sexta-feira, 11 de julho de 2014

O JUDICIÁRIO DO SÉCULO XXI E O NOVO PAPEL DO JUIZ

O JUDICIÁRIO DO SÉCULO XXI E O NOVO PAPEL DO JUIZ.



MARCOS BANDEIRA: Juiz da Vara da Infância e Juventude de Itabuna, professor de Direito da UESC, especialista em Processo Civil e Ciências Criminais, mestrando em Segurança Pública, Justiça e Cidadania e doutorando em Direitos Humanos pela Universidad Nacional Lomas de Zamorra, Argentina.


RESUMO

Este artigo mostrará em rápidas pinceladas toda a evolução histórica da corrente filosófica denominada positivismo jurídico, retratando a supremacia exercida pelos poderes legislativo e executivo ao longo do tempo, e o surgimento de uma nova corrente filosófica-jurídica denominada provisoriamente de “pós-positivo”, a qual é caracterizada pela reaproximação da ética do Direito, com a valoração dos princípios e dos postulados da justiça como elementos normativos, exigindo, sobretudo, um Poder Judiciário pro-ativo e  um novo juiz sintonizado com o seu tempo diante dos enormes desafios provocados pelo mundo das incertezas. Estamos no mundo da ética, do direito e do respeito intransigente aos direitos fundamentais do cidadão.
PALAVRAS CHAVES:  positivismo, ética, direito, princípios, justiça, juiz, direitos, filosófica, corrente.

RESUMEN

Este artículo le mostrará a grandes rasgos a través de la evolución histórica del movimiento filosófico conocido como el positivismo jurídico, que representa la supremacía ejercida por los poderes legislativo y ejecutivo, con el tiempo, y el surgimiento de una nueva corriente jurídico-filosófica provisionalmente llamado "post-positivo", el que se caracteriza por el acercamiento de la ética de la ley, a los principios de valoración y los principios de la justicia y los elementos normativos, lo que requiere ante todo un poder judicial pro-activa y un nuevo juez en sintonía con su tiempo en los enormes retos que plantea el mundo incertidumbres. Estamos en el mundo de la ética, el derecho y los derechos fundamentales sin concesiones de la cuestión ciudadana.

PALABRAS CLAVE: positivismo, la ética, el derecho, los principios, la justicia, juez, derechos, corriente,  filosófica. A tradução está melhor que o original?
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“ Se o Direito Liberal do século XIX foi o do Poder Legislativo, o direito material do Estado-Providência do Século XX foi o do Executivo, o que se anuncia poderá ser o do juiz” ( Antoine Garapon).

1. INTRODUÇÃO
 É conhecido o velho axioma jurídico de Georges Ripert que “ Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito”. Com efeito, a vida social é dinâmica e mutável. Se a segurança jurídica em tempos de  antanho era um valor absoluto, diante da necessidade de o Estado controlar o Poder e assim manter o “status quo”, hoje esse valor encontra-se relativizado, pois estamos no mundo das incertezas, provocado pela velocidade da informação, pela redescoberta da Justiça e da ética e sua aproximação com o mundo do Direito. As leis já não são suficientes para resolver todos os fenômenos sociais. O mundo acrítico do “ pacta Sun servanda” nos contratos bilaterais, onde o contrato( justiça privada) fazia lei entre as partes, mesmo que fosse para coonestar manifesta ilegalidade e injustiça, deu lugar ao mundo dos valores, dos princípios gerais, enfim, da função social e crítica dos contratos.O Direito patrimonialista do Estado Liberal e do bem-estar-social sucumbiu e deu lugar ao Estado Democrático de Direito, no qual o ser humano passou a ser o destinatário final das normas. A dignidade da pessoa humana passa a ser o princípio-farol de todo o ordenamento jurídico. Estamos na era de um novo Direito, que exige uma mudança de postura e atitude de todos os operadores do Direito, principalmente, daquele que decide e soluciona os conflitos de interesses, o juiz.
Este artigo mostrará em rápidas pinceladas toda a evolução histórica da corrente filosófica denominada positivismo jurídico, retratando a supremacia exercida pelos poderes legislativo e executivo ao longo do tempo, e o surgimento de uma nova corrente filosófica-jurídica denominada provisoriamente de “pós-positivo”, a qual é caracterizada pela reaproximação da ética do Direito, com a valoração dos princípios e dos postulados da justiça como elementos normativos, exigindo, sobretudo, um Poder Judiciário pro-ativo e  um novo juiz sintonizado com o seu tempo diante dos enormes desafios provocados pelo mundo das incertezas. Estamos no mundo da ética, do direito e do respeito intransigente aos direitos fundamentais do cidadão. O artigo se reveste de relevância, na medida em que além do produto do Direito, mostra a influência filosófica exercia no mundo do Direito Contemporâneo e todas as suas conseqüências .

