quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A POSITIVAÇÃO DO SINASE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

A POSITIVAÇÃO DO SINASE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS





INTRODUÇÃO



O SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - , finalmente será positivado em nosso ordenamento jurídico em abril deste ano, quando entrará em vigor a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, recentemente sancionada pela Presidente da República, Dilma Rousef todavia, é bom que se enfatize que o SINASE já existia em nosso pais desde 2006, quando o CONANDA fez baixar a resolução nº 119, de 11 de dezembro de 2006, instituindo-o em nosso país, entretanto, poucos juízes da infância e juventude o adotava, ou pelo menos, o conhecia. Na verdade, o SINASE é um instrumento de construção de vários atores do sistema de garantias de Direito, no eixo das convenções internacionais sobre Direito Humanos, principalmente aquelas voltadas para a proteção da infância e juventude, como as diretrizes de RIAD e as regras mínimas de Beijing. O SINASE busca precipuamente implementar com eficácia a execução das medidas socioeducativas, estabelecendo parâmetros nas unidades em meio aberto, bem como das unidades de semiliberdade e internação, ressaltando sobretudo o caráter excepcional e breve das medidas que impliquem na privação de liberdade. Além de definir as competências da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, reforça o caráter pedagógico que deve ter as medidas socioeducativas , estabelecendo as formas de gestão do sistema socioeducativo, bem como os princípios e parâmetros, inclusive arquitetônicos das entidades de execução das medidas socioeducativas.



O QUE É O SINASE?

Na verdade, segundo no art. 3º da Resolução nº 119/2006 do CONANDA, o SINASE é “um conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medidas socioeducativas”. Vale ressaltar, por oportuno, que em 2004 a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), por meio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SPDCA), em conjunto com o CONANDA e com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), sistematizaram e organizaram a proposta do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo-SINASE, depois de ampla discussão com vários atores do Sistema Geral de Garantias de Direitos, construindo metodologicamente o SINASE, como grande instrumento de orientação na implementação das medidas socioeducativas, todavia, não houve efetividade, pois a maioria dos juízes da infancia e juventude do Brasil não aplicavam as suas disposições e os gestores estaduais e municipais não criaram, como deveriam, a infra-estrutura necessária a implementação e execução das medidas socioeducativas.

O SINASE constitui, sem dúvidas, no grande instrumento de mudança de paradigma do Direito Infanto-Juvenil no Brasil, ou seja, é a ferramenta indispensável para consolidar a travessia da doutrina da situação irregular para a doutrina da proteção integral. O SINASE, como sub-sistema está inserido no Sistema Geral de Garantias de Direitos e interage com os demais sub-sistemas – segurança e justiça, saúde, assistência social e educação - , no sentido de construir a grande rede de atendimento socioeducativo e assim, assegurar , no âmbito dos principios da prioridade absoluta e incompletude institucional, os direitos fundamentais aos adolescentes em conflito com a lei, assegurados no ECA, na Constituição Federal e nas Convenções Internacionais, das quais o Brasil é signatário. O juiz da Infancia e Juventude, não mais dispõe dos superpoderes do famigerado “juiz de menores” e nem é detentor de “ presumíveis” conhecimentos enciclopédicos, pois à luz da doutrina da proteção integral e dos postulados do SINASE é apenas mais um ator no sistema de garantias de Direitos. Com efeito, em regra , o juiz da infância e juventude deve ser auxiliado por uma equipe interdisciplinar( arts. 150 e 151 do ECA) e suas decisões referentes à execução da medidas socioeducativas devem ser fundamentadas e cumpridas em entidades em meio aberto – liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade -, bem como em unidades de semiliberdade e internação, com a intervenção de uma rede integrada por atos atores do sistema socioeducativo.



PRINCIPAIS INOVAÇÕES

O SINASE, além de definir competências da união, estados, Distrito Federal e Municípios com relação a formulação de políticas de atendimento socioeducativo, inclusive no que toca ao financiamento de recursos, estabelece que é competência do município criar e manter programas de atendimento para a execução das medidas socioeducativas em meio aberto( liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade), enquanto é dever do Estado criar, desenvolver e manter programas para a execução das medidas socioeducativas de semiliberdade e internação. Cabe a Secretaria de Direitos Humanos da Presidente da República a gestão e as funções executivas do SINASE. A partir da vigência da lei cada município deverá elaborar o seu Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, em conformidade com o Plano Estadual e o Nacional, de competência do CONANDA. É curial ressaltar que todas as entidades executoras de medidas socioeducativas no Município deverão inscrever seus programas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. O SINASE, além de estabelecer os requisitos, a estrutura física e humana das unidades de atendimento, descreve as atividades a serem desenvolvidas nas referidas unidades executoras de medidas socioeeducativas. O SINASE veda a edificação de unidades socioeducativas em espaços contíguos, anexos, ou integrados a estabelecimentos penais. O candidato a ser dirigente de unidade de semiliberdade ou de internação, dentre outros requisitos, deve ter formação de nível superior compatível com a natureza da função, além de comprovada experiência no trabalho com adolescente, no mínimo de dois anos, e reputação ilibada. Outra grande inovação da lei 12.594. é a criação do Sistema Nacional de Avaliação e Acompanhamento do Atendimento soicoeducativo, que terá o objetivo de fiscalizar e avaliar a gestão , os programas das entidades executoras das medidas socioecuativas, e o resultado da aplicação das medidas socioeducativas, socializando as informações do atendimento socioeducativo e estabelecendo metas para o aprimoramento da rede de atendimento socioeducativo. Esses dados, além de revelar o aspecto fiscalizador do sistema, sinaliza para a colheita de dados diagnósticos, no sentido de aperfeiçoar o próprio SINASE.

