Nada acontece por acaso
Sônia Carvalho de Almeida Maron*
Lamentável,
sob todos os aspectos, a manifestação das arquibancadas do Itaquerão dirigida à
presidente do Brasil na cerimônia de abertura da Copa do Mundo. Embora as vaias
e aplausos sejam normalidade nos estádios de futebol, surpreendeu a forma como
foi traduzida, ou seja, um coro de palavras chulas, que a imprensa tradicional
omitiu registrando apenas o fato, enquanto os vídeos das redes sociais
divulgaram em áudio e a cores... Agrade ou não, erre ou acerte, Dilma Rousseff comanda
um dos poderes constituídos, figura entre os estadistas que decidem o destino
da América Latina e do mundo como um todo. Como se não bastasse, é a guardiã da
liturgia do cargo e de todos os valores morais e éticos que servem de bússola
ao governante de um país civilizado. Esta primeira análise é inquestionável.
Ocorre, no entanto, que nada acontece por acaso, do mesmo modo que não existe
crime sem motivo.
Exercitando
a memória, voltemos ao passado recente dos primeiros dias de governo do líder
do partido da presidente Dilma, seu mentor e padrinho. O ex-sindicalista, já
investido no honroso cargo de presidente da República Federativa do Brasil,
compareceu a uma cerimônia pública em São Bernardo do Campo e colocou na cabeça
o boné padronizado do MST, recebido das mãos de um dos ativistas. Ninguém
ignora que o movimento reivindica seus direitos praticando atos de vandalismo
contra a propriedade pública e privada, como são exemplos a invasão do
Congresso Nacional e empresas como a VALE, sem falar em invasões de incontáveis
instituições públicas e propriedades rurais “agraciadas” por visitas dos “sem
terra” e crimes contra a pessoa. Esse foi o pontapé inicial para sacramentar
simbolicamente, o apoio aos atos ilegais praticados pelos integrantes do
movimento que se mantém com verba de órgãos federais, vale dizer, do nosso bolso.
Em contrapartida, não existe notícia da prometida reforma agrária.
A
sucessão de atos incompatíveis com o exercício digno e democrático do poder
culminaram com o escancarado desrespeito aos poderes legislativo e judiciário,
desmoralizando o primeiro e fragilizando o segundo, última trincheira que o
cidadão dispõe no estado democrático para defesa e preservação dos seus
direitos. O espaço restrito que um jornal dispõe para seus colaboradores não
permite elencar todos os desmandos, provas irrefutáveis de corrupção, destruição
de valores éticos e morais, uma constante na administração pública brasileira
atual. O mais engraçado é que o ex-presidente não sabia de nada e mal conhecia
o chefe da Casa Civil e outros colaboradores, conforme suas declarações na
imprensa de países vizinhos, logo após o julgamento, pelo STF, da ação penal
que ficou conhecida como “mensalão”. Coincidentemente a presidente atual também
não tinha conhecimento dos detalhes referentes à compra da refinaria de
Pasadena, apesar de integrar a comissão. E lá se foi a Petrobras, a joia da
coroa... A solução encontrada foi a propaganda televisiva maciça do lado “cor
de rosa” da empresa estatal, na tentativa frustrada de apagar mais um
escândalo. Até mesmo o povão das “bolsas” e “minha casa minha vida” está
enxergando a manipulação de suas consciências e não aceita a sugestão do
ex-presidente no sentido de que o transporte no lombo de um jegue pode muito
bem substituir o metrô, para alcançar as “arenas” nos jogos da Copa do Mundo. O
povão sabe muito bem que a pessoa que lhe oferece o meio de mobilidade urbana
usada pelo menino Jesus, usa jatinhos e carros blindados.
Em
verdade, a vaia não partiu da elite. Naquele momento, aqueles que conseguiram
adquirir o ingresso de preço proibitivo ao povo do salário mínimo,
representavam o cidadão brasileiro que perdeu a paciência, não acredita mais
que foi o PT quem descobriu o Brasil e esgotou a última gota de tolerância com o
discurso maniqueísta e bolorento “nós somos o bem, eles são o mal”. Além do
mais, o patrão da presidente vaiada (estrategicamente desaparecido e jogando a
pupila às feras) cometeu um erro gravíssimo: tentou preparar uma “batida”
misturando futebol e política em ano de eleição. Futebol é paixão nacional e
contagia o mundo inteiro. É alegria, emoção, mistura de confraternização e
disputa no tapete verde dos estádios, à vista de todos. Nossos craques são
cidadãos do mundo, suam a camisa para fazer jus aos salários milionários. Nesse
clima de glória, chuteiras douradas e euforia, os políticos são intrusos e
indesejáveis quando a rejeição já restou provada em pesquisas de opinião. Ao
herói do momento, que tem o nome de Júlio Cesar, toda honra e toda glória, até
o fim da Copa, AMÉM!
A
Copa do Mundo vai seguindo “com o coração batendo a mil” e o cerimonial da FIFA
exige a presença dos reis e presidentes no encerramento, cumprindo o ritual de
entrega da taça ao vencedor. A presidente Dilma “acredita” que invocando os
ORIXÁS da Bahia, aos quais pediu a bênção na convenção do seu partido (segundo
divulgação do seu pronunciamento pelo jornal A TARDE), conseguirá a proteção
desejada. Acontece que sou baiana. Posso afirmar que nosso sincretismo
religioso, apesar de tolerante e magnânimo, não aceita adesões de última hora,
até porque nossos ORIXÁS estão muito ocupados com os pedidos dos seus filhos da
Bahia.
* A autora é magistrada do Tribunal de Justiça da Bahia, ex-professora da UESC e presidente da Academia de Letras de Itabuna.
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