            2. SÉCULO XIX – O SÉCULO DA SACRALIZAÇÃO DAS LEIS
            Os operadores de Direito, de uma forma geral, foram forjados no âmbito da cultura coimbrã, que sacralizava a devoção às leis. O juiz foi preparado para ser mero aplicador acrítico da lei. O mundo do Direito se limitava ao mundo dos fabricantes das leis, os nossos legisladores. Segundo Dalmo Dallari[1], isso deu no final do século XVIII, até como forma de combater o poder absolutista, substituindo o denominado “governo dos homens” pelo “ governo da lei”, como se pode observar:
            Quando terminou o ciclo das revoluções burguesas, no final do século XVIII, tinha-se como estabelecido o governo das leis, que substituiria o governo dos homens e assim sepultaria o absolutismo...consagrou-se , então, o chamado “ princípio da legalidade”, importante e benéfico enquanto barreira ao poder exercido arbitrariamente, mas negativo e oposto aos ditames da justiça quando concebido, como passou a ser de modo predominante, como fundamento de uma concepção puramente formalista do Direito, considerando não-jurídicas as preocupações com valores éticos e sociais. Esta concepção foi a que prevaleceu na França e teve acolhida em todos os países que, por vários motivos, se filiaram à cultura francesa, entre eles o Brasil.
            Destarte, nesse cenário, segundo Dallari,  as Faculdades de Direito passaram a ser a única fonte de produção do juiz “ escravo da lei” e serviçal passivo dos fabricantes da lei. O axioma a ser seguido era “ fora da lei não há possibilidade de decisão”. O juiz, extremamente legalista e formalista, ignorava por completo eventuais valores éticos, postulados de justiça, exigências sociais e tudo que pudesse conduzir para um resultado justo e equitativo do processo. O que importava era a obediência cega à lei estabelecida.

            3. SÉCULO XX – O SÉCULO DO ESTADO-PROVIDÊNCIA

O Estado social – welfare state – é caracterizado pelo Estado intervencionista e fomentador e executor de políticas públicas, cujo centro das decisões estava no Poder Executivo. A finalidade é intervir para diminuir as desigualdades sociais, erradicar a pobreza, levando o serviço público para os segmentos menos favorecidos da sociedade. Esse desiderato até hoje não foi satisfatoriamente cumprido pelo Estado. O Executivo passa também a legislar através de decretos e medidas provisórias em profusão, ofuscando a função do legislativo, e ferindo muitas vezes regras e princípios constitucionais.  O Poder Judiciário, numa postura positivista e sufocado pelo princípio da legalidade, não imiscuía no ato discricionário do gestor, aferindo apenas o aspecto da legalidade formal do ato administrativo vinculado. Salta aos olhos ao longo do século XX o arbítrio gigantesco do poder executivo, que, de fato, independentemente do regime político adotado em cada país, exercia uma indisfarçável supremacia sobre os demais Poderes do Estado.

