe, já que permite “ se o interesse público o exigir, limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e as seus advogados, ou
somente a estes”(art. 93, IX, in fine. A própria natureza do júri impõe
proteção aos jurados e tal proteção se materializa por meio do sigilo
indispensável em suas votações, garantia também constitucional( art. 5º, XXXVIII,
b, da CF).
[4] - Art. 5º, XXXVIII, "c" e "d" da CF/88.
[5] Tribunal
do Júri – contradições e soluções.pp 119. diz o saudoso magistrado fluminense:
“ Todos os julgamentos do Poder Judiciário são públicos e que o princípio da
publicidade só poderia sofrer limitações quando em função da defesa da
intimidade e diante da exigência do interesse público, o que não acontece no
júri...Não há como confundir “voto secreto” com “sala secreta”. Salienta que a
abolição da sala secreta trará “plena transparência do julgamento, afastando-se
possíveis especulações maledicentes dos circunstantes, em torno das ocorrências na sala secreta”.
O jurista René Ariel Dott citado por Guilherme Nucci
na obra citada pp. 168/169 teria apresentado anteprojeto de reforma do Código
de Processo Penal, no qual defende a supressão da sala secreta, sustentando que
o processo do júri não são autos de violência, mas o julgamento de um ser
humano e o ato de votação em público é a fotografia do eleitor, sem descobrir o
seu voto”.
[6] Ob. cit.
pp. 146
[7]
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. pp
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