Adolescentes devem começar a trabalhar mais cedo? A maioridade penal deve ser reduzida? Casais homoafetivos devem adotar crianças? Pais devem ter direito à licença parental? Usuários de drogas devem ser internados contra sua vontade? Estas são algumas das questões relativas à infância e adolescência que estão sendo debatidas pelo Congresso Nacional atualmente. Deputados e senadores têm em suas mãos diversos projetos que modificam, ampliando ou restringindo, os direitos das crianças e dos adolescentes.
Para acompanhar as propostas e incidir no debate, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) realizou um levantamento dos projetos que estão tramitando no Congresso e, em conjunto com outras organizações, determinou 95 iniciativas que devem ser acompanhadas de perto. “Há importantes proposições que promovem e ampliam direitos e garantias, mas, por outro lado, há uma agenda de debates profundamente regressiva”, explica o advogado e pesquisador Salomão Ximenes, que foi consultor da “Agenda Propositiva para Crianças e Adolescentes no Congresso Nacional”, publicação do INESC.
Entre os 95 projetos para acompanhamento, há 23 considerados prioritários por possuírem grande adesão parlamentar ou por terem grande impacto sobre os direitos. Para Márcia Acioli, assessora política do INESC, “hoje temos um forte movimento em favor de alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), restringindo direitos”. Já Ximenes destaca que os projetos que retiram direitos, sobretudo em relação ao adolescente infrator e ao trabalho, “estão desconectados de tudo o que foi acumulado em termos de conhecimento sobre o tema”.
Maiores riscos
No levantamento da Agenda Propositiva, destacam-se as iniciativas que buscam reduzir a idade penal. São dois projetos, um na Câmara e outro no Senado, que buscam modificar a maioridade penal para os 16 anos. E um terceiro projeto que abre exceção para que, em algumas situações, um adolescente entre 16 e 17 possa ser julgado como um adulto.
Ximenes critica as iniciativas e afirma que elas “respondem a uma visão restrita, arcaica e estigmatizada, que vê o Direito unicamente como repressão conservadora aos adolescentes pobres e, em geral, não-brancos”. Para Márcia, essas propostas estão dentro de um debate que “não discute a lógica do Estatuto, nem as condições da medida socioeducativa, mas a redução da idade penal como única alternativa para conter a violência, que é um fenômeno complexo de múltiplas causas”. Para Ximenes, “todas essas propostas precisam ser analisadas também sob o enfoque de sua inconstitucionalidade, uma vez que propõem retroagir em garantias irrevogáveis da Constituição”, explica.
Flexibilização e entrada no mercado de trabalho
Dentro do tema do trabalho, foram identificadas 72 propostas tramitando, sendo 19 de interesse e cinco para acompanhamento. “No campo da profissionalização e da proteção ao trabalho destacam-se as proposições que buscam revisar a idade mínima para o trabalho, sendo que a maior parte das propostas destacadas para monitoramento traz risco de retrocesso”, afirma Ximenes.
O levantamento INESC destaca três propostas que devem ser rejeitas integralmente. Entre elas, estão a Proposta de Emenda à Constituição 18/2011, que permite o trabalho em tempo parcial a partir dos 14 anos (hoje essa permissão não existe, e o trabalho só pode ocorrer com o status de aprendiz), e o Projeto de Lei 352/2008, que busca incluir excepcionalidades para à idade mínima para o trabalho. Para Ximenes, essas propostas “contramão de todo o debate sobre formação profissional e proteção à infância e adolescência, e são fruto de uma visão arcaica e, em alguma medida, preconceituosa, que busca resgatar uma mítica função formativa do trabalho precoce, sobretudo para as classes populares”.
Outras iniciativas buscam garantir cotas de vagas de trabalho e aprendizagem para adolescentes a partir dos 15 e 16 para situações específicas, como em obras ligadas aos megaeventos. O estudo sugere que sejam realizadas modificações, como condição para a aprovação do projeto. “Seria necessário tirar o foco dessas ocasiões específicas e voltá-lo para a necessidade de estabelecer políticas universais de garantia de direitos ao trabalho valorizado”,analisa o advogado.
Fora de foco
Ximenes é incisivo ao analisar a atuação dos parlamentares: “os defensores de retrocessos legislativos são incapazes de analisar criticamente a realidade e de ouvir efetivamente a sociedade civil e o campo acadêmico sobre suas propostas de reforma institucional, que preserve as garantias do ECA ao mesmo tempo que amplia os direitos nele previstos, afinal,há muitíssimo que avançar no Brasil”.
Já Márcia aponta a relação dos parlamentares com forças conservadoras da sociedade e acredita vê como equivocadas as iniciativas. “Hoje a nossa maior preocupação deveria ser com as vidas dos jovens de periferia que têm sido exterminados pela violência urbana e, ironicamente, são apontados como algozes quando estão morrendo por causas externas”, pontua.
FONTE: Pró-Menino
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