            4. O PARADIGMA POSITIVISTA

 Forjou-se então uma concepção inspirada no positivismo filosófico de que poderia criar uma ciência do direito nos moldes das ciências exatas, transformando o  Direto unicamente em normas emanadas do Estado com força coativa suficiente para disciplinar a vida social. Questões relativas à equidade, ética, filosofia e justiça  não interessava ao mundo hermético do direito, sendo portanto temas estranhos ao Direito. A realidade social era disciplinada por regras objetivas, descritivas de determinadas condutas, pretensamente cobrindo todos os fenômenos sociais, e resolvidos matematicamente através da subsunção, através da qual,  a premissa menor(fatos) era enquadrada na premissa maior( lei) e o juiz revelava o sentido da lei, produzindo o resultada da interpretação, sem qualquer poder criativo ou transformador da realidade social, pois simplesmente revelava o conhecimento da lei. A idéia de colocar a matemática como base do pensamento filosófico já vem desde Platão( 427 ou 428 a.C/348 ou 437 a C), como se observa pela palavras do professor de filosofia José Américo Motta Pessanha[2], que afirma o seguinte:
            A matemática é, para Platão, a base do pensamento filosófico. Filosofar é procurar pensar para além da matemática, é fazer  metamatemática. No pórtico da Academia estava escrito: “ Aqui não entre quem não sabe geometria”. E, de fato, é frequentemente com recursos inspirados na matemática que Platão procurar ir além das posições assumidas por Sócrates, para poder dar combate mais efetivo ao relativismo dos sofistas, os quais afirmavam que não há verdade, mas apenas opiniões circunstanciais e relativas.
 O insigne constitucionalista, Luiz Roberto Barroso[3] assinala com maestria:
             O positivismo filosófico foi fruto de uma crença exacerbada  no poder do conhecimento científico. Sua importação para o direito resultou no positivismo jurídico, na pretensão de criar-se uma ciência jurídica, com características análogas às ciências exatas e naturais. A busca de objetividade científica , com ênfase na realidade observável e não na especulação filosófica, apartou o direito da moral e dos valores transcendentes. O Direito é norma, ato emanado do Estado com caráter imperativo e força coativa. A ciência do Direito, como todas as demais , deve fundar-se em Juízos de fato, que visam ao conhecimento da realidade, e não em Juízos de valor, que representam uma tomada de posições diante da realidade. Não é no Direito que se deve travar a discussão acerca de questões como legitimidade e justiça.
                O positivismo jurídico serviu ideologicamente como importante mecanismo para manter as estruturas do poder estabelecido. Qualquer discussão sobre justiça esbarrava no poder da positivação da norma. Essa corrente filosófica separou a ética do Direito, preocupando apenas com a observância das normas de condutas impostas pela autoridade do Estado. O jusfilósofo Paulo Dourado de Gusmão[4] discorrendo sobre o assunto assim prelecionou:
            Acreditamos que juristas, intelectuais e até mesmo o homem comum pensam e esperam que o Direito seja a expressão da justiça, reagindo( revoltando-se mesmo) quando os Tribunais decidem “ injustamente”, apesar de fazê-lo bom base na lei. Exigência que corresponde a um sentimento natural ao homem, não levado em conta na definição do direito formulada pelos positivistas.
            Assim aconteceu com o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália, onde se invocavam o cumprimento e a obediência cega à lei, como forma eficaz de manter a estabilidade e autoridade do Estado.  Ao fim da segunda guerra mundial, com a derrocada do fascismo e do nazismo, com a gritante  violação de direitos fundamentais de cidadãos e, o que é pior e trágico, a morte de milhares de pessoas inocentes,  o positivismo vai apresentando sinais de esgotamento, com  surgimento de uma nova concepção do Direito, na qual a ênfase estava na valorização dos princípios e na reaproximação dos valores e da ética do Direito.