DA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Alguns Estados da Federação, como a Bahia, em face da lacuna da lei, adiantaram-se e baixaram Provimentos para disciplinar a execução das medidas socioeducativas, objetivando uma maior uniformidade nos procedimentos alusivos à execução das medidas socioeducativas. Na Bahia, o Provimento nº 08/2011 contempla vários dispositivos da nova lei e disciplina algumas situações que a nova lei deixou escapar, como por exemplo, o cumprimento da medida socioeducativa em Comarca diversa daquela onde tramitou o processo de conhecimento. O Provimento nº 08/2011 do TJBA estabelece em seu aart. 9º o cumprimento da medida socioeducativa em outra Comarca.

A grande novidade que os operadores do Direito vão deparar assim que a lei entrar em vigor será com relação à elaboração do PIA – Plano Individual de Atendimento - , que a partir de agora constitui instrumento obrigatório na execução das medidas socioeducativas. O juiz ao aplicar uma medida em meio aberto – LA ou PSC – deverá oficiar a unidade executora da medida para que forneça no prazo de 15 dias o PIA. Assim que chegar o PIA, o juiz deverá ouvir o Ministério Público e o Defensor, no prazo sucessivo de 3 dias. Caso não haja qualquer impugnação, o juiz homologará o PIA e comunicará a entidade. Se o Defensor ou o Ministério Público impugnar o pia e o juiz entender que não há qualquer fundamento, indeferirá de plano a impugnação. Caso o juiz entenda que a fundamentação é consistente e merece uma esclarecimento maior sobre o PIA, então deverá ser instaurado um incidente processual, designando audiência que terá a participação da direção da equipe do programa de atendimento, do MP, defensor, do adolescente e seus pais ou responsável. A rigor, a impugnação não suspenderá a execução do plano individual, salvo decisão judicial em contrário. Se se tratar de execução de medidas de semiliberdade ou internação o prazo para a elaboração do PIA por parte da unidade executora será de 45 dias.

Uma inovação importantíssima, que já vem sendo realizada na Comarca de Itabuna desde 2006, ainda quando funcionava a FUNDAÇÃO RECONTO, é a designação de audiência para avaliar o cumprimento da medida socioeducativa aplicada ao adolescente a cada seis meses, no máximo, com a participação da equipe técnica da unidade executora da medida, que apresentará relatório circunstanciado sobre o desempenho do adolescente, podendo sugerir a substituição da medida, bem como a sua manutenção, regressão ou suspensão, além do desligamento antes do prazo máximo fixado, quando restar comprovado que o adolescente vem cumprindo exemplarmente a medida . Essa audiência pode ser requerida pela direção da unidade executora, pelo MP, pelo defensor, além do próprio adolescente, seus pais ou responsável, ou de ofício pelo Juiz.

AUTOS DE EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

A nova lei prevê autuação em separado de processo de execução para cada adolescente toda vez que for aplicada medida de liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade, semiliberdade , internação, bem como quando se tratar de remissão clausulada com alguma medida em meio aberto concedida como suspensão do processo. Os autos, segundo o disposto no art. 39 da referida lei, serão instruídos com as seguintes peças: 1) documentos pessoais do adolescente, especialmente que comprovem sua idade; 2) cópia da representação e de antecedentes socioeducativos; 3) cópia da senteça ou acórdão, bem como dos estudos técnicos realizados durante o processo de conhecimento e outros documentos indicado pela autoridade judiciária. A lei, no particular, não disciplinou o cumprimento da medida fora da Comarca onde tramitou o processo de conhecimento.

UNIFICAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Aqui me parece um ponto polêmico da nova lei e que deve abrir discussões. O § 2º do art. 45 da referida lei estabelece que o adolescente que já cumpriu medida socioeducativa de internação, mesmo naqueles casos que tenha sido transferido para cumprimento de medida mais branda, não mais cumprirá medida de internação por atos infracionais praticados anteriormente a aplicação da medida de internação que efetivamente cumpriu, pois entende-se que tais atos foram absorvidos por aqueles. O Provimento nº 08/2011 do TJBA já previa essa disposição em seu art. 22, acrescentando ainda em seu art. 21 que “ na unificação de medidas socioeducativas em meio aberto e fechado, o adolescente sofrerá a imposição da medidas socioeducativa mais grave”.

EXTINÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

O art. 46 da nova lei, já reproduzido no Provimento nº 08 do TJBA estabelece que a medida socioeducativa será extinta nas seguintes hipóteses: 1) pela morte do adolescente; 2) pela realização de sua finalidade; 3) pela aplicação de pena privativa de liberdade, a ser cumprida em regime fechado ou semiaberto , em execução provisória ou definitiva; 4) pela condição de doença grave, que torne o adolescente incapaz de submeter-se ao cumprimento da medida, e nas demais hipóteses previstas em lei. Creio que a prescrição não foi contemplada, pois além de ser um instituto de direito penal(material), a sua aplicação no ECA decorre de uma mera construção pretoriana, ou seja, a súmula nº . O art. 152 do ECA admite a aplicação subsidiária de normas de caráter processual, naquilo que não contrariar as diretrizes e princípios próprios do ECA. Todavia, a nova lei, adotando um dos postulados das Diretrizes de Riad, estabeleceu em seu inc. I do art. 35, que o adolescente não poderá receber tratamento mais gravoso do que aquele dispensado ao adulto. Logo, numa interpretação sistêmica ou teleológica, poderão alguns juízes adotarem a prescrição como meio de extinção de medida socioeeducativa, o que não representa a nossa posição, pois entendemos que o ECA , como microssistema, com metodologia , princípios e postulados próprios, prevê várias formas de extinção das medidas socioeducativas em razão do prolongado lapso temporal, e seguramente medida socioeducativa não é pena, pois além do caráter retributivo comum às penas, ela tem um plus, que é o caráter preponderantemente pedagógico, em face de ter como destinatário um sujeito de direito – adolescente - , na condição peculiar de desenvolvimento, e que necessita de toda uma rede de atendimento socioeducativo para refletir sobre o ato infracional praticado e assim reverter os fatores criminógenos que eventualmente carrega consigo.

Caso o adolescente seja maior de 18 anos e menor de 21 anos de idade, e esteja respondendo processo criminal, o juiz decidirá sobre eventual extinção da medida socioeducativa, comunicando a decisão ao juiz criminal respectivo.

A nova lei incentiva as práticas conciliatórias, principalmente, a justiça restaurativa, no sentido também de atender as necessidades da vítima. O mandado de busca e apreensão terá um prazo de seis meses, podendo ser renovado fundamentadamente. O Adolescente que estiver cumprindo medida de internação terá direito a autorização de saída da unidade, desde que seja monitorada e em casos comprovados de necessidade de tratamento médico, doença grave ou falecimento de pai, mãe, filho, cônjuge, companheiro ou irmão, devendo para tanto comunicar ao juiz competente. O adolescente casado ou que vivia em união estável será assegurado a visita íntima de sua companheira ou esposa nas unidades privativas de liberdade. Vale ressaltar que toda decisão de execução de medida socioeducativa só deverá ser tomada pelo Juiz, depois de ouvida do adolescente, do defensor e do MP.

Atualmente existem no Brasil mais de 17.000 adolescentes cumprindo medida socioeducativa de internação, incluindo as internações provisórias. A nova lei deve contribuir para diminuir substancialmente esse contingente, priorizando-se assim as denominadas medidas em meio aberto, todavia, o SINASE só será efetivado se houver a participação efetiva do Ministério Público, Poder Judiciário e dos demais atores da rede socioeducativa, principalmente dos gestores – estaduais e municipais – que deverão criar, respectivamente, as unidades regionais de internamento e semiliberdade, e as unidades locais – municipais de Medidas em Meio Aberto para o cumprimento das medidas socioeducativas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade, oferecendo e criando oportunidades para que os juízes da infância e juventude do Brasil apliquem na íntegra o SINASE.

Existem outros dispositivos importantes, como o regime disciplinar do adolescente e o PIA, mas as limitações deste artigo impedem maiores incursões. De qualquer sorte, essas disposições se nos afiguram como as mais importantes e que interessam de perto a todos os operadores do Direito, e também àqueles que laboram na execução das medidas socioeducativas.



Marcos Bandeira é Juiz titular da Vara da Infancia e Juventude da Comarca de Itabuna-BA , professor da Disciplina Direitos da Criança e do Adolescente da UESC e ex-membro da Coordenação da Infancia e Juventude do Tribunal de Justiça da Bahia.



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