            5. SÉCULO XXI- O SÉCULO DA JUSTIÇA

            Exsurge o Estado Democrático de Direito, cujo centro do poder decisório está no Poder Judiciário, em face da inércia dos poderes legislativos na formulação das leis e do Poder Executivo na execução das políticas públicas. Impõe-se enfatizar que o Poder Judiciário não substitui o executivo, pois não faz e nem executa Políticas Públicas, apenas supre a omissão, regulamentando e adequando a execução dessa política Pública aos postulados extraídos da Constituição Federal. Nesse sentido, é lapidar a lição de Lenio Strec[5], senão vejamos:
             É claro que o Judiciário não faz e não fará políticas públicas. Aliás nesse sentido devemos desmitificar  algumas idéias que se propagam a respeito do direito e das políticas públicas. Com efeito, política pública é um problema de ação do Poder executivo. O que o Direito pode fazer é regulamentar a execução dessas políticas e é nesse âmbito regulatório que o Judiciário pode intervir. Isso por um motivo muito simples: o Judiciário jamais poderá executar uma política pública pelos simples fato de que ele não tem a “chave do cofre.
            Essa mudança de paradigma com o foco das tensões e conflitos sociais voltado para o Poder Judiciário, como grande solucionador dos problemas sociais não passou despercebido pelo jurista Lenio Streck[6] na sua obra já citada, quando afirma categoricamente:
            As facetas ordenadora ( Estado Liberal de Direito) e promovedora ( Estado Social de  Direito) , o Estado Democrático de Direito agrega um plus( normativo-qualitativo), representado por sua função nitidamente transformadora, uma vez que os textos constitucionais passam a institucionalizar um “ideal de vida boa”, a partir do que pode denominar de co-originalidade entre Direito e Moral( Habermas).
            A seguir o mesmo autor [7]arremata demonstrando a crescente importância nos dias atuais da autonomia do Direito e da importância das decisões dos Juízes e Tribunais, senão vejamos:
            Não se pode olvidar, nesse sentido, que a questão da autonomia do direito está relacionada coma (in) compatibilidade “democracia-constitucionalismo” e com o crescente deslocamento do pólo de tensão da relação entre a legislação e a jurisdição em direção a esta última. Não é demais referir, nessa altura, que a autonomia adquirida pelo direito implica o crescimento da constitucionalidades das leis,  que é fundamentalmente contramajoritário.Mas, se diminui o espaço de poder da vontade geral e se aumenta o espaço de jurisdição(contramajoritarismo), parece evidente que, para a preservação dessa autonomia do direito, torna-se necessário implementar mecanismos de controle daquilo que é o repositório do deslocamento do pólo de tensão da legislação para a jurisdição: as decisões judiciais.
            É evidente que o método de interpretação dos princípios constitucionais que Ronald Dworkin denominou de leitura moral da Constituição influenciou bastante na consolidação deste novo paradigma. Essa teoria exige que o intérprete  se desprenda do seu contexto histórico originário , no sentido de que seja aplicada a casos concretos específicos, extraindo o máximo dos princípios morais abstratos, numa espécie de interpretação constitucional permanente e renovada. Ronald Dworkin[8] explicita:
            A leitura moral lhes pede que encontrem a melhor concepção dos princípios morais constitucionais – a melhor compreensão, por exemplo, de o que realmente significa a igualdade moral dos homens e das mulheres – que se encaixa no conjunto da história norte-americana. Não lhe pede que sigam os ditames de sua própria consciência ou as tradições de sua própria classe ou partido.
            Assinala ainda Dworkin[9] sobre a leitura moral da Constituição que “ é uma teoria acerca de o que a Constituição significa, e não acerca de quem deve nos dizer o que ela significa”. Destarte, essa nova hermenêutica consolida o direito como agente transformador da sociedade, e a Justiça como grande agente transformador. Não mais  devendo o interprete simplesmente desvelar o sentido fechado do texto, mas dar um novo sentido ao texto diante de um caso concreto novo, de um contexto histórico diferente. É lapidar a lição de Lênio Streck[10] sobre o tema, como se pode observar:
             Por tudo isto, o processo hermenêutico deve ser um devir. Interpretar é dar sentido. O que é dar sentido? “ é construir sítios de significância( delimitar domínios), é tornar possíveis gestos de interpretação”. Para tanto, ‘ nenhum intérprete pode pretender estar frente ao texto normativo livre de pré-compreensões, pois isto equivaleria a estar fora da história e a fazer  emudecer a norma”, sendo que “ a norma é muda enquanto não for interrogada, reclamada e trazida a um presente espaço-temporal, de onde há de mostrar as suas potencialidades”.Somente então será compreendida em seu “ sentido”.
            6. O PARADIGMA PÓS-POSITIVISTA

            Esta concepção se caracteriza pela centralidade dos princípios constitucionais, com a relação de um sistema aberto de princípios e regras, edificada sob o princípio da dignidade da pessoa humana e dos demais direitos fundamentais do cidadão. O Direito deve ser entendido como forma de transformação do meio social ( substancialismo), devendo o juiz construir a decisão em cada caso concreto,  numa perspectiva principiológica e de hermenêutica constitucional.O juiz, visualizado agora, não como um cego aplicador da lei, mas um intérprete, um julgador, capaz de escolher a decisão mais correta ou justa em cada caso concreto à luz dos princípios e regras constitucionais. O insigne jurista Luís Roberto Barroso[12] explicita com maestria esse novo paradigma do pós-positivista, como se pode observar:
            O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações  entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica  constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.
            Nesse sentido, Lenio Streck[13] se vale da lição de Gadamer para afirmar que no paradigma  do pós-positivismo “ Gadamer  nos ensinou que interpretar a lei é uma ato produtivo e não reprodutivo, mostrando a superação da hermenêutica clássica pela hermenêutica filosófica”. é o novo Direito que exige que o juiz moderno exerça o seu poder criativo, acrescentando algo novo na realidade social  toda vez que interpretar o conúbio entre o texto e contexto.
           
           
            7. REGRAS E PRINCÍPIOS

            As regras normalmente são identificadas pela mínima densidade de abstração, já que descreve um comportamento e indica uma conseqüência previsível, ao passo que o princípio possui uma maior densidade de abstração, pois normalmente apenas indicas valores e fins a serem alcançados, devendo, pois, ser sopesado em cada caso concreto. Com efeito, criou-se o entendimento baseado principalmente nas concepções de Ronald Dworkin e de Robert Alexy, de que a regra , por conter o relato objetivo de uma conduta, resolvia pelo critério da subsunção, na modalidade “tudo ou nada” , de sorte que havendo conflito entre duas regras, somente uma será tida como válida. Todavia, no caso de colisão entre princípios, por não descrever a conduta específica, a aplicação seria resolvida  mediante ponderação, cabendo ao intérprete em cada caso concreto atribuir o peso a cada um e indicando o princípio preponderante. Nesse sentido, Luis Roberto Barroso[14] preleciona:
             Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto  delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir, pelo mecanismo tradicional da subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma regra se opera na modalidade “ tudo ou nada”: ou regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese de conflito entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer. Princípios, por sua  vez, contém relatos com maior grau de abstração, não especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes indeterminado, de situações. Em uma ordem democrática , os princípios frequentemente entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá  ocorrer mediante ponderação.
            A evolução da elaboração teórica da interpretação dos princípios e regras já tem superado essas premissas iniciais sustentadas por Dworkin e Robert Alexy, para se entender que em alguns casos a ponderação pode ser aplicada aos conflitos verificados entre regras, sem que necessite declarar a invalidade de uma delas. O juiz, diante do caso concreto, pode criar uma exceção à regra contida no enunciado, ponderando que as razões para aplicar a excepcionalidade são maiores do que as razões para aplicar a regra geral contida no enunciado. Nesse sentido, Humberto Ávila[15] em sua obra “ Teoria dos Princípios” exemplifica e explicita:
             Um regra proíbe a concessão de liminar contra a Fazenda Pública que esgote o objeto litigioso( art. 1º da Lei nº 9.494/97). Essa regra proíbe ao juiz determinar, por medida liminar, o fornecimento de remédios pelos sistema de saúde a quem deles necessitar, para viver. Outra regra, porém, determina que o Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os referidos medicamentos( art. 1º da Lei nº 9.908/93)...Embora essas regras instituam comportamentos contraditórios, uma determinando o que a outra proíbe, elas ultrapassam o conflito abstrato mantendo a sua validade.. o que ocorre é um conflito concreto entre as regras, de tal sorte que o julgador deverá atribuir um peso maior a uma das duas, em razão da finalidade que cada uma delas visa preservar: ou prevalece a finalidade de preservar a vida do cidadão, ou se sobrepõe a finalidade de garantir a intangibilidade  da destinação já dada pelo Poder Público às suas receitas.
            Assim, superando o critério da subsunção, o juiz, como intérprete autêntico e sintonizado com o sistema aberto da hermenêutica constitucional, produz, cria,  na expressão cunhada de Eros Grau[16], a norma em cada caso concreto como processo de interpretação. Preleciona o insgine jurista:
             O intérprete autêntico completa o trabalho do autor do texto normativo; a finalização desse trabalho, pelo intérprete autêntico, é necessária em razão do próprio caráter da interpretação, que se expressa na produção de um novo texto sobre aquele primeiro texto.... Tem de ser assim: porque a interpretação é transformação de uma expressão(texto) em outra( a norma), sustento que o juiz “produz o direito”...Ademais , cumpre desde logo anotar que a norma não é apenas o texto normativo nela transformado, pois ela resulta também do conúbio  entre o texto e os fatos( a realidade)...dizendo-o de outro modo: a interpretação do direito envolve não apenas a declaração do sentido veiculado pelo texto normativo, mas a constituição da norma a partir do texto e dos fatos....é atividade constitutiva, e não meramente declaratória.
            O Juiz, como intérprete, embora reproduza a norma, não pode fazê-lo de forma arbitrária e escondida no subjetivismo, pois sempre estará atrelado ao texto normativo(ponto de partida) e aos fatos, bem como deverá explicitar o trajeto percorrido e as escolhas feitas, tudo devidamente fundamentados. O que se depreende é que não há apenas uma decisão correta – tudo ou nada – todavia, existe mais de uma decisão correta,  e que cabe ao juiz em cada caso, mesmo em se tratando de regras, ponderar se as razões para aplicar a regra são superiores ou não as razões para aplicar a exceção – a exceção que pode estar prevista ou não – naquele caso concreto, no sentido de encontrar a solução que seja mais justa e adequada. Humberto Ávila, na obra já referida, cita o exemplo do taxista que infringe a lei de trânsito para salvar a vida de um passageiro. A conduta prevista na regra se realizou , ou seja, o taxista ultrapassou a velocidade permitida e assim o Estado estaria legitimado a cobrar a multa. Todavia, uma situação excepcional – salvar a vida de alguém – poderia justificar a não aplicação da multa. Essas escolhas fundamentadas deverão ser feitas pelo julgador. É o novo paradigma, que exige do novo juiz sensibilidade e técnica apurada para consultar os valores – justiça, legitimidade, igualdade materail, dignidade, segurança, etc – que devem prevalecer em determinadas situações.
            O novo paradigma exige um novo juiz, como intérprete autêntico,e que seja capaz de  reproduzir a norma em cada situação concreta, manifestando assim, a atividade criativa da atividade jurisdicional. Eros Grau na obra já citada[17], explicita magistralmente:
             O que pretendo também , além de sustentar o caráter olográfico da interpretação do direito, é afirmar que diferentes intérpretes – qual diferentes escultores produzem distintas Vênus de Milo – produzem, a partir do mesmo texto, enunciado ou preceito, distintas normas jurídicas. Parafraseando Kelsen ( 1979: 467), afirmo que dizer que uma dessas Vênus de Milo é fundada na obra grega não significa, na verdade, senão que ela se contém dentro da moldura ou quadro, que a obra grega representa – não significa que ela é a Vênus de Milo, mas apenas que é uma das Vênus de Milo...É que a norma é produzida , pelo intérprete, não apenas a partir de elementos que se desprendem do texto(mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de elementos da realidade(mundo do ser).
            A Doutora Lídia Prado[18] em sua obra intitulada “ O juiz e a Emoção”  discorrendo sobre o poder criativo da interpretação feita pelo juiz, assim se posiciona:
             Atualmente , vários teóricos, além dos citados, entendem a função jurisdicional como uma atividade criadora, pois a concepção da sentença ou da decisão administrativa como um silogismo caiu em descrédito.Defende-se a idéia de que a obra do órgão jurisdicional traz sempre , em maior ou menor medida, um aspecto novo, que não estava contido na norma geral. E isso ocorre inclusive quando a sentença tem fundamento em lei expressa, vigente e cujo sentido se apresenta como inequívoca clareza.
            O Judiciário Brasileiro nos últimos tempos,  diante da lentidão e conservadorismo de nosso Poder legislativo, tem avançado em temas tormentosos, como os direitos dos companheiros,  a união estável homoafetiva, a adoção homoafetiva, o aborto do anencefálico, a liberdade de expressão, dentre outros temas importantes que não são enfrentados pelo Poder Legislativo, que deixa  lacunas, em face de desentendimentos de bancadas e antagonismos inconciliáveis, ensejando assim,  que o Poder Judiciário, no âmbito de uma interpretação conforme a Constituição,  avance disciplinando situações novas e regulando a vida social que muda sempre, através de princípios constitucionais na condição de elementos normativos. Essa posição do Judiciário vem merecendo críticas de determinados setores conservadores da sociedade, que interpreta esse novo papel do juiz – ativismo judicial – como indevida interferência na harmonia e independência dos poderes.

            8. OS LIMITES DA DISCRICIONARIEDADE/SUBJETIVIDADE DO JUIZ

 O jurista Lenio Streck[19] propõe a elaboração de uma teoria da decisão para tentar superar o problema da discricionariedade/arbitrariedade do juiz, enfatizando que a simples fundamentação da decisão não resolve o problema. Diz o insigne jurista:
            Não se pode fazer uma leitura rasa do art.93, IX da CF. A exigência de fundamentação não se resolve com “ capas argumentativas”. Ou seja, o juiz não deve explicar aquilo que o convenceu... Deve sim, explicitar os motivos de sua compreensão, oferecendo uma justificação( fundamentação) de sua interpretação, na perspectiva de demonstrar como a interpretação oferecida por ele é a melhor para aquele caso( mais adequada à Constituição ou, em termos dworkinianos, correta), num contexto de unidade, integridade e coerência com relação ao Direito da comunidade política.
            Torna-se curial que criemos mecanismos de controle da decisão judicial, para evitar o arbítrio e correr o risco de retrocedermos para o ressurgimento do “governo dos homens”, agora travestidos na versão contemporânea de magistrados aplicadores livres e independentes dos textos normativos, o que também não interessa ao Estado Democrático de Direito. A devida fundamentação da decisão acompanhada da justificação da interpretação empregada, demonstrando  o juiz os caminhos percorridos para produzir determinada norma e que ofereça condições plenas de ser impugnada pela parte vencida constitui, sem dúvidas, a garantia para encontrar a interpretação correta para cada caso concreto sem degenerar-se para o arbítrio. O Fenômeno de decisões judiciais em sentido opostos acerca de uma mesma matéria não passou despercebido pelo constitucionalista Luiz Roberto Barroso, quando discorrendo sobre a “ teoria da argumentação”, asseverou:
             A principal questão formulada pela chamada teoria da argumentação pode ser facilmente visualizada nesse ambiente: se há diversas possibilidades interpretativas acerca de uma mesma hipótese, qual delas é a mais correta? Ou, mas humildemente, ainda que não se possa falar de uma decisão correta, qual ( ou quais) delas é( são) capaz(es) de apresentar uma fundamentação racional consistente? Como verificar se uma determinada argumentação é melhor do que outra?
            A consolidação do pós-positivo passa pela superação do arbítrio, evitando que o juiz venha decidir de acordo com sua consciência, o que Lênio Streck chama de “solipsismo judicial”, ou seja, é necessário que haja mecanismos eficazes de controle da decisão judicial, evitando ativismos judiciais e posições voluntaristas.

            9. O NOVO PAPEL DO JUIZ

             O novo juiz deve ser não apenas o garantidor, mas o concretizador das promessa do constituinte e verdadeiro guardião e avalista dos direitos fundamentais do cidadão. Esse novo modelo exige um juiz  que tenha consciência do seu novo papel social e político, como agente político do Estado e que entregue a sua “setentia” com sentimento, utilizando o sentimento e a intuição como método para penetrar na realidade do mundo dos fatos, escapando assim dos conceitos abstratos e da lógica tradicional do positivismo jurídico. O jurista e Desembargador Renato Nallini[20] em seu artigo intitulado “ A formação deo juiz após a Emenda à Constituição n…º 45”  vaticina;
             O desafio da escola da magistratura é transformar o produto dogmático positivista da educação jurídica, à luz da velha feição das Faculdades de Direito, em um profissional atualizado, pronto a enfrentar os desafios contemporâneos. Um solucionador de conflitos, polivalente e intérprete da vontade da Constituição.Um operador do Direito Capaz de fazer escolhas fundamentadas quando se defrontar com antagonismo cada vez mais freqüentes.
            Nesse mesmo sentido, o jurista Dalmo Dallari[21],  em seu excelente artigo intitulado “ A Hora do Judiciário”, destaca o novo papel do juiz, como se observa:
            Essa adaptação começa  pela formação dos futuros juízes, que não poderão ser “ devotos do Código”, legalistas, formais  ou “ escravos da lei”, mas deverão preparar-se adequadamente para conhecer e avaliar com sensibilidade os fenômenos sociais que informam a criação do Direito e estão presentes no momento de sua aplicação, sem esquecer que a prioridade deve ser dada à pessoa humana, sem privilégios e discriminações.

            CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A Justiça brasileira deverá propiciar a porosidade possível para se valer de outros saberes – interdisciplinaridade ou transdisciplinaridade - , quebrando a arrogância de se julgar um sistema hermético e independente. Os atos processuais devem ser públicos em regra e toda decisão judicial fundamentada, de forma que a prestação jurisdicional, além de ser dada num prazo razoável, como exige a emenda 45, também deve ser efetiva e permeada pelos valores da igualdade, dignidade, legitimidade, segurança, e sobretudo, do justo e equitativo, voltado para o grande escopo da jurisdição, que é a paz social fundada na plena realização do ser humano. Esse é o arquétipo que se espera do Judiciário do Século XXI.   Destarte,  esse novo paradigma exige a formatação de um novo juiz sincronizado com o Direito aberto, cuja decisão, livre de qualquer método dogmático-positivista, seja construída em cada caso concreto, numa perspectiva principiológica e de hermenêutica constitucional, sendo, verdadeiramente, o garantidor e concretizador das promessas do constituinte. Esse novo modelo exige um juiz que tenha consciência do seu novo papel social e político, que entregue a sua setentia com sentimento, utilizando a sensibilidade e a intuição como método para penetrar na realidade do mundo dos fatos, escapando, assim, dos conceitos abstratos e da lógica tradicional
 Para isso, o novo juiz , segundo Renato Nallini, deve desenvolver uma consciência de reflexão ética e apurada sensibilidade para julgar os conflitos de interesses individuais, coletivos e difusos. Assim, deve ser priorizado o estudo da filosofia, da hermenêutica, da teoria da argumentação e decisão, da lógica, da sociologia, da psicologia, história, economia e outros saberes, no sentido de que seja um verdadeiro solucionador de conflitos e que busque em cada caso concreto suas escolhas devidamente fundamentadas. Assim, o novo juiz poderá ser o verdadeiro concretizador das promessas do constituinte. Contrario sensu, se ficarmos vinculados ao critério da subsunção, o juiz será certamente um verdadeiro sepultador dos valores constitucionais. O novo juiz, segundo Renato Nallini, combina com a metáfora da navegação e do surf, pois implica na capacidade criativa de enfrentar as ondas, os redemoinhos , as mudanças,  as correntes e os ventos contrários em uma extensão plana, sem fronteiras e em constante mudança. Esse será o perfil do juiz ideal para enfrentar os novos desafios. Esse novo olhar sobre o direito que o juiz do futuro precisa cultivar.
“ Uma verdadeira viagem de descobrimento não é encontrar novas terras, mas ter um olhar novo” ( Marcel Proust)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003.
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STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica (m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado 2011









[1] DALLARI, Dalmo de Abreu. A hora do Judiciário. Revista da Escola Nacional da Magistratura e Associação dos Magistrados Brasileiros.Ano I, número 1. – Brasília-DF: Escolas Nacional das Magistratura, 2006. P.12
[2] PESSANHA, José Américo Motta. Platão e as Idéias. In: REZENDE, Antonio(org). Curso de Filosofia para professores e alunos dos cursos de segundo grau e graduação. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. P. 54
[3] BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Tomo III  Rio de Janeiro: Renovar, 2005.p11.
[4] GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008 . p.155
, [5] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica (m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado 2011. PP 64/65
[6] Op. Cit. p.54
[7] Op. cit. p. 56
[8] Op. Cit. p 16
[9] Op. Cit. p. 18
[10]  Op. cit.p 304
[11] DWORKIN, Ronald. O Direito da Liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana; Trad. Marcelo Brandão Cipolla; Revisão técnica Alberto Alonso Munhoz. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Ppp.2/3
[12] BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Tomo III  Rio de Janeiro: Renovar, 2005.pp 12/13
[13] Op. Cit. p. 394
[14] BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. Tomo III  Rio de Janeiro: Renovar, 2005 . p. 15.
[15] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. P. 45
[16] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação /Aplicação do Direito . pp.64,65 e 66.
[17] Op.cit. p 88
[18] PRADO, Lidia Reis de Almeida. O juiz e a emoção: aspectos da lógica judicial. 3ª Ed.Campinas-SP: Millennium, 2006 . p. 13
[19] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise . p. 399
[20] Op. Cit. p. 7
[21] Op. Cit. p.4

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